Mensagem à Paróquia do Divino Salvador de Vilar de Andorinho na despedida do Padre Albino Reis como Pároco

Hoje, ao escutarmos este Evangelho de São Lucas, sentimos a dureza e o desconforto das palavras de Jesus: “Se alguém vem ter comigo e não renuncia ao pai, à mãe, à mulher, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega a sua cruz e não Me segue, não pode ser meu discípulo”.

São palavras exigentes, que não permitem ilusões: seguir Cristo é escolher com radicalidade, é viver em fidelidade, é colocar o Senhor em primeiro lugar, diante de todas as lealdades e afetos legítimos. Só assim tudo o resto encontra o seu verdadeiro lugar.

Não é uma linguagem suave. Não é o Jesus “simpático” que tantas vezes imaginamos. É um Jesus exigente, que não engana ninguém: segui-Lo implica escolhas radicais, implica priorizar Deus acima de tudo e de todos. Este Evangelho desmonta a ideia de um cristianismo fácil, de conveniência, “só ao domingo e quando não custa nada”. Seguir Cristo tem um preço: desprender-se, carregar a cruz, renunciar ao que nos prende. Mas esse caminho não é de morte: é de liberdade. É um caminho onde se perde para ganhar, onde se renuncia para viver em plenitude.

Neste momento em que me despeço de vós, após vinte e dois anos como vosso pároco, não posso deixar de ler estas palavras como um espelho da caminhada que fizemos juntos. A vida do discípulo, e em particular a vida do sacerdote, não é feita de facilidades. É feita de escolhas, de renúncias, de cruzes carregadas — algumas visíveis, outras silenciosas. Mas é também feita de alegrias profundas, daquelas que não passam, porque nascem de Cristo.

Ao longo destes anos, procurámos juntos construir, como quem levanta uma torre. Uma torre não se ergue de um dia para o outro: precisa de alicerces firmes, de paciência, de perseverança. Assim também a nossa comunidade: pedra sobre pedra, gesto sobre gesto, relação sobre relação, fomos edificando com paciência uma casa de fé, de oração, de fraternidade.

Nem tudo ficou perfeito, nem tudo foi fácil. Mas ficou o essencial: o desejo sincero de seguir o Senhor.

Este Evangelho recorda-nos que cada discípulo deve carregar a sua cruz. As minhas cruzes tornaram-se também vossas, e muitas das vossas cruzes senti-as como minhas. Na doença, na perda, nas dificuldades familiares ou sociais, estive convosco e vós estivestes comigo. Mas também nas alegrias, nos sacramentos celebrados, nas festas partilhadas, estivemos juntos e sentimos como Cristo esteve presente e nos sustentou.

Agora, chega a hora de partir. Não chega cedo nem tarde. Chega no momento e no tempo de Deus.

E esta partida não é abandono, nem ruptura. É parte do caminho do discípulo que segue a Cristo, sempre disponível a deixar, para confiar. A Igreja não é nossa, é de Cristo. Ele é o centro. Eu passo, outro pastor virá; mas o Senhor permanece.

Quero agradecer-vos, de coração, a paciência, a confiança e a amizade. Obrigado por me deixarem ser vosso pároco, vosso irmão e vosso companheiro de caminho. O que levarei comigo não são números, nem estatísticas, mas rostos, histórias, partilhas. Isso sim é o verdadeiro tesouro que guardarei na memória e no coração.

Peço-vos que acolhais com fé e alegria o vosso novo pároco. Acolhei-o não como quem substitui alguém, mas como quem continua a missão de Cristo.

Não vos agarreis ao passado, não façais comparações entre quem parte e quem chega, mas deixai que o Espírito Santo continue a escrever a vossa história de comunidade; agarrai-vos a Jesus, que é sempre o verdadeiro Pastor que permanece e está presente onde dois ou três se reúnem em seu nome.

Termino com um apelo: o Evangelho que hoje ouvimos não é só para mim, é para todos. Não vivais uma fé cómoda, superficial, de “meias medidas”. O Senhor pede tudo, porque só quando Lhe damos tudo é que Ele nos pode dar tudo. Tenham coragem de O colocar sempre em primeiro lugar.

Que o Senhor vos abençoe, e que Maria, nossa Mãe, a Senhora do Rosário, vos acompanhe. E que possamos, um dia, reencontrar-nos todos no Reino, onde não haverá mais despedidas, mas só alegria plena em Cristo.

Padre Albino José Gonçalves Reis

 

Mensagem à Paróquia na despedida do Padre Albino Reis (PDF)