Rezar é um direito, não um privilégio
22 outubro, 2025
Fundação AIS lança Relatório sobre Liberdade Religiosa no Mundo
O continente africano é uma das regiões do globo onde é mais acentuado o extremismo religioso. Isto afecta já vários países, como é o caso, por exemplo, do Burquina Fasso, diz Marta Petrosillo, editora-chefe do Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, que a Fundação AIS vai publicar, a nível internacional, no próximo dia 21 de outubro. A apresentação do documento, em Lisboa, por Nuno Rogeiro, vai acontecer no Centro Nacional de Cultura, ao Chiado.
O Relatório sobre a Liberdade Religiosa do Mundo, que a Fundação AIS publica de dois em dois anos, foi lançado dia 21 de outubro, em Lisboa, tal como nas principais capitais europeias. Marta Petrosillo é a editora-chefe de uma vasta equipa de especialistas que preparou o relatório que permite avaliar o estado do mundo no que diz respeito a esta liberdade que está consignada na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Publicado pela primeira vez em 1999, o Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo foi-se afirmando ao longo do tempo e hoje, diz Petrosillo, é “o único relatório global produzido por uma organização não-governamental que documenta a situação da liberdade religiosa em todos os países do mundo”. Mas quais são os critérios que foram usados para a avaliação da situação em cada país, de forma a se poder concluir, por exemplo, que existe discriminação ou perseguição religiosa? Marta explica que este é um trabalho complexo, meticuloso e que envolve a colaboração de muitas pessoas. “O relatório abrange 196 países, com contributos de especialistas, académicos e jornalistas que documentam restrições e violações da liberdade religiosa. Estas podem resultar tanto do enquadramento legal como de incidentes de violência ou repressão. Com base na gravidade destas violações, os países são classificados como locais de discriminação ou de perseguição. Por exemplo, países onde grupos religiosos enfrentam, entre outras formas de abuso, assassinato, deportação, rapto, conversão forçada, casamento forçado ou acusações de blasfémia, são classificados como países de perseguição. Em contrapartida, países onde ocorrem limitações, como a imposição de uma religião oficial, são considerados países de discriminação”, explica.
Extremismo religioso em África
Apesar do embargo para a divulgação do Relatório, até ao dia 21 de Outubro, Marta Petrosillo adianta alguns aspectos do que se poderá ler nas suas conclusões principais. Nomeadamente no que diz respeito às regiões onde o extremismo religioso está mais activo. “Tal como nas edições anteriores, esta também documentará as diferentes formas de perseguição religiosa que ocorrem em várias regiões do mundo: extremismo religioso, autoritarismo e nacionalismo étnico-religioso. África é claramente uma das regiões mais afectadas pelo extremismo religioso, especialmente em países como o Burquina Fasso”, explica a editora chefe do Relatório. “Embora o extremismo afecte igualmente o Médio Oriente e partes da Ásia, onde a perseguição é motivada por autoritarismo — como na Coreia do Norte — e por nacionalismo étnico-religioso, como no caso da Índia. Mesmo na América Latina, assistimos cada vez mais a casos de perseguição religiosa, como na Nicarágua”, acrescenta.
Ter consciência e mobilizar para a acção
Faltam apenas alguns dias para o lançamento do Relatório em Lisboa e em simultâneo nas principais capitais europeias. Tal como em Lisboa, em Madrid, Paris, Londres e especialmente em Roma, por exemplo, a AIS está empenhada numa divulgação tão alargada quanto possível deste documento. Mas como se explica a importância de uma organização católica, dependente da Santa Sé, como a Fundação AIS, pronunciar-se sobre uma questão que é tão sensível como a liberdade religiosa? Para Marta Petrosillo, o que está em causa, essencialmente, é a consciência do que esta liberdade implica, pois não se trata de um privilégio a que alguns podem aceder, mas sim de um direito que deve ser comum a todos. “É necessária uma acção concreta para combater as violações à liberdade religiosa”, explica Marta Petrosillo. “Mas antes da acção, é preciso consciência. É por isso que o Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo da Fundação AIS é uma ferramenta tão essencial. Fornece informação verificada sobre as violações deste direito em todo o mundo e diz respeito a todos os grupos religiosos. Embora a Fundação AIS seja uma instituição católica, o relatório aborda a situação de todas as comunidades, porque se a liberdade religiosa for negada a um único grupo, já não existe verdadeira liberdade religiosa para ninguém. A liberdade religiosa é um direito humano, não um privilégio”, conclui a editora chefe do relatório.
O [famoso] artigo décimo oitavo
Um direito humano que está consignado no artigo décimo oitavo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.” Fica aqui publicado para não ser esquecido…
Paulo Aido
Relatório sobre Liberdade Religiosa no Mundo (PDF)

https://www.youtube.com/watch?v=kA-lSH53PKc&t=15s
Enquanto assiste a este vídeo, quase duas em cada três pessoas no mundo vivem em países onde praticar a sua fé pode custar-lhes… tudo.
As conclusões do Relatório sobre a Liberdade Religiosa 2025 da Fundação AIS mostram que este direito fundamental está sob uma ameaça maior do que nunca.
Imagine que dois terços da população mundial, vivendo atualmente em 62 países, estão expostos a discriminação ou perseguição religiosa. Isto representa cerca de 5,4 mil milhões de pessoas – mães, pais e filhos, cuja liberdade, segurança e até vidas estão em risco.
Destas, mais de 4,1 mil milhões de pessoas, em 24 países, enfrentam as violações mais graves da liberdade religiosa; classificadas como perseguição, estas situações incluem agressões, rapto, prisão e até morte.
Controlo autoritário. Governos que veem os grupos religiosos autónomos como uma ameaça ao seu poder. Na Coreia do Norte, possuir uma Bíblia pode resultar em prisão perpétua ou execução. Na China, o programa SkyNet, que controla cerca de 700 milhões de câmaras de vigilância, monitoriza todos os grupos religiosos.
Extremismo religioso. Os grupos jihadistas não se limitam a atacar outras religiões – eliminam todos os que não partilham a sua interpretação exata da fé. No Cinturão Central da Nigéria, aldeias inteiras são obrigadas a fugir enquanto grupos armados queimam igrejas e escolas.
Nacionalismo etno-religioso. Em vários países, a religião é cada vez mais utilizada para definir a identidade nacional. Esta tendência tornou-se num motor de discriminação e marginalização de minorias. Na Índia, desde 2014, políticas nacionalistas hindus têm enfraquecido as liberdades religiosas consagradas na Constituição, visando comunidades muçulmanas e cristãs com leis anti-conversão, restrições ao financiamento estrangeiro e violência social.
A fragilidade da liberdade religiosa revela-se com maior clareza em zonas de conflito. A guerra não mata apenas pessoas — destrói também os espaços onde as pessoas procuram consolo, esperança e Deus.
As violações mais dilacerantes da liberdade religiosa afetam os que já são vulneráveis à partida; especialmente as jovens mulheres pertencentes a minorias religiosas, que enfrentam uma ameaça a dobrar.
No Paquistão, raparigas cristãs e hindus com apenas 10 anos são raptadas, forçadas a converter-se ao Islão e casadas com os seus raptores. As famílias cristãs, por vezes conhecendo os autores dos raptos, não têm recursos legais por serem minorias. Quando procuram ajuda policial, as autoridades locais muitas vezes ignoram os pedidos por receio de incitar a violência popular.
Inúmeras raparigas cristãs no Egipto foram vítimas de rapto motivado por motivos religiosos, violação, casamento forçado e conversão.
A era digital criou novos campos de batalha para a fé. Governos autoritários utilizam inteligência artificial para monitorizar conteúdos religiosos online. Cada oração partilhada, cada pergunta espiritual feita, cada discussão religiosa torna-se potencial prova de perseguição. Só no Paquistão, há mais de 400.000 denúncias contra pessoas pelo conteúdo religioso que publicam.
Para além da perseguição aberta, mais 1,3 mil milhões de pessoas em 38 países sofrem discriminação frequente e não documentada. São países onde talvez não se mate por causa da fé, mas onde se negam empregos, se impedem construções de locais de culto ou se proíbe a transmissão da fé aos próprios filhos.
Apesar de todas estas dificuldades, a esperança resiste. Mesmo nos locais mais sombrios, pessoas de fé continuam a acender velas.
No Burquina Fasso, onde ataques jihadistas aterrorizam comunidades diariamente, grupos religiosos organizam “jogos de futebol pela paz”, recusando deixar que o extremismo os divida.
Em Cabo Delgado, Moçambique, devastado pela guerra, as igrejas tornaram-se num refúgio vital para famílias deslocadas de todas as tradições religiosas, oferecendo não só apoio espiritual, mas também comida, abrigo e segurança.
A liberdade religiosa não se resume à religião. Trata-se do direito humano fundamental de pensar, de acreditar, de procurar a verdade sem medo.
A liberdade religiosa não pode ser defendida apenas pelas comunidades de fé. Requer todos nós – governos, instituições, educadores, indivíduos como tu e eu. Quando ignoramos a perseguição religiosa, abandonamos a nossa humanidade comum.
Temos de erguer a voz, exigir proteção e lembrar que, se a liberdade religiosa é negada a um, mais cedo ou mais tarde, será negada a todos.
É tempo de agir, porque a liberdade religiosa é um direito humano, não um privilégio.
www.fundacao-ais.pt/relatorio
@fundacaoais