Preguiça litúrgica – Voz Portucalense – 03.07.2025
Preguiça litúrgica
Voz Portucalense. Julho 3,2025
Por Secretariado Diocesano da Liturgia
Diz um provérbio popular que «a preguiça é a mãe de todos os vícios». No caso da reforma litúrgica e da sua reta aplicação diremos que a preguiça é a causa de muitos abortos… Certamente com a concorrência de outras «mães», a preguiça multiforme – inércia, cansaço, abstencionismo, demissão, desânimo, desistência, comodismo, falta de interesse e de esforço, inação, esgotamento, acédia, … – ajuda a compreender o porquê de uma tão generosa sementeira de reforma não ter permitido colher e saborear os desejados frutos de renovação.
Permitimo-nos apontar alguns exemplos:
– A omissão das Missas de «vigília»: recentemente, o calendário e os livros litúrgicos – com destaque para o Missal e o Lecionário – proporcionaram-nos diversos formulários para celebrações vigiliares: Pentecostes, São João Batista, São Pedro e São Paulo… Também no Natal, na Assunção da Virgem Santa Maria. Constata-se que numerosos sacerdotes, porventura a maioria, prescindem dessas propostas e optam habitualmente pela «Missa do dia». Porquê? Sejamos honestos: por preguiça! Preparar duas homilias? Dois programas de cânticos? E porque não? Não dá muito mais trabalho, mas dá algum. Obriga, pelo menos, a olhar antes para as possibilidades, a preparar-se…
– Aquando da primeira edição do Ordenamento das Leituras da Missa (1970), algumas celebrações ainda não dispunham de uma proposta trienal para todas as leituras. Quando, em 1981, essa deficiência foi superada, as leituras para os anos B e C passaram a ser incluídas como facultativas, acrescentando-se à proposta inicial, do ano A. É o caso das festas da Sagrada Família e do Batismo do Senhor e das Solenidades da Ascensão do Senhor e do Pentecostes… verifica-se, porém, que na generalidade dos casos se opta sempre por repetir as leituras do ano A, privando a comunidade da variedade e riqueza que a Igreja propõe. Porque será? Sejamos honestos: por preguiça! Por falta de investimento na preparação.
– As normas preveem que a Missa vespertina do dia anterior ao de uma festa de preceito seja organizada com todos os elementos prescritos ou recomendados para o dia festivo. Esta norma aplica-se quando se trata de Missas com o povo em que seja de pressupor que haja fiéis que pretendam exercer o direito, canonicamente assegurado, de satisfazer de véspera o preceito de participar na Eucaristia nesses dias santos. Habitualmente esta regra é cumprida nas tardes de sábado, com o uso dos formulários dominicais. Mas em muitos lados os fiéis são injustamente provados dessa riqueza na tarde da véspera de outras solenidades de preceito, como a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, a Assunção da Bem-aventurada Santa Maria ou a solenidade de todos os Santos. Porque será? Sejamos honestos: por preguiça!
– O Ordinário da Missa oferece-nos quatro orações eucarísticas para o momento central da celebração da Santa Missa. Não falemos já das outras propostas cujo uso, desejavelmente criterioso, o novo Missal facilita. E o que é que acontece? Os fiéis têm habitualmente de se contentar com a Oração Eucarística II. Já a sabem de tal modo de cor que nem a ouvem. Bem mais raramente lá se escuta a Oração Eucarística III. E a primeira ou a quarta? Só no dia em que o rei faz anos (ou no aniversário da proclamação da República)! Quem quiser fazer a prova real, veja quais são as páginas mais usadas e desgastadas do Missal. Porque será? Sejamos honestos: por preguiça! É que a Oração Eucarística II é mais breve. Sim, à preguiça pode acrescentar-se a pressa. Tanta pressa para o essencial do qual só não prescindimos porque ainda não desistimos de ser católicos (?)! Pressa que traz rotina, superficialidade, acédia, inércia, desinteresse, falta de empenho, desmotivação: preguiça! E contudo, paradoxalmente, a IGMR no n. 365 até nos dá indicações sobre como e quando usar cada uma das quatro orações eucarísticas. Significativamente, aí até se diz que a Oração eucarística II «é mais indicada para os dias feriais»; consequentemente, é a menos indicada para os domingos. Acontece que são esses os dias em que há mais pressa, os dias em que a rotina tem de triunfar no momento mais sagrado e vital, sem o qual não há comunhão nem comunidade cristã digna desse nome.
Os exemplos que demos, tomados cada qual por si, significam pouco. Mas no conjunto apontam para uma doença que debilita gravemente todos os genuínos esforços de renovação litúrgica. A preguiça é incompatível com o grande objetivo conciliar da «participação ativa»! A preguiça corre o risco de morrer de sede à beira da fonte.
 
								 
								 
								 
								 
								 
								 
			