Domingo XXXI do Tempo Comum-Ano C – 02 novembro 2025

Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos

Viver a Palavra

            Depois de termos celebrado a 1 de novembro a Solenidade de Todos os Santos, a Igreja convida-nos a rezar por todos os fiéis defuntos. Se a saudade invade o nosso coração ao recordar os que já partiram, que cruzaram a nossa vida e nos ajudaram a crescer na vida e na fé, conforta-nos a esperança da ressurreição. Por isso, à saudade juntamos a memória agradecida pela vida de tantos e tantas que foram sinal e presença de Deus na nossa vida.

            A nossa oração pelos que já partiram reaviva em nós a esperança da ressurreição, porque nasce da certeza de que em Deus as nossas vidas não se perdem, porque foram sonhas para a eternidade.

            Na verdade, a celebração deste dia recorda-nos a certeza da morte enquanto herança comum de todos os mortais e coloca-nos diante da dura realidade da partida daqueles que amamos. Mas a evidência da morte nunca habituará o nosso coração a esta dura realidade e olharemos sempre para a morte como a maior ladra da história que nos rouba aqueles que amamos. Humanamente iremos sempre sentir impotentes diante de tão dura realidade.

            Quantas vezes ecoam no nosso coração as perguntas: Porquê a morte? Porquê o sofrimento? Qual o sentido da nossa existência? Bem sabemos que se nos detemos a dar resposta a estas questões unicamente com a nossa razão ficamos aquém de uma resposta que satisfaça o nosso coração. Por isso, nos abeiramos de Cristo, colocamo-nos em torno da mesa do altar e da mesa da Palavra, pois bem sabemos que em Cristo os nossos olhos se abrem para a esperança da ressurreição e a morte não tem a última palavra sobre a nossa vida.

            Por isso, a oração pelos fiéis defuntos deve ser acompanhada pelo louvor e agradecimento ao Deus da Vida e da História por tantas vidas semeadas na terra que foram lugar de carinho, ternura e bondade. Mas, porque a nossa vida é também marcada pela fragilidade do pecado, unimos a nossa oração à misericórdia infinita de Deus que é a nossa única fonte de salvação. Efetivamente, o nosso Deus é clemente e cheio de compaixão, como cantamos no salmo desta missa e a sua bondade e ternura devem ser para nós uma escola da arte de amar.

            Amados por Deus, que é clemente e cheio de compaixão, partimos com renovado entusiasmo para dizer a todos que este amor que salva e redime nos compromete como anunciadores e construtores do Reino de Deus. Enquanto peregrinamos sobre a terra, temos consciência que o Reino que um dia esperamos habitar em plenitude no céu, somos chamados a construí-los no aqui e agora do tempo e da história para que um dia o possamos habitar em plenitude no céu. in Voz Portucalense (adaptado)

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            O Domingo XXXI do Tempo Comum este ano ocorre no dia 2 de novembro em que a Igreja celebra a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. Depois de ter celebrado no dia 1 de novembro a Solenidade de Todos os Santos, recordando aqueles que já participam da glória celeste, a Igreja recorda todos aqueles que já partiram marcados com o sinal da fé e dormem na esperança da ressurreição. Para este dia, a liturgia prevê três formulários de leituras, que iluminam o mistério da morte e da ressurreição e ajudam os fiéis a adentrar no mistério da nossa redenção. Importa que, partindo das leituras propostas os fiéis possam renovar no seu coração a esperança da ressurreição a que somos chamados.

            Deixamos, em anexo, a proposta do Lecionário para:

 

                        – Solenidade de Todos os Santos;

                                    Leitura do Apocalipse de São João

                                    Ap 7,2-4.9-14

                                    Salmo0 Responsorial

                                    Salmo 23 (24)

                                               Refrão: Esta é a geração dos que procuram o Senhor

                                    Leitura da Primeira Epístola de São João

                                    1Jo 3,1-3

                                               Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

                                    Mt 5,1-12a

 

                        – Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos:

                                    Leitura do Segundo Livro dos Macabeus

                                    2 Mac 12, 43-46

                                               «Praticando assim uma ação muito digna e nobre, inspirada na esperança da ressurreição».

                                    Salmo Responsorial

                                    Salmo 102 (103)

                                    «O Senhor é clemente e cheio de compaixão».

                                               Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios 

                                    2 Cor 5,1.6-10

                                    «Nós sabemos que, se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, recebemos nos Céus                                       uma habitação eterna».

                                    Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João  

                                    Jo 11, 21-27

                                    «Senhor, se estivesses aqui, meu irmão não teria morrido».

                                               «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele                                  que vive e acredita em Mim nunca morrerá. Acreditas nisto?».

                                               «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo».

 

                        – XXXI Domingo do Tempo Comum.

                                    Leitura do Livro da Sabedoria

                                    Sab 11, 22-12, 2

                                           Salmo Responsorial

                                    Salmo 144 (145)

                                    «Louvarei para sempre o vosso nome, Senhor meu Deus e meu Rei».

                                               Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses 

                                    2 Tessalonicenses 1,11-2,2

                                        Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas  

                                    Lucas 19,1-10

 

Trabalhamos, abaixo, a reflexão dos textos do XXXI Domingo do Tempo Comum- Ano C

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Continuamos no Tempo Comum, continuamos o Ano Litúrgico – Ano C – onde somos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA ISabedoria 11,22-12,2

Diante de Vós, Senhor, o mundo inteiro
é como um grão de areia na balança,
como a gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra.
De todos Vós compadeceis, porque sois omnipotente,
e não olhais para os seus pecados,
para que se arrependam.
Vós amais tudo o que existe
e não odiais nada do que fizestes;
porque, se odiásseis alguma coisa,
não a teríeis criado.
e como poderia subsistir,
se Vós não a quisésseis?
Como poderia durar,
se não a tivésseis chamado à existência?
Mas a todos perdoais,
porque tudo é vosso, Senhor, que amais a vida.
O vosso espírito incorruptível está em todas as coisas.
Por isso castigais brandamente aqueles que caem
e advertis os que pecam, recordando-lhes os seus pecados,
para que se afastem do mal
e acreditem em Vós, Senhor.

CONTEXTO

            O “Livro da Sabedoria” é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento. Pensa-se que terá sido redigido durante o séc. I a.C., em língua grega (por ser escrito em grego, nunca chegou a integrar o cânone judaico). O seu autor terá sido um judeu culto, provavelmente nascido e educado na Diáspora.

            O “berço” do livro da Sabedoria poderá ter sido Alexandria (no Egito). A brilhante cultura helénica marcava o ritmo de vida e impunha aos habitantes da cidade os valores dominantes. As outras culturas – nomeadamente a judaica – eram desvalorizadas e hostilizadas. A colónia judaica que vivia em Alexandria tinha sido obrigada a lidar, sobretudo nos reinados de Ptolomeu Alexandre (106-88 a.C.) e de Ptolomeu Dionísio (80-52 a.C.), com duras perseguições. Os sábios helénicos procuravam demonstrar, por um lado, a superioridade da cultura grega e, por outro, a incongruência do judaísmo e da sua proposta de vida… Os judeus eram encorajados a deixar a sua fé, a “modernizar-se” e a abrir-se aos brilhantes valores da cultura helénica.

            Foi neste ambiente que o sábio autor do Livro da Sabedoria decidiu defender os valores da fé e da cultura do seu Povo. O seu objetivo era duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), exortava-os a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convidava-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Javé, o verdadeiro e único Deus… Para uns e para outros, o autor pretendia deixar esta ideia fundamental: só Javé garante a verdadeira “sabedoria” e a verdadeira felicidade.

            O texto que neste domingo nos é proposto como primeira leitura integra a terceira parte do livro da Sabedoria (Sb 10,1-19,22). Nesses capítulos, recorrendo sobretudo, ao género midrash haggádico (uma técnica de leitura do texto bíblico que “expande” o texto original acrescentando-lhe interpretações, narrativas edificantes, ensinamentos éticos, considerações homiliéticas), o autor vai destacar os personagens e episódios da história da salvação em que foi notória a ação da sabedoria. No cap. 11, em concreto, o autor detém-se a meditar sobre o acontecimento fundamental do Êxodo: a maravilhosa aventura da libertação do Povo de Deus da escravidão no Egito. É claro que a sabedoria de Deus salvou Israel e castigou o Egito; mas, contra todas as expetativas, o castigo aplicado por Deus ao Egito não foi excessivamente duro. Porquê? É a esta questão que o nosso texto se propõe responder. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • A catequese de Israel ensina que, desde o início, a humanidade criada por Deus escolheu ignorar as indicações do Criador e percorrer caminhos de orgulho, de autossuficiência, de egoísmo, de violência, de pecado. Como é que Deus encara isso? Não se cansará das nossas repetidas infidelidades? Não se arrependerá de nos ter criado? Não se sentirá tentado a destruir uma humanidade que insiste em inventar a cada passo esquemas de injustiça, de exploração, de maldade, de morte? Deus alguma vez terá pensado que o seu projeto criador foi um projeto falhado? No séc. I a.C., um “sábio” judeu de Alexandria responde a estas questões, dizendo: “não, Deus nunca desistiu de nós, pois o seu amor é infinitamente mais forte do que o nosso pecado; Ele é um pai bom que ama infinitamente os filhos que chamou à vida; o que Lhe interessa não é destruir o pecador, mas sim conduzi-lo ao encontro de uma vida nova”. O que pensamos disto? É também esta a ideia que fazemos de Deus? O Deus que testemunhamos é o Deus do amor, ou o deus dos castigos e das vinganças?
  • A experiência de sermos profundamente amados por Deus é uma experiência deslumbrante e transformadora. Não nos deixa indiferentes; liberta-nos do nosso egoísmo, do nosso fechamento, da nossa autossuficiência. Ensina-nos olhar os nossos irmãos com o mesmo olhar de amor com que Deus nos olha; inspira-nos a aproximarmo-nos dos nossos irmãos com a mesma bondade que Deus manifesta por nós; mostra-nos o “lado bom”, o lado “amável” que existe em cada homem ou em cada mulher. “Empapados” pelo amor de Deus, tornamo-nos testemunhas desse amor no mundo. É esta a nossa experiência? O amor de Deus tem sido a “escola” onde aprendemos a amar os irmãos e as irmãs que caminham ao nosso lado?
  • Muitas vezes, percebemos certos males que nos incomodam como “castigos” de Deus pelo nosso mau proceder. A própria Bíblia, em numerosas passagens, fala de “castigos” com que Deus “ataca” o homem pecador. No entanto, o texto que a liturgia nos propõe neste domingo como primeira leitura afirma que Deus não está interessado em castigar o pecador, mas sim em conduzi-lo a uma vida nova, a uma vida mais verdadeira e feliz. Talvez Deus nos deixe simplesmente, em certas ocasiões, “provar o nosso próprio veneno” e experimentar o resultado das nossas opções erradas. Se isso acontecer, não é por vingança ou vontade de castigar; mas é para nos mostrar onde nos podem conduzir os caminhos errados que, à revelia d’Ele, teimamos em percorrer. Temos consciência disso? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144(145)

Refrão:

Louvarei para sempre o vosso nome,
Senhor meu Deus e meu Rei.

 

Quero exaltar-Vos meu Deus e meu Rei
e bendizer o vosso nome para sempre.
Quero bendizer-vos, dia após dia,
e louvar o vosso nome para sempre.

O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade.
O Senhor é bom para com todos
e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.

Graças Vos deem, Senhor, todas as criaturas
e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso Reino
e anunciem os vossos feitos gloriosos.

O Senhor é fiel à sua palavra
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor ampara os que vacilam
e levanta todos os oprimidos.

 

LEITURA II – 2 Tessalonicenses 1,11-2,2

Irmãos:
Oramos continuamente por vós,
para que Deus vos considere dignos do seu chamamento
e, pelo seu poder,
se realizem todos os vossos bons propósitos
e se confirme o trabalho da vossa fé.
Assim o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo
será glorificado em vós, e vós n’Ele,
segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Nós vos pedimos, irmãos,
a propósito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo
e do nosso encontro com Ele:
Não vos deixeis abalar facilmente nem alarmar
por qualquer manifestação profética,
por palavras ou por cartas,
que se digam vir de nós,
pretendendo que o dia do Senhor está iminente.

CONTEXTO

            No século I da nossa era, Tessalónica era a cidade mais importante da Macedónia. Porto marítimo e cidade de intenso comércio, era uma encruzilhada religiosa, na qual os cultos locais coexistiam lado a lado com todo o tipo de propostas religiosas vindas de todo o Mediterrâneo.

            A cidade foi evangelizada por Paulo durante a sua segunda viagem missionária, muito provavelmente no Inverno do ano 49 ou 50. Paulo chegou a Tessalónica acompanhado por Silvano e Timóteo, depois de ter sido forçado a deixar a cidade de Filipos. O tempo de evangelização foi curto, talvez uns três meses; mas foi o suficiente para fazer nascer uma comunidade cristã numerosa e entusiasta, constituída maioritariamente por pagãos convertidos. No entanto, a obra de Paulo foi brutalmente interrompida pela reação da colónia judaica. Os judeus acusaram Paulo de agir contra os decretos do imperador e levaram alguns cristãos diante dos magistrados da cidade (cf. At 17,5-9). Paulo teve de deixar a cidade à pressa, de noite, indo para Bereia e, depois, para Atenas (cf. At 17,10-15).

            Entretanto, Paulo tinha a consciência de que a formação doutrinal da comunidade cristã de Tessalónica ainda deixava muito a desejar. A jovem comunidade, fundada há pouco tempo e ainda insuficientemente catequizada, estava quase desarmada nesse contexto adverso de perseguição e de provação (cf. 1 Ts 3,1-10). Preocupado, Paulo enviou Timóteo a Tessalónica, a fim de saber notícias e encorajar os tessalonicenses na fé (cf. 1 Ts 3,2-5). Quando Timóteo voltou para apresentar o seu relatório, encontrou Paulo em Corinto. Confortado pelas informações dadas por Timóteo, o apóstolo decidiu escrever aos cristãos de Tessalónica, felicitando-os pela sua fidelidade ao Evangelho. Aproveitou também para esclarecer algumas dúvidas doutrinais que inquietavam os tessalonicenses – nomeadamente sobre a segunda vinda do Senhor e o destino dos que morrem (cf. 1 Ts 4,13-5,11) – e para corrigir alguns aspetos menos exemplares da vida da comunidade. A Primeira Carta aos Tessalonicenses é, com toda a probabilidade, o primeiro escrito do Novo Testamento. Apareceu na Primavera-Verão do ano 50 ou 51.

            Uns meses depois dessa primeira Carta à comunidade cristã de Tessalónica, Paulo escreveu uma outra. O objetivo seria corrigir algumas interpretações erradas que a primeira Carta tinha suscitado.in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Os cristãos de Tessalónica são gente boa, animada de boa vontade e das melhores das intenções. Talvez como nós. Mas o apóstolo Paulo sabe que os bons propósitos do homem nem sempre se aguentam. Há demasiadas coisas, ao longo do caminho, que distraem, que atraem, que seduzem e que fazem perder o rumo. Nós também já experimentamos isto, não é verdade? Por isso, Paulo pede a Deus que fortaleça a fé e o compromisso dos tessalonicenses, a fim de que eles não falhem o alvo e se fiquem por caminhos que não levam a lado nenhum. Faz sentido. Sem a ajuda de Deus, dificilmente conseguiremos alcançar a meta sonhada; sem a ajuda de Deus facilmente podemos gastar a vida a correr atrás de valores fúteis e efémeros, que não proporcionam vida em abundância. Estamos conscientes disto? Lembramo-nos de pedir a Deus que fortaleça os nossos bons propósitos e que nunca cesse de nos apontar o caminho que conduz à vida verdadeira?
  • Paulo também pede aos cristãos de Tessalónica que não deem ouvidos a notícias fantasiosas sobre o fim do mundo, espalhadas por fanáticos com ânsia de protagonismo. Alguém poderá pensar que nós, homens e mulheres do séc. XXI, somos mais esclarecidos do que os tessalonicenses do séc. I e que nunca nos deixaremos enganar por discursos desse tipo. No entanto, as redes sociais (e, por vezes, até certos discursos pretensamente “religiosos”) propõem-nos teorias mirabolantes sobre o fim do mundo, as “desgraças” que Deus prepara para fulminar a humanidade pecadora, ou as “conspirações” tenebrosas das “forças do mal” contra Deus. Convém que mantenhamos, frente a estas fantasias, uma atitude crítica, que separe o trigo do joio e que nos ajude a caminhar serenamente no caminho que Deus nos aponta. O contacto frequente com a Palavra de Deus poderá iluminar-nos e ajudar-nos a distinguir aquilo que vem de Deus e aquilo que vem da fantasia de mentes perturbadas. Como nos situamos diante de tudo isto? Que impacto têm na nossa vida e no nosso equilíbrio, certas “teorias da conspiração” ou certas notícias fantasiosas destinadas a criar medo e inquietação? in Dehonianos

EVANGELHO – Lucas 19,1-10

Naquele tempo,
Jesus entrou em Jericó e começou a atravessar a cidade.
Vivia ali um homem rico chamado Zaqueu,
que era chefe de publicanos.
Procurava ver quem era Jesus,
mas, devido à multidão, não podia vê-l’O,
porque era de pequena estatura.
Então correu mais à frente e subiu a um sicómoro,
para ver Jesus,
que havia de passar por ali.
Quando Jesus chegou ao local,
olhou para cima e disse-lhe:
«Zaqueu, desce depressa,
que Eu hoje devo ficar em tua casa».
Ele desceu rapidamente
e recebeu Jesus com alegria.
Ao verem isto, todos murmuravam, dizendo:
«Foi hospedar-Se em cada dum pecador».
Entretanto, Zaqueu apresentou-se ao Senhor, dizendo:
«Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens
e, se causei qualquer prejuízo a alguém,
restituirei quatro vezes mais».
Disse-lhe Jesus:
«Hoje entrou a salvação nesta casa,
porque Zaqueu também é filho de Abraão.
Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar
o que estava perdido».

CONTEXTO

            Jesus, acompanhado pelos discípulos, dirige-se para Jerusalém. No caminho, passa por Jericó, um oásis situado no vale do rio Jordão, nas margens do mar Morto, a cerca de 34 quilómetros de Jerusalém. Era ponto de passagem para os peregrinos que, vindos da Galileia e da Pereia, se dirigiam a Jerusalém para celebrar as grandes festividades do culto judaico. Situada a cerca de 270 metros abaixo do nível do mar, é também a cidade mais baixa do planeta.

            Os arqueólogos consideram Jericó a cidade mais antiga do mundo ainda existente, habitada há onze mil anos. No séc. XIII a.C. os hebreus, vindos do Egito, chefiados por Josué, atravessaram o rio Jordão e acamparam nas planícies de Jericó; logo a seguir, conquistaram a cidade (cf. Js 6). No séc. I a.C., o rei Herodes dotou a cidade de importantes construções, incluindo um aqueduto, um hipódromo, diversos palácios e jardins. Construiu também aí o seu palácio de inverno, onde aliás veio a falecer (ano 4 a.C.).

            No tempo de Jesus, Jericó era uma cidade próspera, sobretudo devido à importante produção de bálsamo. A aristocracia de Jerusalém tinha em Jericó as suas residências de Inverno. Situada na encruzilhada de importantes vias de comunicação, Jericó era um lugar de oportunidades, que devia proporcionar negócios significativos.

            Numa das ruas de Jericó, Jesus cruza-se com um homem chamado Zaqueu, que era “chefe de publicanos”. Os romanos entregavam a cobrança dos impostos a agentes privados. A esses agentes (os “publicanus”) as autoridades exigiam a entrega de uma soma fixa anual, determinada a partir da estimativa das rendas. Aquilo que os publicanos conseguissem faturar além da quantia estabelecida, revertia em se próprio benefício. Este sistema favorecia os abusos destes funcionários, que procuravam faturar o mais possível. Por isso, eram vistos pelo povo como ladrões e exploradores dos seus concidadãos. Os círculos rabínicos sustentavam que os publicanos estavam permanentemente afetados de impureza e não podiam sequer fazer penitência, pois eram incapazes de conhecer todos aqueles a quem tinham defraudado e a quem deviam uma reparação. Os fariseus não os aceitavam nas suas fileiras. Quem exercia ofício de cobrador de impostos, estava privado de diversos direitos cívicos, políticos e religiosos; não podia ser juiz nem prestar testemunho em tribunal, sendo equiparado ao escravo.

            A história do encontro entre Jesus e o publicano Zaqueu é exclusiva de Lucas. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Que sabemos de Deus? Como é Ele? Como é que Ele olha para nós? Sendo nós, naturalmente, frágeis e pecadores, como é que Deus nos vê? Ele condena-nos quando, na nossa “pequenez”, fazemos opções erradas? Ele rejeita-nos quando, na nossa insensatez, lhe viramos as costas e escolhemos caminhos que não levam a lado nenhum? Na história do publicano Zaqueu, “chefe de publicanos” na cidade de Jericó, encontramos a resposta de Jesus a estas questões. Ao deter-se na rua e ao dirigir o olhar para aquele homem “pequeno” que se esconde no meio dos ramos de um sicómoro, ao dizer-lhe que “precisa” de entrar na sua casa e ficar com ele, Jesus está a anunciar a Jericó e ao mundo um Deus que é amor. O Deus de Jesus – o Deus cujo rosto e cujo coração Jesus nos veio desvelar – é um Deus que ama todos os seus filhos sem exceção e que nem sequer exclui do seu amor os marginalizados, os “impuros”, os pecadores públicos, os “malditos”. Todos, todos, todos têm lugar à mesa de Deus. Além disso, o amor de Deus não é condicional: Ele ama, apesar do pecado; e é precisamente esse amor nunca desmentido que, uma vez experimentado pelos pobres “zaqueus” que somos nós, provoca a conversão e o regresso do filho pecador. Temos estas verdades sempre bem presentes no horizonte da nossa vida? É esse Deus de amor que nós testemunhamos no meio dos nossos irmãos, particularmente junto daqueles que se sentem culpados e desanimados pelas suas fragilidades?
  • Aquele encontro com Jesus numa rua da cidade de Jericó muda completamente a vida e os horizontes do publicano Zaqueu: aquilo que até então o fazia correr, já não lhe interessa mais; aquilo que até ali não lhe interessava minimamente, passa a ser decisivo nas contas da sua vida. Aquele homem “pequeno” que desceu do sicómoro e recebeu Jesus em sua casa, de repente cresceu, começou a ver a vida e as pessoas de outro ângulo. Com Jesus, Zaqueu aprendeu a olhar os outros com amor. O encontro com Jesus transforma-nos, faz-nos crescer, dá-nos uma outra perspetiva do mundo e das coisas, mostra-nos o sem sentido do nosso egoísmo e da nossa ambição, ensina-nos a generosidade, a solidariedade, a partilha, a bondade, a misericórdia. Se isso não acontecer, é porque não chegamos a encontrar-nos verdadeiramente com Jesus… Que efeitos produzem os nossos numerosos encontros com Jesus? Todos os domingos nos sentamos com Jesus à mesa da Eucaristia: isso transforma a nossa vida, o nosso olhar sobre o mundo e sobre os irmãos que se cruzam connosco? Depois de estarmos com Jesus tornamo-nos mais generosos, mais fraternos, mais solidários, mais atentos aos que caminham ao nosso lado?
  • Zaqueu esteve quase a perder a oportunidade de “ver” Jesus. À volta de Jesus os “grandes”, os “puros”, os “bons”, os “santos”, os “dignos”, formavam uma barreira “protetora”, uma barreira que impedia os “pequenos”, os condenados pela sociedade e pelas igrejas, os “desprezíveis”, os “malditos”, de conspurcarem a santidade de Jesus com a sua indignidade. Esses “grandes”, esses “puros”, tinham boa intenção: queriam evitar que Jesus fosse confrontado com uma situação confrangedora. Ainda não sabiam (ou recusavam-se a saber) algo decisivo: que Jesus “veio procurar e salvar o que estava perdido”. Aí está uma coisa que deve ficar bem clara para todos nós: Jesus não fica incomodado diante do pecador, do condenado, do “maldito”; Ele fica feliz quando pode olhar nos olhos “aquele que estava perdido” e dizer-lhe que Deus o ama profundamente, com um amor sem limites. Alguma vez fomos uma barreira para que os “pequenos”, os desprezados, os amaldiçoados, os muitos “zaqueus” deste mundo, se aproximassem de Jesus e fizessem a experiência do amor de Deus? Como acolhemos os irmãos “diferentes”, os que têm comportamentos que consideramos inaceitáveis, os indesejáveis e incómodos, os que a sociedade e a religião condenam e repudiam?
  • A atitude de Jesus para com o pecador Zaqueu proclama bem alto o imenso amor de Deus por todos os seus filhos, mesmo por aqueles que escolheram caminhos errados e se colocaram a si próprios em situações sem saída. Isto não significa, contudo, o branqueamento do pecado. O egoísmo, a injustiça, a opressão, a mentira, a ambição desmedida, geram inevitavelmente sofrimento e morte. Não cabem no projeto que Deus tem para os seus filhos. Devem ser combatidos e vencidos. Deus distingue claramente entre o pecador e o pecado. Ao pecador, Deus ama-o sempre; ao pecado, Deus abomina-o sempre. Contudo nós, seres humanos, nem sempre conseguimos distinguir claramente os dois campos: misturamos pecado e pecador, embrulhamos tudo no mesmo papel e atiramos tudo para a mesma fogueira. Seremos capazes de aprender com Deus a distinguir entre a pessoa e os seus atos? Seremos capazes de lutar contra a maldade sem sentir a tentação de eliminar a pessoa frágil que, por qualquer razão, fez uma escolha errada e cometeu um ato que consideramos mau? in Dehonianos.

 

ANEXOS: