Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – Ano B – 24.03.2024

 

Viver a Palavra

Continuamos a contar os 40 dias da Quaresma desde a Quarta-Feira de Cinzas até à Páscoa. Mas ao Domingo não é Quaresma. É Páscoa.

Com a celebração do Domingo de Ramos na Paixão do Senhor damos início à Semana Santa onde somos convidados a fixar o nosso olhar na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. A Semana Santa inicia e termina com um evangelho de festa, marcado pela alegria. Iniciamos a celebração deste Domingo com a proclamação do Evangelho que narra a entrada de Jesus em Jerusalém onde é aclamado com brados de alegria e de júbilo que ainda hoje repetimos na celebração da Eucaristia: «Hossana! Bendito O que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem, o reino do nosso pai David! Hossana nas alturas!» e na soleníssima noite de Páscoa haveremos de escutar o solene anúncio da Ressurreição gloriosa. Contudo, esta moldura de alegria e de festa encerra no seu interior a paixão e morte, o duro caminho da paixão que escutamos no Evangelho da missa.

O sofrimento e a morte, a paixão e a crucifixão não têm a última palavra. Com Jesus somos chamados a percorrer o caminho da Cruz mas conscientes que caminhamos do transitório para o pleno e definitivo. Só a Ressurreição de Jesus é plena e definitiva! Apesar da inevitabilidade do sofrimento e da morte na nossa peregrinação terrena, tomamos consciência de que o sofrimento e a morte têm carácter de provisoriedade, enquanto a ressurreição e a vida eterna se revestem de plenitude e eternidade.

O nosso Deus não é indiferente às nossas dores e angústias, dores e sofrimentos, mas assumiu a nossa condição humana fazendo suas as dores da humanidade: «Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens. Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte e morte de cruz».

Nunca será demais ler, meditar e contemplar estas palavras da Carta de S. Paulo aos Filipenses. Em Jesus Cristo, Deus cheio de amor vem ao nosso encontro, assume a nossa frágil humanidade para nos elevar com Ele à glória da divindade. Assume a natureza frágil e provisória para nos fazer tomar parte da promessa total, plena e definitiva.

Deus desce para que juntos possamos subir. O caminho quaresmal que percorremos é expressão concreta deste caminho como nos recorda o Papa Francisco: «Hoje inclinamos a cabeça para receber as cinzas. No termo da Quaresma, abaixar-nos-emos ainda mais para lavar os pés dos irmãos. A Quaresma é uma descida humilde dentro de nós e rumo aos outros. É compreender que a salvação não é uma escalada para a glória, mas um abaixamento por amor».

Contemplando o caminho da cruz entramos nesta nova lógica da vida cristã: a vida é tanto mais nossa, quanto mais for dos outros; a vida é verdadeiramente vida quando entregue sem medida. Um novo modo de ser e de estar que se traduz numa nova forma de servir e amar. O pão partido e repartido e o cálice partilhado à volta da mesa perpetuam no tempo e na história a entrega da cruz e, por isso, reunidos para celebrar a Eucaristia no Domingo de Ramos na Paixão do Senhor celebramos a paixão e morte de Jesus, mas aclamando a glória da Ressurreição. Como aquela multidão de outrora, queremos sair à rua para acolher e aclamar Jesus que continua a visitar-nos no rosto sofredor dos nossos irmãos, em tantas situações de carência e debilidade que silenciosamente continuam a gritar e a reclamar a nossa presença. in Voz Portucalense (adaptado)

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Com o Domingo de Ramos na Paixão do Senhor iniciamos a Semana Santa. Acolhendo o desafio à conversão e à penitência, devemos ter presente que a conversão pessoal a que somos chamados na contemplação da morte e ressurreição de Cristo nos deve conduzir a uma saída missionária que se manifeste de modo concreto na nossa vida quotidiana.

Este Domingo deve ser marcado pelo convite à participação no Tríduo Pascal, centro de todo o ano litúrgico. Não nos devemos limitar a um anúncio dos horários e locais da celebração, mas, por exemplo, elaborar um pequeno folheto com uma apelativa descrição de cada uma das celebrações. Além disso, pode apontar-se como ação missionária para esta semana o convite aos vizinhos e amigos para a participação nas diversas celebrações pascais. in Voz Portucalense

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Estamos num novo Ano Litúrgico – o Ano B. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

LEITURA I – Isaías 50, 4-7

O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos.
Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
para eu escutar, como escutam os discípulos.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
e, por isso, não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.

CONTEXTO

No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se diferenciam um tanto da temática desenvolvida pelo profeta no resto do livro. Referem-se a uma figura enigmática, que o próprio Deus apresenta como “o meu Servo” (Is 42,1). O nome “servo de Javé” é, na Bíblia, um título honorífico. Refere-se, habitualmente, a alguém a quem Deus chama a colaborar no seu projeto salvador. De facto, o “servo de Javé” que nos é apresentado pelo Deutero-Isaías, foi eleito por Deus e recebeu de Deus uma missão (cf. Is 42,1a; 49,1.5). Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal, pois deve concretizar-se no meio das nações (cf. Is 42,1b; 49,6); será vivida pelo “servo” na humildade, no sofrimento e na obediência incondicional ao projeto de Deus (cf. Is 42,2-3). Apesar de a missão terminar num aparente insucesso (cf. Is 53,2-3.7-9), a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo (cf. Is 53,6.10). Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários (cf. Is 53,11-12).

Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.

O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Javé”. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Javé”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera Vida nova. No entanto, talvez esta conceção da vida nos pareça estranha e incongruente face àquilo que vemos acontecer todos os dias à nossa volta… Como é que me situo face a isto? Acredito que uma vida gasta como a de Jesus ou a do profeta/servo da primeira leitura deste domingo é uma vida com sentido e que conduz à Vida nova?
  • O profeta/servo que, sem hesitar, põe a sua palavra e a sua vida ao serviço da libertação dos seus irmãos – mesmo que isso implique para si próprio sofrimento, perseguição e humilhação – deixa-nos um desafio que não podemos ignorar… Vivemos cercados por ilhas de miséria e de dor onde tantos e tantos irmãos nossos permanecem prisioneiros; passamos a cada passo por homens e mulheres abandonados, esquecidos, atirados para as margens da história, privados dos seus direitos e dignidade; assistimos diariamente à crucifixão de tanta gente que luta contra os sistemas de opressão e de morte… O que fazemos? Permanecemos indiferentes e viramos a cara para outro lado para não ver e para não sermos incomodados, ou levantamos a voz para denunciar o egoísmo, a violência, a injustiça, as mil formas de maldade que desfeiam o mundo e destroem a Vida?
  • Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus que ecoa no mundo dos homens? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?
  • O profeta/servo da nossa leitura garante-nos que nunca desistirá da missão que lhe foi confiada porque confia em Deus: sabe que Deus estará sempre com ele e que nunca o desiludirá. Que fantástica expressão de confiança e de fé! Seremos capazes de dizer, com convicção, a mesma coisa? Acreditamos que Deus nunca nos desiludirá? in Dehonianos.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Todos os que me veem escarnecem de mim,
estendem os meus lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é meu amigo».

Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.

Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

Hei de falar do vosso nome aos meus irmãos,
Hei de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

LEITURA II – Filipenses 2, 6-11

Cristo Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.

CONTEXTO

A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Fl 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” – Fl 2,5).

O texto que a liturgia do domingo de Ramos nos apresenta como segunda leitura é o texto mais notável da carta aos filipenses. Trata-se de um antigo hino, provavelmente pré-paulino, que era recitado nas celebrações litúrgicas cristãs (há quem fale, a propósito deste hino, na catequese primitiva de Simão Pedro, conservada na comunidade cristã de Antioquia da Síria). Lembra aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo, a sua humildade e despojamento.in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Não há mesmo volta a dar: a lógica de Deus funciona em sentido contrário à nossa lógica humana. Quanto mais nos despojamos da nossa superioridade, quanto mais renunciamos à capa da importância, quanto mais gastamos a nossa vida a fazer o bem, quanto mais nos fazemos “servos” dos nossos irmãos, quanto mais amamos sem esperar nada em troca, mais subimos na “escala” de Deus. Deus disse-nos isto, com todas as letras, através do seu Filho Jesus. De forma inequívoca, de forma irrefutável, com uma linguagem que só não entende quem não quer. Porque é que, depois de dois mil anos a olhar para a cruz de Jesus, isto ainda não é claro para nós? O que mais tem Deus de fazer para nos mostrar o caminho que conduz à Vida verdadeira?
  • Estamos a chegar ao fim deste caminho quaresmal. Este caminho foi efetivamente, para nós, um caminho de conversão, de mudança, de nascimento para uma vida nova? Ao longo deste caminho em direção à Páscoa transformamos a arrogância em humildade, a atitude de superioridade em respeito pelo outro, o orgulho em simplicidade, a soberba em delicadeza?
  • Este hino constitui uma excelente chave de leitura para interpretar, sentir e viver, na “Semana Maior” em que estamos a entrar, os acontecimentos centrais da nossa fé. Ao “som” deste belíssimo hino podemos compreender o caminho de Jesus, o significado das suas opções, o sentido da sua vida, da sua paixão, morte e ressurreição. Iremos procurar, nesta semana, acompanhar os passos de Jesus? E, ao revivermos o seu amor e a sua entrega, renovaremos a nossa adesão a Ele e ao caminho que Ele propõe? in Dehonianos.

EVANGELHO – Marcos 14, 1 – 15,47

N   Faltavam dois dias para a festa da Páscoa e dos Ázimos
e os príncipes dos sacerdotes e os escribas
procuravam maneira de se apoderarem de Jesus à traição
para Lhe darem a morte.
Mas diziam:

R  «Durante a festa, não,
para que não haja algum tumulto entre o povo».

N   Jesus encontrava-Se em Betânia,
em casa de Simão o Leproso,
e, estando à mesa,
veio uma mulher que trazia um vaso de alabastro
com perfume de nardo puro de alto preço.
Partiu o vaso de alabastro
e derramou-o sobre a cabeça de Jesus.
Alguns indignaram-se e diziam entre si:

R   «Para que foi esse desperdício de perfume?
Podia vender-se por mais de duzentos denários
e dar o dinheiro aos pobres».

N   E censuravam a mulher com aspereza.
Mas Jesus disse:

J    «Deixai-a. Porque estais a importuná-la?
Ela fez uma boa ação para comigo.
Na verdade, sempre tereis os pobres convosco
e, quando quiserdes, podereis fazer-lhes bem;
Mas a Mim, nem sempre Me tereis.
Ela fez o que estava ao seu alcance:
ungiu de antemão o meu corpo para a sepultura.
Em verdade vos digo:
Onde quer que se proclamar o Evangelho, pelo mundo inteiro,
dir-se-á também em sua memória, o que ela fez».

N   Então, Judas Iscariotes, um dos Doze,
foi ter com os príncipes dos sacerdotes
para lhes entregar Jesus.
Quando o ouviram, alegraram-se
e prometeram dar-lhe dinheiro.
E ele procurava uma oportunidade para entregar Jesus.
No primeiro dia dos Ázimos,
em que se imolava o cordeiro pascal,
os discípulos perguntaram a Jesus:

R    «Onde queres que façamos os preparativos
para comer a Páscoa?»

N   Jesus enviou dois discípulos e disse-lhes:

J     «Ide à cidade.
Virá ao vosso encontro um homem com uma bilha de água.
Segui-o e, onde ele entrar, dizei ao dono da casa:
‘O Mestre pergunta: Onde está a sala,
em que hei de comer a Páscoa com os meus discípulos?’
Ele vos mostrará uma grande sala no andar superior,
alcatifada e pronta.
Preparai-nos lá o que é preciso».

N   Os discípulos partiram e foram à cidade.
Encontraram tudo como Jesus lhes tinha dito
e prepararam a Páscoa.
Ao cair da tarde, chegou Jesus com os Doze.
Enquanto estavam à mesa e comiam,
Jesus disse:

J     «Em verdade vos digo:
Um de vós, que está comigo à mesa, há de entregar-Me».

N   Eles começaram a entristecer-se e a dizer um após outro:

R    «Serei eu?»

N   Jesus respondeu-lhes:

J     «É um dos Doze, que mete comigo a mão no prato.
O Filho do homem vai partir,
como está escrito a seu respeito,
mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser traído!
Teria sido melhor para esse homem não ter nascido».

N   Enquanto comiam, Jesus tomou o pão,
recitou a bênção e partiu-o,
deu-o aos discípulos e disse:

J     «Tomai: isto é o meu Corpo».

N   Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho.
E todos beberam dele.
Disse Jesus:

J     «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova aliança,
derramado pela multidão dos homens.
Em verdade vos digo:
Não voltarei a beber do fruto da videira,
até ao dia em que beberei do vinho novo no reino de Deus».

N   Cantaram os salmos e saíram para o Monte das Oliveiras.
Disse-lhes Jesus:

J     «Todos vós Me abandonareis, como está escrito:
‘Ferirei o pastor e dispersar-se-ão as ovelhas’.
Mas depois de ressuscitar,
Irei à vossa frente para a Galileia».

N   Disse-Lhe Pedro:

R    «Embora todos te abandonem, eu não».

N   Jesus respondeu-lhe:

J     «Em verdade te digo:
Hoje, esta mesma noite, antes do galo cantar duas vezes,
três vezes Me negarás».

N   Mas Pedro continuava a insistir:

R    «Ainda que tenha de morrer contigo, não Te negarei».

N   E todos afirmaram o mesmo.
Entretanto, chegaram a uma propriedade chamada Getsémani
e Jesus disse aos seus discípulos:

J     «Ficai aqui, enquanto Eu vou orar».

N   Tomou consigo Pedro, Tiago e João
e começou a sentir pavor e angústia.
Disse-lhes então:

J     «A minha alma está numa tristeza de morte.
Ficai aqui e vigiai».

N   Adiantando-Se um pouco, caiu por terra
e orou para que, se fosse possível,
se afastasse d’Ele aquela hora.
Jesus dizia:

J     «Abba, Pai, tudo Te é possível:
afasta de Mim este cálice.
Contudo, não se faça o que Eu quero,
mas o que Tu queres».

N   Depois, foi ter com os discípulos, encontrando-os dormindo
e disse a Pedro:

J     «Simão, estás a dormir? Não pudeste vigiar uma hora?
Vigiai e orai, para não entrardes em tentação.
O espírito está pronto, mas a carne é fraca».

N   Afastou-Se de novo e orou, dizendo as mesmas palavras.
Voltou novamente e encontrou-os dormindo,
porque tinham os olhos pesados
e não sabiam que responder.
Jesus voltou pela terceira vez e disse-lhes:

J     «Dormi agora e descansai…
Chegou a hora:
o Filho do homem vai ser entregue às mãos dos pecadores.
Levantai-vos. Vamos.
Já se aproxima aquele que Me vai entregar».

N   Ainda Jesus estava a falar,
quando apareceu Judas, um dos Doze,
e com ele uma grande multidão, com espadas e varapaus,
enviada pelos príncipes dos sacerdotes,
pelos escribas e os anciãos.
O traidor tinha-lhes dado este sinal:
«Aquele que eu beijar, é esse mesmo.
Prendei-O e levai-O bem seguro».
Logo que chegou, aproximou-se de Jesus e beijou-O, dizendo:

R    «Mestre».

N   Então deitaram-Lhe as mãos e prenderam-n’O.
Um dos presentes puxou da espada
e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha.
Jesus tomou a palavra e disse-lhes:

J     «Vós saístes com espadas e varapaus para Me prender,
como se fosse um salteador.
Todos os dias Eu estava no meio de vós,
a ensinar no templo,
e não Me prendestes!
Mas é para se cumprirem as Escrituras».

N   Então os discípulos deixaram-n’O e fugiram todos.
Seguiu-O um jovem, envolto apenas num lençol.
Agarraram-no, mas ele, largando o lençol, fugiu nu.

N   Levaram então Jesus à presença do sumo sacerdote,
onde se reuniram todos os príncipes dos sacerdotes,
os anciãos e os escribas.
Pedro, que O seguira de longe,
até ao interior do palácio do sumo sacerdote,
estava sentado com os guardas, a aquecer-se ao lume.
Entretanto, os príncipes dos sacerdotes e todo o Sinédrio
procuravam um testemunho contra Jesus
para Lhe dar a morte,
mas não o encontravam.
Muitos testemunhavam falsamente contra Ele,
mas os seus depoimentos não eram concordes.
Levantaram-se então alguns,
para proferir contra Ele este falso testemunho:

R    «Ouvimo-l’O dizer:
‘Destruirei este templo feito pelos homens
e em três dias construirei outro
que não será feito pelos homens’».

N   Mas nem assim o depoimento deles era concorde.
Então o sumo sacerdote levantou-se no meio de todos
e perguntou a Jesus:

R    «Não respondes nada ao que eles depõem contra Ti?»

N   Mas Jesus continuava calado e nada respondeu.
O sumo sacerdote voltou a interrogá-l’O:

R    «És Tu o Messias, Filho do Deus Bendito?»

N   Jesus respondeu:

J     «Eu Sou. E vós vereis o Filho do homem
sentado à direita do Todo-poderoso
vir sobre as nuvens do céu».

N   O sumo sacerdote rasgou as vestes e disse:

R    «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
Ouvistes a blasfémia. Que vos parece?»

N   Todos sentenciaram que Jesus era réu de morte.
Depois, alguns começaram a cuspir-Lhe,
a tapar-Lhe o rosto com um véu
e a dar-Lhe punhadas, dizendo:

R    «Adivinha».

N   E os guardas davam-Lhe bofetadas.

N   Pedro estava em baixo, no pátio,
quando chegou uma das criadas do sumo sacerdote.
Ao vê-lo a aquecer-se, olhou-o de frente e disse-lhe:

R    «Tu também estavas com Jesus, o Nazareno».

N   Mas ele negou:

R    «Não sei nem entendo o que dizes».

N   Depois saiu para o vestíbulo e o galo cantou.

A    criada, vendo-o de novo, começou a dizer aos presentes:

R    «Este é um deles».

N   Mas ele negou segunda vez.
Pouco depois, os presentes diziam também a Pedro:

R    «Na verdade, tu és deles, pois também és galileu».

N   Mas ele começou a dizer imprecações e a jurar:

R    «Não conheço esse homem de quem falais».

N   E logo o galo cantou pela segunda vez.
Então Pedro lembrou-se do que Jesus lhe tinha dito:
«Antes do galo cantar duas vezes,
três vezes Me negarás».
E desatou a chorar.

N   Logo de manhã,
os príncipes dos sacerdotes reuniram-se em conselho,
com os anciãos e os escribas e todo o Sinédrio.
Depois de terem manietado Jesus,
foram entregá-l’O a Pilatos.
Pilatos perguntou-Lhe:

R    «Tu és o Rei dos judeus?»

N   Jesus respondeu:

J     «É como dizes».

N   E os príncipes dos sacerdotes
faziam muitas acusações contra Ele.
Pilatos interrogou-O de novo:

R    «Não respondes nada? Vê de quantas coisas Te acusam».

N   Mas Jesus nada respondeu,
de modo que Pilatos estava admirado.

N   Pela festa da Páscoa,
Pilatos costumava soltar-lhes um preso à sua escolha.
Havia um, chamado Barrabás, preso com os insurretos,
que numa revolta tinham cometido um assassínio.
A multidão, subindo,
começou a pedir o que era costume conceder-lhes.
Pilatos respondeu:

R    «Quereis que vos solte o Rei dos judeus?»

N   Ele sabia que os príncipes dos sacerdotes
O tinham entregado por inveja.
Entretanto, os príncipes dos sacerdotes incitaram a multidão
a pedir que lhes soltasse antes Barrabás.
Pilatos, tomando de novo a palavra, perguntou-lhes:

R    «Então, que hei de fazer d’Aquele
que chamais o Rei dos judeus?»

N   Eles gritaram de novo:

R    «Crucifica-O!».

N   Pilatos insistiu:

R    «Que mal fez Ele?»

N   Mas eles gritaram ainda mais:

R    «Crucifica-O!».

N   Então Pilatos, querendo contentar a multidão,
soltou-lhes Barrabás
e, depois de ter mandado açoitar Jesus,
entregou-O para ser crucificado.
Os soldados levaram-n’O para dentro do palácio,
que era o pretório,
e convocaram toda a coorte.
Revestiram-n’O com um mando de púrpura
e puseram-Lhe na cabeça uma coroa de espinhos
que haviam tecido.
Depois começaram a saudá-l’O:

R    «Salvé, Rei dos judeus!»

N   Batiam-lhe na cabeça com uma cana, cuspiam-Lhe
e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante d’Ele.
Depois de O terem escarnecido,
tiraram-Lhe o manto de púrpura
e vestiram-Lhe as suas roupas.
Em seguida levaram-n’O dali para O crucificarem.

N   Requisitaram, para Lhe levar a cruz,
um homem que passava, vindo do campo,
Simão de Cirene, pai de Alexandre e Rufo.
E levaram Jesus ao lugar do Gólgota,
quer dizer, lugar do Calvário.
Queriam dar-Lhe vinho misturado com mirra,
mas Ele não o quis beber.
Depois crucificaram-n’O.
E repartiram entre si as suas vestes,
tirando-as à sorte, para verem o que levaria cada um.
Eram nove horas da manhã quando O crucificaram.
O letreiro que indicava a causa da condenação tinha escrito:
«Rei dos Judeus».
Crucificaram com Ele dois salteadores,
um à direita e outro à esquerda.
Os que passavam insultavam-n’O
e abanavam a cabeça, dizendo:

R    «Tu que destruías o templo e o reedificavas em três dias,
salva-Te a Ti mesmo e desce da cruz».

N   Os príncipes dos sacerdotes e os escribas
troçavam uns com os outros, dizendo:

R    «Salvou os outros e não pode salvar-se a Si mesmo!
Esse Messias, o Rei de Israel, desça agora da cruz,
para nós vermos e acreditarmos».

N   Até os que estavam crucificados com ele o injuriavam.
Quando chegou o meio-dia,
as trevas envolveram toda a terra até às três horas da tarde.
E às três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte:

J     «Eloí, Eloí, lamá sabachtháni?»

N   que quer dizer:
«Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?»

N   Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram:

R    «Está a chamar por Elias».

N   Alguém correu a embeber uma esponja em vinagre
e, pondo-a na ponta duma cana, deu-Lhe a beber e disse:

R    «Deixa ver se Elias vem tirá-l’O dali».

N   Então Jesus, soltando um grande brado, expirou.

N   O véu do templo rasgou-se em duas partes de alto a baixo.
O centurião que estava em frente de Jesus,
ao vê-l’O expirar daquela maneira, exclamou:

R    «Na verdade, este homem era Filho de Deus».

N   Estavam também ali umas mulheres a observar de longe,
entre elas Maria Madalena,
Maria, mãe de Tiago e de José, e Salomé,
que acompanhavam e serviam Jesus,
quando estava na Galileia,
e muitas outras que tinham subido com ele a Jerusalém.
Ao cair da tarde
– visto ser a Preparação, isto é, a véspera do sábado –
José de Arimateia, ilustre membro do Sinédrio,
que também esperava o reino de Deus,
foi corajosamente à presença de Pilatos
e pediu-lhe o corpo de Jesus.
Pilatos ficou admirado de Ele já estar morto
e, mandando chamar o centurião,
ordenou que o corpo fosse entregue e José.
José comprou um lençol,
desceu o corpo de Jesus e envolveu-O no lençol;
depois depositou-O num sepulcro escavado na rocha
e rolou uma pedra para a entrada do sepulcro.
Entretanto, Maria Madalena e Maria, mãe de José,
observavam onde Jesus tinha sido depositado.

CONTEXTO

Ao iniciarmos a Semana Santa, a Semana Maior, a liturgia convida-nos a escutar o impressionante relato da Paixão e Morte de Jesus. O relato, inegavelmente fundamentado em acontecimentos concretos, não é uma simples reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a apresentar Jesus como o Filho de Deus que aceita cumprir o projeto do Pai, mesmo quando esse projeto passa por um destino de cruz. Marcos pretende que os crentes a quem a catequese se destina concluam, como o centurião romano que está junto da cruz e que vê como Jesus cumpriu o plano do Pai até à última gota de sangue: “na verdade, este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). Fica assim demonstrada a tese que Marcos, desde o início do Evangelho (cf. Mc 1,1), se propôs apresentar: Jesus, o Messias que anunciou o Reino de Deus e que os homens mataram na cruz, é o Filho de Deus.

Betânia (onde Jesus foi ungido com perfume por uma mulher e de onde saiu para se dirigir a Jerusalém), o Cenáculo (o edifício com “uma grande sala no andar de cima, mobilada e pronta”, onde Jesus fez com os discípulos aquela inolvidável ceia de despedida), o Getsémani (o nome significa “lagar de azeite” e designava o jardim cheio de oliveiras para onde Jesus, após a última ceia, se retirou para rezar, e onde foi preso pelos guardas do Templo), o palácio do sumo-sacerdote Caifás (onde Jesus foi julgado, condenado pelo Sinédrio e ficou preso o resto da noite antes de ser levado diante das autoridades romanas), o pretório romano da Torre Antónia (onde estava a guarnição romana que vigiava o Templo, onde Jesus, na manhã de sexta-feira, foi torturado e coroado de espinhos e onde o governador Pilatos confirmou a sua condenação à morte), as ruas da cidade de Jerusalém (por onde Jesus passou, carregando com a trave transversal da cruz, segundo o ritual próprio das crucifixões), o Gólgota o (“lugar do crânio”, a pequena colina, fora da cidade onde Jesus, por volta das 9 horas de sexta-feira, foi crucificado), e o túmulo novo (situado num jardim ao lado do Gólgota, onde o corpo morto de Jesus foi depositado antes do pôr do sol de sexta-feira) são os cenários onde se desenrola a ação que o Evangelho deste dia nos apresenta.

Em que data e em que contexto ocorreram os acontecimentos narrados no relato da paixão de Jesus? Todos os evangelistas concordam que Jesus celebrou uma ceia depois do pôr do sol de uma quinta-feira (quando, segundo o calendário religioso judaico já era sexta-feira) e que morreu na cruz por volta das três horas da tarde dessa sexta-feira. Para Marcos, Mateus e Lucas, contudo, essa sexta-feira era o dia da celebração da festa judaica da Páscoa. Assim, a última ceia de Jesus com os discípulos teria sido uma Ceia Pascal. João, no entanto, considera que a sexta-feira (dia em que Jesus morreu) não foi dia de Páscoa, mas sim o dia da preparação da Páscoa (o dia de Páscoa, nesse ano, começou na sexta-feira ao pôr do sol, quando Jesus já tinha morrido na cruz). Nesse caso, a última ceia de Jesus com os discípulos não teria sido uma Ceia Pascal, mas sim uma ceia de despedida. É difícil aceitar o calendário dos sinóticos, pois não parece provável que, em pleno dia de Páscoa, os judeus desenvolvessem o processo contra Jesus, o levassem pelas ruas de Jerusalém até ao Gólgota e o crucificassem. Sendo assim, Jesus teria sido crucificado na véspera da celebração da Páscoa judaica. Estaríamos, muito provavelmente, na primavera do ano 30. Jesus teria, então, 35-37 anos. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar, até ao último suspiro, até à última gota de sangue. Esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes. É esse amor ilimitado e inacreditável que vemos quando olhamos para a cruz de Jesus? E o amor de Jesus, expresso na cruz, torna-se lição que nós acolhemos e que transformamos em gestos concretos de dom e de serviço aos que “viajam” connosco?
  • Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste modo pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. A contemplação da cruz de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo? A contemplação da cruz de Jesus faz com que nos sintamos solidários com todos os nossos irmãos que todos os dias são crucificados e injustiçados? A contemplação da cruz de Jesus dá-nos a coragem para lutarmos contra tudo aquilo que gera sofrimento e morte, mesmo que isso implique correr riscos, ser incompreendido e condenado?
  • Um dos elementos mais destacados no relato marciano da paixão é a forma como Jesus Se comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte… Ele nunca Se descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino de cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói inconsciente a quem o sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que os outros Lhe impõem… A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar. Temos a mesma disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e a mesma determinação que Jesus tinha para concretizar esses desafios no mundo?
  • A “angústia” e o “pavor” de Jesus diante da morte tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades e fragilidades. Dessa forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar n’Ele, segui-l’O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um caminho impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens frágeis, chamados por Deus a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à vida definitiva. Quais são as fragilidades que sentimos e que são obstáculo no nosso seguimento de Jesus? Deixamos que as limitações – reais ou imaginárias – que sentimos sejam decisivas quando chega a hora de optarmos?
  • A solidão de Jesus diante do sofrimento e da morte anuncia já a solidão do discípulo que percorre o caminho da cruz. Quando o discípulo procura cumprir o projeto de Deus, recusa os valores do mundo, enfrenta as forças da opressão e da morte, recebe a indiferença e o desprezo do mundo e tem de percorrer o seu caminho na mais dramática solidão. O discípulo tem de saber, no entanto, que o caminho da cruz, apesar de difícil, doloroso e solitário, não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho de libertação e de vida plena. Estamos conscientes de que, quanto mais somos fiéis a Jesus e ao seu projeto, mais teremos de remar contra a corrente e de experimentar a solidão, o abandono e até a incompreensão dos que nos rodeiam? Estamos determinados, apesar disso, a seguir o caminho que Jesus nos aponta?
  • A figura do jovem que, no jardim das Oliveiras, deixou o lençol que o cobria nas mãos dos soldados e fugiu pode ser figura do discípulo que, amedrontado e desiludido, abandonou Jesus. Já alguma vez virámos as costas a Jesus e ao seu projeto, seduzidos por outras propostas? in Dehonianos

Para os leitores:

            A primeira leitura não apresenta nenhuma dificuldade aparente na sua proclamação. Requer uma leitura pausada e atenta que exprima toda a densidade e intensidade dramática do texto. A última frase exige uma especial atenção para que se possa transmitir a confiança e esperança que o auxílio de Deus oferece.

A segunda leitura é um hino litúrgico e poético e apresenta duas partes distintas: uma primeira mais dramática e uma segunda mais jubilosa e marcada pela exaltação de Jesus. A proclamação desta leitura deve ter presente todos estes elementos. A narrativa evangélica da Paixão do Senhor, na ausência de diáconos, pode ser lida por mais dois leitores, reservando a parte de Cristo ao sacerdote. Tendo em conta os diversos diálogos e a dimensão do texto, aqueles que participam na leitura devem fazer uma acurada preparação das diversas intervenções ao longo do texto.

I Leitura (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.

UM REI NOVO NOS NOSSOS CAMINHOS

Domingo de Ramos: Is 50,4-7, Sl 22; Fl 2,6-11; Mc 14,1-15,47

Batizado com o Espírito Santo no Jordão, confirmado com o Espírito Santo no Tabor, Jesus realizou a sua missão filial batismal anunciando o Evangelho do Reino de Deus e fazendo as suas «obras». A sua «viagem» chega agora ao fim, em Jerusalém, onde o seu Batismo deve (plano divino) ser consumado (ainda Lucas 12,49‑50) na sua Morte Gloriosa: única Fonte do Espírito Santo para nós, porque única Fonte da Vida Eterna verdadeiramente Dada (sempre Atos 2,32-33; João 19,30 e 34; 7,38-39). De facto, não se alcança através da nossa planificação. As coisas supremas não são planificáveis. Já estão prontas para receber. A missão filial batismal do Filho de Deus finalmente consumada! É que fomos, de facto, batizados na sua Morte (Romanos 6,3), e, com Ele, fomos  com‑sepultadoscom‑ressuscitadoscom‑vivificados e com‑sentados na G1ória! (Efésios 2,5‑6; Colossenses 2,12‑13: tudo ver­bos cunhados por Paulo e postos em aoristo histórico!). For­mamos, por isso, «a Igreja que Ele amou» (Efésios 2,25). A este amor de Cristo pela Igreja chama Paulo «o mistério grande» (Efésios 5,32). Nós, a Igreja do amor de Cristo, somos, portan­to, a esposa bela, a nova Jerusalém (Apocalipse 19,7‑9; 21,2.9-27) que, juntamente com o Espírito, diz ao Senhor Jesus: Vem! (Apocalipse 22,17).

O tom deste Domingo de Ramos é dado pela página preciosa de Marcos 11,1-10, que nos mostra o Rei messiânico a tomar posse da sua Cidade, a «Cidade do Grande Rei» (Salmo 45,5; 47,2-3; Tobias 13,11; Mateus 5,35), a Esposa bela que nascerá do seu Sangue: Esposa cúmplice da Morte do Esposo, e beneficiária da Morte do Esposo! Esposa, portanto, e no entanto! Que ao encontro do Esposo desce em vestido de noiva, não de viúva! (Apocalipse 21,2). O Rei messiânico toma posse da sua Cidade, a Filha de Sião, a Esposa; vem montado sobre o jumento da paz, e não sobre cavalos de guerra, cumprindo Zacarias 9,9. De notar que Zacarias escreveu esta página deslumbrante de um Rei diferente, pobre, manso e humilde, em contraponto com o imponente espetáculo do grande Alexandre Magno, porventura o maior imperador que algum dia o mundo conheceu, quando este, em finais do século IV a. C., descia a costa palestinense a caminho do Egito, com todo o seu arsenal de riqueza e de prepotência militar! Estendem-se as capas e ramos de árvores no caminho: assim se procedia quando era ungido o rei e como tal aclamado, como se pode ver no caso de Jeú (cf. 2 Reis 9,13). A multidão canta «Hossana» [= «Salva, por favor!»] (Salmo 118,5), saudando o Rei-que-Vem, «Aquele-que-Vem» (título divino) (Salmo 118,26), com o Reino de David, o novo David!

Dado o insólito da situação, não é possível não reparar que Jesus não entra em Jerusalém como Peregrino ou Mestre ou Taumaturgo. Mas como o Rei futuro prometido, pobre e humilde, anunciado em Zacarias 9,9. Por isso, nesta última etapa do seu caminho, desde Betfagé e Betânia, perto do Monte das Oliveiras, até à Cidade de Jerusalém, Jesus não vai a pé, como sempre andou nos caminhos das cidades e aldeias da Palestina, ou de barco, quando se tratava de atravessar o mar da Galileia. Agora, neste último troço da sua viagem, Jesus faz questão de o percorrer, não a pé, mas montado num jumento, ainda não montado por ninguém (Marcos 11,2): o Rei é o primeiro em tudo! E toda a temática relativa ao jumento montado por Jesus torna-se tão evidente, que não pode passar despercebida a ninguém. Basta reparar na distribuição dos dez versículos desta passagem (Marcos 11,1-10): sete ocupam-se com a meticulosa procura do jumento e com o modo simples e novo, sem arreios, como Jesus o monta!

Ainda hoje, no domingo de Ramos, não obstante o ambiente abertamente hostil aos cristãos que se respira, se faz, desde Betfagé, uma pequena aldeia hoje totalmente muçulmana com um pequeno santuário à guarda dos Franciscanos, uma impressionante procissão e manifestação de fé que, descendo o Monte das Oliveiras, termina na Igreja de Santa Ana, junto da porta de Santo Estêvão (ou dos Leões).

O Evangelho que enche este Domingo de Ramos na Paixão do Senhor é o imenso e impressionante relato da Paixão de Marcos 14,1-15,47 (note-se que o texto soma 119 dos 677 versículos que contabiliza o inteiro Evangelho de Marcos), que marca o ritmo da «Semana Santa», que as Igrejas do Oriente chamam «Semana Grande», e que o antigo rito da Igreja de Milão conhecia por «Semana Autêntica». Somos nós, portanto, carregando os nossos ódios, raivas, mentiras, invejas e violências, seguindo a par e passo o Rei manso e obediente que a nós e por nós se entrega por amor, absorvendo, absolvendo e dissolvendo assim o nosso lado sombrio e pecaminoso. Momentos decisivos em que a Esposa bela, por graça tornada bela, segue o Esposo passo a passo: a unção para a sepultura em Betânia (Marcos 14,3-9), a Ceia Primeira (e não última!) (Marcos 14,12-31), o abismo do Getsémani (Marcos 14,32-42), a prisão (Marcos 14,43-52): todos o abandonam (Marcos 14,50); Jesus fica sozinho, verdadeiro «Resto de Israel», os processos e a condenação (Jesus afirma‑se como «o Bendito», «o Filho de Deus», «o Messias», «o Rei»), a en­trega à morte de cruz por Pilatos (Marcos 15,15), mas, na verda­de, por Deus (1 Coríntios 11,23: paredídeto: passivo divino!), a coroa de espinhos, a Cruz santa e gloriosa, as três tentações por parte dos que passavam, dos sacerdotes, dos demais cruci­ficados: «salva‑te a ti mesmo», «desce da cruz» (Marcos 15,29‑32), a oração do Salmo 22 (todo): começa «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», e termina «esta é a obra do Senhor!», a ago­nia e a Morte precedida do grande grito (Marcos 15,33 e 37), que indica a Vitória de Deus, enfim, a sepultura. Proclamação da máxima Obra de Deus no mundo, a indizível Economia divina na vida terrena do Filho de Deus! A proclamação deve seguir‑se com a conversão do coração, e, sobretudo, com o louvor no coração.

Quem atravessa com extremosa atenção este imenso texto, há de por força reparar no silêncio prolongado de Jesus perante testemunhas e acusações falsas. Este silêncio aparece condensado e referido em dois momentos, que são também os únicos em que Jesus quebra o silêncio para responder a duas perguntas. Primeira anotação: «Levantando-se então o sumo-sacerdote no meio deles, interrogou Jesus, dizendo: “Nada respondes a estes que testemunham contra ti?”. Ele, porém, ficou calado, e nada respondeu. O sumo-sacerdote interrogou-o de novo: “És tu o Cristo, o Filho do Bendito?”. Então Jesus disse: “Eu sou!”» (Marcos 14,60-62). Segunda anotação: «Pilatos interrogou-o: “Tu és o Rei dos judeus?”. Ele então respondeu e disse-lhe: “Tu o dizes!”. E acusavam-no os sumo-sacerdotes de muitas maneiras. Então Pilatos interrogou-o novamente e disse-lhe: “Não respondes nada? Vês de quantas coisas te acusam!”. Jesus, porém, nada mais respondeu» (Marcos 15,2-5). Vê-se bem que Jesus apenas quebra o silêncio por duas vezes, para responder a duas perguntas sobre a sua identidade.

Vendo bem, somos todos levados a percorrer e a reviver as últimas decisivas vinte e quatro horas de Jesus, sensivelmente desde as 15h00 de Quinta-Feira Santa até perto das 18h00 de Sexta-Feira Santa:

15h00 = Preparação da Ceia

                               18h00 = Ceia Primeira!

                               21h00 = Getsémani

                               24h00 = Prisão de Jesus

                               03h00 = Pedro nega e o galo canta

                               06h00 = Jesus diante de Pilatos

                               09h00 = Crucifixão de Jesus

                               12h00 = as trevas em vez da Luz!

                               15h00 = Morte de Jesus

                               18h00 = Sepultamento de Jesus

Note-se que, na cronologia dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), esta Quinta-Feira é o dia da Preparação da Páscoa, comendo-se a Ceia Pascal logo após o pôr-do-sol (no calendário religioso hebraico já é Sexta-Feira, dado que o dia começa com o pôr-do-sol). Como se vê, esta cronologia vê na Ceia de Jesus com os seus Discípulos uma Ceia Pascal. Também de acordo com esta cronologia, Jesus é preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado em Sexta-Feira, Dia da Páscoa dos judeus, o que seria muito estranho! O Evangelho de S. João apresenta outra cronologia, hoje defendida pela maioria dos estudiosos, segundo a qual Jesus terá comido uma Ceia, a sua Ceia Nova em Quinta-Feira, mas não a Ceia ritual da Páscoa dos judeus, e foi preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado, em Sexta-Feira, dia da Preparação, antes da Ceia ritual da Páscoa dos judeus, que João coloca no Sábado, e não na Sexta-Feira. No seu Livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI defende também esta cronologia joanina. De resto, as Igrejas do Ocidente seguem a cronologia dos Sinóticos: por isso, a nossa Eucaristia é com pão Ázimo, derivado do ritual da Ceia da Páscoa dos judeus. Por seu lado, as Igrejas do Oriente seguem a cronologia joanina, sendo a sua Eucaristia com pão comum, dado não derivar do ritual da Páscoa dos judeus.

O Antigo Testamento serve-nos hoje o chamado «terceiro canto do Servo» (Isaías 50,4-7). Gerado na dor de Israel como verdadeiro filho do milagre (Isaías 49,21), ergue-se esta singular figura de «Servo» (‘ebed), totalmente nas mãos de Deus, desde a sua predestinação desde o seio materno (Isaías 49,1 e 5), passando pela sua entrega à morte (Isaías 53,12), até à sua exaltação e glorificação (Isaías 52,13), de tal modo que Deus o pode chamar «meu Servo» (‘abdî). Na lição de hoje, o «Servo» é um Discípulo a quem Deus abre os ouvidos até ao coração, para ouvir bem a música de Deus, e poder levar uma palavra de consolo aos dela necessitados. «Tornando o seu rosto duro como uma pedra» (Isaías 50,7), apresenta-se como um Servo, não insensível e indiferente, mas decidido a levar até ao fim a missão que lhe é confiada. A mesma expressão será dita acerca de Jesus em Lucas 9,51, quando toma a decisão inabalável de se dirigir para Jerusalém. O Novo Testamento passa por aqui!

Em claro paralelismo com o «Servo», cantado por Isaías, aí está Jesus apresentado por Paulo aos Filipenses (2,6-11). Mas aqui, o «Servo» tem um Rosto e um Nome: Jesus recebeu, na sua Humanidade, o Nome divino (ver também Hebreus 1,1-4), Nome incomparável (Filipenses 2,9). Por isso, agora, todos os seres criados adoram o Nome-Jesus (Filipenses 2,10), e «toda a língua», isto é, todo o ser humano racional, professa: «Senhor é Jesus Cristo!». Notar a ordem dos três termos, errada nas versões modernas: Senhor, isto é, Deus eterno, é o Homem-Jesus Cristo. O acento cai, pois, sobre Senhor. O fim em vista: a Glória do Pai com o Espírito (Filipenses 2,11). É quanto Deus operou na Cruz e semeou no nosso coração.

Voltamos à música do Salmo 22, uma oração que nasce na Paixão e termina na Páscoa! É belo tomarmos consciência de que Jesus nos pediu estas palavras emprestadas, para no-las devolver a transbordar de sentido. Já se sabe que aquele «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», que Jesus reza na Cruz, e que são as primeiras palavras do Salmo, implica, segundo a praxe judaica, a recitação do Salmo inteiro, que tem uma primeira parte de fortíssima lamentação (v. 2-22), passando logo para uma segunda parte que expressa consolação por ver Deus ao nosso lado, tão próximo de nós (v. 23-27), e terminando em verdadeira exultação (v. 28-32). O grande pregador francês Jacques Bossuet (1627-1704) declarava bem-aventurados aqueles que, recitando este Salmo, se encontram com Jesus, tão santamente tristes e tão divinamente felizes!

Senhor Jesus,
Senhor dos Passos
Serenos e seguros no caminho da vida e da Paixão,
Da ressurreição.
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos
Sossegados e firmes,
Resolutos,
Até à porta do meu coração.
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos,
Dos meus e dos teus,
Finalmente harmonizados,
Finalmente lado a lado:
Os meus, imprecisos, indecisos,
Atravessados pelo teu Perdão;
Os teus, sossegados e firmes,
Sincronizados pelo pulsar do meu coração.
Sim,
Eu sei que foi por mim que desceste a este chão
Pesado, íngreme, irregular,
De longilíneas lajes em que é fácil escorregar.
Mas os teus braços sempre abertos ajudam-me a levantar.
Senhor Jesus,
Deixa-me chegar um pouco mais junto de ti,
Chega-te tu também mais junto de mim.
Segura-me.
Dá-me a tua mão firme, nodosa e corajosa.
Agarro-me.
Sinto sulcos gravados nessa mão.
Sigo-os com o dedo devagar.
Percebo que são as letras do meu nome.
Foi então por mim que desceste a este chão.
O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.
Senhora das Dores, Maria, minha Mãe,
Que seguiste até ao fim os passos do teu Filho,
Acompanha e protege os meus passos também.
Obrigado, Senhor Jesus,
Meu Senhor, meu Irmão e companheiro.

António Couto

ANEXOS:

  1. Leitura I do Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – Ano B – 24.03.2024 (Is 50, 4-7)
  2. Leitura II do Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – Ano B – 24.03.2024 (Filip 2, 6-11)
  3. Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – Ano B – 24.03.2024 – Lecionário
  4. Domingo de Ramos na Paixão do Senhor – Ano B – 24.03.2024 – Oração Universal
  5. Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2024
  6. Mensagem Bispos do Porto para Quaresma 2024
  7. ANO B – O ano do evangelista Marcos