01.08.2025

Tradução livre para português

Curiosidades da Bíblia: a desconhecida civilização dos arameus

Apesar de terem perdido a independência política, o legado dos arameus perdurou através dos séculos, principalmente através da língua e da cultura que continuaram a influenciar o desenvolvimento do Médio Oriente até aos nossos dias.

 

Padre José Inácio de Medeiros, cssr – Instituto Histórico Redentorista

 

“Então vocês declararão perante o Senhor, o vosso Deus: ‘O meu pai era um arameu errante. Desceu ao Egito com pouca gente e ali viveu e se tornou uma grande nação, poderosa e numerosa. Mas os egípcios maltrataram-nos e oprimiram-nos, sujeitando-nos a trabalhos forçados. Clamamos ao Senhor, o Deus dos nossos antepassados, e o Senhor ouviu a nossa voz e viu o nosso sofrimento, a nossa fadiga e a opressão que sofríamos. Por isso o Senhor tirou-nos do Egito com mão poderosa e braço forte, com feitos temíveis e com sinais e maravilhas. Ele trouxe-nos para este lugar e deu-nos esta terra, terra onde corre leite e mel com fartura”. (Dt 26,5)

Para conhecermos melhor o que dizem as Sagradas Escrituras, inclusive a ligação de Jesus com a história de seu povo, precisamos de conhecer um pouco mais sobre a Civilização Aramaica.

Os arameus foram um antigo povo semítico que habitou as terras do chamado Crescente Fértil, na região que abrange partes do atual Médio Oriente, incluindo partes da Síria, Turquia, Iraque e Irão, durante grande parte da história antiga. O povo arameu deixou profundas marcas na história da região, contribuindo significativamente para a cultura, língua e política do mundo antigo.

Origem da civilização aramaica

Além do texto do Livro do Deuteronómio com o qual iniciamos esta abordagem várias outras passagens da Bíblia mencionam os Arameus, povo oriundo da Mesopotâmia, do lugar chamado de Aram-Naharaim, ou Aram dos dois rios, além das regiões circunvizinhas, como a Síria, a Pérsia, o vale do Jordão ou as montanhas do Líbano.

Os arameus formavam tribos de pastores que habitavam a região de Aram-Naharaim, fazendo fronteira com Assur (até 323 a.C.), quando foi tomada pelos gregos que renomearam a região como Selêucida (323-64 a.C.). Conquistada pelos romanos a região recebeu o nome de Síria (64 a.C.-636 d.C.), nome que mantem até nos dias de hoje.

Os arameus desempenharam um importante papel na história política do Médio Oriente. Por volta do século II a.C., conseguiram estabelecer vários estados independentes conhecidos como “reinos arameus”. Um deles, o Reino de Arão, com capital em Damasco destacou-se, exercendo influência sobre a região durante vários séculos chegando mesmo a desafiar a hegemonia dos reinos vizinhos, incluindo os reinos de Israel e Judá.

Conforme narra o Segundo Livro de Samuel, no processo de ocupação da região pelos Hebreus, o Rei David enfrentou e venceu o reino arameu de Damasco, capital da Síria moderna.

David apossou-se de mil dos seus carros de guerra, sete mil cavaleiros e vinte mil soldados de infantaria. Ainda levou cem cavalos de carros de guerra. Quando os arameus de Damasco vieram ajudar Hadadezer, rei de Zobá, David matou vinte e dois mil deles. Em seguida, estabeleceu guarnições militares no reino dos arameus de Damasco, sujeitando-os a pagarem-lhe impostos. E o Senhor dava vitórias a David aonde quer que ele fosse. (II Sam 8, 4-6)

A língua falada por Jesus

A língua aramaica consolidou-se como uma das línguas semíticas mais importantes da antiguidade, sendo adotada como a língua administrativa do Império Persa, usada em documentos oficiais e diplomáticos.

O aramaico era uma das línguas faladas por Jesus de Nazaré e pelos seus discípulos, tornando-se importante no contexto do Cristianismo primitivo. Jesus falava o aramaico porque era a língua do dia a dia na zona do Médio Oriente. Se o grego era a língua comercial, o aramaico era falado pelas pessoas mais simples no quotidiano, tanto que partes do Novo Testamento foram escritas nesta língua e o evangelho preserva várias expressões em aramaico.

O povo que vivia em cidades e pequenas povoações da Galileia, na região norte e em cidades como Cafarnaum, Nazaré, Caná, Tiberíades, Corazim falava o aramaico. Ali Jesus foi educado, cresceu e passou a maior parte de sua vida.

Fora das fronteiras da Galileia, o aramaico também era falado e entendido porque somente se usava a língua hebraica em ambiente religioso.

Herança dos arameus

 

Além das realizações políticas e linguísticas, os arameus contribuíram significativamente para a cultura e sociedade do Médio Oriente antigo. A sua arte e artesanato refletiam a rica tradição cultural, evidenciada nas esculturas, cerâmicas e artefactos como os que foram descobertos em sítios arqueológicos dos arameus. Também eram conhecidos pelas habilidades comerciais e pelas técnicas agrícolas avançadas que contribuíram para a prosperidade das suas cidades e dos seus reinos.

O seu apogeu e queda estão ligados às mudanças políticas e militares da região. A partir do século VIII a.C., o domínio assírio levou à gradual assimilação dos arameus nos mais diversos domínios. Depois veio a dominação do Império Neo-babilónico e do Império Persa Aqueménida que governaram sobre as terras arameias, consolidando a influência persa na região e marcando o declínio de sua civilização.

Apesar de terem perdido a independência política, o legado dos arameus perdurou através dos séculos, principalmente através da língua e da cultura que continuaram a influenciar o desenvolvimento de toda a zona do Médio Oriente até os dias de hoje.

Hoje, pouco mais de dois mil arameus considerados puritanos vivem na Síria, na Turquia e numa pequena região do Iraque, mas estão ameaçados de extinção por conviverem num ambiente próximo do domínio islâmico, tendo de enfrentar o exército turco e guerrilheiros curdos.

O povo arameu continua, entretanto, a representar uma peça importante no quebra-cabeças da história de ontem e de hoje do Médio Oriente. São testemunho de uma civilização que deixou a sua marca duradoura na região.

Curiosidades da Bíblia 9 – A desconhecida civilização dos arameus (PDF)