Ano A – O ano do evangelista Mateus

O Evangelho de Mateus

Quem é o autor do Evangelho de Mateus?

  1. O que dizem as tradições?

 

Hoje em dia, todos os livros que encontramos nas bibliotecas e que são publicados semana após semana, têm identificação do autor. E se autor é muito importante/célebre até o nome do autor aparece em caracteres maiores que o próprio título do livro. Mas não era assim na antiguidade.

            – Não existia o conceito de autor como existe hoje;

            – Não era importante a pessoa do autor, mas sim aquilo que o autor tinha para dizer;

            – Não existia o direito de propriedade intelectual, aquilo que hoje designamos por “direitos de autor”;

– O autor era conhecido da comunidade para quem escrevia por ser pequena. Daí, que o Evangelho de Mateus como todos os outros escritos da época, não eram pertença de autor, mas da comunidade e pouco interessava o nome do escriba.

            Então o que dizia a tradição dos primeiros séculos?

Que o seu autor foi o apóstolo Mateus.

– Vejamos o bispo Papias de Hierápolis, hoje cidade do centro da Turquia (ano 130);

– Vejamos Eusébio de Cesareia nos seus livros e depois do ano 230;

– Vejamos São Ireneu de Lyon por volta do ano 185;

            E, ainda, outros autores posteriores: exemplos:

Clemente de Alexandria – falecido em 215;

Orígenes – falecido em 255;

Eusébio de Cesareia – falecido em 240;

Jerónimo – falecido em 420.

            E assim chegou, até hoje, esta tradição. Mas estariam certos?

 

  1. O que diz o Novo/2º Testamento?

 

De facto, ao folhearmos o NT aparecem alguns nomes Mateus. Que dados temos sobre um tal Mateus?

  1. Mt 10,3

3Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu;

  1. Mt 9, 9

9Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança, e disse-lhe: «Segue-me!» E ele levantou-se e seguiu-o.

  1. Mt 10,7

 7Pelo caminho, proclamai que o Reino do Céu está perto. (portanto passou a fazer parte do grupo dos doze)

            É então crível que este Mateus – o apóstolo – seja o autor do Evangelho de Mateus? Durante muitos séculos ninguém punha em dúvida esta identidade. Mas…

  1. As possibilidades de o autor do Evangelho de Mateus ser outro Mateus, diferente do apóstolo Mateus.

 

Modernos estudos bíblicos surgidos no século XIX começaram a suspeitar desta identidade. O primeiro estudioso a fazê-lo foi Friedrich Schlelermacher (1832) e a partir daqui estava instalada a dúvida. Hoje quase nenhum exegeta/teólogo aceita a versão da tradição vigente até ao século XVIII. Mas, para se se duvida, é preciso justificar o porquê das dúvidas. Não se duvida só por duvidar.

Quais são, então, as motivações para tais dúvidas?

  1. O autor do Evangelho de Mateus constrói o seu Evangelho a partir do Evangelho de Marcos. Isto está já definitivamente provado. Também se sabe que Marcos não é uma fonte apostólica, pois não conheceu Jesus de Nazaré e não andou com ele. Aqui chegados, a pergunta é pertinente: Se o tal Mateus foi o apóstolo de Jesus de Nazaré, porquê trabalhar o seu Evangelho a partir de uma “biografia” de Jesus escrita por um não apóstolo da primeira hora? Teria todas as vantagens em fazê-lo diretamente, pois conhecia e tinha acompanhado o Mestre;
  2. O apóstolo Mateus não aparece como protagonista importante no Evangelho de Mateus. Pedro aparece muitas mais vezes do que o próprio Mateus. É como que um “informador” de Mateus. Diríamos, até, que o texto, belíssimo na construção, nada remete para uma linguagem de uma testemunha ocular no que escreve. É um Evangelho com uma linguagem fria, sem cronologia lógica, sem emoções dum participante na história que está a escrever. É um Evangelho muito bem construído, sistematizado e não descritivo e biográfico. Tudo para fazer desconfiar;
  3. O autor mostra um profundo conhecimento das Escrituras, o que é próprio de um escriba cristão e de um catequista. Muito menos de um ex-cobrador de impostos;

Ou seja,

– Parece claro que não foi o apóstolo Mateus que escreveu o Evangelho de Mateus;

– O verdadeiro autor (que não sabemos quem é), sabemos que é um cristão anónimo do século I d.C.

Mas será possível saber ainda mais sobre este autor anónimo na busca da sua identidade?

Sim, mediante aquilo que é conhecido como o método da análise interna do Evangelho de Mateus. Quase todos os livros da Bíblia, como já se disse, são anónimos. E como se pesquisa a identidade dos autores? Através duma metodologia científica hoje conhecida por” análise interna do texto”. Coisa igual ou muito parecida se faz hoje para perceber a coerência entre o histórico de um autor e um texto que aparece escrito com o seu nome, não fora tratar-se duma grosseira falsificação.

 

  1. Análise interna do Evangelho de Mateus.

 

  1. O autor era judeo-cristão. Porquê? Pelo grande respeito pela Lei de Moisés.

 

Mt 5, 17

17«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição.

Mt 5, 18

18Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota (a menor letra do alfabeto) ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra.

Mt 24, 15-20

15«Por isso, quando virdes a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, instalada no lugar santo, – o que lê, entenda – 16então, os que se encontrarem na Judeia fujam para os montes; 17aquele que estiver no terraço não desça para tirar as coisas de sua casa; 18e o que se encontrar no campo não volte atrás para buscar a capa. 19Ai das que estiverem grávidas e das que andarem amamentando nesses dias! 20Rezai para que a vossa fuga não se verifique no Inverno ou em dia de sábado.

Mt 6, 2.5.16

2Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas…

5«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e ….

16«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas,  …..

Mt 8, 4

4Jesus, porém, disse-lhe: «Vê, não o digas a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e apresenta a oferta que Moisés preceituou, para que lhes sirva de testemunho.»

 

Se tivermos o cuidado de percorrer estes textos, perceberemos que o autor:

Quer informar que Jesus de Nazaré vem esclarecer a Lei de Moisés, não vem contrariá-la, antes aperfeiçoá-la;

– Tem grande respeito pelo que está escrito – pela Lei de Moisés;

– Respeita a legalidade – preocupação com o sábado, etc.;

– Não renega as práticas judias: oração, jejum e esmola;

– Também Jesus respeita a Lei de Moisés – ver a cura do leproso e as exigências posteriores postas na boca de Jesus de Nazaré;

– Etc…

  1. Pertencia a uma 2ª geração de cristãos. Não foi testemunha ocular. Recorre a testemunhos de terceiros. Porquê?

           

b 1) Utiliza a “Fonte Q”. O que é?

 

               Conjunto de frases soltas e ditos de Jesus de Nazaré e que chegaram até ao autor. Chama-se “Fonte Q” porque em alemão, fonte se diz “Quelle”. Este documento, que hoje não existe, foi escrito por alguém que tendo convivido com Jesus ou recebido por tradição essa informação, teve o cuidado de registar essas frases e ditos de Jesus de Nazaré em forma de lista e em número de 106 (cento e seis).

      b 2) Utiliza o Evangelho de Marcos.

 

                Fica, portanto, evidente que não foi testemunha ocular. Recorre a terceiros na construção do seu Evangelho.

  1. Tinha estudos superiores de judaísmo e era um escriba (escritor de textos bíblicos). Porquê?

 

    -Pelo impressionante conhecimento das Escrituras que fica tão evidente no Evangelho que escreveu. Dificilmente um cobrador de impostos poderia ter aprendido tanto das Escrituras;

    -Refere 132 vezes passagens do AT e muitas das vezes fá-lo com citações exatas;

                -Trabalha o AT à maneira judia. O que significa? Que procura a frase no AT e, tirando-a do contexto, a aplica ao tempo presente – século I. Isso está muito próximo do que faziam os teólogos judeus;

                -Conhece muito bem as profecias das Escrituras e mostra de forma convincente que se cumprem em Jesus de Nazaré;

                -Um autor, quando está preocupado e interessado com o facto de um dia vir a ser identificado, deixa a sua marca na obra que escreve ou trabalha. É assim com alguns traços dum pintor no quadro que pinta, com o escultor na obra que esculpe, etc. etc. E com o autor do Evangelho de Mateus?

Vejamos:

Mt 13, 51-52

51«Compreendestes tudo isto?» «Sim» – responderam eles. 52Jesus disse-lhes, então: «Por isso, todo o doutor da Lei instruído acerca do Reino do Céu é semelhante a um pai de família, que tira coisas novas e velhas do seu tesouro.»

 

Percebamos a preocupação em referir Doutor da Lei e percebamos, ainda, que coisas novas (refere-se a Jesus) e coisas velhas (refere-se a Moisés). Ambas valiosas e que só com conhecimento/ sabedoria que resulta de muito estudo se consegue discernir. Clara evidência da sabedoria de um autor como Mateus.

  1. Não era da Palestina. Era um judeu nascido no estrangeiro. Porquê?

 

– Conhece muito bem o grego falado, escrito e literário. Não se falava o grego deste Mateus na Pátria de Jesus. Se virmos, no Evangelho de Marcos, a qualidade do grego usado é fraca. Dizem os mais sabedores que, em termos da qualidade de texto grego, é o pior dos 4 Evangelhos. Mateus apresenta-nos um grego não aprendido, mas muito bem conhecido e falado.

 

  1. Apesar de ser judeu, nascido no estrangeiro, este Mateus tinha uma mente muito aberta. Porquê?

– Não era o típico judeu. Um judeu nunca foi e ainda hoje não é um prosélito. O judeu centra a sua tradição na família, na raça, etc. Mateus era um prosélito. A sua mensagem era proclamada a todos. O importante era que todos conhecessem a mensagem do Jesus, o Cristo, o Ressuscitado. Fossem judeus nativos, fossem judeus na diáspora, fossem todas as outras gentes. Sendo judeu, escreveu prioritariamente para os judeus cristianizados. Mas não se ficou por aí. Vejamos:

Mt 2, 1
1Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente.

                        Estes magos eram pagãos.

Mt 4, 13-14

13Depois, abandonando Nazaré, foi habitar em Cafarnaum, cidade situada à beira-mar, na região de Zabulão e Neftali, 14para que se cumprisse o que o profeta Isaías anunciara:
15*Terra de Zabulão e Neftali,
caminho do mar,
região de além do Jordão,
Galileia dos gentios.

                Terras de Zabulão e Neftali – Galileia dos gentios

            Mt 8, 10

10Jesus, ao ouvi-lo, admirou-se e disse aos que o seguiam: «Em verdade vos digo: Não encontrei ninguém em Israel com tão grande fé!

                        Um grande elogio de Mateus aos pagãos ao colocar na boca de Jesus este acontecimento que relata a ida de um centurião romano junto de Jesus para lhe pedir a cura dum ente querido.

            Mt 24, 14

4Este Evangelho do Reino será proclamado em todo o mundo, para se dar testemunho diante de todos os povos. E então virá o fim.»

                               Universalidade do anúncio da Boa Notícia.

            Mt 27, 54

54O centurião e os que com ele guardavam Jesus, vendo o tremor de terra e o que estava a acontecer, ficaram apavorados e disseram: «Este era verdadeiramente o Filho de Deus!»

                        Quando morre Jesus, é um pagão (o centurião romano) e toda a corte romana presente junto à cruz que, no Evangelho de Mateus, proclama a divindade/realeza do Cristo.

            Mt 28, 19

1Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

                        A universalidade da salvação pelo batismo.

 

Em resumo:

Mateus, o autor do Evangelho de Mateus, terá nascido em Antioquia (cerca de 500 kms a norte de Jerusalém) e em data próxima do ano 30;

Seria de uma família de origem judia;

Desde jovem teria estudado em profundidade as Escrituras e poderemos acreditar, mesmo, que se teria preparado para ser escriba;

 E que mais ainda poderemos saber:

Atos 8, 1

1Saulo aprovava também essa morte (Estevão). No mesmo dia, uma terrível perseguição caiu sobre a igreja de Jerusalém.

 

                Depois da morte de Estevão, por volta do ano 31, muitos judeus aderentes a Jesus e com medo, fugiram de Jerusalém, para norte, tendo muitos deles se instalado em Antioquia.

            Atos 11, 19

19Entretanto, os que se tinham dispersado, devido à perseguição desencadeada por causa de Estêvão, adiantaram-se até à Fenícia, Chipre e Antioquia, mas não anunciavam a palavra senão aos judeus. 20Houve, porém, alguns deles, homens de Chipre e Cirene que, chegando a Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando-lhes a Boa-Nova do Senhor Jesus.

Chega a Antioquia muita informação sobre Jesus de Nazaré, o Cristo, o Messias. Mateus é um dos que se crê tenha aderido a este projeto e certamente se terá entusiasmado com tudo o que conhecia das Escrituras e do cumprimento das mesmas, que agora lhe é relatado por testemunhas oculares dessa missão de Jesus de Nazaré. Informações sobre a sua (de Jesus) vida, da sua morte e da sua Ressurreição

Atos 11, 26

26Encontrou-o e levou-o para Antioquia. Durante um ano inteiro, mantiveram-se juntos nesta igreja e ensinaram muita gente. Foi em Antioquia que, pela primeira vez, os discípulos começaram a ser tratados pelo nome de «cristãos

Acima uma citação do convite de Paulo a Barnabé.

Estamos no ano 40. Mateus começa a viver a sua adolescência num “alfobre” de cristãos (agora assim se passaram a chamar). Estava a viver num quotidiano de testemunhos dos que vivenciaram o projeto de Jesus e fácil se tornou conhecer coisas, ditos e factos do nazareno.

Gal 2, 11

11Mas, quando Cefas, Pedro, veio para Antioquia, opus-me frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável.

Estamos no ano 48. Mateus terá cerca de 18 anos. Pedro é um testemunho dos mais valiosos para a historiografia de Jesus de Nazaré. Mateus ouve Pedro, perguntará certamente muito e muito. Percebe-se, a partir daqui toda a sistematização que Mateus está capaz de dar ao seu Evangelho.

Mas ainda poderemos saber mais:

Por volta do ano 60 chega a Antioquia, proveniente da Galileia o documento “Fonte Q”.

Por volta do ano 75 chega a Antioquia, desde Roma, o Evangelho de Marcos.

Por volta do ano 80 Mateus une estes dois documentos integrando no Evangelho de Marcos os ditos e feitos de Jesus que recolhe da “Fonte Q”.

E onde os coloca?

Nos 5 sermões/discursos que compõem o Evangelho sistematizado de Mateus. Marcos não tem sermões no seu Evangelho. Um importante acrescento de Mateus.

Uma prova mais para separar, em definitivo, o Mateus Apóstolo do Mateus Evangelista.

 

Encontramos mais provas na tradição mais tardia dos seguidores do Mestre.

– Sócrates de Constantinopla (século V) in História Eclesiástica

            “Depois da morte do Mestre, os apóstolos sortearam entre si para onde deveriam ir em missionação e pregação. A Mateus, calhou em sorte, deslocar-se para a Etiópia” (portanto, muito mais para sul da Palestina)

– Clemente de Alexandria (século III) in El pedagogo

            “Era vegetariano. Comia sementes e verduras, mas não carne.”

– No apócrifo “Martírio de S. Mateus (século III)

            “Na Etiópia fez muitos milagres. Aí se opôs ao casamento do rei com uma sua sobrinha…O rei não lhe perdoou e matou-o atravessando-o com uma espada. Assim morreu mártir.”

No século X, as suas relíquias foram trazidas da Etiópia para a cripta da Igreja de Salerno (Itália).

A sua festa celebra-se todos os anos no dia 21 de setembro.

Fica, pois, claro que tudo o que se diz da vida do apóstolo Mateus pós-morte de Jesus é toda uma outra realidade e fica também fácil compreender que o autor do Evangelho de Mateus não é o Mateus apóstolo

Onde foi escrito o Evangelho de Mateus?

 

  1. O que dizia a tradição?

 

Nos primeiros séculos do cristianismo (primeiros que não foram assim tão poucos se atendermos a que apenas nos finais do século XIX esta tese foi superada), afirmava-se que o Evangelho de Mateus havia sido escrito na Judeia. Assim pensavam e escreveram:

            – Ireneu de Lyon (século II);

            – Eusébio de Cesareia (século IV);

      – São Jerónimo (século IV)

      – ……….

            Esta fixação, decorria do facto de todos entenderem que o autor do Evangelho de Mateus era o apóstolo Mateus, um dos doze e, portanto, fazia sentido este entendimento.

 

  1. O que dizem hoje os estudos bíblicos modernos (a partir do século XIX ou já no século XX)?

Em 1925 aparece um livro, escrito por Burnett Streeter (1874-1937) – Burnett Hillman Streeter
The Four Gospels: A Study of Origins Treating of The Manuscript Tradition, Sources, Authorship, & Dates
que sustenta que o Evangelho de Mateus foi escrito na Síria. E esta sustentação é feita, pedaço a pedaço, através de uma metodologia científica de que já falamos: a análise interna do texto do Evangelho. A partir daqui a maioria dos exegetas e teólogos seguiram a proposta de Burnett Streeter que vamos desenvolver. Acrescenta o autor, que foi na cidade de Antioquia, a 3ª maior cidade do Império Romano, que nasceu, viveu e, portanto, um autor anónimo escreveu o Evangelho de Mateus usando o pseudónimo Mateus.

            Mas não basta afirmar, escrever e tentar convencer incautos. É preciso alinhar muitos argumentos justificativos para que hoje se possa afirmar que, o Evangelho de Mateus, foi escrito de facto em Antioquia, no séc I, então capital da Síria, hoje Turquia. Alinhemos argumentos e vamos apresentar 9 abordagens:

  1. O Evangelho de Mateus está escrito num grego de boa, excelente qualidade. Não num grego corrente e vulgar (aquilo que ficou conhecido como o grego Koiné). Este grego Koiné é o tipo de linguagem que encontramos, por exemplo, no Evangelho de Marcos – o 1º Evangelho.

Koiné é simplesmente a palavra grega para “comum”. Muitas pessoas podem reconhecer a palavra koiné da palavra koinonia, que significa “comunhão”. Comunhão é ter algo em comum. O grego koiné era simplesmente a língua comum do mundo mediterrâneo no primeiro século. Conforme Alexandre, o Grande, conquistou o “mundo civilizado” de seu tempo, ele espalhou a língua e a cultura gregas. Assim como o inglês tem se tornado hoje, o grego se tornou a “língua internacional” mais comum e difundida da época. Visto que a maioria das pessoas conseguia entender o koiné, ele era o único adequado para proclamar o evangelho em todo o mundo. O grego koiné não era apenas comum no sentido de ser amplamente utilizado por todo o Império Romano, mas também era comum no sentido de que não era a língua das elites intelectuais e acadêmicas. O grego clássico era usado pela classe instruída. O grego koiné era a língua do trabalhador, do camponês, do vendedor e da dona de casa — não havia nada de pretensioso nele. Era o vernáculo, ou linguagem vulgar, da época. As grandes obras da literatura grega foram escritas no grego clássico. Nenhum erudito hoje se importaria em estudar qualquer coisa escrita em grego koiné, exceto pelo facto de que é a língua do Novo Testamento. Deus queria que Sua Palavra fosse acessível a todos e escolheu a linguagem comum da época, o koiné.” (https://www.gotquestions.org/Portugues/grego-koine.html)

  1. O Evangelho de Mateus está dirigido a uma comunidade judeo-cristã. Judeus que aderiram a Jesus de Nazaré, mas não abandonaram a sua matriz judaica de raiz. Apenas a atualizaram. Isto é muito visível no Sermão da Montanha (capítulos 5,6 e 7) onde Mateus escreve o que Jesus dizia: “Eu não vim pôr em questão a Lei. Vim antes para a complementar, esclarecer, cumprir.” Em Antioquia, no século I, havia uma grande comunidade de judeus da diáspora. Depois da morte de Estevão, em Jerusalém (o primeiro mártir cristão), muitos judeus que haviam aderido a Jesus de Nazaré, com medo de que lhes acontecesse o mesmo, rumaram a norte, fixando-se na capital da Síria do século I. E isso está relevado nos Atos dos Apóstolos. Vejamos:

Atos 11,19

19Entretanto, os que se tinham dispersado, devido à perseguição desencadeada por causa de Estêvão, adiantaram-se até à Fenícia, Chipre e Antioquia, mas não anunciavam a palavra senão aos judeus.

            A comunidade de Antioquia teria cerca de 50 000 judeus segundo escritos da época. Era uma das maiores comunidades judaicas da diáspora.

  1. O Evangelho de Mateus é uma Boa Notícia que prega a abertura aos pagãos. E a comunidade de Antioquia estava fortemente aberta aos pagãos. Era uma cidade cosmopolita. E encontramos evidências disso também nos Atos dos Apóstolos:

Atos 11, 20-21

0Houve, porém, alguns deles, homens de Chipre e Cirene que, chegando a Antioquia, falaram também aos gregos, anunciando-lhes a Boa-Nova do Senhor Jesus. 21A mão do Senhor estava com eles e grande foi o número dos que abraçaram a fé e se converteram ao Senhor.

                É em Antioquia que pela primeira vez se apelidam os seguidores de um tal Jesus de Nazaré com o nome de cristãos. O latinizado termo grego khristianós, encontrado apenas três vezes no NT, designa os seguidores de Cristo Jesus, os exponentes do cristianismo. — At 11:26; 26:28; 1Pe 4:16. “Foi primeiro em Antioquia [Síria] que os discípulos, por providência divina, foram chamados cristãos.” (At 11:26)

É, ainda, em Antioquia que pela primeira vez se fala em igreja (comunidade). Este termo tem origem no grego ekklesia, que quer dizer uma assembleia de cidadãos livres. Foi adotado pelos autores do Novo Testamento e empregado para referir a uma Nova Aliança do povo de Deus. Com o passar do tempo, a palavra igreja adquiriu um novo significado: edificação dedicada ao culto religioso. Melhor seria dizer Casa de Igreja, ou seja, casa onde se reúne a igreja (comunidade).

Atos 11, 22-23

22A notícia chegou aos ouvidos da igreja de Jerusalém, e mandaram Barnabé a Antioquia. 23Assim que ele chegou e viu a graça concedida por Deus, regozijou-se com isso e exortou-os a todos a que se conservassem unidos ao Senhor, de coração firme;

 

 

  1. A comunidade de Mateus estava organizada em diversos ministérios. Na comunidade de Antioquia havia uma estrutura social muito hierarquizada. Havia que falar, com entendimento claro, para uma sociedade que pensava diferente do projeto do Messias. A hierarquia tinha de ser explicada e compreendida como “coisa” dos homens e não “coisa” do Pai. Vejamos 3 textos que indiciam o que o autor do Evangelho de Mateus queria que ficasse claro. Nomes e títulos que encaixam, perfeitamente, com o que se passava na cidade de Antioquia

 Mt, 23, 8-10

8Quanto a vós, não vos deixeis tratar por ‘mestres’, pois um só é o vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. 9E, na terra, a ninguém chameis ‘Pai’, porque um só é o vosso ‘Pai’: aquele que está no Céu. 10Nem permitais que vos tratem por ‘doutores’, porque um só é o vosso ‘Doutor’: Cristo. 

 

Mt 23, 34

34Por causa disto, envio-vos profetas, sábios e doutores da Lei. Matareis e crucificareis alguns deles, açoitareis outros nas vossas sinagogas e haveis de persegui-los, de cidade em cidade

Atos 13, 1

1Havia na igreja, estabelecida em Antioquia, profetas e doutores: Barnabé, Simeão, chamado ‘Níger’, Lúcio de Cirene, Manaen, companheiro de infância do tetrarca Herodes, e Saulo.

 

  1. O Evangelho de Mateus valoriza muito a Lei de Moisés. Factos e acontecimentos revelados em Antioquia no século I, mostram a necessidade de o evangelista evidenciar este cumprimento ou falta dele, da Lei de Moisés. É evidente na “luta” de Paulo com Pedro quando este chega a Antioquia provindo de Jerusalém. Se numa primeira fase se conta que Pedro se aproximou dos gentios e até comeu com eles na mesma mesa, à chegada de enviados da igreja de Jerusalém, que seriam testemunhas dos acontecimentos, Pedro como que se passa para o outro lado. O lado dos tradicionalistas judeo-cristãos que não abandonaram a matriz judaica de raiz e cumpriam, zelosamente, as prerrogativas da Lei de Moisés. Paulo vai tão longe que até chama hipócrita a Pedro. Procuremos evidências:

Gal 2, 11-13

1Mas, quando Cefas (Pedro) veio para Antioquia, opus-me (Paulo) frontalmente a ele, porque estava a comportar-se de modo condenável. 12Com efeito, antes de terem chegado umas pessoas da parte de Tiago, ele comia juntamente com os gentios. Mas, quando elas chegaram, Pedro retirava-se e separava-se, com medo dos partidários da circuncisão. 13E com ele também os outros judeus agiram hipocritamente, de tal modo que até Barnabé foi arrastado pela hipocrisia deles.

 

 

  1. O Evangelho de Mateus é o único Evangelho que coloca, sem tibieza e em destaque, a autoridade de Pedro. Já dissemos noutra parte, que se o autor do Evangelho de Mateus fora o apóstolo Mateus (que não é), esta valorização de Pedro seria de desconfiar. Mas, aqui, o importante é focarmo-nos em Pedro e ver o que isso pode ter a ver com Antioquia.

Também só o evangelista Mateus escreve a frase célebre:”Tu és Pedro …..”  Mt 16,18. etc.

Mt 16, 18

8Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela.

 

Mt 16, 19

9Dar-te-ei Cefas (Pedro) as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.»

 

Mt 14, 25-29

25De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29«Vem» – disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 

               

Mt 14, 22-23

24*Entrando em Cafarnaúm, aproximaram-se de Pedro os cobradores do imposto do templo e disseram-lhe: «O vosso Mestre não paga o imposto?» 25*Ele respondeu: «Paga, sim». Quando chegou a casa, Jesus antecipou-se, dizendo: «Simão, que te parece? De quem recebem os reis da terra impostos e contribuições? Dos seus filhos, ou dos estranhos?» 26E como ele respondesse: «Dos estranhos», Jesus disse-lhe: «Então, os filhos estão isentos. 27No entanto, para não os escandalizarmos, vai ao mar (Pedro), deita o anzol, apanha o primeiro peixe que nele cair, abre-lhe a boca e encontrarás lá um estáter. Toma-o e dá-lho por mim e por ti.»

                A tudo isto acrescentemos que Pedro foi um dos apóstolos que viveu vários anos em Antioquia. Era muito importante destacar para os judeocristãos da diáspora a sua importância na cristandade nascente. Mateus empenha-se fortemente nisso, dando-lhe grande visibilidade. Continuemos:

Gal 2, 13

13E com ele (Pedro) também os outros judeus agiram hipocritamente, de tal modo que até Barnabé foi arrastado pela hipocrisia deles.

 

  1. Mateus é o único evangelista que afirma que os sírios escutaram a pregação de Jesus de Nazaré. Todos os outros evangelistas referem a pregação de Jesus na Galileia e na Judeia. Isto releva-nos muito sobre a seguinte questão: Para quem e onde escreveu o evangelista Mateus?

Mt 4, 24

24A sua fama estendeu-se por toda a Síria e trouxeram-lhe todos os que sofriam de qualquer mal, os que padeciam doenças e tormentos, os possessos, os epiléticos e os paralíticos; e Ele curou-os.

  1. Para um judeu que habita a Judeia, quando fala “no outro lado do Jordão” estará a referir-nos, e a fazer-nos voltar-se para o ponto cardeal Este ou Oriente. Ao contrário, se refere “este lado do Jordão” quando se está a referir ao ponto cardeal Oeste ou Ocidente. Porém, para quem está em Antioquia, ao norte, em território sírio do século I e se volta para a Judeia, quando se diz “na outra margem do Jordão” está a referir-se a Oeste ou Ocidente, que é como que vê de norte para sul a corrente do Jordão. Isto é assim em:

Mt 19, 1

1*Quando acabou de dizer estas palavras, Jesus partiu da Galileia e veio para a região da Judeia, na outra margem do Jordão.

  1. Inácio, Bispo de Antioquia (morto no ano 107) foi o primeiro autor a citar Mateus. Fê-lo pelo menos 3 vezes em correspondência que chegou até aos nossos dias. Contemos um pouco do martírio de S. Inácio.

“Antioquia, na atual Síria, era a terceira maior metrópole do mundo antigo, depois de Roma e Alexandria do Egito. Inácio tornou-se Bispo de Alexandria, por volta do ano 69, como sucessor de Santo Evódio, mas, sobretudo, do apóstolo Pedro, que havia fundado a Igreja naquela cidade. Descendente de uma família pagã, não romana, Inácio converteu-se ao cristianismo em idade avançada, graças à pregação de São João Evangelista, que havia passado por aquelas terras.

Viagem rumo ao martírio

Inácio era um Bispo forte, um pastor de zelo ardente. Os seguidores da sua Igreja o definiam como um cristão “fogoso”, segundo a etimologia do seu nome. Durante seu episcopado, começou a terrível perseguição do imperador Trajano, da qual também o Bispo foi vítima, por não querer negar à sua fé em Cristo. Por isso, foi preso e transportado acorrentado para Roma. No Coliseu, seu corpo foi despedaçado pelas feras, durante as celebrações da vitória do imperador na Dácia. Assim, começou a sua longa viagem, rumo ao patíbulo, durante a qual foi torturado pelos guardas, até chegar a Roma para a execução da sua sentença, no ano 107.

Portanto:

O Evangelho de Mateus foi escrito antes do ano 100, já que S. Inácio o cita pelo menos 3 vezes e morre no ano 107;

Ou seja, para ser o 1º autor a citar Mateus, sendo Bispo de Antioquia, este autor era-lhe próximo.

            Em conclusão:

Foram 9 os argumentos que fomos desfiando em busca do “onde foi escrito o Evangelho de Mateus?”. Parece, agora, evidente o eleger Antioquia para tal resposta. Será uma resposta sempre provisória, mas muito provável. Nenhuma outra cidade acumula tantos argumentos em favor desta conclusão.

Quando foi escrito o Evangelho de Mateus?

 

  1. O que dizia a tradição?

 

Até ao século XVIII, acreditava-se que o Evangelho de Mateus havia sido escrito pelo apóstolo Mateus, um dos 12 “pescados” pelo Mestre. Também, que havia sido o primeiro Evangelho a ser escrito. O Evangelho de Mateus era quase exclusivo (em muitas regiões de prática cristã era mesmo o único) a ser usado na liturgia. Havia a quase certeza que teria sido escrito por volta do ano 70 da nossa era, na Judeia. Hoje, porém, sabe-se muito mais e algumas certezas passaram a dúvidas. E as dúvidas merecem um trabalho árduo de investigação. E isso foi feito. Então, o que é que se sabe hoje sobre a datação do Evangelho de Mateus?

 

  1. O que dizem hoje os estudos bíblicos modernos (a partir do século XX)?

A maioria dos exegetas propõem, como data para o Evangelho de Mateus, o início da década de 80. Para bem ler e perceber qualquer obra, seja literária ou outra, é fundamental saber a sua data de escrita. Com a Bíblia também é assim.

Encontremos, então, argumentação convincente para datar o Evangelho de Mateus.

Há duas circunstâncias históricas que levam a ponderar a década de 80 da nossa era:

  1. A destruição da cidade de Jerusalém e do Templo pelos Romanos;
  2. A separação entre judeus e cristãos.

Analisemos cada um dos argumentos com o máximo de abertura, clareza e convicção.

  • A destruição da cidade de Jerusalém e do Templo pelos Romanos.

A destruição da cidade de Jerusalém foi para os judeus um acontecimento traumático. Tanto mais que o desaparecimento da cidade de Jerusalém leva consigo a destruição do Templo. Decorre entre os anos 66 e 70 da nossa era. Foi resultado da invasão romana, como resposta a algumas reivindicações nacionalistas. E para os judeus que acreditavam que Deus “habitava” no Templo, dando-lhe o lugar mais importante – o Santo dos Santos, este acontecimento foi brutal… Para os judeus, este lugar era indestrutível porque aí “habitava “ Yhaweh

Deixemos aqui uma nota de clarificação:

Para os judeus, o Templo (no sentido de edifício) era a Casa de Deus. Para os cristãos, a Igreja é a Casa do Povo de Deus. Deus habita o coração de cada homem ou mulher e não em qualquer casa-edifício. As diferenças são evidentes.

Pela leitura e análise interior do Evangelho de Mateus, percebe-.se que o que nos conta no seu escrito aponta para uma visão já um pouco distante deste acontecimento. Depois, algum, pouco ou muito tempo, após os anos 70 em que a destruição se consumou e a invasão romana terminou.

Procuremos evidências.

De imediato, estejamos atentos a dois textos de Mateus:

  1. A parábola do convite para o banquete;
  2. A lamentação sobre Jerusalém.

Trabalhemos os temas em 3 textos:

Centremo-nos para já no tema do convite para um banquete. Comecemos pela parábola no Evangelho de Lucas, que poderá ser anterior ou pelo menos contemporânea da versão de Mateus.

 

Lc 14, 14-24

15Ouvindo isto, um dos convidados disse-lhe: «Feliz o que comer no banquete do Reino de Deus!» 16Ele respondeu-lhe: «Certo homem ia dar um grande banquete e fez muitos convites. 17À hora do banquete, mandou o seu servo dizer aos convidados: ‘Vinde, já está tudo pronto.’ 18Mas todos, unanimemente, começaram a esquivar-se. O primeiro disse: ‘Comprei um terreno e preciso de ir vê-lo; peço-te que me dispenses.’ 19Outro disse: ‘Comprei cinco juntas de bois e tenho de ir experimentá-las; peço-te que me dispenses.’ 20E outro disse: ‘Casei-me e, por isso, não posso ir.21O servo regressou e comunicou isto ao seu senhor. Então, o dono da casa, irritado, disse ao servo: ‘Sai imediatamente às praças e às ruas da cidade e traz para aqui os pobres, os estropiados, os cegos e os coxos.’ 22O servo voltou e disse-lhe: ‘Senhor, está feito o que determinaste, e ainda há lugar.’ 23E o senhor disse ao servo: ‘Sai pelos caminhos e azinhagas e obriga-os a entrar, para que a minha casa fique cheia.’ 24Pois digo-vos que nenhum daqueles que foram convidados provará do meu banquete.»

Por análise interna do texto da parábola, percebe-se que esta parábola será a original. O argumentário de cada convidado (ver sublinhado) para escusar-se à aceitação do convite para o banquete é perfeitamente trivial. Numa cultura de pastorícia e de agricultura de subsistência, como era a da Palestina do I século, tudo é razoável no texto. E serve para depois se poder tirar as conclusões (alegorias) a que o evangelista queria chegar sobre a busca pelo Reino de Deus.

Passemos, agora, ao que encontramos no Evangelho de Mateus:

Mt 22, 1-14

 1Tendo Jesus recomeçado a falar em parábolas, disse-lhes: 2«O Reino do Céu é comparável a um rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho3Mandou os servos chamar os convidados para as bodas, mas eles não quiseram comparecer. 4De novo mandou outros servos, ordenando-lhes: ‘Dizei aos convidados: O meu banquete está pronto; abateram-se os meus bois e as minhas reses gordas; tudo está preparado. Vinde às bodas.’ 5Mas eles, sem se importarem, foram um para o seu campo, outro para o seu negócio. 6Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos.7O rei ficou irado e enviou as suas tropas, que exterminaram aqueles assassinos e incendiaram a sua cidade8Disse, depois, aos servos: ‘O banquete das núpcias está pronto, mas os convidados não eram dignos. 9Ide, pois, às saídas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes.’ 10Os servos, saindo pelos caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados.11Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem que não trazia o traje nupcial. 12E disse-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?’ Mas ele emudeceu. 13O rei disse, então, aos servos: ‘Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’ 14Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.»

 

            Aqui encontramos uma construção totalmente outra. Preparada para quem conhece e percebe a Torah, as profecias e o desejo de colocar Jesus como o Cristo/o Ungido/o Enviado.

            Fala-se em:

                        – Banquete nupcial (convém lembrar o conteúdo e o significado que tem para os judeus uma boda. É o lugar máximo da alegria e o sinónimo simbólico da aliança entre o Céu e a terra. Pensemos, também, no exemplo das bodas de Caná, em João, quando o sinal do evangelista assenta na vinda do Messias;

                        Para o seu filho – Todos os judeus cristianizados identificam de imediato este filho com Jesus de Nazaré;

                        – Mandou… de novo mandou …  Mateus quer referir-se, sem dúvida, aos enviados, aos discipulos, aos pregadores, aos portadores do convite para o banquete, para a chegada do Reino (Nota: Mateus fala em Reino dos Céus – é o único que não fala em Reino de Deus – pela simples razão que os judeus tinham dificuldade em nomear Deus, por entenderem que não tinham nome para Deus);

                        – Os restantes, apoderando-se dos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. Aqui há morte para os que convidam, para os que anunciam o convite. Em Lucas, apenas se refere que os servos comunicaram as recusas ao senhor e nada mais se passa;

                        – O rei (Senhor) zanga-se. Envia as suas tropas, mata os homicidas e lança fogo à cidade. Mateus aproveita o episódio da guerra dos romanos que incendiaram e destruíram a cidade e o Templo. Só o escreve assim, porque conhece o que se passou. A partir daí procura uma alegoria para o que acontecerá aos que não ouvem, não seguem, o projeto de Deus.

            Em resumo:

            Mateus atualiza a parábola original, aludindo ao drama dos anos 66/70 e coloca na boca de Jesus como que a profecia da forma como os seus serão maltratados e mortos. Assinala-o através da destruição do Templo.

            Só o poderia ter feito porque escreveu para além do ano 70 e depois de ter construído, sobre um facto histórico, uma catequese. É importante perceber que os autores escrevem sobre o seu tempo e não sobre o futuro, em jeito de adivinhação.

 

            Vejamos outra passagem de Mateus:

 

Mt 23, 37-38

37«Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os seus pintainhos sob as asas, e tu não quiseste! 38Pois bem, a vossa casa ficará deserta.

 

                Mateus só poderia escrever isto depois da destruição da cidade e do Templo.

Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados! …..

………..

Pois bem, a vossa casa ficará deserta.

Mateus descreve o que fizeram os romanos. Mais claro não poderia ser. E Mateus, desde Antioquia, teve conhecimento deste episódio e usou-o para fazer uma catequese à sua comunidade – os judeus da diáspora que seguiram o projeto do nazareno. Estávamos para além do ano 70.

  • A separação entre judeus e cristãos

 

Aconteceu por volta do ano 80 d.C. a separação que dura até hoje entre judeus e cristãos. Vejamos o quando e o como.

Depois da morte de Jesus de Nazaré, por volta do ano 30 da nossa era, judeus e judeo-cristãos continuaram a viver em comunidades próximas, celebrando cada uns à sua maneira os seus ritos cultuais, uns no Templo e nas sinagogas, outros só nas sinagogas. Ao lermos os Atos dos Apóstolos tudo isto está claro.

Com a destruição do Templo, por volta do ano 70 d. C., os judeus tiveram de repensar os seus ritos e o seu culto. Não mais era possível celebrar e visitar “Deus” na sua Casa – o Templo…

Porém, depois da destruição do Templo, sem local de destino para as peregrinações vindas de todos os lados onde existiam judeus fiéis, também desapareciam os sacerdotes, os escribas, o incenso que era queimado no Templo, etc. etc… Os judeus sentiram-se numa encruzilhada para a celebração da Fé.

Estávamos em tempo de repensar o judaísmo sem Templo. Os fariseus sobreviventes, instalaram-se na cidade de Yamnia, a ocidente da Jerusalém destruída, e aí fundaram uma escola rabínica procurando criar as bases de uma nova identidade.

O novo centro da religiosidade dos judeus sobreviventes e não aderentes a Jesus de Nazaré passou a ser a Lei, a Torah, a Lei de Moisés. Diferentemente, o centro da religiosidade dos cristãos sempre foi a Palavra de Jesus, o novo Moisés. Esta opção dos judeo-cristãos e dos cristãos gentios era inaceitável para os judeus fiéis ao judaísmo. Assim nasce uma oposição insanável entre o rabinismo, o judaísmo rabínico, que veio até aos nossos dias com diferentes matizes, e o cristianismo.

Estávamos próximo dos anos 80 d. C… Nascem as escolas rabínicas que reivindicam para si as sinagogas como local de culto e delas expulsam os cristãos. Nasce, também, por esta época e por necessidade um novo lugar de culto onde celebravam os cristãos – as Igrejas. Vem desde aqui a dificuldade que, ainda hoje, muitos cristãos sentem em distinguir a Igreja Viva (o coração de cada cristão) e a Casa da Igreja (a igreja edifício).

Em resumo:

            – Por volta dos anos 80 dá-se a separação entre o judaísmo rabínico (centro na Lei) e o cristianismo (centro em Jesus);

            – Começaram a surgir bastantes diferenças entre ambos os grupos;

            – As sinagogas são centros de rito e culto dos judeus rabínicos, as igrejas dos cristãos.

E as coisas até foram mais longe.

No ano 80 da nossa era, o rabino Gamaliel II introduz, na reza judia, uma maldição contra os cristãos.  Os judeus rezavam nas sinagogas uma oração chamada “As 18 bendições”. Gamaliel II introduz uma nova bendição, que afinal não era mais do que uma maldição. Passou a ser a 12ª bendição. Era a bendição “Birkat ha-minim (bendição contra os “minim” (cristãos)):

“Que os caluniadores não tenham esperança;

             Que os malvados sejam aniquilados;

                         Que os teus inimigos sejam destruídos;

                                      Que caia a força do orgulho já, seja abatida, destruída e humilhada”

Quem, sendo cristão, se sentaria agora na sinagoga para ouvir esta reza judia? Obviamente que os cristãos deixaram de aparecer, o que fazia todo o sentido. A sua exclusão deste espaço estava traçada.

 Não parece ser preciso muito mais para mostrar a radicalidade da nova escola rabínica e o seu distanciamento dos cristãos nesta época.

Aqui chegados, procuremos ver se estes episódios tiveram eco no Evangelho de Mateus. Se sim, é porque o anónimo Mateus não escreveu antes do acontecido. E estamos no início da década de 80 d.C.

E a resposta é sim. Quando Mateus fala de sinagogas, diz sempre “suas sinagogas”, “sinagogas deles”. Ora Jesus nunca disse tal coisa. Mateus ao colocar na boca de Jesus estas palavras, só o poderia fazer num quadro diferente do vivido por Jesus de Nazaré e atento ao tempo, aos tempos, em que escrevia.

Ficam alguns exemplos:

            Sobre a (s) sinagoga (s)

Mt 4, 23

23Depois, começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas suas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando entre o povo todas as doenças e enfermidades.

 

Mt 9, 36

35Jesus percorria as cidades e as aldeias, ensinando nas suas sinagogas, proclamando o Evangelho do Reino e curando todas as enfermidades e doenças.

 

Mt 10, 17

17Tende cuidado com os homens: hão de entregar-vos aos tribunais e açoitar-vos nas suas sinagogas;

 

Mt 12, 9

9Dali, dirigiu-se à sinagoga deles e entrou.

 

Mt 13, 54

54Tendo chegado à sua terra, ensinava os habitantes na sinagoga deles, de modo que todos se enchiam de assombro e diziam: «De onde lhe vem esta sabedoria e o poder de fazer milagres?

 

Mt 23, 34

34Por causa disto, envio-vos profetas, sábios e doutores da Lei. Matareis e crucificareis alguns deles, açoitareis outros nas vossas sinagogas e haveis de persegui-los, de cidade em cidade.

               

Sobre a Igreja:           

Mt 16, 18

18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela.

 

Mateus também faz incluir no seu Evangelho a forte tensão que se produziu entre os cristãos (de origem judaica) e os outros grupos de judeus que continuavam fiéis ao passado. Vejamos:

 

Mt 23, 13

13Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o Reino do Céu! Nem entrais vós nem deixais entrar os que o querem fazer.

 

 

 

4Mt 23, 15

15Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e, depois de o terdes seguro, fazeis dele um filho do inferno, duas vezes pior do que vós!

 

Mt 23, 23

23Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade! Devíeis praticar estas coisas, sem deixar aquelas.

 

Mt 23, 25

25Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque limpais o exterior do copo e do prato, quando por dentro estão cheios de rapina e de iniquidade!

 

Mt 23, 27

27Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque sois semelhantes a sepulcros caiados: formosos por fora, mas, por dentro, cheios de ossos de mortos e de toda a espécie de imundície!

 

 

Mt 23, 29

29Ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, que edificais sepulcros aos profetas e adornais os túmulos dos justos, 30dizendo: ‘Se tivéssemos vivido no tempo dos nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue dos profetas!’

 

            O que lemos acima não podem ser palavras de Jesus de Nazaré.  Jesus pregava o amor e era pela proximidade, pelo amor sem reservas. O perdão orientava a sua pregação e vida. Desde o tempo de João Batista, Jesus de Nazaré trocou o ódio ou a cobrança do mal pelo amor, a perseguição pelo acolhimento, a ira pela oblação, etc.  Jesus acolhia os fariseus e comia com eles o que lhe valeu muita má fama. Por tudo nisto, é fácil perceber que o que lemos acima do Evangelho de Mateus são palavras do evangelista em resultado do acontecido na altura em que estava a escrever e devia ser lema de ação para os seguidores do Mestre.

            Conclusões:

            O Evangelho de Mateus foi escrito depois do ano 70, talvez próximo do início da década de 80, pois:

– Já tinha acontecido a destruição de Jerusalém e do Templo (anos 66/70);

– Reflete e incorpora a rutura com as sinagogas;

– Reflete e incorpora a tensão entre judeus – ou judeus aderentes a Jesus e os outros;

– Terá sido escrito antes do ano 100, porque é citado pelo Bispo Ignácio de Antioquia que, como referimos na abordagem anterior, morreu no ano 107;

            Uma observação final:

             Mateus preocupou-se com dar ao Evangelho, à Boa Notícia, vida atual.

            E teremos muito mais para mostrar sobre a mestria de Mateus mais adiante.

            Passados 50 anos sobre os acontecimentos, Mateus atualizou, não alterando, o espírito da mensagem. Hoje deveríamos, também, todos, atualizar as Palavras do Mestre. Nunca ler a Palavra e entendê-la de forma literal. No século XXI precisamos da Boa Notícia para os nossos dias. Que a inspiração de Mateus nos oriente e ajude a dar “ar fresco” às Palavras do Enviado, do Ungido, do Ressuscitado.

 

 

 

O Evangelho de Mateus por dentro.

Entremos agora pelo Evangelho adentro. Nos dias de hoje já não causa surpresa dizer que este Evangelho é a Torah dos cristãos. Mas é preciso saber porquê? Ao longo dos próximos parágrafos iremos desbravar  a razão deste epíteto.

Comecemos por trabalhar sobre o capítulo 1 do Evangelho de Mateus.

De seguida fica já o sumário para as próximas páginas.

Mateus, sendo judeu convertido a Jesus, sabe bem como escrever sobre o Programa de Jesus destinado a quem sabe ler bem (ou pelo menos conhece) o Antigo Testamento. Por isso, o seu evangelho esquematiza-se a partir de 5 grandes eixos – refratando os 5 livros da Torah/Pentateuco (Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio). Assim, são também 5, os discursos de Jesus ao longo deste Evangelho.

  1. O Discurso/Sermão da Montanha, o projeto de Deus e o programa de Jesus (capítulos 5, 6 e 7);
  2. O Discurso Missionário, a respeito da missão que Jesus deu aos doze apóstolos. (capítulo 10);
  3. O Discurso das Parábolas do Reino, histórias que ensinam o Reino dos Céus. (Capítulo 13);
  4. O Discurso sobre a Igreja, sobre as relações entre os discípulos. (capítulo 18);
  5. O Discurso Escatológico: a segunda vinda, o julgamento e o fim dos tempos. (capítulos 24-25).

Como dizíamos acima e antes de abordarmos, em pormenor, cada um dos 5 discursos/5 livros – capítulos 5 a 25 – e também os últimos capítulos do Evangelho de Mateus, tratemos os 4 primeiros capítulos e, para hoje, o capítulo 1.

  1. Como nos é contado o poema da criação (do universo) e do nosso Mestre (Jesus de Nazaré)

 

O capítulo 1 do Evangelho de Mateus.

Nota prévia.

            Preparemos o nosso ouvido para ver/ouvindo, um poema da criação no 1º livro da Torah (Génesis). Falta-nos muitas vezes educar o ouvido para “ver” um poema com construção hiperbólica.

O Evangelho de Mateus é uma Boa Notícia narrada por um hebreu, utilizando todo um ambiente e uma linguagem de compreensão imediata para qualquer hebreu. Não haveria necessidade, nem de explicações, nem de traduções.

Estamos na introdução, capítulo 1, de Mateus. Começa por nos dizer: Livro do Génesis de Jesus, Livro das origens de Jesus, que, grande parte das traduções titula: “Genealogia de Jesus Cristo” e “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim”.  Para o início do capítulo temos um verdadeiro poema de nomes e nomes. E são 14 gerações daqui até aqui; depois mais 14 gerações daqui até aqui. Finalmente mais 14 gerações daqui até Jesus Cristo. Eis a origem do Messias Jesus.

Perante isto, qualquer hebreu sorri. É que Mateus está a levar-.nos para o capítulo 1º do livro do Génesis, o primeiro livro da Torah, no Antigo Testamento, para o belíssimo poema dos 7 dias. De facto, a primeira abordagem da criação é poética

Criação do mundo– 1O princípio, quando Deus criou os céus e a terra, 2a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas.3Deus disse: «Faça-se a luz.» E a luz foi feita. 4Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. 5Deus chamou dia à luz, e às trevas, noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o primeiro dia. 6Deus disse: «Haja um firmamento entre as águas, para as manter separadas umas das outras.» E assim aconteceu. 7Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento das que estavam por cima do firmamento. 8Deus chamou céus ao firmamento. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o segundo dia.9Deus disse: «Reúnam-se as águas que estão debaixo dos céus, num único lugar, a fim de aparecer a terra seca.» E assim aconteceu. 10Deus chamou terra à parte sólida, e mar, ao conjunto das águas. E Deus viu que isto era bom. 11Deus disse: «Que a terra produza verdura, erva com semente, árvores frutíferas que deem fruto sobre a terra, segundo as suas espécies, e contendo semente.» E assim aconteceu. 12A terra produziu verdura, erva com semente, segundo a sua espécie, e árvores de fruto, segundo as suas espécies, com a respetiva semente. Deus viu que isto era bom. 13Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o terceiro dia. 14Deus disse: «Haja luzeiros no firmamento dos céus, para separar o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos; 15servirão também de luzeiros no firmamento dos céus, para iluminarem a Terra.» E assim aconteceu. 16Deus fez dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite; fez também as estrelas. 17Deus colocou-os no firmamento dos céus para iluminarem a Terra, 18para presidirem ao dia e à noite, e para separarem a luz das trevas. E Deus viu que isto era bom. 19Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o quarto dia.20Deus disse: «Que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos, e que por cima da terra voem aves, sob o firmamento dos céus.» 21Deus criou, segundo as suas espécies, os monstros marinhos e todos os seres vivos que se movem nas águas, e todas as aves aladas, segundo as suas espécies. E Deus viu que isto era bom. 22Deus abençoou-os, dizendo: «Crescei e multiplicai-vos e enchei as águas do mar e multipliquem-se as aves sobre a terra.» 23Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o quinto dia.24Deus disse: «Que a terra produza seres vivos, segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo as suas espécies.» E assim aconteceu. 25Deus fez os animais ferozes, segundo as suas espécies, os animais domésticos, segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra, segundo as suas espécies. E Deus viu que isto era bom.

E o Livro do Génesis repete de novo, no capítulo 2, uma nova abordagem da criação. Agora já não um poema, mas uma narrativa. De facto, a primeira abordagem da criação é poética e a segunda abordagem é uma narrativa. Permitam-nos expor o texto:

2 ….. 4Esta é a origem da criação dos céus e da Terra. O homem –Quando o SENHOR Deus fez a Terra e os céus, 5e ainda não havia arbusto algum pelos campos, nem sequer uma planta germinara ainda, porque o SENHOR Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra, e não havia homem para a cultivar, 6e da terra brotava uma nascente que regava toda a superfície, 7então o SENHOR Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida, e o homem transformou-se num ser vivo. 8Depois, o SENHOR Deus plantou um jardim no Éden, ao oriente, e nele colocou o homem que tinha formado. 9O SENHOR Deus fez brotar da terra toda a espécie de árvores agradáveis à vista e de saborosos frutos para comer; a árvore da Vida estava no meio do jardim, assim como a árvore do conhecimento do bem e do mal.10Um rio nascia no Éden para regar o jardim, dividindo-se, a seguir, em quatro braços. 11O nome do primeiro é Pichon, rio que rodeia toda a região de Havilá, onde se encontra ouro, 12ouro puro, sem misturas, e também se encontra lá bdélio e ónix. 13O nome do segundo rio é Guion, o qual rodeia toda a terra de Cuche. 14O nome do terceiro é Tigre, e corre ao oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates.15O SENHOR Deus levou o homem e colocou-o no jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o guardar. 16E o SENHOR Deus deu esta ordem ao homem: «Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; 17mas não comas o da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás.» A mulher – 18O SENHOR Deus disse: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.» 19Então, o SENHOR Deus, após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, conduziu-os até junto do homem, a fim de verificar como ele os chamaria, para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhes desse. 20O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo, não encontrou auxiliar semelhante a ele.21Então, o SENHOR Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. 22Da costela que retirara do homem, o SENHOR Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. 23Então, o homem exclamou: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem!»24Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne.

O evangelista Mateus está a fazer a mesma coisa que os autores dos 2 primeiros capítulos do Génesis, ou seja, está a reescrever-nos um novo livro do Génesis, o Génesis de Jesus, as Origens de Jesus… E fá-lo de uma maneira que todo o hebreu entende.

Vejamos: A versão poética é a que segue:

“1 Genealogia de Jesus Cristo – 1Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão:
2Abraão gerou Isaac;
Isaac gerou Jacob;
Jacob gerou Judá e seus irmãos;
3Judá gerou, de Tamar, Peres e Zera;
Peres gerou Hesron;
Hesron gerou Rame;
4Rame gerou Aminadab;
Aminadab gerou Nachon;
Nachon gerou Salmon;
5Salmon gerou, de Raab, Booz;
Booz gerou, de Rute, Obed;
Obed gerou Jessé;
6Jessé gerou o rei David.

David, da mulher de Urias, gerou Salomão;
7Salomão gerou Roboão;
Roboão gerou Abias;
Abias gerou Asa;
8Asa gerou Josafat;
Josafat gerou Jorão;
Jorão gerou Uzias;
9Uzias gerou Jotam;
Jotam gerou Acaz;
Acaz gerou Ezequias;
10Ezequias gerou Manassés;
Manassés gerou Amon;
Amon gerou Josias;
11Josias gerou Jeconias e seus irmãos,
na época da deportação para Babilónia.

12Depois da deportação para Babilónia,
Jeconias gerou Salatiel;
Salatiel gerou Zorobabel;
13Zorobabel gerou Abiud.
Abiud gerou Eliaquim;
Eliaquim gerou Azur;
14Azur gerou Sadoc;
Sadoc gerou Aquim;
Aquim gerou Eliud;
15Eliud gerou Eleázar;
Eleázar gerou Matan;
Matan gerou Jacob.
16Jacob gerou José, esposo de Maria,
da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.
17Assim, o número total das gerações é, desde Abraão até David, catorze; de David até ao exílio da Babilónia, catorze; e, desde o exílio da Babilónia até Cristo, catorze.”

Portanto, a origem de Jesus é Israel. E tal aparece-nos depois de nos enunciar 3 vezes as 14 gerações desde Abraão a Jesus. Exatamente a simbólica do nome de DAVID. Em hebraico não se escrevem as vogais. E as consoantes têm valor numérico: DAVID = DVD= 4+6+4=14.

O evangelista Mateus somente quer jogar com a simbologia dos números, sendo que 42 é o resultado de 3 períodos de 14 gerações cada uma, assim divididos, conforme o versículo 17: de Abraão até o rei David; de David até o exílio da Babilónia; e do Exílio até Cristo; o que bem demonstra que o evangelista, na verdade, está a empregar o género midráxico, para apresentar um ensinamento de significado meramente teológico e não uma genealogia minuciosamente perfeita. Com efeito:

14 corresponde à soma das letras do nome hebraico do rei David: dalett (4) + vau (6) + dalett (4) = 14;

3 x 14 corresponde à plenitude do título real de David, o rei por excelência do povo judeu;

42, resultado de 3 x 14, caracteriza-se em Jesus, o Messias prometido, o filho de David tão aguardado pelo povo.

Veja-se a preocupação de Mateus em nos reconstruir a origem começando pelos patriarcas e terminando em José da qual nasce Jesus. Uma poética tão bela como o capítulo da criação. Mateus conta-nos, como já dissemos, o Génesis de Jesus.

Agora vejamos a versão narrativa:

A origem de Jesus é o Espírito Santo. É Deus. E tal aparece-nos numa versão narrativa que é construída a partir dum tipo de narrativa idêntica à que consta do capítulo 2 do Génesis – “4esta é a origem da criação dos céus e da Terra”. A origem de Jesus é, portanto, Deus.

E diz Mateus: Eis a Origem do Messias Jesus… (no texto aparece: “Ora, o nascimento…”

Duas vezes a mesma coisa como no Génesis. É que Mateus está a escrever um novo Génesis. Sabe o que está a fazer. Agora o Génesis de Jesus, as Origens de Jesus.

 

 18Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava desposada com José; antes de coabitarem, notou-se que tinha concebido pelo poder do Espírito Santo. 19José, seu esposo, que era um homem justo e não queria difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. 20Andando ele a pensar nisto, eis que o anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo. 21Ela dará à luz um filho, ao qual darás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados.»22Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: Deus connosco. 24Despertando do sono, José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. 25E, sem que antes a tivesse conhecido, ela deu à luz um filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus.

Mateus bem sabe o que escreve, porque escreve assim e para quem escreve. Mas, como diria Paulo na abertura da sua Carta aos Romanos: tanta coisa para dizer o que eu digo em 3 linhas. Leiamos Paulo:

Rom 1,1-4

  1Paulo, servo de Cristo Jesus, chamado a ser Apóstolo, escolhido para anunciar o Evangelho de Deus, 2que Ele de antemão prometera por meio dos seus profetas, nas santas Escrituras, 3acerca do seu Filho, nascido da descendência de David segundo a carne, 4constituído Filho de Deus em poder, segundo o Espírito santificador pela ressurreição de entre os mortos, Jesus Cristo Senhor nosso.

            Pois…, mas em Mateus ainda há mais do que poética e narrativa. Há estórias para contar a história.

Em Mateus, no episódio da encarnação, não há Maria. Só há José. E porquê?

            Voltemos ao Génesis para recordar que Mateus, sendo um hebreu da diáspora, convertido a Jesus de Nazaré escreve para hebreus que fizeram a opção de seguir o Mestre de Nazaré. Por isso, a sua catequese volta-se para o Génesis, para nos explicar mais passagens do 1º livro da Torah. O evangelista como que “condensa todo o Génesis” no seu primeiro capítulo. Todos sabemos como começa. Também como continua e também como acaba o livro do Génesis. Mas, recordemos:

  1. Adão (1ª origem);
  2. Noé (2ª origem);
  3. Patriarcas (origem da promessa – Abrão/Isaac/Jacob);
  4. E acaba com uma última personagem muito importante. Quem é essa personagem que fecha o livro do Génesis? Teria de ser um José. Sim, José o filho mais novo de Jacob, cuja história todos conhecemos. A Mateus, Maria (também porque mulher) não dava qualquer jeito para a narrativa da nova criação que provinha do 1º livro da Bíblia. Mateus quer ainda levar-nos para o sono e para o sonho. Leva-nos para o homem dos sonhos do final do Génesis – Jacob e José o filho mais novo, porque nos quer contar a história de José o pai de Jesus de Nazaré.

16Jacob gerou José, esposo de Maria,

da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo.

Como? Sim, Mateus quer fazer esta ligação e serve-se dum acontecimento com José, filho mais novo de Jacob.

Situemo-nos e depois iremos contar a estória da história.

Mateus está a levar-nos para uma grande estória com que pretende fazer história. É preciso saber quem é este Jesus encarnado e feito homem como nós exceto no pecado. Leva-nos para José – o homem do Senhor, o homem dos sonhos, para o filho de Jacob, também ele o homem dos sonhos. Há um entrelaçado, um nó de imagens.

Contemos, então, a grande estória:

            “Era uma vez um filho (José/Jesus) muito amado do Pai (Jacob/Abba-Deus). E o Pai enviou o filho muito amado ter com os irmãos que estavam longe. Os irmãos rejeitaram o enviado, o amado. Violentaram o irmão, venderam-no por algumas moedas e entregaram-no à morte limpando daí as mãos, porque ele desaparecera, finalmente.

Porém, passado uns tempos, ele, o irmão vendido e entregue à morte, começa a reaparecer numa revelação progressiva que os irmãos não estavam a entender. É Ele, não é Ele…. Finalmente a revelação plena. Sim, sou Eu. E o irmão chama os irmãos a si, ao Egito do faraó no qual se havia tornado o gestor dos celeiros. Era período de fome e o irmão José deu salvação aos irmãos que o haviam rejeitado e quase morto e  revela-se-lhes plenamente. Abraça-os, chorando, e desta forma, os salva e às suas famílias da quase morte.”

            A pergunta: Esta é a história de quem?

De Jesus e de José, o filho mais novo de Jacob, o amado do Pai. Mas, José morreu, não morreu! Nós que somos leitores, sabemos que não morreu. Como era responsável dos celeiros do faraó, salvou da fome todos os irmãos e a família. Esta é a estória de José. Vai ser para Mateus a releitura para a história de Jesus. Vejamos, pois, que o ir ao Génesis ajuda muito a perceber o que Mateus escreve.

            Só uma observação mais: Estevão, o 1º mártir cristão, foi apedrejado até à morte por ter contado esta estória de José. Ele anuncia a história de Jesus a partir desta estória de José. Está no capítulo 7 dos Atos.

            Fica agora claro que o Evangelho de Mateus começa com uma poética e uma narrativa tal como o Génesis que tem de ir muito para além do literal. Caso contrário, não percebemos nada do que o evangelista nos quis contar. Temos de ir mais além quando lemos o texto sobre o José, o homem dos sonhos, e ir muito para além do vermos em José o ser apenas o homem de Maria.

            Um dos sonhos de Jacob para terminar.

            Neste sonho, também embalamos o Filho do Abba!!

Trata-se do sonho que ficou conhecido como “o sonho da escada”. Jacob estava a dormir e teve um sonho. Percebamos para onde nos está a querer levar Mateus com esta história da escada. Do Céu e da Terra, da encarnação de Jesus de Nazaré, contando-nos a estória de José, o filho mais novo de Jacob, e os sonhos de Jacob.

Sonho de Jacob em Betel – 10Jacob saiu de Bercheba e tomou o caminho de Haran. 11Chegou a determinado sítio e resolveu ali passar a noite, porque o sol já se tinha posto. Serviu-se de uma das pedras do lugar como travesseiro e deitou-se.12Teve um sonho: viu uma escada apoiada na terra, cuja extremidade tocava o céu; e, ao longo desta escada, subiam e desciam mensageiros de Deus. 13Por cima dela estava o SENHOR, que lhe disse: “Eu sou o SENHOR, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus de Isaac. Esta terra, na qual te deitaste, dar-ta-ei, assim como à tua posteridade.14A tua posteridade será tão numerosa como o pó da terra; estender-te-ás para o ocidente, para o oriente, para o norte e para o sul, e todas as famílias da Terra serão abençoadas em ti e na tua descendência.15Estou contigo e proteger-te-ei para onde quer que vás e reconduzir-te-ei a esta terra, pois não te abandonarei antes de fazer o que te prometi.» 16Despertando do sono, Jacob exclamou: «O SENHOR está realmente neste lugar e eu não o sabia!» 17Atemorizado, acrescentou: «Que terrível é este lugar! Aqui é a casa de Deus, aqui é a porta do céu.» 18No dia seguinte de manhã, Jacob agarrou na pedra que lhe servira de travesseiro e, depois de a erguer como um monumento, derramou óleo sobre ela.19Chamou a este sítio Betel, quando, originariamente, a cidade se chamava Luz20Jacob fez, então, o seguinte voto: «Se Deus estiver comigo, se me proteger durante esta viagem, se me der pão para comer e roupa para vestir, 21e se eu regressar em paz à casa do meu pai, o SENHOR será o meu Deus. 22E esta pedra, que eu erigi à maneira de monumento, será para mim casa de Deus, e pagarei o dízimo de tudo quanto Ele me conceder.»

Nota:

Betel (em hebraico, בית אל‎, lit. ‘casa de El’), é o nome de uma cidade cananeia na antiga região de Samaria, localizada no centro da terra de Canaã, a noroeste de Aí, na estrada para Siquém , 30 quilômetros ao sul de Siló e cerca de 16 quilômetros ao norte de Jerusalém. Betel é a segunda cidade mais mencionada na Bíblia. Alguns o identificam com a aldeia palestina de Beitin e outros com o assentamento israelense de Beit El.

            José, o esposo de Maria também teve um sonho. Já entendemos as relações entre as coisas, os sonhos, as estórias para perceber a história da Salvação?

            Continuando…….

Acima, andamos pelo poema da criação (Génesis) e pelo poema e narrativa da criação do nosso Mestre (Jesus de Nazaré) ao longo do capítulo 1 do Evangelho de Mateus. Acreditamos que ficou claro que os evangelhos da infância (em Mateus e em Lucas – os únicos evangelistas que a abordam) são poemas e narrativas que os evangelistas construíram a partir do “quase nada” histórico. Só por volta dos anos 30 é que o discípulo de João Batista vindo da Galileia, iniciou a sua vida pública. Até aí ninguém tinha reparado na existência e vida singular de um homem simples que aprendera e praticara a profissão de construtor/ carpinteiro na oficina do pai José.

De facto, os 2 primeiros capítulos (capítulo 1-Genealogia e nascimento de Jesus e capítulo 2-Nascimento, manifestação, fuga para o Egito e viagem até Nazaré) são criação poética e narrativa associada.

Mateus constrói os capítulos seguintes, os capítulos 3 e 4, que distam na narrativa e relativamente aos 2 primeiros capítulos cerca de 30 anos, de uma forma já bastante mais próxima dum quadro “quase” histórico (capítulo 3-Jesus de Nazaré desce ao Jordão e é batizado e capítulo 4-de discípulo de João ao projeto pessoal do Verbo encarnado, do Jesus filho querido e amado do Pai – o “Abba”)

E depois? Como “viajamos” para os restantes capítulos?

Mateus, sendo judeu convertido a Jesus, sabe bem como escrever sobre os ensinamentos do Mestre. Não foi Seu apóstolo (já o explicamos) nem seguiu nas Suas viagens por terras da Palestina, como já sabemos. mas foi capaz de construir um Evangelho (uma Boa Notícia) genial para a época e, ainda hoje, admirável na sua construção.

O Evangelho de Mateus, sabemo-lo hoje, terá sido escrito por volta dos anos 80 d.C. Porém, durante muitos séculos foi o Evangelho preferido e mais conhecido dos cristãos. E porquê?

– Era/foi o mais usado na liturgia da Igreja (em muitas séculos foi mesmo o único);

– Era/foi o preferido dos autores antigos, autores esses que nunca se dedicaram ao enquadramento histórico dos 4 Evangelhos;

– Era/foi o indicado, estudado e difundido pelos Padres da Igreja;

– Era/foi o Evangelho inspirador dos pintores, escultores e artistas ao longo da história e fundamentalmente na Idade Média.

Será caso para perguntar: Qual o porquê para esta preferência, com bastante menosprezo pelos outros sinóticos e, mesmo, pelo Evangelho de João?

Possíveis razões:

  1. Porque é o Evangelho como melhor ordenação e estrutura entre os 4 Evangelhos canónicos;
  2. Mateus foi capaz de centralizar em 5 sermões/discursos todos os ensinamentos de Jesus de Nazaré proclamados ao longo da sua curta vida pública:
  3. O Discurso/Sermão da Montanha, o projeto de Deus e o programa de Jesus (capítulos 5, 6 e 7);
  4. O Discurso Missionário, a respeito da missão que Jesus deu a seus doze apóstolos. (capítulo 10);
  5. O Discurso das Parábolas do Reino, histórias que ensinam sobre o Reino dos Céus. (capítulo 13);
  6. O Discurso sobre a Igreja, sobre as relações entre os discípulos. (capítulo 18);
  7. O Discurso Escatológico: sobre sua segunda vinda, o julgamento das nações e fim dos tempos. (capítulos 24-25).

 

  1. No Evangelho de Mateus, Jesus de Nazaré, aparece-nos como um grande catequista, o que é muito relevante para a comunidade de Mateus. A nova visão do ensinamento da Torah parece, agora, muito mais clara e cumpre-se em Jesus de Nazaré o “novo” Moisés;
  2. É uma Boa Notícia que ajuda a formar discípulos do Mestre. Já sabemos que é uma “cópia” do Evangelho de Marcos, acrescentado de frases e dizeres encontrados na Fonte Q e de mais algumas fontes próprias de Mateus. Mas o evangelista escreve com mestria o que delicia os seus leitores. O que aqui se diz ficará mais bem demonstrado, mais à frente.
  3. Mateus é um autor muito cativante, porque:

e1) É o único que trata a infância de Jesus com um mistério (hoje conhecido) e que envolve todo o capítulo 1. Faz a genealogia de Jesus de Nazaré a partir dos 3*14. É o único que, ainda no capítulo 1 e, também, no capítulo 2 apresenta cenas muito inquietantes:

– Quase divórcio de José e Maria;

– Rei Herodes a mandar matar os inocentes,

– Visita dos magos (os estrangeiros) ao menino nascido;

– Fuga para o Egito,

– etc.

Hoje, percebemos tudo o que Mateus quis/quer dizer com estas narrações poéticas de paz, alegria, mas também de atrocidade e guerra.

e2) Ensinamentos exclusivos em Mateus:

                  – O sermão da montanha (capítulos 5,6 e 7);

                  – A parábola do trigo e do joio (capítulo 13):

                  – A parábola das dez virgens (capítulo 25);

                  – A parábola do juízo final (capítulo 25);

e3) Milagres exclusivos em Mateus:

                  – Pedro caminha sobre as águas (capítulo 14);

                  – A moeda na boca do peixe (capítulo 17);

e4) Relatos exclusivos em Mateus:

                  – Pedro como pedra da Igreja (capítulo 16);

                  – O suicídio de Judas (capítulo 27);

                  – O sonho da esposa de Pilatos (capítulo 27);

                  – O lavar das mãos de Pilatos (capítulo 27);

– A ressurreição de mortos em simultâneo à ressurreição de Jesus (capítulo 27);

                  – O suborno dos soldados para justificar o  roubo do corpo de Jesus (capítulo 28)

                A partir daqui, começa a ficar mais claro que a estrutura basilar do Evangelho de Mateus, a espinha-dorsal se assim quisermos dizer, encontra-se na importância que o autor anónimo de Antioquia, por volta dos anos 80 d.C. e que usa o pseudónimo de Mateus, quis dar aos discursos, aos sermões, de Jesus de Nazaré ao longo da sua vida pública. É certo que são sermões/discursos construídos para ensinamento e catequese à comunidades de Mateus e estruturados em factos e dizeres do Mestre. Mateus fez um trabalho do que se convencionou chamar “trabalho de ficheiro”, ou seja, fez fichas temáticas sobre todos os ensinamentos do Mestre e depois “armou” 5 sermões/discursos onde todos esses ensinamentos caberiam. E foram 5 esses sermões/discursos. O facto de serem 5 não é por acaso.  Como se fora um “novo” Pentateuco.

 

Nota: Veja-se desde já a qualidade da estrutura delineada por Mateus. Sibilina e genial são bons qualificativos.

            Sermão/discurso nº 1:

Contêm os ensinamento-base e fundamentais para seguir Jesus, para todos aqueles que são aspirantes ao Reino de Deus (Mateus diz Reino dos Céus – já sabemos porquê);

É conhecido por Sermão da Montanha e envolve os capítulos 5, 6 e 7.

Encontramos aí os fundamentos mais essenciais para alcançar o Reino. É tudo muito claro para os judeus que seguiam Jesus de Nazaré. Aí encontramos:

Como viver feliz? (as 9 bem-aventuranças);

Como entender bem a nova Lei. As diversas antíteses? A lei de Moisés diz…. pois eu digo-vos….

Como entender o sentido da esmola, da oração e do jejum?

Como proceder e atuar perante o dinheiro?

Em que consiste a Providência?

…….

Confirmemos isto mesmo lendo/relendo os capítulos 5, 6 e 7 de Mateus:

           

SERMÃO DA MONTANHA

Mateus, Capítulos 5,6 e 7

Quando Jesus viu que já eram uma multidão os que andavam atrás dele, subiu à montanha. 

Sentou-se. Os discípulos dele aproximaram-se. E, então, abriu a boca para ensinar, e disse:

Felizes os pobres pelo Espírito, 

porque o Reinado de Deus é por eles.

Felizes os mansos, 

porque receberão a terra de herança.

Felizes os que choram, 

porque serão consolados.

Felizes os que têm fome e sede de ver cumprida a Vontade de Deus, 

porque serão saciados.

Felizes os que tratam com misericórdia, 

porque serão tratados com misericórdia.

Felizes os pacificadores, 

porque serão chamados filhos de Deus.

Felizes os que são perseguidos por causa de cumprirem a Vontade de Deus, 

porque o Reinado de Deus é por eles.

 

Felizes são vocês, 

quando vos insultarem e vos perseguirem com mentiras, e vos caluniarem por causa de mim. 

Alegrem-se! Alegrem-se muito nesse dia, 

porque não vos faltarão confirmações a vir dos céus, 

e o meu Pai que está nos céus vos há de mostrar que valeu a pena

(Mt 5, 1-12)

Vocês são sal na terra! 

Para que serve o sal se ficar insosso? Vamos salgar o sal com quê? Não serve para mais nada, e acaba lançado fora, debaixo dos pés de quem passe. 

Vocês são luz no mundo! 

Como é que se pode esconder uma cidade que fica no cimo de um monte? Nem ninguém acende uma candeia para a colocar debaixo do armário, mas em cima da mesa, no centro da casa, onde ela dê luz para todos. 

É assim, dessa maneira, que a luz que há em ti, e em ti, e em ti, deve brilhar junto das pessoas. Vivam de tal maneira que elas, vendo o que vocês fazem, louvem o vosso Pai dos céus.

Não digam que eu vim anular os Mandamentos ou as Profecias. 

Eu não vim anular nem a Lei nem os Profetas. 

Eu não vim para anular, vim para cumprir. Mas, plenamente! 

É verdade isto que vos digo: nem os céus passarão nem a terra sairá do lugar sem que se veja cumprido assim, plenamente, o que significa cada sinal e cada letra nas escrituras. Por isso, aquele que rejeitar um só destes mandamentos, e ensinar os outros a fazer o mesmo, será o mais pequeno no Reinado de Deus. Mas quem os puser em prática e os ensinar, esse será grande no Reinado de Deus. 

Prestem bem atenção: se o vosso modo de proceder não exceder aquilo que dizem os escribas e aquilo que fazem os fariseus, vocês não entram no Reinado de Deus!

Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: “Não matarás! Aquele que matar terá de responder em tribunal”. Mas eu digo assim: quem apanhar raiva ao seu irmão, já terá de responder em tribunal. Quem chamar “maldito” ao seu irmão, prepare-se para ser julgado. Quem lhe chamar “estúpido”, fica sujeito a acabar na lixeira.

Portanto, se tu vens com uma oferta para trazeres ao altar e, quando lá chegas, te lembras que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, tu deixa lá a oferta à frente do altar e vai-te embora. Primeiro, reconcilia-te com o teu irmão. Depois já vais lá apresentar a tua oferta. 

Põe-te bem-intencionado com aquele com quem há zangas. Toma tu a iniciativa da reconciliação, enquanto vocês ainda vão a caminho. Não aconteça que a pessoa que está zangada contigo tenha tempo para te entregar ao juiz, e o juiz ao oficial e tu acabes numa prisão. E garanto-te: dessa prisão não sais enquanto não pagares até à última moedinha.

Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: “Não cometerás adultério”. Mas eu digo assim: todo aquele que olha para outra pessoa com a intenção de a possuir, já cometeu adultério dentro do seu coração. 

Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o para longe de ti. Mais vale que se perca um dos teus membros do que tu, todo inteiro, seres atirado à lixeira. Se a tua mão direita te faz tropeçar, arranca-a e lança-a para longe de ti. Mais vale que se perca um dos teus membros do que tu, todo inteiro, seres atirado à lixeira.

Foi dito assim: “Aquele que rejeitar a sua mulher, passe-lhe uma carta de repúdio”. Mas eu digo assim: todo aquele que rejeitar a sua mulher – a não ser que haja motivo de promiscuidade – está a colocá-la em situação de adultério. E aquele que casar com a repudiada, também fica sujeito ao mesmo.

Vocês ouviram o que foi dito aos antigos: “Não jures falso, mas cumpre fielmente os teus juramentos”. Mas eu digo assim: não andem a fazer juras por nada. Nem pelo céu, que é o trono de Deus. Nem pela terra, que é o estrado onde Ele estende os pés. Nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Nem pela tua própria cabeça jures, porque tu nem sequer mandas num só dos teus cabelos, se fica branco ou preto! 

Que a vossa maneira de falar seja esta: Sim, sim; Não, não. O que for além disto, vem do maligno. 

Vocês ouviram o que foi dito: “Olho por olho; dente por dente”. Mas eu digo assim: não resistam lutando diante das pessoas más. Em vez disso, tu faz assim: se te batem num lado da cara, tu oferece o outro. Se alguém vier lutar contigo para te roubar a túnica, tu oferece-lhe também o manto. Se alguém te quiser impor que caminhes com ele uma milha, tu caminha com ele duas. A quem te pedir, dá. A quem te pedir emprestado, não dês as costas.

Vocês ouviram o que foi dito: “Amarás o teu próximo; odiarás o teu inimigo”. Mas eu digo assim: amem os vossos inimigos. 

Rezem por aqueles que vos perseguem. 

Bendigam aqueles que vos amaldiçoam. 

Esta é a maneira de vocês se tornarem filhos do vosso Pai dos Céus. 

Ele é Aquele que faz nascer o sol para os bons e para os maus, sem distinção. Ele é Aquele que faz cair a mesma chuva sobre os justos e os injustos. 

Além disso: se vocês amam aqueles que vos amam e são amáveis, estão à espera de qual confirmação? Não fazem até os ladrões a mesma coisa? E se vocês saúdam e cuidam apenas os vossos amigos, o que é que fazem de extraordinário? Até os pagãos fazem assim, não é?

Portanto, sejam, mas é à maneira do vosso Pai, 

sejam perfeitos no amor como o vosso Pai dos céus é perfeito.

Guardem-se de praticar as vossas boas ações na cara das pessoas com o objetivo de serem apreciados por elas. Quem fizer assim, não conte ser apreciado nem confirmado pelo vosso Pai dos céus. 

Por isso: quando deres alguma coisa a alguém, não te ponhas a anunciá-lo por aí, como fazem esses hipócritas nas assembleias e nas ruas, porque o que querem é que as pessoas lhes deem elogios. Garanto-te: essa é a confirmação que procuravam. E já a receberam. 

Mas tu, quando deres alguma coisa a alguém, vê que nem a tua mão esquerda perceba o que estás a fazer com a direita. Que a tua dádiva fique no segredo. E o teu Pai, que vê no segredo, Ele vai-te dar a Sua confirmação.

E quando vocês fizerem oração, não sejam como esses hipócritas, que gostam muito de rezar pondo-se em lugares de destaque nas assembleias e nas esquinas das ruas, porque o que querem é que as pessoas lhes deem elogios. Garanto-te: essa é a confirmação que procuravam. E já a receberam. 

Mas tu, quando fizeres oração, entra no teu quarto, o teu lugar mais íntimo, fecha a porta, e volta-te para o teu Pai que está aí, em pleno segredo. E o teu Pai, que vê no segredo, Ele vai-te dar a Sua confirmação.

Que as vossas orações não sejam uma fiada de repetições, como costumam rezar os pagãos. Imaginam que é por usarem muito palavreado que as suas rezas serão ouvidas por Deus. Vocês não façam como eles! 

O vosso Pai sabe bem quem vocês são e do que vocês precisam, antes de vocês pedirem seja o que for. Por isso, quando rezarem, façam assim: 

Pai nosso, que estás nos céus, 

que o Teu Nome seja santificado, 

que o Teu Reinado seja instaurado, 

que a Tua Vontade seja feita aqui na terra, como no céu. 

O nosso Pão para cada amanhã, dá-nos hoje. 

Perdoa as nossas dívidas, tal como nós perdoamos a quem nos deve a nós. 

Não nos leves para a tentação, mas livra-nos do maligno. 

Sim, é preciso perdoar às pessoas as suas faltas, para que o vosso Pai dos céus também vos perdoe. Porque quem não aceita perdoar aos outros, não aceita ser perdoado pelo Pai.

Quando vocês fizerem jejum, não ponham uma cara pesada, como fazem esses hipócritas, que até mudam de cara para que toda a gente consiga ver e perceber que eles andam de jejum. Garanto-te: essa é a confirmação que procuravam. E já a receberam. 

Mas tu, quando fizeres jejum, perfuma-te todo, lava a cara e põe-te a brilhar, para que ninguém perceba que tu andas a jejuar, mas apenas o teu Pai, que está lá no segredo. E o teu Pai, que vê no segredo, Ele vai-te dar a Sua confirmação.

A lâmpada do corpo, está nos olhos. Por isso, se os teus olhos forem bons, toda a tua vida vai estar iluminada. Mas se os teus olhos forem maus, toda a tua vida vai ficar às escuras. E se te habituas à noite, se a luz que há em ti é escuridão, quão espessa será a noite que há em ti. 

Não andeis a acumular. Tesouros da terra, daqueles onde a traça chega e o caruncho come, daqueles onde os ladrões arrombam e roubam. 

Querem juntar tesouros, sejam os do céu. Nesses a traça não chega, o caruncho não come e os ladrões não têm como arrombar nem roubar. 

Além disso: onde tiveres o teu tesouro, aí é que vais ter o teu coração. 

Ninguém pode ser escravo de dois senhores ao mesmo tempo! Ou se odeia um e se ama o outro, ou se ganha afeto por um e se vai desprezando o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro. 

É por isso que eu vos falo assim: não andem continuamente em angústias com a vossa vida, mais a comida que havemos de pôr na mesa; e o corpo, mais a roupa que havemos de vestir. Viver não é mais do que comer? O corpo não é mais do que a roupa? 

Olhem para os pássaros. Não semeiam. Não ceifam. Não juntam em celeiros. E o vosso Pai do céu dá-lhes de comer. E vocês não valem mais do que pássaros? E, ainda por cima, desde quando é que tantas angústias e preocupações acrescentam um palmo que seja à duração da vida de alguém? 

E com o corpo, mais a roupa, porque é que vocês andam sempre tão preocupados? Aprendam a lição das flores. Olhem para os lírios do campo. Como crescem… sem trabalhar, nem fiar… E podem crer que nem o próprio rei Salomão, em toda a sua grandeza, alguma vez se vestiu tão bonito como um deles. Então? Se Deus veste assim a erva do campo, que existe só por hoje, e amanhã já está a aquecer o forno, não estará Deus disposto a fazer muito mais por vocês, oh gente de fé tão pequenina?!

Por isso, não andeis angustiados, por aí a sofrer: “O que iremos comer? O que teremos para beber? O que arranjaremos para vestir?” Olhem que os pagãos é que andam sempre atrás dessas coisas. O vosso Pai dos céus sabe muito bem que vocês precisam de tudo isso. 

Por isso, quanto a vocês, será assim: em primeiro lugar, procurem o Reinado de Deus, e o seu modo de proceder. Todas essas coisas vos serão dadas por causa disso. 

Portanto: não andem preocupados com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã já se ocupará com o que lhe pertence. Basta ao dia de hoje, o que pertence a hoje. 

Não julguem ninguém. Se não quiserem ser julgados! Vocês serão julgados com o mesmo julgamento que usam com os outros. Vocês arranjam uma medida para medir os outros, e depois são medidos com ela. 

Porque é que tu dás tanta atenção ao cisco que está na vista do teu irmão, quando não percebes que na tua tens um barrote?! Como é que tu podes dizer ao teu irmão: “Deixa-me tirar esse cisco da tua vista”, quando tu tens um barrote na tua?! Hipócrita! Tira primeiro o barrote que tens atravessado na tua vista, e depois já verás bem para tirar o cisco da vista do teu irmão.

Não lanceis aos cães as coisas consagradas. Nem deiteis pérolas aos porcos. Porque eles vão pisá-las, e depois ainda se vão virar contra vocês para acabar convosco. 

Peçam. E vão-vos dar. 

Busquem. E vão encontrar. 

Batam à porta. Porque vai-se abrir. 

Quem pede, recebe. Quem busca, acha. A quem bate à porta, abre-se. 

É como acontece convosco: um de vocês, se um filho lhe pede pão, vai-lhe dar para comer uma pedra? Se um filho pede peixe, vai-lhe pôr no prato uma cobra? Então? Se vocês, que até são maus, sabem dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará coisas boas aos que lhe pedem.

Tudo o que vocês gostavam que as pessoas vos fizessem, façam vocês a elas. Nisto ficam os mandamentos e as profecias todas. 

Apontem para a porta que é estreita. O caminho que leva a lado nenhum é que é largo e espaçoso. E são muitos os que vão por aí. Mas o caminho que conduz à Vida é apertado. A porta é estreita. E são poucos os que dão com ela. 

Atenção com os falsos profetas! Guardem-se deles. Eles aparecem disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos raivosos. Como é que vocês os poderão distinguir? É pelos frutos. Por acaso podem apanhar-se uvas das silvas? Alguém colhe figos dos cardos? É igual: a árvore boa dá bons frutos, e a árvore que não presta dá frutos que não prestam. Uma árvore boa não dá frutos que não prestam, e a árvore que não presta não dá frutos bons. A árvore que não produz bom fruto, é para ser cortada, porque só serve para a fogueira. Por isso, atenção: é pelos frutos que eles são reconhecidos. 

E nem todo aquele que me chama “Senhor, Senhor!” entra no Reinado de Deus. Entra quem pratica a vontade do meu Pai que está nos céus. Vai chegar aquele dia em que muitos virão ter comigo e falar-me assim: “Senhor, Senhor! Então não foi em teu nome que nós andámos a profetizar? Não foi em teu nome que andámos a expulsar demónios? Não foi em teu nome que fizemos tantas maravilhas?!” E eu vou-lhes dizer, na cara: “Nunca nos conhecemos! Afastem-se de mim, ó praticantes de coisas injustas!”

Por isso, todo aquele que ouve estas minhas palavras e as põe em prática, torna-se como aquele sábio que assentou a sua casa em cima de um rochedo. Caiu a chuva, vieram enxurradas dela, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não caiu, porque tinha os alicerces agarrados ao rochedo. Por outro lado, aquele que ouve estas minhas palavras e não as põe em prática, torna-se como aquele homem imprudente que construiu a sua casa em cima da areia. Caiu a chuva, vieram enxurradas dela, sopraram os ventos e deram contra aquela casa, e ela veio abaixo. Ficou tudo arruinado.

Jesus acabou de dizer estas palavras. As multidões estavam espantadas com um ensinamento assim! É que ele ensinava como alguém com autoridade, e não como os escribas que estavam habituadas a ouvir. Depois desceu da montanha e uma enorme multidão seguiu-O.

 

Sermão/discurso nº 2:

 

Contém os ensinamentos sobre o percurso de missão dos seguidores do Mestre.

É conhecido por Sermão Missionário e envolve o capítulo 10.

Que têm os seguidores do Mestre de fazer? Que temos nós, hoje, de fazer?

A quem tens/deves de/deves pregar o discurso do Reino?

Quais são as principais tarefas do missionário, do pregador do Reino, eu ou tu?

A pobreza como modo de vida, exemplo, testemunho;

Onde e como hospedar-se nas viagens missionárias;

Que fazer quando se é rejeitado ou mal recebido?

…….

            Mt 10

                        1Jesus chamou doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos malignos e de curar todas as enfermidades e doenças.2São estes os nomes dos doze Apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; 3Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o cobrador de impostos; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; 4Simão, o Zelota, e Judas Iscariotes, que o traiu. 5Jesus enviou estes doze, depois de lhes ter dado as seguintes instruções: «Não sigais pelo caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. 6Ide, primeiramente, às ovelhas perdidas da casa de Israel. 7Pelo caminho, proclamai que o Reino do Céu está perto. 8Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, purificai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça. 9Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento.11Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, procurai saber se há nela alguém que seja digno, e permanecei em sua casa até partirdes. 12Ao entrardes numa casa, saudai-a. 13Se essa casa for digna, a vossa paz desça sobre ela; se não for digna, volte para vós. 14Se alguém não vos receber nem escutar as vossas palavras, ao sair dessa casa ou dessa cidade, sacudi o pó dos vossos pés. 15Em verdade vos digo: No dia do juízo, haverá menos rigor para a terra de Sodoma e de Gomorra do que para aquela cidade.»

                        16Envio-vos como ovelhas para o meio dos lobos; sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas. 17Tende cuidado com os homens: hão de entregar-vos aos tribunais e açoitar-vos nas suas sinagogas; 18sereis levados perante governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e dos pagãos.19Mas, quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. 20Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós. 21O irmão entregará o seu irmão à morte, e o pai, o seu filho; os filhos hão de erguer-se contra os pais e hão de causar-lhes a morte. 22E vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo. 23Quando vos perseguirem numa cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo: Não acabareis de percorrer as cidades de Israel, antes de vir o Filho do Homem.»

                24O discípulo não está acima do mestre, nem o servo acima do senhor. 25Basta ao discípulo ser como o mestre e ao servo ser como o senhor. Se ao dono da casa chamaram Belzebu, o que não chamarão eles aos familiares! 26Não os temais, portanto, pois não há nada encoberto que não venha a ser conhecido. 27O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; e o que escutais ao ouvido, proclamai-o sobre os terraços.28Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode fazer perecer na Geena o corpo e a alma. 29Não se vendem dois pássaros por uma pequena moeda? E nem um deles cairá por terra sem o consentimento do vosso Pai! 30Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados! 31Não temais, pois valeis mais do que muitos pássaros.»

                        32«Todo aquele que se declarar por mim, diante dos homens, também me declararei por ele diante do meu Pai que está no Céu. 33Mas aquele que me negar diante dos homens, também o hei de negar diante do meu Pai que está no Céu. 34Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. 35Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; 36de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares. 37Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou filha mais do que a mim, não é digno de mim. 38Quem não tomar a sua cruz para me seguir, não é digno de mim.39Aquele que conservar a vida para si, há de perdê-la; aquele que perder a sua vida por causa de mim, há de salvá-la.»

                40«Quem vos recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou. 41Quem recebe um profeta por ele ser profeta, receberá recompensa de profeta; e quem recebe um justo, por ele ser justo, receberá recompensa de justo. 42E quem der de beber a um destes pequeninos, ainda que seja somente um copo de água fresca, por ser meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá a sua recompensa.»

 

Sermão/discurso nº 3

 

Contém os ensinamentos para entender bem e sem margem para dúvida o mistério do Reino de Deus. Envolve o capítulo 13.

É conhecido como o Sermão Parabólico, ou seja, de aproximação ao Reino de Deus.

Mateus conta 7 parábolas (o 7 não é em vão, pois quer significar totalidade, plenitude como forma de alcançar o Reino).

E nas 7 parábolas (estórias entendidas por todos porque baseadas no quotidiano daquela gente), Mateus procura dar resposta a 5 perguntas-chave:

Porque é que nem todos aceitam o Reino?

            Parábola do semeador (capítulo 13, 1-9);

Como atuar perante os que dizem não ao Reino?

            Parábola do trigo e do joio (capítulo 13, 24-30);

Tem futuro e sentido esta mensagem que, afinal, é proclamada a tão poucos no todo do universo?

            Parábola do gão de mostarda (capítulo 13, 31-32);

            Parábola do fermento (capítulo 13, 33);

Vale ou não a pena comprometer-se e lutar pelo Reino de Deus?

            Parábola do tesouro escondido (capítulo, 13, 44);

            Parábola do negociante de pérolas (capítulo 13, 45-46);

O que pode acontecer com aqueles que rejeitam a mistério do Reino de Deus?

            Parábola da rede (capítulo 13, 47-50

            Mt 13

1Naquele dia, Jesus saiu de casa e sentou-se à beira-mar. 2Reuniu-se a Ele uma tão grande multidão, que teve de subir para um barco, onde se sentou, enquanto toda a multidão se conservava na praia.

3Jesus falou-lhes de muitas coisas em parábolas: «O semeador saiu para semear. 4Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho: e vieram as aves e comeram-nas. 5Outras caíram em sítios pedregosos, onde não havia muita terra: e logo brotaram, porque a terra era pouco profunda; 6mas, logo que o sol se ergueu, foram queimadas e, como não tinham raízes, secaram. 7Outras caíram entre espinhos: e os espinhos cresceram e sufocaram-nas. 8Outras caíram em terra boa e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; e outras, trinta. 9Aquele que tiver ouvidos, oiça!»

10Aproximando-se de Jesus, os discípulos disseram-lhe: «Porque lhes falas em parábolas?» 11Respondendo, disse-lhes: “A vós é dado conhecer os mistérios do Reino do Céu, mas a eles não lhes é dado. 12Pois, àquele que tem, ser-lhe-á dado e terá em abundância; mas àquele que não tem, mesmo o que tem lhe será tirado. 13É por isso que lhes falo em parábolas: pois veem, sem ver, e ouvem, sem ouvir nem compreender. 14Cumpre-se neles a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis; e, vendo, vereis, mas não percebereis.15Porque o coração deste povo tornou-se duro, e duros também os seus ouvidos; fecharam os olhos, não fossem ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, compreender com o coração, e converter-se, para Eu os curar.16Quanto a vós, ditosos os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. 17Em verdade vos digo: Muitos profetas e justos desejaram ver o que estais a ver, e não viram, e ouvir o que estais a ouvir, e não ouviram.»

18«Escutai, pois, a parábola do semeador. 19Quando um homem ouve a palavra do Reino e não compreende, chega o maligno e apodera-se do que foi semeado no seu coração. Este é o que recebeu a semente à beira do caminho. 20Aquele que recebeu a semente em sítios pedregosos é o que ouve a palavra e a acolhe, de momento, com alegria; 21mas não tem raiz em si mesmo, é inconstante: se vier a tribulação ou a perseguição, por causa da palavra, sucumbe logo. 22Aquele que recebeu a semente entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução da riqueza sufocam a palavra que, por isso, não produz fruto. 23E aquele que recebeu a semente em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende: esse dá fruto e produz ora cem, ora sessenta, ora trinta.»

24Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é comparável a um homem que semeou boa semente no seu campo. 25*Ora, enquanto os seus homens dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e afastou-se. 26Quando a haste cresceu e deu fruto, apareceu também o joio.27Os servos do dono da casa foram ter com ele e disseram-lhe: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem, pois, o joio?’ 28‘Foi algum inimigo meu que fez isto’ – respondeu ele. Disseram-lhe os servos: ‘Queres que vamos arrancá-lo?’ 29Ele respondeu: ‘Não, para que não suceda que, ao apanhardes o joio, arranqueis o trigo ao mesmo tempo. 30Deixai um e outro crescer juntos, até à ceifa; e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhai primeiro o joio e atai-o em feixes para ser queimado; e recolhei o trigo no meu celeiro.’»

31Jesus propôs-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. 32É a mais pequena de todas as sementes; mas, depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore, a ponto de virem as aves do céu abrigar-se nos seus ramos.»

33Jesus disse-lhes outra parábola: «O Reino do Céu é semelhante ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha, até que tudo fique fermentado.»

34Tudo isto disse Jesus, em parábolas, à multidão, e nada lhes dizia sem ser em parábolas.35Deste modo cumpria-se o que fora anunciado pelo profeta: Abrirei a minha boca em parábolas e proclamarei coisas ocultas desde a criação do mundo.

 36Afastando-se, então, das multidões, Jesus foi para casa. E os seus discípulos, aproximando-se dele, disseram-lhe: «Explica-nos a parábola do joio no campo.» 37Ele, respondendo, disse-lhes: “Aquele que semeia a boa semente é o Filho do Homem; 38o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do Reino; o joio são os filhos do maligno; 39o inimigo que a semeou é o diabo; a ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os anjos. 40Assim, pois, como o joio é colhido e queimado no fogo, assim será no fim do mundo: 41o Filho do Homem enviará os seus anjos, que hão de tirar do seu Reino todos os escandalosos e todos quantos praticam a iniquidade, 42e lançá-los na fornalha ardente; ali haverá choro e ranger de dentes. 43Então os justos resplandecerão como o Sol, no Reino de seu Pai. Aquele que tem ouvidos, oiça!»

44«O Reino do Céu é semelhante a um tesouro escondido num campo, que um homem encontra. Volta a escondê-lo e, cheio de alegria, vai, vende tudo o que possui e compra o campo.45O Reino do Céu é também semelhante a um negociante que busca boas pérolas. 46Tendo encontrado uma pérola de grande valor, vende tudo quanto possui e compra a pérola.»

47«O Reino do Céu é ainda semelhante a uma rede que, lançada ao mar, apanha toda a espécie de peixes. 48Logo que ela se enche, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e escolhem os bons para as canastras, e os ruins, deitam-nos fora. 49Assim será no fim do mundo: sairão os anjos e separarão os maus do meio dos justos, 50para os lançarem na fornalha ardente: ali haverá choro e ranger de dentes.

 

 

Sermão/discurso nº 4

 

Contém os ensinamentos sobre a vida em comunidade. A vivência eclesial, pois toda a comunidade é que é a Igreja. O termo Igreja não foi nunca usado pelo Mestre. Mas estamos em 80 d.C. e já é um termo com significado e uso. Envolve o capítulo 18

É conhecido como o Sermão Eclesiológico.

Mateus põe na boca de Jesus (percebamos a catequese implícita) os seguintes temas:

Quem é o mais importante na comunidade cristã?

Como atuar em caso de escândalo?

Como deve ser orientado e tratado o cuidado dos mais frágeis e mais pequenos?

Como proceder com quem peca, se desvia do projeto do Reino? A correção fraterna;

Como agir/reagir num quadro de pecado (desvio do projeto do Reino) ou ofensa?

            …….
            Mt 18

 1Naquele momento, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?»2Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles 3e disse: «Em verdade vos digo: Se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. 4Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. 5Quem receber um menino como este, em meu nome, é a mim que recebe.

6«Mas, se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem em mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar. 7Ai do mundo, por causa dos escândalos! São inevitáveis, decerto, os escândalos; mas ai do homem por quem vem o escândalo!8*Se a tua mão ou o teu pé são para ti ocasião de queda, corta-os e lança-os para longe de ti: é melhor para ti entrares na Vida mutilado ou coxo, do que, tendo as duas mãos ou os dois pés, seres lançado no fogo eterno. 9Se a tua vista é para ti ocasião de queda, arranca-a e lança-a para longe de ti: é melhor para ti entrares com uma só vista na Vida, do que, tendo os dois olhos, seres lançado na Geena do fogo.

410«Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, pois digo-vos que os seus anjos, no Céu, veem constantemente a face de meu Pai que está no Céu. 11Porque o Filho do Homem veio salvar o que se tinha perdido.12Que vos parece? Se um homem tiver cem ovelhas e uma delas se tresmalhar, não deixará as noventa e nove no monte, para ir à procura da tresmalhada? 13E, se chegar a encontrá-la, em verdade vos digo: alegra-se mais com ela do que com as noventa e nove que não se tresmalharam. 14Assim também é da vontade de vosso Pai que está no Céu que não se perca um só destes pequeninos.»

15«Se o teu irmão pecar, vai ter com ele e repreende-o a sós. Se te der ouvidos, terás ganho o teu irmão. 16Se não te der ouvidos, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão fique resolvida pela palavra de duas ou três testemunhas. 17Se ele se recusar a ouvi-las, comunica-o à Igreja; e, se ele se recusar a atender à própria Igreja, seja para ti como um pagão ou um cobrador de impostos. 18Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes na Terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na Terra será desligado no Céu.»

19«Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedir qualquer coisa, hão de obtê-la de meu Pai que está no Céu. 20Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles.»

21Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe: «Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?»22Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete.23Por isso, o Reino do Céu é comparável a um rei que quis ajustar contas com os seus servos. 24Logo ao princípio, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. 25Não tendo com que pagar, o senhor ordenou que fosse vendido com a mulher, os filhos e todos os seus bens, a fim de pagar a dívida. 26O servo lançou-se, então, aos seus pés, dizendo: ‘Concede-me um prazo e tudo te pagarei.’ 27Levado pela compaixão, o senhor daquele servo mandou-o em liberdade e perdoou-lhe a dívida. 28Ao sair, o servo encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários. Segurando-o, apertou-lhe o pescoço e sufocava-o, dizendo: ‘Paga o que me deves!’ 29O seu companheiro caiu a seus pés, suplicando: ‘Concede-me um prazo que eu te pagarei.’ 30Mas ele não concordou e mandou-o prender, até que pagasse tudo quanto lhe devia. 31Ao verem o que tinha acontecido, os outros companheiros, contristados, foram contá-lo ao seu senhor. 32O senhor mandou-o, então, chamar e disse-lhe: ‘Servo mau, perdoei-te tudo o que me devias, porque assim mo suplicaste; 33não devias também ter piedade do teu companheiro, como eu tive de ti?’ 34E o senhor, indignado, entregou-o aos verdugos até que pagasse tudo o que devia.35Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar ao seu irmão do íntimo do coração.»

 

Sermão/discurso nº 5

 

Contém os ensinamentos sobre “o fim dos tempos”. Envolve os capítulos 24 e 25

É conhecido como o Sermão Escatológico, exatamente no sentido de “fim dos tempos.

Trata-se de um sermão de preparação para a 2ª vinda de Cristo, já não num quadro de proximidade, mas de alerta. Situa o “buscador” do Reino de Deus num quadro de situações para as quais deve estar atento.

Quais serão os sinais que antecedem “o fim dos tempos”?

Qual o dia e a hora?

Quando virá de novo o Filho do Homem?

Como deve ser o nosso permanente alerta, sempre vigilante e responsável?

O que é e como devemos preparar o Juízo Final?

 

            Mt 24

            1Tendo saído do templo, Jesus ia-se embora, quando os seus discípulos se aproximaram dele para lhe mostrar as construções do templo.2Mas Ele disse-lhes: «Vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra: tudo será destruído.»

                3Estando Jesus sentado no Monte das Oliveiras, os discípulos aproximaram-se e perguntaram-lhe em particular: «Diz-nos quando acontecerá tudo isto e qual o sinal da tua vinda e do fim do mundo.»4Jesus respondeu-lhes: «Tomai cuidado para que ninguém vos desencaminhe. 5Porque virão muitos em meu nome, dizendo: ‘Sou eu o Messias.’ E hão de enganar muita gente. 6*Ouvireis falar de guerras e de rumores de guerras, mas não vos assusteis. Isso tem de acontecer, mas ainda não será o fim. 7Há-de erguer-se povo contra povo e reino contra reino, e haverá fomes, pestes e terramotos em vários sítios. 8Tudo isto será apenas o princípio das dores.»

                 9«Então, irão entregar-vos à tortura e à morte e, por causa do meu nome, todos os povos irão odiar-vos. 10Nessa altura, muitos sucumbirão e hão de trair-se e odiar-se uns aos outros. 11*Surgirão muitos falsos profetas, que hão de enganar a muitos. 12E, porque se multiplicará a iniquidade, vai resfriar o amor de muitos; 13mas aquele que se mantiver firme até ao fim será salvo. 14Este Evangelho do Reino será proclamado em todo o mundo, para se dar testemunho diante de todos os povos. E então virá o fim.

                15«Por isso, quando virdes a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, instalada no lugar santo, – o que lê, entenda – 16*então, os que se encontrarem na Judeia fujam para os montes; 17aquele que estiver no terraço não desça para tirar as coisas de sua casa; 18e o que se encontrar no campo não volte atrás para buscar a capa. 19Ai das que estiverem grávidas e das que andarem amamentando nesses dias! 20Rezai para que a vossa fuga não se verifique no Inverno ou em dia de sábado, 21pois nessa altura a aflição será tão grande como nunca se viu desde o princípio do mundo até ao presente, nem jamais se verá. 22E, se não fossem abreviados esses dias, criatura alguma se poderia salvar; mas, por causa dos eleitos, esses dias serão reduzidos.»

                23«Então, se vierem dizer-vos: ‘Aqui está o Messias’, ou ‘Ali está Ele’, não acrediteis; 24porque hão de surgir falsos messias e falsos profetas, que farão grandes milagres e prodígios, a ponto de desencaminharem, se possível, até os eleitos. 25Olhai que já vos preveni. 26Por isso, se vos disserem: ‘Ele está no deserto’, não saiais; ‘Ei-lo no interior da casa’, não acrediteis. 27Porque, assim como o relâmpago sai do Oriente e brilha até ao Ocidente, assim será a vinda do Filho do Homem. 28Onde houver um cadáver, aí se juntarão os abutres.

                29«Logo após a aflição daqueles dias, o Sol irá escurecer-se, a Lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do céu e os poderes dos céus serão abalados.30Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem e todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens do céu, com grande poder e glória. 31*Ele enviará os seus anjos, com uma trombeta altissonante, para reunir os seus eleitos desde os quatro ventos, de um extremo ao outro do céu.»

                32Aprendei da comparação tirada da figueira: quando os seus ramos se tornam tenros e as folhas começam a despontar, sabeis que o Verão está próximo. 33*Assim também, quando virdes tudo isto, ficai sabendo que Ele está próximo, à porta. 34Em verdade vos digo: Esta geração não passará sem que tudo isto aconteça. 35*O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar.»

36Quanto àquele dia e àquela hora, ninguém o sabe: nem os anjos do Céu nem o Filho; só o Pai. 37*Como foi nos dias de Noé, assim acontecerá na vinda do Filho do Homem.38Nos dias que precederam o dilúvio, comia-se, bebia-se, os homens casavam e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca; 39e não deram por nada até chegar o dilúvio, que a todos arrastou. Assim será também a vinda do Filho do Homem. 40Então, estarão dois homens no campo: um será levado e outro deixado; 41duas mulheres estarão a moer no mesmo moinho: uma será levada e outra deixada.42Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. 43Ficai sabendo isto: Se o dono da casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, estaria vigilante e não deixaria arrombar a casa. 44Por isso, estai também preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que não pensais.»

                45Quem julgais que é o servo fiel e prudente, que o senhor pôs à frente da sua família para os alimentar a seu tempo? 46Feliz esse servo a quem o senhor, ao voltar, encontrar assim ocupado. 47Em verdade vos digo: Há de confiar-lhe todos os seus bens. 48Mas, se um mau servo disser consigo mesmo: ‘O meu Senhor, está a demorar’, 49e começar a bater nos seus companheiros, a comer e a beber com os ébrios, 50o senhor desse servo virá no dia em que ele não o espera e à hora que ele desconhece; 51vai afastá-lo e dar-lhe um lugar com os hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes.»

 

            Mt 25

            1«O Reino do Céu será semelhante a dez virgens que, tomando as suas candeias, saíram ao encontro do noivo. 2Ora, cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. 3As insensatas, ao tomarem as suas candeias, não levaram azeite consigo; 4enquanto as prudentes, com as suas candeias, levaram azeite nas almotolias.

5Como o noivo demorava, começaram a dormitar e adormeceram. 6A meio da noite, ouviu-se um brado: ‘Aí vem o noivo, ide ao seu encontro!’ 7Todas aquelas virgens despertaram, então, e aprontaram as candeias.

8As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se.’ 9Mas as prudentes responderam: ‘Não, talvez não chegue para nós e para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o.’ 10Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o noivo; as que estavam prontas entraram com ele para a sala das núpcias, e fechou-se a porta.

11Mais tarde, chegaram as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta!’ 12Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço.’

13Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora.»

14«Será também como um homem que, ao partir para fora, chamou os servos e confiou-lhes os seus bens. 15A um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual conforme a sua capacidade; e depois partiu.

16Aquele que recebeu cinco talentos negociou com eles e ganhou outros cinco. 17Da mesma forma, aquele que recebeu dois ganhou outros dois. 18Mas aquele que apenas recebeu um foi fazer um buraco na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor.

19Passado muito tempo, voltou o senhor daqueles servos e pediu-lhes contas. 20Aquele que tinha recebido cinco talentos aproximou-se e entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que eu ganhei.’ 21O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’

22Veio, em seguida, o que tinha recebido dois talentos: ‘Senhor, disse ele, confiaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que eu ganhei.’ 23O senhor disse-lhe: ‘Muito bem, servo bom e fiel, foste fiel em coisas de pouca monta, muito te confiarei. Entra no gozo do teu senhor.’

24Veio, finalmente, o que tinha recebido um só talento: ‘Senhor, disse ele, sempre te conheci como homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25Por isso, com medo, fui esconder o teu talento na terra. Aqui está o que te pertence.’ 26O senhor respondeu-lhe: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que eu ceifo onde não semeei e recolho onde não espalhei. 27Pois bem, devias ter levado o meu dinheiro aos banqueiros e, no meu regresso, teria levantado o meu dinheiro com juros.’ 28‘Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos. 29Porque ao que tem será dado e terá em abundância; mas, ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. 30A esse servo inútil, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes.’»
31«Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos.

34O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’

37Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’

41Em seguida dirá aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.’ 44Por sua vez, eles perguntarão: ‘Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?’ 45Ele responderá, então: ‘Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.’

46Estes irão para o suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»

 

Concluímos a abordagem genérica dos 5 sermões/discursos.

Mas, ficam duas perguntas no ar:

  1. Porque sabemos que são 5 e onde termina cada um?
  2. E porque são 5 os sermões/discursos no Evangelho de Mateus e não 4, 6 ou 7?

As respostas:

  1. No final dos 5 sermões/discursos, encontramos:

                                    Mt 7, 28

                                                28Jesus acabou de dizer estas palavras. As multidões estavam espantadas com um ensinamento…

                                Mt 11,1

                                                1Quando Jesus acabou de dar estas instruções aos doze discípulos, partiu dali, a fim de ir ensinar e pregar nas suas cidades.

                                               Mt 13,53

                                                                       53Depois de terminar estas parábolas, Jesus partiu dali.

                                               Mt 19, 1

                                                                       1Quando acabou de dizer estas palavras, Jesus partiu da Galileia e veio para a região da Judeia, na outra margem do Jordão.

                                               Mt 26,1

                                                                       1Tendo acabado todos estes discursos, Jesus disse aos discípulos:

            Portanto, estão balizados os sermões/discursos. São apenas 5 no Evangelho de Mateus e fica claro onde terminam. Também não há dúvidas que são apenas 5 pois em Mt, 26,1 se diz: “Tendo acabado todos estes discursos,” E é, ainda, curioso onde é que Mateus foi buscar esta baliza para cada um dos 5 discursos. Exatamente a um dos 5 livros da Torah, o último, o Deuteronómio, a segunda Lei de Israel.

                Veja-se:

                                               Dt 32, 45

                                                                       45Quando Moisés acabou de proferir estas palavras a todo o Israel, ….

  1. Acreditamos que o que envolve a alínea a) seja o suficiente para perceber porque são 5 os sermões/ discursos. Mateus está a escrever uma nova Torah. A Torah para os tempos do novo Israel, para a vinda definitiva do Reino de Deus, ilustrada e pregada pelo Ungido, o Cristo, o Filho dileto do Pai.

Depois deste enquadramento dos 5 sermões/discursos que compõem a coluna vertebral da estrutura do Evangelho de Mateus que fizemos acompanhar dos capítulos respetivos, fica claro o génio do evangelista. Esta estrutura foi “descoberta” por Benjamin Bacon em 1918 e difundida mais tarde por Pierre Benoit em 1950 na Bíblia conhecida por “Bíblia de Jerusalém”. Apenas, portanto, em pleno século XX.

E muito mais podemos esperar do Evangelho de Mateus como mensagem associada ao projeto do Mestre Jesus de Nazaré.

Aqui chegados, fica para cada qual que nos leu até aqui, um desafio:

Cristão católico, não católico, não cristão, ateu… interaja connosco através do email:

administradorsite@paroquiavilarandorinho.pt.

Obrigado.

 

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Reflexão baseada em propostas de Ariel Álvarez Valdés.

 

Apoio bibliográfico complementar:

Xavier Pikaza, Ariel Álvarez Valdés, José Maria Castillo, António Piñero, Timothy Radcliffe, Fray Marcos, James Martin, SJ, José António Pagola, P. Rui Santiago e D. António Couto

 

Citações:

Bíblia dos Capuchinhos e Biblia de Jerusalém.

 

NOTA:

O conteúdo desta reflexão, bem como os textos que a acompanha responsabilizam, unicamente, a administração da página da paróquia de Vilar de Andorinho

 

Ano A – O ano do evangelista Mateus (PDF)