Reanimar a esperança no mundo do trabalho – 11 outubro 2025
Documento de 13 organizações católicas
Reanimar a Esperança no Mundo do Trabalho — um compromisso
7MARGENS | 18/10/2025
“Reanimar a Esperança no Mundo do Trabalho – um compromisso à luz da doutrina social da Igreja Católica” é o título de um documento preparado e subscrito por 13 organizações e movimentos católicos, a propósito do jubileu do mundo do trabalho, assinalado em Lisboa no último fim de semana. Pela importância do documento e representatividade das estruturas que o subscrevem, o 7MARGENS divulga-o a seguir na íntegra.
«Que este ano jubilar seja uma ocasião de reanimar a esperança» — é este o apelo que nos deixou o saudoso Papa Francisco (Spes non confundtit 1).
É à luz deste chamamento e desta mensagem central do Jubileu de 2025 que queremos enfrentar hoje o mundo do trabalho, com as mudanças profundas a que está sujeito e que se traduzem, designadamente, em novas formas contratuais, uma abertura cada vez maior da economia ao exterior, uma automatização crescente e novos desafios impostos pela Inteligência Artificial.
Este olhar de esperança não se baseia num qualquer determinismo passivo, como se essas mudanças seguissem um rumo inexorável contra o qual nada podemos fazer. Acreditamos que essas mudanças podem, e devem ser orientadas por critérios éticos. A esperança vem-nos da fé no amor de Deus, que nunca nos abandona, não dispensa o nosso contributo, mas dá-nos força para nunca desistir, nem baixar os braços diante das maiores dificuldades e do que parece impossível.
Para nós, esses critérios éticos, são os que decorrem da doutrina social da Igreja, com validade universal e baseados na lei natural. Assim, pretendemos salientar as suas linhas essenciais:

- O Trabalho como Expressão da Dignidade Humana e da Relação com o Criador
- Participar na Obra do Criador: O trabalho humano é mais do que uma atividade económica. Através do trabalho, a pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus, continua, desenvolve e completa a obra do Criador (Laborem exercens 25).
- Domínio Responsável: O ser humano recebeu o mandato de “cultivar e guardar” a terra (Génesis 2, 15). O mandato de dominar a terra não lhe confere um domínio absoluto sobre as outras criaturas. O ser humano pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de a proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras (Laudato sí 67 e n. 124).
- Realização Pessoal e Amadurecimento Espiritual: Através do trabalho, o ser humano realiza-se nas suas múltiplas dimensões, tornando-se “mais pessoa” (Laborem exercens, n. 9). O trabalho é mais do que uma necessidade, é vocação. A dimensão espiritual no trabalho possibilita o amadurecimento e a santificação da pessoa (Laudato si’ 126).
- Primado da Pessoa: «O primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem. (…) O homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo antes de mais nada o trabalho é “para o homem”, e não o homem “para o trabalho”» (Enc. Laborem exercens, 6). Capital, natureza e trabalho devem estar ao serviço das pessoas que integram a comunidade que constitui a empresa. A rentabilidade não pode sacrificar a dignidade e os direitos dessas pessoas, que são o património mais precioso de qualquer empresa.
- A Dimensão Social e a Justiça no Trabalho
- Trabalho para a Comunidade: O trabalho humano possui uma dimensão social intrínseca, que implica trabalhar com os outros e para os outros (Laborem exercens, n. 51).
- Dignidade Universal do Trabalho: A justiça de um sistema socioeconómico mede-se pela forma como o trabalho é justa e equitativamente remunerado (Laborem exercens, n. 6 e n. 19).
Para além da diferente valorização do trabalho na sua vertente objetiva, que pode justificar diferenças salariais, há que considerar a sua vertente subjetiva, enquanto expressão da dignidade da pessoa que trabalha, vertente que torna igualmente digno qualquer trabalho, mais ou menos qualificado (Laborem exercens, n. 6).
- Criatividade e Iniciativa: O trabalhador não deseja apenas uma justa remuneração. Deseja ter a oportunidade, no processo de produção, de empenhar a sua iniciativa e criatividade, sem se sentir apenas uma parte de uma engrenagem ou um simples instrumento de produção (Laborem exercens, n. 15).
- Pleno Emprego e Combate à Pobreza: O pleno emprego é um objetivo de todo o ordenamento socioeconómico orientado para a justiça e para o bem comum (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 288). O trabalho é um bem que deve estar ao alcance de todos os que são capazes de trabalhar. (Caritas in veritate n. 32 e Laudato si’ n. 127).
«Não há pobreza pior do que a que priva do trabalho e da dignidade do trabalho». No combate à pobreza, os subsídios devem ser sempre «um remédio provisório para enfrentar emergências», porque o objetivo é o de conseguir uma vida digna através do trabalho (ter a dignidade de «trazer o pão para casa»). «Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se co-responsável do mundo e, finalmente, viver como povo» (Fratelli tutti, n. 162).
As organizações sindicais desempenham uma missão em prol da justiça, são um fator construtivo de ordem social e de solidariedade e, portanto, um elemento importante da vida social (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 288).
- O Papel da Família e o Equilíbrio entre Vida Pessoal e Profissional
- Apoio à Família: O trabalho torna possível a constituição de uma família, um direito fundamental e uma vocação da pessoa (Laborem exercens, n. 10). As condições de trabalho, incluindo a remuneração e a sua duração, devem favorecer a vida familiar, e não penalizá-la (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 294).
- Precariedade e Instabilidade: A precariedade laboral generalizada gera instabilidade psicológica e dificulta constituição de uma família aberta à vida ou a realização de outros projetos pessoais duradouros (Caritas in veritate, n. 25).
A insegurança estrutural gera comportamentos improdutivos e desperdício de recursos humanos, onde a criatividade do trabalhador não é valorizada. Os custos humanos são sempre também custos económicos, e as disfunções económicas acarretam sempre custos humanos (Caritas in veritate, n. 32).

- O Valor do Descanso: Assim como Deus repousou ao sétimo dia (Génesis, 2,2), também a pessoa, criada à Sua imagem, deve gozar de suficiente repouso e tempo livre que lhe permita cuidar da vida pessoal, familiar, religiosa, social e cultural. Para tal, deve, antes de mais, ser respeitado o domingo como dia de descanso comum (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 284).
- Responsabilidade Partilhada e Orientação Ética das Mudanças
- Empresários e trabalhadores: A iniciativa económica é expressão da inteligência humana e da exigência de responder às necessidades das pessoas de modo criativo e colaborativo (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 343). A criação e manutenção de postos de trabalho é uma forma de concretizar a função social da propriedade privada e o destino universal dos bens (Centesimus annus, n. 43). A atividade empresarial orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo é uma forma fecunda de promover o bem comum (Laudato si’ 129).
Nas grandes decisões estratégicas e financeiras, os empresários não podem seguir apenas critérios de natureza financeira ou comercial, esquecendo a dignidade humana dos trabalhadores, Renunciar ao investimento nas pessoas para se obter maior receita imediata acaba por se revelar como uma má opção para a sociedade (Laudato si’ n. 128).
Por sua vez o trabalhador deve desempenhar as suas funções com dedicação, competência técnica e responsabilidade, vendo o trabalho não só como meio de sustento, mas também como realização pessoal e contribuição ao bem comum. (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 287-288). O compromisso de trabalhar não deve ser entendido apenas como um contrato formal, mas como uma cooperação solidária em vista do bem comum.
- O Erro do Determinismo: Diante de todas as inovações e transformações do mundo do trabalho ditadas pela tecnologia, há que evitar o erro do determinismo. As transformações no mundo do trabalho devem ser orientadas de modo que sirvam para o desenvolvimento da pessoa, da família, das sociedades e de toda a humanidade (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 377).
Estes princípios são sempre atuais, mesmo quando parecem contrariar o pensamento dominante (e isso acontece hoje). O Papa Leão XIV já várias vezes demonstrou o seu propósito de promover a sua atuação com renovado vigor.
Pôr em prática estes princípios diante das mudanças com que se depara hoje o mundo do trabalho é uma responsabilidade para todos, e cada um de nós que, de diferentes formas, queremos testemu- nhar a Boa Nova de Jesus Cristo neste mundo. Estas mudanças têm de servir o desenvolvimento da pessoa, da família e de toda a humanidade.
Como afirmou o Patriarca de Lisboa no início do caminho do Jubileu 2025, a Igreja é chamada a ser “testemunha e arauto da esperança”, sobretudo numa sociedade marcada pela pobreza e solidão. Essa missão não é exclusiva dos clérigos: é tarefa dos leigos, que vivem no coração das realidades temporais, que devem traduzir a esperança cristã em práticas concretas de solidariedade, justiça e serviço (cf. Patriarcado de Lisboa, Jubileu 2025).
Este é um compromisso que queremos assumir. É deste modo que queremos reanimar hoje a esperança no mundo do trabalho.
Lisboa, 11 de outubro de 2025
Ação Católica dos Meios Independentes – ACI
Ação Católica Rural – ACR
Associação Católica de Enfermeiros e Profissionais de Saúde – ACEPS
Associação Cristã de Empresários e Gestores – ACEGE
Associação de Farmacêuticos Católicos – AFC
Associação de Juristas Católicos – AJC
Associação dos Médicos Católicos Portugueses- AMCP
Cáritas Diocesana de Lisboa
Comissão Nacional Justiça e Paz – CNJP
Companhia das Obras – CdO
Liga Operária Católica – Movimento de Trabalhadores Cristãos – LOC/MTC
Juventude Operária Católica – JOC
METANOIA – Movimento Católico de Profissionais
Reanimar a esperança no mundo do trabalho – 11 outubro 2025 (PDF)