Festa da Exaltação da Santa Cruz – Domingo XXIV do Tempo Comum-Ano C – 14 setembro 2025

Viver a Palavra

            No Domingo XXIV do Tempo Comum, somos convidados a colocar o nosso olhar na cruz de Jesus e a celebrar com toda a Igreja a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Num contexto sociocultural, marcado pela ideologia do sucesso e do bem-estar, falar de uma vida desenhada em forma de cruz, parece não só paradoxal, mas insensato, fazendo-me recordar as palavras de S. Paulo aos coríntios: «nós pregamos um Messias crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios» (1 Cor 1,23). Mas que escândalo é este e que loucura é esta que merece ser contemplada? Mais, o Papa Bento XVI, na encíclica Deus caritas est, afirma que é na contemplação deste lado aberto de Cristo na cruz que «o cristão encontra o caminho do seu viver e amar» (DCE 12).

            É o escândalo dos que não se contentam com alegrias fugazes e a loucura dos que se sabem portadores de uma vida maior do que aquela que os olhos deste mundo podem ver. É o escândalo de um Deus que sendo omnipotente, omnisciente, omnipresente e tudo mais que podemos dizer Dele para sublinhar a sua grandeza e que não hesita em fazer-se homem e assumir a loucura de percorrer por amor os caminhos deste mundo, até aos trilhos mais dramáticos que conduzem ao Gólgota.

            Na Cruz, Jesus coloca a descoberto o amor maior e revela de modo escandaloso e louco que a vida só é plena e reveladora de um horizonte de eternidade quando entregue sem medida: «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna». Jesus não vai para a cruz porque quer sofrer muito! Jesus vai para a cruz porque nos ama muito e, assim, que aquilo que o prendeu na cruz não foram os cravos, mas o amor incondicional pela humanidade inteira.

Na contemplação da cruz de Cristo, somos chamados a reconhecer o alto valor e dignidade que tem a vida de cada um de nós. Se, de acordo com um princípio económico básico, uma realidade tem o valor que alguém estiver disposto a dar por ela, na cruz, Deus revela que temos um alto valor, pois, por cada um de nós, o Filho de Deus ofereceu a sua vida. Por isso, contemplemos a Cruz de Cristo, mas, sobretudo, deixemo-nos contemplar por aquele olhar de amor e interpelar pela sua entrega generosa.

            Na cruz, Jesus oferece a Sua vida pela humanidade inteira e esta entrega não é algo de abstrato ou genérico. Nesta humanidade inteira, está cada um de nós. Como recordava Jesus à Serva de Deus Ana de Jesus Maria José de Magalhães, quando ela contemplava a sua paixão: «Também foi por ti, filha». Quão bom seria que este dia da exaltação da Santa Cruz nos permitisse entrar nesta comunhão íntima e pessoal com o Senhor, porque aqueles que se sentem amados incondicionalmente por Deus, partem na aventura do amor, desenhando a sua vida em forma de cruz, abraçando um novo modo de ser e de estar, que se traduz numa nova forma de servir e amar.

            A cruz é o estandarte erguido sobre o monte como horizonte de esperança e salvação, porque nos conduz à luz nova da Páscoa. Assim como os israelitas mordidos pela serpente encontravam cura na contemplação da serpente de bronze, o Novo Israel, encontra a salvação e esperança na contemplação de Cristo crucificado e ressuscitado.

            Contemplemos a geometria da cruz: a haste vertical, assente na terra, aponta para o céu; na haste horizontal, Jesus está de braços abertos para abraçar cada um de nós. Assim, a Cruz é o grande abraço de Deus à humanidade, para que envolvidos por este amor, possamos partir para anunciar com a vida: «a linguagem da cruz é certamente loucura para os que se perdem, mas, para os que se salvam, para nós, é força de Deus» (1 Cor 1,18). in Voz Portucalense.

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Nota Histórica

Festa
A cruz, outrora sinal do mais terrível dos suplícios, é para os cristãos a árvore da vida, o tálamo, o trono, o altar da nova aliança. A festa da Exaltação da Santa Cruz é celebrada no dia seguinte à dedicação da basílica da Ressurreição, erigida sobre o sepulcro de Cristo. Exalta e honra a cruz como troféu da vitória pascal de Cristo e sinal que há de aparecer no céu para anunciar a todos a segunda vinda do Senhor. In Secretariado Nacional da Liturgia.

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O dia 14 de setembro é dia do aniversário natalício do Papa Leão XIV. Ao assinalar o septuagésimo aniversário do Romano Pontífice, neste dia da Exaltação da Santa Cruz, a celebração dominical constitui-se como uma oportunidade para dar graças a Deus pelo dom da sua vida e do seu ministério petrino. Pode acrescentar-se uma prece ao formulário da oração universal ou até mesmo cantar no momento pós-comunhão o Te Deum. in Voz Portucalense

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Continuamos no Tempo Comum, continuamos o Ano Litúrgico – Ano C – onde somos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Números 21,4b-9

Naqueles dias,
o povo de Israel impacientou-se
e falou contra Deus e contra Moisés:
«Porque nos fizestes sair do Egipto,
para morrermos neste deserto?
Aqui não há pão nem água
e já nos causa fastio este alimento miserável».
Então o Senhor mandou contra o povo serpentes venenosas
que mordiam nas pessoas
e morreu muita gente de Israel.
O povo dirigiu-se a Moisés, dizendo:
«Pecámos, ao falar contra o Senhor e contra ti.
Intercede junto do Senhor,
para que afaste de nós as serpentes».
E Moisés intercedeu pelo povo.
Então o Senhor disse a Moisés:
«Faz uma serpente de bronze e coloca-a sobre um poste.
Todo aquele que for mordido e olhar para ela
ficará curado».
Moisés fez uma serpente de bronze e fixou-a num poste.
Quando alguém era mordido por uma serpente,
olhava para a serpente de bronze e ficava curado.

CONTEXTO

            O “Livro dos Números” é assim designado na versão grega da Bíblia Hebraica pelas frequentes listas de censos, de registos e de listas, que aparecem ao longo do livro (começando inclusive com os números do recenseamento do Povo de Deus, tribo por tribo, feito por Moisés por mandato de Deus – cf. Nm 1,1-47). Apresenta, sem grande preocupação de coerência e de lógica, um conjunto de tradições sobre a estadia no deserto dos hebreus libertados do Egipto. São tradições de origem diversa, que os teólogos das escolas javista, elohista e sacerdotal utilizaram com fins catequéticos.

            No seu estado atual, o livro está dividido em três partes. A primeira narra os últimos dias da estadia do Povo de Deus no Sinai, junto do “monte da Aliança” (cf. Nm 1,1-10,10); a segunda descreve a caminhada do Povo pelo deserto, em diversas etapas, desde o Sinai até à planície de Moab, num trajeto geográfico difícil de seguir e de identificar (cf. Nm 10,11-21,35); a terceira apresenta a comunidade dos filhos de Israel instalada na planície de Moab, preparando a sua entrada na Terra Prometida (cf. Nm 22,1-36,13).

            Mais do que uma crónica de viagem do Povo de Deus desde o Sinai, até às portas da Terra Prometida, o Livro dos Números é um livro de catequese. Pretende mostrar que a essência de Israel é ser um Povo santo, reunido à volta de Deus e da Aliança. Com algum idealismo, os autores do Livro dos Números vão descrevendo como esse grupo informe de nómadas libertados do Egipto foi ganhando progressivamente uma consciência nacional e religiosa, até chegar a formar a “assembleia santa de Deus”. O autor mostra como, ao longo do caminho, por ação de Deus, Israel vai progressivamente amadurecendo, renovando-se, transformando-se, alargando os horizontes, tornando-se um Povo mais responsável, mais consciente, mais adulto e mais santo.

            O episódio que hoje nos é proposto situa-nos no deserto do Neguev, no sul da Palestina. Impedidos de atravessar o território dos Edomitas (cf. Nm 20,14-21), os hebreus dirigiram-se para o sul pelo “caminho do mar dos Juncos” (Nm 21,4), a fim de contornarem a fronteira de Edom, em direção ao golfo da Aqaba in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • O livro dos Números, ao contar a caminhada dos israelitas desde a montanha do Sinai até às portas da Terra Prometida, define um percurso que é mais espiritual do que geográfico. As vicissitudes que vão aparecendo ao longo do caminho ajudam o povo de Deus a libertar-se de uma mentalidade mesquinha, egoísta, comodista, e a adquirir uma mentalidade mais madura, mais desprendida, mais responsável, mais consciente e mais santa. Deus lá está, ao longo de todo o percurso, intervindo e atuando, demonstrando ao Povo o sem sentido das suas opções comodistas e convidando-o a ver mais longe, a não se deixar prender por cadeias de egoísmo e de escravidão. A caminhada dos hebreus pelo deserto reflete a caminhada da nossa vida. Ao longo do nosso percurso de vida vem ao de cima, a cada passo, a nossa fragilidade, a nossa preguiça, a nossa apatia; instalados na nossa zona de conforto, contentamo-nos com valores efémeros e recusamo-nos a ir mais além, a arriscar, a abraçar os valores que exigem mais de nós. Mas, hoje como ontem, Deus aparece-nos em cada curva do caminho, insiste connosco, desafia-nos a nunca parar na busca da verdadeira liberdade. Revemo-nos nesta história? Estamos atentos e recetivos às indicações que Deus nos vai dando em cada passo do caminho?
  • A história da serpente de bronze que proporciona vida e salvação ao povo de Deus sinaliza, de forma muito particular, uma preocupação que Deus nunca deixou de manifestar ao longo da história da salvação: oferecer aos seus queridos filhos que caminham na terra vida em abundância. A solicitude de Deus, o seu cuidado, a sua misericórdia infinita, a sua preocupação em curar as feridas que a vida nos inflige, são as marcas de um amor incomensurável e incondicional. A serpente do egoísmo, da violência, da injustiça, da exploração, do orgulho, da ambição, da mentira, do medo, da maldade, espera-nos oculta nas pedras do nosso caminho e procura envenenar-nos; mas se, mesmo atingidos pelo veneno dessa serpente, levantarmos o olhar para o alto, seremos curados e salvos. “Olhar para o alto” é confiar em Deus, acolher o seu amor, viver de acordo com as suas indicações, optar pelos valores eternos; “olhar para o alto” é escolher a justiça, a verdade, a paz, a solidariedade, a partilha, o serviço, o perdão, a liberdade, o amor aos irmãos; “olhar para o alto” é viver de olhos postos na vida verdadeira e eterna; “olhar para o alto” é apostar em tudo o que dá sentido pleno à nossa vida. Vivemos de olhos postos no alto?
  • A catequese tradicional de Israel considera como “castigos” de Deus determinados acontecimentos que trouxeram sofrimento aos israelitas. A perspetiva, no entanto, é que esses “castigos” não são pura vingança divina contra o pecado do homem, mas sim um meio a que Deus recorre para educar o seu Povo e para o fazer perceber o sem sentido de certas opções. Nós, depois de termos frequentado a “escola de Jesus” e iluminados pela visão que Jesus nos oferece do Pai, acreditamos que o castigo não faz parte da lógica de Deus. Deus ama-nos com um amor verdadeiro e apenas quer a nossa felicidade e a nossa plena realização. É verdade que, muitas vezes, as nossas opções erradas têm consequências que nos fazem sofrer; esse sofrimento, no entanto, não deve ser atribuído a Deus, mas sim às nossas escolhas egoístas e aos efeitos que elas têm na nossa vida. Como é que “lemos” e sentimos os males que nos atingem? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)

Refrão: Não esqueçais as obras do Senhor.

 

Escuta, meu povo, a minha instrução,
presta ouvidos às palavras da minha boca.
Vou falar em forma de provérbio,
vou revelar os mistérios dos tempos antigos.

Quando deus castigava os antigos, eles O procuravam,
tornavam a voltar-se para Ele
e recordavam-se de que Deus era o seu protetor,
o Altíssimo o seu redentor.

Eles, porém, enganavam-n’O com a boca
e mentiam-Lhe com a língua;
o seu coração não era sincero,
nem eram fiéis à sua aliança.

Mas Deus, compadecido, perdoava o pecado
e não os exterminava.
Muitas vezes reprimia a sua cólera
e não executava toda a sua ira.

 

LEITURA II – Filipenses 2,6-11

Cristo Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem,
humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte
e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.

CONTEXTO

            A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

            A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

            Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Fl 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” – Fl 2,5).

            O texto que a liturgia do domingo de Ramos nos apresenta como segunda leitura é o texto mais notável da carta aos filipenses. Trata-se de um antigo hino, provavelmente pré-paulino, que era recitado nas celebrações litúrgicas cristãs (há quem fale, a propósito deste hino, na catequese primitiva de Simão Pedro, conservada na comunidade cristã de Antioquia da Síria). Lembra aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo, a sua humildade e despojamento. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • O hino cristológico de Flp 2,6-11 constitui uma excelente chave de leitura para interpretar, sentir e viver a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Ao “som” deste belíssimo hino podemos compreender o caminho de Jesus, o significado das suas opções, o sentido da sua vida, da sua paixão, morte e ressurreição. Jesus veio ao encontro dos homens e entrou no mundo pela porta da pobreza e da humildade; fez-se da estatura dos homens para nos elevar à grandeza de Deus. Caminhou no meio dos homens, teve fome e frio, experimentou o cansaço e a dor, chorou e irritou-se, aproximou-se dos pecadores e malditos. Foi condenado como subversivo e sofreu o suplício reservado aos piores, ao “lixo” da sociedade. Abraçou o mundo, não a partir de um trono, mas dessa cruz maldita onde morriam os que a sociedade da época queria humilhar especialmente. No final, contudo, Deus ressuscitou-O e exaltou-O, dando-lhe razão e confirmando a verdade da vida que Ele viveu e da proposta que Ele veio fazer-nos. Nós, que somos gente tão ciente da nossa importância, das nossas prerrogativas, dos nossos direitos, como é que avaliamos esse caminho que Jesus percorreu? A cruz foi fracasso, ou foi vitória? Estamos disponíveis para seguir atrás de Jesus, para abraçar a cruz e para fazer da nossa vida um dom de amor?
  • Não há mesmo volta a dar: a lógica de Deus funciona em sentido contrário à nossa lógica humana. Quanto mais nos despojamos da nossa superioridade, quanto mais renunciamos à capa da importância e da autoridade, quanto mais gastamos a nossa vida a fazer o bem, quanto mais nos fazemos “servos” dos nossos irmãos, quanto mais amamos sem esperar nada em troca, mais subimos na “escala” de Deus. Deus disse-nos isto, com todas as letras, através do seu Filho Jesus. De forma inequívoca, de forma irrefutável, com uma linguagem que só não entende quem não quer. Porque é que, depois de dois mil anos a olhar para a cruz de Jesus, isto ainda não é claro para nós? O que mais tem Deus de fazer para nos mostrar o caminho que conduz à Vida verdadeira?
  • Apesar de tudo aquilo que Jesus nos disse, nós continuamos a afirmar, gloriosamente convencidos, que “dos fracos não reza a história”. Queremos dizer com isto que, segundo a nossa experiência, os grandes vencedores do jogo da vida são os poderosos e autossuficientes, os ambiciosos e arrogantes, os que impõem aos outros a sua própria vontade, os que enfrentam o mundo com agressividade, os que fazem por ser melhores mesmo que isso signifique passar por cima dos mais frágeis. Os outros – os fracos, os humildes, os pequenos, os que vivem para servir, os que não ameaçam ninguém, os que não gritam para impor a sua vontade – são gente que não deixa registo no grande livro da memória dos homens. À luz do que sabemos da lógica de Deus, quais serão os nomes que aparecem em primeiro lugar no grande livro da vida, no grande livro de Deus? E o que é que isso nos sugere? Por outro lado, como é que nós, os seguidores do Crucificado, nos situamos num mundo onde é preciso impor-se aos outros e ser competitivo? Teremos de prescindir do “estilo de Jesus” para cumprir o papel que a sociedade espera de nós? in Dehonianos

 

EVANGELHO João 3,13-17

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos:
«Ninguém subiu ao Céu
senão Aquele que desceu do Céu: o Filho do homem.
Assim como Moisés elevou a serpente no deserto,
também o Filho do homem será elevado,
para que todo aquele que acredita
tenha n’Ele a vida eterna.
Deus amou tanto o mundo
que entregou o seu Filho Unigénito,
para que todo o homem que acredita n’Ele
não pereça, mas tenha a vida eterna.
Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo
para condenar o mundo,
mas para que o mundo seja salvo por Ele».

 

CONTEXTO

            Jesus tinha ido a Jerusalém para a celebração da Páscoa (cf. Jo 2,13). Foi lá que se encontrou e conversou com um fariseu chamado Nicodemos, que era “uma autoridade entre os judeus” (Jo 3,1).

            Dizer que Nicodemos era fariseu é dizer que ele era um homem da Lei. Os fariseus distinguiam-se pela sua adesão e fidelidade à Lei de Moisés. Os membros deste partido tinham grande influência entre o povo pela sua fama de observância e de prática religiosa. Mas João diz-nos também que Nicodemos era uma autoridade entre os judeus. Isso significa, provavelmente, que era membro do Sinédrio, um representante do judaísmo oficial. O encontro de Nicodemos com Jesus dá-se “de noite”. A indicação pode significar que ele não queria ser visto com Jesus para não prejudicar a sua posição, ou pode ter a ver com o hábito que os fariseus tinham de estudar a Lei à noite. Também pode significar que, nessa altura, Nicodemos ainda está às escuras, pois ainda não foi iluminado pela luz de Jesus. É bem possível que Nicodemos fizesse parte de um grupo, dentro do judaísmo erudito, que se interessava por Jesus e que queria compreendê-lo. Nicodemos aparecerá, mais tarde, a defender Jesus, perante os chefes dos fariseus (cf. Jo 7,50-52). Também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo (cf. Jo 19,39).

            A conversa daquela noite entre Jesus e Nicodemos apresenta três momentos significativos. No primeiro (cf. Jo 3,1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às obras poderosas que Ele faz; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente, pois o essencial é reconhecê-l’O como o enviado do Pai, como aquele que veio do alto para revelar Deus. No segundo (cf. Jo 3,4-8), Jesus explica a Nicodemos que, para entender a proposta que Ele traz, é preciso “nascer de Deus”; e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do Espírito”. No terceiro (cf. Jo 3,9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O extrato da conversa que escutamos na Festa da Exaltação da Santa Cruz pertence a esta terceira parte. É um texto carregado de densidade teológica. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • João é o evangelista abismado na contemplação do amor de um Deus que não hesitou em enviar ao mundo o seu Filho, o seu único Filho, para apresentar aos homens uma proposta de felicidade plena, de vida definitiva; e Jesus, o Filho, cumprindo o mandato do Pai, fez da sua vida um dom, até à morte na cruz, para mostrar aos homens o “caminho” da vida eterna… O Evangelho que escutamos na Festa da Exaltação da Santa Cruz convida-nos a contemplar, com João, esta incrível história de amor e a espantar-nos com o peso que nós – seres limitados e finitos, pequenos grãos de pó na imensidão das galáxias – adquirimos nos esquemas, nos projetos e no coração de Deus. Temos consciência desse amor, estamos gratos por esse amor, aceitamos que esse amor nos indique o caminho que devemos percorrer e a forma como devemos viver?
  • O amor de Deus traduz-se na oferta ao homem de Vida plena e definitiva. É uma oferta gratuita, incondicional, absoluta, válida para sempre e que não discrimina ninguém. Aos homens – dotados de liberdade e de capacidade de opção – compete decidir se aceitam ou se rejeitam o dom de Deus. Às vezes, os homens acusam Deus pelas guerras, pelas injustiças, pelas arbitrariedades que trazem sofrimento e que pintam as paredes do mundo com a cor do desespero… Mas o texto evangélico que hoje escutamos é claro: Deus ama cada pessoa e a todos oferece a vida. O sofrimento e a morte não vêm de Deus, mas são o resultado das escolhas erradas feitas pelo ser humano que se obstina na autossuficiência e que prescinde dos dons de Deus. Temos consciência de que alguns dos males do nosso mundo poderão resultar do nosso egoísmo, do nosso orgulho, do nosso comodismo, dos nossos preconceitos, da nossa recusa em ouvir Deus e em seguir os caminhos que Ele nos aponta? O que é que precisamos de mudar, nas nossas vidas, para sermos sinais e arautos do amor de Deus?
  • O evangelista João define claramente o caminho que todo o homem deve seguir para chegar à vida eterna: trata-se de “acreditar” em Jesus. “Acreditar” em Jesus não é uma mera adesão intelectual ou teórica a certas verdades da fé; mas é escutar Jesus, acolher a sua mensagem e os seus valores, segui-l’O no caminho do amor e da entrega ao Pai e aos irmãos. “Acreditar” significa olhar para aquele homem levantado na cruz e aprender com Ele o amor até ao extremo, o amor que ultrapassa todo o egoísmo e é dom total; “acreditar” passa por despir o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, os preconceitos, para realizar gestos concretos de dom, de entrega, de serviço que tragam alegria, vida e esperança aos irmãos que caminham lado a lado connosco. A liturgia da Festa da Exaltação da Santa Cruz convida-nos a percorrer, com Jesus, esse caminho de amor, de dom, de entrega total que Ele percorreu. Jesus é para nós essa referência fundamental, que procuramos seguir a cada instante e que nos aponta o caminho? Estamos dispostos a confiar incondicionalmente n’Ele, mesmo quando as suas indicações parecem estar contra a cultura ambiente, os ditames da moda, as doutrinas vigentes, ou as regras do socialmente correto?
  • Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste modo pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. A contemplação da cruz de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo? A contemplação da cruz de Jesus faz com que nos sintamos solidários com todos os nossos irmãos que todos os dias são crucificados e injustiçados? A contemplação da cruz de Jesus dá-nos a coragem para lutarmos contra tudo aquilo que gera sofrimento e morte, mesmo que isso implique correr riscos, ser incompreendido e condenado? in Dehonianos.

 

Para os leitores:

            Na primeira leitura, é necessário ter em atenção as frases em discurso direto, que devem ser bem articuladas com a narrativa. Sem excessiva dramatização, mas salvaguardando a alternância das intervenções e o tom do texto. Além disso, deve cuidar-se a proclamação da última frase que surge como conclusão da narrativa e anúncio da cura.

            A segunda leitura é um hino cristológico que possui um crescendo de intensidade ao longo do texto. Este crescendo deve ser tido em conta na proclamação desta leitura.

 

I Leitura: (ver anexo)

 II Leitura: (ver anexo)

 

ANEXOS: