JMJ 2023 – José Tolentino de Mendonça
26 setembro 2022
Em agosto do próximo ano Lisboa acolhe a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Estas tiveram início em 1985 por intuição do papa João Paulo II, que nunca aceitou, porém, ser considerado o autor das JMJ. Gostava de repetir: “Foram os jovens que as criaram.” Quando justificou a candidatura de Lisboa à realização deste encontro global, de características únicas, o cardeal-patriarca D. Manuel Clemente usou palavras semelhantes: “Deve-se, sobretudo, ao movimento grande dos jovens católicos de Portugal, que, de várias maneiras, de há uns anos a esta parte, têm pedido que haja um acontecimento assim em Portugal.” O protagonismo dos jovens é, por isso, um ponto assente. E na aposta feita nesse protagonismo se joga um dos aspetos mais centrais (e menos efémeros) desta iniciativa.
Evidentemente que a escolha de um país é bem mais do que a passiva seleção de uma bonita localização, a servir de moldura. Constitui, sim, para Portugal uma excecional oportunidade de auscultação da atual geração de jovens que, ao contrário do que seria previsível numa sociedade dita da comunicação, é muito pouco ouvida e tida em consideração. Quando as largas centenas de milhares de jovens, chegados dos cinco continentes, encherem as ruas de Lisboa, as vidas e as vozes, os problemas e os sonhos, os entraves e as esperanças dos jovens portugueses vão poder-se escutar melhor. O efeito de multidão não os dissolverá, mas reforçará a sua imagem de geração, permitindo que os vejamos com maior nitidez. Muitas vezes, falando aos jovens, o Papa Francisco desafia-os a isso: a “fazer barulho”, a fazerem-se ouvir, a serem eles próprios, corajosos nas grandes escolhas de vida, com a audácia dos percursos de autenticidade.
Será importante acolher a sensibilidade mais vasta dos jovens, nesta época em acelerada mudança, onde os jovens são acantonados em experiências de precariedade, impedidos de olhar o futuro fora da lente da incerteza
O encontro nasce dentro do espaço católico e possui uma identidade espiritual explícita, com tantas propostas de reflexão e de celebração da fé, mas o seu objetivo não é funcionar em circuito fechado. À JMJ não interessa apenas as perguntas e as trajetórias dos jovens que já estão radicados na eclesiosfera (sejam as paróquias ou os diversos movimentos). Será importante acolher a sensibilidade mais vasta dos jovens, nesta época em acelerada mudança, onde os jovens são acantonados em experiências de precariedade, impedidos de olhar o futuro fora da lente da incerteza. Que pensam hoje os jovens sobre o sentido da vida e o valor da existência? Que modelos de felicidade perseguem? Que saber constroem sobre o limite e o sofrimento? Que categorias culturais são para eles relevantes? Como é a sua vida interior? Que léxico espiritual possuem?
Um estudo recente do Instituto Giuseppe Toniolo (Milão), que se dedica a acompanhar as problemáticas do mundo juvenil, aborda, por exemplo, o tema dos jovens e da procura espiritual. Os autores do estudo, na conclusão, falam de quatro surpresas que emergem. A primeira é que, apesar dos adultos frequentemente considerarem os jovens superficiais ou indiferentes em relação ao religioso, eles demonstram uma forte sensibilidade espiritual. A segunda surpresa é que essa sensibilidade é dominada pela busca de uma plenitude que tem múltiplas expressões, algumas banalmente ligadas a projetos imediatos, mas outras associadas à definição de um horizonte de sentido que qualifique a inteira existência. A terceira surpresa é que esta intensidade é vivida sem nomear Deus de forma explícita. Não há propriamente uma exclusão de Deus, mas quando o procuram é habitual que tal aconteça fora do âmbito tradicional da experiência religiosa. A quarta surpresa é que, sem que isso exprima obrigatoriamente um narcisismo exasperado, os jovens não separam a procura espiritual da procura deles próprios e da sua identidade.