MINISTÉRIO DO LEITOR NA LITURGIA

A leitura dos textos bíblicos é diferente da leitura pública corrente. É que o leitor não diz a sua palavra, mas a de Deus. Escrevia D. Bonhöfer:

“Bem depressa nos aperceberemos de que não é  fácil ler a Bíblia aos outros. Quanto mais a atitude interior perante o texto for de despojamento, humildade, objectividade, mais adequada será a leitura… Uma regra que se deve observar para ler bem um texto bíblico, é nunca se identificar como o “eu” que lá se exprime. Não sou eu que me irrito, que consolo, que exorto, mas Deus. Por certo que daí não resultará que eu leia o texto num tom monótono e indiferente; pelo contrário, fá-lo-ei sentindo-me eu próprio interiormente comprometido e interpelado. Mas a diferença entre uma boa e uma má leitura surgirá quando, em vez de tomar o lugar de Deus, eu aceitar muito simplesmente servi-Lo.”

É por isso que as Igrejas orientais mandam cantar sempre as leituras.

A Liturgia da Palavra é uma celebração. É necessário, pois, que se note que celebramos a Palavra, como depois celebramos a Eucaristia.

Assim, não é nem um momento de leituras atropeladas que se colocam antes da homilia e da celebração eucarística; nem uma reunião de instrução ou de discussão que, depois, concluirá com os ritos eucarísticos (que ficarão, assim, desvalorizados, porque não são tão “instrutivos”).

Fazer de leitor é um serviço importante dentro da assembleia. Os que o realizam devem estar conscientes disso e viver a alegria e, ao mesmo tempo, a responsabilidade de ser os que tornarão possível que a assembleia receba e celebre aquela Palavra com a qual Deus fala aos seus fiéis, aqueles textos que são como que textos constituintes da fé.

Algumas sugestões para exercer bem o ministério de leitor nas celebrações litúrgicas.

  1. Preparar a leitura

    1. Conhecer e compreender o texto
      Compreender o sentido do texto, captar a sua estrutura, as suas articulações, os seus pontos mais altos, a sua vivacidade.
      – Quem fala no texto? A quem fala? Sobre quê? Com que finalidade?
      – De que género de texto se trata? Um relato? Uma exortação? Um diálogo? Uma oração? Uma censura?
      – O que sentem as personagens que aparecem no texto?
      – Há palavras difíceis de compreender? Que significam?
      – O texto é divisível em partes? Onde começa e acaba cada parte?
    2. Preparar uma leitura expressiva
      Ver que entoação se deve dar a cada frase, quais são as frases que se devem ressaltar, onde estão os pontos e as vírgulas, qual a pontuação do texto.
      – Quais as palavras mais importantes e as expressões ou frases principais que importa sublinhar?
      – Onde fazer pausa, breve ou prolongada?
      – Onde evitar a pausa?
      – Qual o tom de voz (ou tons de voz) adequado ao texto?
      – Qual o ritmo (as acentuações, os encadeamentos) e o movimento (acelerado, rápido, espaçado, lento) que se deve usar, no texto ou nas partes?
    3. Ler o texto em voz alta
      – Ler o texto antes, em voz alta e várias vezes, com exercícios parcelares e com o texto completo.
      – Identificar as armadilhas fonéticas, em que palavras se poderá tropeçar, etc.
      – Articular e pronunciar bem cada palavra e cada sílaba; não negligenciar as consoantes.
      – Não deixar cair demasiado o tom de voz, mesmo nos pontos finais. O ponto final é no fim…
  1. Tarefa do leitor: exprimir os sentimentos do autor e das personagens
    – A celebração litúrgica actualiza a palavra. O texto escrito torna-se palavra viva hoje, naquele lugar e para aquela assembleia. “Deus fala hoje ao seu povo”.  É importante conhecer o texto e também conhecer o contexto da celebração.
    – Não se trata de dramatizar, ou melhor dito, de criar uma ilusão, mas de reproduzir ou tornar vivos um texto e um acontecimento. Não se trata de atrair a atenção para a pessoa do leitor, mas para a palavra e acção divinas.
    – O leitor tem a responsabilidade de, usando os seus dotes oratórios, a sua técnica refinada e a sua arte de dizer, promover o encontro vital e a comunhão entre Deus que fala e os ouvintes.
  2. Examinar alguns pormenores antes da celebração
    – O Leccionário está no ambão? Está aberto na página própria?
    – O microfone está ligado? O volume, o tom e a altura estão correctos? Evite-se o seu ajuste durante a celebração, mediante o sopro ou os dois toques de dedos da praxe…
    – A que distância deve estar a boca para que a voz seja audível e expressiva?
  3. Saber deslocar-se para o ambão
    – Situar-se, desde o começo da celebração, num lugar não muito afastado do ambão. Saber se há lugares previstos para os leitores. Tentar não vir de um lugar distante da igreja.
    – Não avançar para o ambão antes de estar concluído o que precede cada leitura (oração, canto, admonição). Não aproximar-se do ambão quando se está a dizer ou a cantar outra coisa..
    – Caminhar com um passo normal, sem ostentação nem precipitação, sem rigidez nem displicência, mas com uma digna e ritmada naturalidade.
  4. Postura
    – Quando estiver diante do ambão, deve ter em conta a posição do corpo. Não se trata de adoptar posturas rígidas, nem demasiado descontraídas.
    – Pés bem assentes, levemente afastados e firmes. Não balancear-se, nem cruzar os pés, nem estar apoiado apenas num pé, com pés cruzados ou um à frente e outro atrás.
    – Não debruçado sobre o ambão, nem com os braços cruzados ou as mãos nos bolsos. Os braços poderão manter-se pendentes ao longo do corpo, ou dobrados para permitir um leve e discreto apoio das mãos na orla central do ambão (evitando tocar o Leccionário a fim de não o danificar com a adiposidade corporal).
    – Colocar-se à distância adequada do microfone para que se oiça bem. Por causa da distância, frequentemente, ouve-se mal. Não começar, portanto, enquanto o microfone não estiver ajustado à sua medida (que deverá ser feito antes: a medida adequada costuma ser a um palmo da boca e na direcção da mesma). E lembrar-se que os estampidos que acontecem ou os ruídos que se fazem diante do microfone são ampliados …
  5. Apresentação
    – Não trajar algo que possa distrair ou ofender os presentes, seja por ostentação,  por desleixo, ou ridículo (camisetas de anúncios, vestuário ou penteados estranhos…).
    – Ter critério e apresentar-se como pessoa educada e normal.
  6. Antes de começar
    – Esperar que toda a assembleia esteja sentada e tranquila e exista um ambiente de silêncio e escuta.
    – Respirar calma e profundamente.
    – Guardar uma breve pausa para olhar a assembleia, a fim de a registar na mente, para estabelecer com ela contacto directo antes de iniciar a proclamação e pedir a sua atenção, pois é para ela que se dirige.
  7. Título
    – Ler só o título bíblico. Nunca se leia “Primeira Leitura” ou “Salmo responsorial”, ou a frase a vermelho que precede a leitura.
    – Não deve ser o leitor a ler também a introdução à leitura ou o comentário que a antecede.
    – Após a leitura do título, faça-se uma pausa para destacar o texto que vai ser proclamado.
  8. Ler com a cabeça levantada
    – A cabeça deve estar direita, no prolongamento do corpo.
    – Procurar ler com a cabeça levantada.
    – Com a cabeça levantada, a assembleia contacta um rosto e o leitor exprime um texto dirigido à assembleia e não devolvido ao livro.
    – O olhar deverá manter o contacto com a assembleia sem ser necessário os constantes e perturbantes exercícios de levantar e baixar a cabeça.
    – Ao longo da leitura, com naturalidade, olhar também de vez em quando para a assembleia. Estas olhadelas, no meio da leitura, não se têm que impor como um propósito, o que seria artificial. Mas se sair naturalmente, poderá ser útil, especialmente nas frases mais relevantes: ajuda a acentuá-las, a criar um clima comunitário, e a ler mais devagar.
    – Com a cabeça levantada, a própria voz ganha em clareza e volume. O tom de voz será mais alto e, portanto, mais fácil de captar.
    – Se o ambão é baixo, é melhor suster o livro nas mãos, levantando-o, e não baixar a cabeça.
  9. Ler devagar
    – O ouvinte não é um gravador, mas uma mente humana que requer tempo para sentir, reagir, ouvir, entender, coordenar e assimilar. Geralmente, lê-se depressa e não se fazem as pausas adequadas, como pede o texto lido.
    A pontuação oral nem sempre coincide com a pontuação escrita. A leitura rápida pode cortar o contacto com a assembleia.
    – Saber que há sempre tendência para ler demasiado depressa. Colocar-se no lugar dos ouvintes que descobrem o texto.
    – Saber fazer pausas. Um silêncio longo para o leitor, é curto para o ouvinte.
    – O principal defeito dos leitores, costuma ser ler depressa. Se lermos depressa, as pessoas, com algum esforço, poderão conseguir entender-nos, mas aquilo que lemos não entrará no seu interior. Recordemos: este continua a ser o principal defeito.
    – Além de ler devagar, há que manter um tom geral de calma. Há que afastar o estilo do leitor que sobe à pressa, começa a leitura sem olhar as pessoas e, ao acabar, foge ainda mais depressa.
    Não deve ser assim: deve-se chegar ao ambão, respirar antes de começar a ler, lendo pausadamente, fazendo uma pausa no final, antes de dizer “Palavra do Senhor”, escutar no ambão a resposta da assembleia e voltar ao lugar. Aprender a ler sem pressa, com aprumo e segurança custa; por isso, é importante fazer os ensaios e provas que forem necessários: é a única maneira!
  10. Durante a leitura
    – Evitar apagar-se a cada frase ou, mais ainda, no fim do texto: a leitura exige uma continuidade. Não baixar o tom nos finais de frase. As últimas sílabas de cada frase têm que se ouvir tão bem como todas as restantes. Infelizmente, a tendência é para nestas sílabas se baixar o tom tornando-as ininteligíveis.
    – Boa pronúncia.
    – Vocalizar. Ou seja, remarcar cada sílaba, mover os lábios e a boca, não atropelar a leitura. Sem afectação nem teatro, mas recordando que se está “actuando” em público, e que o público tem que captar tudo bem. E uma actuação em público é distinta de uma conversa na rua.
    – Evitar o tom cantante, falsamente atractivo; o tom teatral faz de cortina a Deus.
  11. Concluir a leitura
    – Antes de dizer “Palavra do Senhor”, fazer uma pausa após a última frase.
    – Dizer a aclamação olhando para a assembleia.
    – Dizer só “Palavra do Senhor” e nada mais (p.e.: “Irmãos, esta é a Palavra do Senhor” ou outras expressões semelhantes). Trata-se de uma aclamação e não de uma explicação. Dizê-lo em tom de aclamação, e não de explicação catequética, ou de informação. Importa que se sinta o carácter de aclamação pela forma como é dito.
    – Seria mais expressivo que esta aclamação fosse cantada (pelo leitor, primeiramente, ou, em caso de necessidade, por outrem). Não sendo cantada, deveria ser dita em tom de voz mais elevado (entenda-se, não necessariamente num volume mais forte).
    – Não abandonar o ambão antes da resposta da assembleia.
    – Deixar o Leccionário aberto na página do Salmo responsorial ou da 2ª Leitura, para que fique pronto para o leitor que se segue.
    – Regressar ao lugar com calma e naturalidade, em passo normal e firme.
  12. Salmo responsorial
    – O salmo responsorial deve ser cantado, se possível por outro ministro: o salmista. Se tiver de ser recitado, seja outro ministro a fazê-lo, e não o leitor da primeira ou da segunda leitura.
    – O refrão do salmo dever-se-ia cantar. Quando é recitado tem menos impacto.
    – É pedagógico que a assembleia repita, depois de cada estrofe do salmo, uma frase cantada simples e expressiva, que resuma a atitude espiritual do salmo (e, por conseguinte, da primeira leitura) – o refrão.
    – Não é necessário que o refrão coincida literalmente com o que está no Leccionário, mas que respeite o seu sentido.

Textos sobre o leitor litúrgico a partir do Vaticano II – PDF