Domingo V da Páscoa – Ano B – 28.04.2024

 

Viver a Palavra

Liberdade e comunhão, entrega e fecundidade são coordenadas fundamentais da vida cristã. A adesão livre e libertadora à vontade de Deus abre o meu coração à comunhão com Deus e os irmãos e desafia-me a uma entrega fecunda que difunde ao longe e ao largo a suave fragrância do amor de Deus. Jesus Cristo é a «a verdadeira vide» que nos revela o coração misericordioso do Pai, «agricultor» paciente que semeia, cuida e espera o tempo da fecunda frutificação.

Fascina-me sempre ver Jesus apresentar o Pai como agricultor. Na verdade, é a única profissão que vemos Jesus atribuir ao Pai: «Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor». Tendo nascido num ambiente rural e tendo sido habituado a ver os meus avós trabalhar a terra, compreendo bem a força destas palavras de Jesus. O agricultor tem um amor apaixonado à terra que lhe está confiada, trabalha afincada e esforçadamente, vive atento aos perigos e adversidades que podem ameaçar a sementeira e procura defendê-la e protegê-la dos perigos que a assaltam, não se resigna a um horário das nove às cinco, mas labuta incansavelmente de sol a sol. O agricultor poda, arranca as ervas e sacha o terreno, uma e outra vez, para que a sementeira possa germinar e crescer.

Por isso, como é belo poder ver Deus como um agricultor que ama e cuida de mim com paciência e desvelo, com uma atenção, cuidado e proteção permanentes para que eu possa crescer e frutificar. Zeloso pela obra das suas mãos, este Agricultor «corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto e limpa todo aquele que dá fruto, para que dê ainda mais fruto». Quem faz a experiência de ver uma vinha abandonada e não podada percebe como é assaltada pelas ervas e silvas, emaranha-se sobre si própria e adoece, os seus ramos tornam-se cada vez mais esguios e enredados, dá pouquíssimas uvas e de fraco sabor e as folhas desbotam. Bem diferente é a vide podada e cuidada que se tona bela e viçosa, com frutos abundantes e de delicioso sabor.

A Palavra que Deus nos dirige limpa os nossos ramos, a seiva que a união com Cristo nos comunica fortalece e dá vida e assim podemos crescer firmes e fortes, prontos e disponíveis para frutificar e encher o mundo da alegria e da felicidade que só o amor de Jesus nos pode oferecer e garantir.

Permanecer é imperativo para que possamos dar fruto. Estar unidos a Jesus e, por Ele e Nele, aos nossos irmãos é condição fundamental para que a nossa vida se liberte da autorreferencialidade e alargue os nossos horizontes à comunhão, partilha e fraternidade que converte a vida num lugar mais fecundo e generoso.

Se Jesus é a verdadeira vide à qual a nossa vida se une como os ramos à videira, unidos a Cristo estamos também unidos aos irmãos que se alimentam da mesma seiva e se nutrem da mesma vida. A diversidade daquilo que somos e realizamos muitas vezes cria dificuldades e resistências na comunhão que estabelecemos. Na primeira leitura, vemos a dificuldade da comunidade de Jerusalém em acolher Paulo, vendo nele um adversário e uma ameaça. Sempre que olhamos para o outro como uma ameaça e um concorrente a comunhão rompe-se e a unidade torna-se impossível. Como ramos unidos à videira que é Cristo, somos chamados a cultivar uma atitude de acolhimento e disponibilidade, capaz de instaurar no mundo uma nova fraternidade que rasga horizontes de paz e esperança. in Voz Portucalense

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Estamos num novo Ano Litúrgico – o Ano B. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

LEITURA I – Atos dos Apóstolos 9,26-31

Naqueles dias,
Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos.
Mas todos os temiam, por não acreditarem que fosse discípulo.
Então, Barnabé tomou-o consigo, levou-o aos Apóstolos
e contou-lhes como Saulo, no caminho,
tinha visto o Senhor, que lhe tinha falado,
e como em Damasco tinha pregado com firmeza
em nome de Jesus.
A partir desse dia, Saulo ficou com eles em Jerusalém
e falava com firmeza no nome do Senhor.
Conversava e discutia também com os helenistas,
mas estes procuravam dar-lhe a morte.
Ao saberem disto, os irmãos levaram-no para Cesareia
e fizeram-no seguir para Tarso.
Entretanto, a Igreja gozava de paz
por toda a Judeia, Galileia e Samaria,
edificando-se e vivendo no temor do Senhor
e ia crescendo com a assistência do Espírito Santo.

CONTEXTO

A secção de At 9,1-30 é dedicada a um acontecimento que marcará a história do cristianismo: a vocação/conversão de Paulo. Foi depois de se encontrar com Jesus ressuscitado que Paulo, convertido à Boa Nova de Jesus, abraçou a missão de levar a Boa Nova da salvação ao encontro de outras culturas e realidades; e o projeto de Jesus “viajou” com Paulo desde as fronteiras do mundo judaico até ao coração do mundo greco-romano.

De acordo com At 9,1 Paulo, pouco depois da morte do diácono Estevão, pôs-se a caminho de Damasco, mandatado pelo Sinédrio, para prender e trazer algemados para Jerusalém os membros da comunidade judaica que tivessem aderido a Jesus; mas, no caminho, viu-se “envolvido por uma luz intensa” e fez a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Percebeu, então, que estava a perseguir o próprio Jesus. Isso abalou todas as suas certezas e levou-o a questionar o caminho que estava a seguir (cf. At 9,1-9). Entrando em Damasco, Paulo encontrou-se com Ananias, membro da comunidade cristã dessa cidade, que o ajudou a situar as coisas, a esclarecer as dúvidas que tinha e a posicionar-se face a Jesus (cf. At 9,10-19a). Paulo ficou em Damasco, integrado na comunidade cristã, dando testemunho de Jesus (cf. At 9,20-22); mas, ao fim de algum tempo, os judeus da cidade conspiraram para o matar e Paulo teve que fugir (cf. At 9,23-25). Dirigiu-se, então, para Jerusalém, indo apresentar-se à comunidade cristã da cidade.

Pensa-se que a conversão de Paulo terá acontecido por volta do ano 36 e que ele permaneceu em Damasco cerca de três anos. O regresso de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido, portanto, por volta do ano 39 (cf. Gal 1,18).

O texto que nos é proposto como primeira leitura neste quinto domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, logo após o regresso do regresso de Paulo. Inclui, além disso, num versículo final, um breve sumário da vida da Igreja: é um dos tantos sumários típicos de Lucas, através dos quais o autor dos Atos faz um balanço da situação e prepara os temas que vai tratar nas secções seguintes.in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • A comunidade cristã de Jerusalém colocou algumas reticências ao acolhimento de Paulo. Trata-se de uma “precaução” que podemos compreender, considerando o historial de Paulo. Mas a verdade é que a comunidade cristã não é um condomínio fechado, com direito de admissão reservado; mas é uma casa de portas abertas, onde todos podem entrar, onde todos são acolhidos como irmãos e onde todos podem fazer uma experiência de encontro com Jesus ressuscitado. Como é a nossa comunidade cristã? É uma comunidade fechada, pouco acolhedora, cheia de preconceitos, criadora de exclusão, ou é uma comunidade aberta, fraterna, solidária, disposta a acolher?
  • Paulo, mal chega a Jerusalém, procura imediatamente a comunidade cristã. Já tinha, então, percebido, que a vivência da fé é uma experiência comunitária. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece; é na comunidade, unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente; é na comunidade e sempre em referência comunitária que celebramos ritualmente a fé. Como é que nós vivemos a fé? Como experiência isolada (“eu cá tenho a minha fé”), ou como experiência comunitária? Consideramos que a comunidade, apesar das tensões e conflitos que possa ter, é a “casa de família” onde nos sentimos bem e onde podemos fazer, de forma privilegiada, a experiência do encontro com o nosso irmão Jesus?
  • Barnabé assume, na comunidade cristã de Jerusalém, o papel de questionar os preconceitos, o fechamento, a atitude defensiva da comunidade em relação a Paulo. Faz-nos pensar no papel que Deus reserva a cada um de nós, no sentido de ajudarmos a nossa comunidade cristã a crescer, a sair de si própria, a viver com mais coerência o seu compromisso com Jesus Cristo e com o Evangelho. Nenhum membro da comunidade é detentor de verdades absolutas; mas todos os membros da comunidade devem sentir-se responsáveis para que a comunidade dê, no meio do mundo, um verdadeiro testemunho de Jesus e do seu projeto de salvação. Somos, nas nossas comunidades cristãs, pessoas envolvidas e comprometidas, que questionam, que propõem caminhos, que colaboram na procura comum da verdade de Deus e do Espírito?
  • O encontro com Jesus ressuscitado no caminho de Damasco foi um momento transformador. A partir desse encontro, Paulo tornou-se o arauto entusiasta e imparável do projeto libertador de Jesus. A perseguição dos judeus, a oposição das autoridades, a indiferença dos não crentes, a incompreensão dos irmãos na fé, os perigos dos caminhos, as incomodidades das viagens, não conseguiram desencorajá-lo e desarmar o seu testemunho. O exemplo de Paulo recorda-nos que ser cristão é dar testemunho de Jesus e do Evangelho. A experiência que fazemos de Jesus e do seu projeto libertador não pode ser calada ou guardada apenas para nós; mas tem de se tornar um anúncio libertador que, através de nós, chega a todos os nossos irmãos. Procuramos assumir, no dia a dia, este papel de “missionários” (“enviados”), de testemunhas da Boa Notícia de Jesus?
  • A Igreja é uma comunidade formada por homens e mulheres e, portanto, marcada pela debilidade e fragilidade; mas é, sobretudo, uma comunidade que marcha pela história assistida, animada e conduzida pelo Espírito Santo. O “caminho” que percorremos como Igreja pode ter avanços e recuos, infidelidades, quedas e vicissitudes várias; mas é um caminho que conduz a Deus, à Vida definitiva à salvação. A presença do Espírito dirigindo a caminhada dá-nos essa garantia. Confiamos na ação do Espírito? Acreditamos que a Igreja, apesar da fragilidade dos seus membros, será sempre “sacramento universal de salvação”, pois é conduzida pelo Espírito de Deus? in Dehonianos.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

Refrão 1: Eu Vos louvo, Senhor, na assembleia dos justos.

Refrão 2: Eu Vos louvo, Senhor, no meio da multidão.

Cumprirei a minha promessa na presença dos vossos fiéis.
Os pobres hão de comer e serão saciados,
louvarão o Senhor os que O procuram:
vivam para sempre os seus corações.

Hão de lembrar-se do Senhor e converter-se a Ele
todos os confins da terra;
e diante d’Ele virão prostrar-se
todas as famílias das nações.

Só a Ele hão de adorar
todos os grandes do mundo,
diante d’Ele se hão de prostrar
todos os que descem ao pó da terra.

Para Ele viverá a minha alma,
Há de servi-l’O a minha descendência.
Falar-se-á do Senhor às gerações vindouras
e a sua justiça será revelada ao povo que há de vir:
«Eis o que fez o Senhor».

LEITURA II – 1 João 3,18-24

Meus filhos,
não amemos com palavras e com a língua,
mas com obras e em verdade.
Deste modo saberemos que somos da verdade
e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus;
porque, se o nosso coração nos acusar,
Deus é maior que o nosso coração
e conhece todas as coisas.
Caríssimos, se o coração não nos acusa,
tenhamos confiança diante de Deus
e receberemos d’Ele tudo o que Lhe pedirmos,
porque cumprimos os seus mandamentos
e fazemos o que Lhe é agradável.
É este o seu mandamento:
acreditar no nome de seu Filho, Jesus Cristo,
e amar-nos uns aos outros, como Ele nos mandou.
Quem observa os seus mandamentos
permanece em Deus e Deus nele.
E sabemos que permanece em nós
pelo Espírito que nos concedeu.

CONTEXTO

Já vimos, nos domingos anteriores, que a Primeira Carta de João é um escrito dirigido às Igrejas joânicas da Ásia Menor, destinado a intervir na controvérsia levantada por hereges pré-gnósticos a propósito de pontos fundamentais da teologia cristã. Nesse contexto, o autor da Carta procura fornecer aos cristãos (algo confusos diante das proposições heréticas) uma síntese da vida cristã autêntica.

Uma questão que tem um tratamento desenvolvido na Primeira Carta de João é a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus; mas, ocupados a olhar para o céu, negligenciavam o amor ao próximo (cf. 1 Jo 2,9). Ora, de acordo com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor. Jesus demonstrou isso mesmo ao amar os homens até ao extremo de dar a vida por eles, na cruz; e exigiu que os seus discípulos O seguissem no caminho do amor e do dom da vida aos irmãos (cf. 1 Jo 3,16). Em última análise, é o amor aos irmãos que decide o acesso à Vida: só quem ama alcança a Vida verdadeira e eterna (cf. 1 Jo 3,13-15). A realização plena do homem depende da sua capacidade de amar os irmãos.

O texto que a liturgia deste quinto domingo da Páscoa nos apresenta como segunda leitura pertence a uma secção que poderíamos intitular “viver como filhos de Deus” (3,1-24). Conclui a reflexão sobre o tema do amor aos irmãos, que é apresentado como consequência da filiação divina. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • O autor da primeira Carta de João define a vida cristã autêntica como “acreditar no Nome” de Jesus Cristo e amar os irmãos “como Jesus nos mandou”. Aliás, parece evidente que uma coisa não “vai” sem a outra. É possível “acreditar” em Jesus e aceitar a marginalização dos “diferentes”, dos que não têm voz nem vez no nosso mundo? É possível “acreditar” em Jesus e não nos sentirmos profundamente comovidos quando encontramos alguém caído e abandonado na berma da estrada (cf. Lc 10,33)? É possível “acreditar” em Jesus sem nos dispormos a servir, com simplicidade e humildade, os nossos irmãos (cf. Jo 13,13-17)? É possível “acreditar” em Jesus e recusar o perdão a quem fez opções erradas, mas busca uma vida nova, um recomeço (cf. Lc 19,8-10)? É possível “acreditar” em Jesus e vivermos fechados na nossa vida cómoda, ignorando a sorte daqueles que têm fome, ou que não conseguem garantir uma vida digna aos seus filhos? A minha adesão a Jesus traduz-se em gestos semelhantes aos que Ele fazia e que levavam Vida e esperança aos pobres, aos doentes, aos abandonados, aos condenados que Ele encontrava pelos caminhos da Galileia e da Judeia? Como é que vivemos o mandamento do amor? Com declarações inconsequentes de boas intenções, ou com ações concretas que dão significado às vidas?
  • Por vezes, apesar do nosso esforço e da nossa vontade em acertar, sentimo-nos indignos e longe de Deus. Como é que sabemos se estamos no caminho certo? Qual é o critério para avaliarmos a força da nossa relação e da nossa proximidade com Deus? A vida de uma árvore vê-se pelos frutos que ela dá… Se realizamos obras de amor, se os nossos gestos de bondade e de solidariedade curam o sofrimento dos nossos irmãos, se a nossa ação torna o mundo um pouco melhor, é porque estamos em comunhão com Deus e a vida de Deus circula em nós. O nosso amor a Deus vê-se nos nossos gestos? Os nossos gestos reproduzem e anunciam o amor e a bondade de Deus na vida daqueles que caminham ao nosso lado?
  • Muitas vezes somos testemunhas de espantosos gestos proféticos realizados por pessoas que fizeram opções religiosas diferentes das nossas ou até por parte de pessoas que assumem uma aparente atitude de indiferença face a Deus… No entanto, não tenhamos dúvidas: onde há amor, aí está Deus. O Espírito de Deus está presente até fora das fronteiras da Igreja e atua no coração de todos os homens de boa vontade. De resto, certos testemunhos de amor e de solidariedade que vemos surgir nos mais variados quadrantes constituem uma poderosa interpelação aos crentes, convidando-os a uma maior fidelidade a Jesus e ao seu projeto. Sou capaz de reconhecer e de agradecer o “toque” de Deus nos gestos de amor, de bondade, de misericórdia que vejo acontecer à minha volta? Deixo-me interpelar pelo exemplo e testemunho daqueles que procuram tornar o mundo mais belo e mais humano, mesmo quando se trata de pessoas que não se consideram membros da minha Igreja ou da minha família cristã? in Dehonianos.

EVANGELHO – João 15,1-8

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Eu sou a verdadeira vide e meu Pai é o agricultor.
Ele corta todo o ramo que está em Mim e não dá fruto
e limpa todo aquele que dá fruto,
para que dê ainda mais fruto.
Vós já estais limpos, por causa da palavra que vos anunciei.
Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós.
Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo,
se não permanecer na videira,
assim também vós, se não permanecerdes em Mim.
Eu sou a videira, vós sois os ramos.
Se alguém permanece em Mim e Eu nele,
esse dá muito fruto,
porque sem Mim nada podeis fazer.
Se alguém não permanece em Mim,
será lançado fora, como o ramo, e secará.
Esses ramos, apanham-nos, lançam-nos ao fogo e eles ardem.
Se permanecerdes em Mim
e as minhas palavras permanecerem em vós,
pedireis o que quiserdes e ser-vos-á concedido.
A glória de meu Pai é que deis muito fruto.
Então vos tornareis meus discípulos».

CONTEXTO

O Evangelho do quinto domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira, um dia antes da celebração da Páscoa judaica, por volta do ano 30. Jesus está reunido com os seus discípulos à volta de uma mesa. Consciente de que os dirigentes judaicos tinham decidido dar-Lhe a morte e que a cruz estava no seu horizonte próximo, Jesus organizou uma ceia especial de despedida. Queria preparar os seus discípulos para os acontecimentos dramáticos que se avizinhavam. Não queria que a sua morte lançasse os discípulos num desespero sem esperança. Naquela hora, de certeza que algumas perguntas pairavam no ar… Que iria acontecer àquele grupo de discípulos quando Jesus lhes fosse tirado? O projeto do Reino seria viável sem Jesus? Os discípulos conseguiriam, sozinhos no mundo, viver e testemunhar aquilo que tinham aprendido enquanto caminhavam atrás de Jesus? Como é que os discípulos poderiam manter uma ligação a Jesus e continuar a receber d’Ele a Vida de que necessitavam para continuar o caminho?

Nessa noite, Jesus conversou longamente com os discípulos e deu-lhes indicações para o caminho… Lembrou-lhes que deviam ser sempre uma comunidade de serviço (cf. Jo 13,3-17), recomendou-lhes que colocassem no centro de tudo o mandamento do amor (cf. Jo 13,33-35), deixou-lhes a promessa do Espírito (cf. Jo 14,15-6. 25-26; 15,26-27; 16,5-15), transmitiu-lhes a sua paz (cf. Jo 14,27-31), prometeu-lhes que nunca os abandonaria e que não os deixaria órfãos (cf. Jo 14,18-21), pediu-lhes que continuassem unidos a Ele (cf. Jo 15,1-8). Os gestos e as palavras de Jesus, nessa noite, foram o seu “testamento”. No Quarto Evangelho, o “discurso de despedida” de Jesus vai de 13,1 a 17,26.

O texto que a liturgia deste domingo nos propõe integra esse “discurso de despedida”. É designado como a “alegoria da videira e dos ramos”. Diz aos discípulos o que devem fazer para que, pelo tempo fora, se mantenham em comunhão com Jesus. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Jesus é “a verdadeira videira”; é n’Ele e nas suas propostas que os homens podem encontrar a Vida. Ele permanece sempre no centro, como nossa referência fundamental, como fonte inesgotável de Vida; e nós dispomo-nos à volta d’Ele, atentos à suas palavras, aos seus gestos, às suas indicações. À nossa volta ecoam, a cada instante, mil e uma outras propostas que nos oferecem acesso rápido ao sucesso, à realização, aos triunfos humanos, à concretização de todos os nossos sonhos e anseios… Mas, quase sempre, essas outras propostas deixam-nos frustrados e insatisfeitos: são efémeras e fúteis e não matam a nossa sede de Vida autêntica. O Evangelho deste domingo, através da alegoria da videira e dos ramos, garante-nos: na nossa busca de uma vida com sentido, é para Cristo que devemos olhar. Temos consciência de que é em Cristo que podemos encontrar uma proposta de Vida autêntica? Ele é, para nós, a verdadeira “árvore da Vida”, ou preferimos trilhar caminhos de autossuficiência e colocamos a nossa confiança e a nossa esperança noutras “árvores”, noutras propostas, noutras sugestões?
  • Hoje Jesus, “a verdadeira videira”, continua a oferecer ao mundo e aos homens os seus frutos; e fá-lo através dos seus discípulos. A missão da comunidade de Jesus é produzir esses mesmos frutos de justiça, de amor, de verdade, de paz, de reconciliação que Ele produzia quando andava pela Galileia a proclamar a Boa Nova do Reino e a curar os que sofriam. Jesus não criou um gueto fechado onde os seus discípulos podem viver tranquilamente sem “incomodarem” os outros homens e mulheres; mas criou uma comunidade viva e dinâmica, que tem como missão testemunhar em gestos concretos o amor e a salvação de Deus. Se ficamos indiferentes diante das injustiças, se não procuramos curar as feridas dos que sofrem, se não abraçamos aqueles que a sociedade abandonou e condenou, se não somos arautos da paz e da reconciliação, se não defendemos a verdade contra todas as formas de mentira e de manipulação, se não lutamos com todas as nossas forças para construir um mundo mais são e mais humano, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos confiou. A Vida de Jesus – essa Vida de que se alimentam os que estão unidos a Ele – transparece nos nossos gestos, nas nossas causas, nas nossas apostas, na nossa vida?
  • No entanto, o discípulo só pode produzir bons frutos se permanecer unido a Jesus. No dia do nosso Batismo, optámos por Jesus e assumimos o compromisso de O seguir no caminho do amor e da entrega; quando celebramos a Eucaristia, acolhemos e assimilamos a vida de Jesus – vida partilhada com os homens, feita entrega e doação total por amor, até à morte. O cristão identifica-se com Jesus, vive em comunhão com Ele, segue-O a cada instante. Nunca interrompe a sua ligação a Jesus. O cristão vive de Cristo, vive com Cristo e vive para Cristo. Reavivamos e alimentamos a cada passo a nossa união a Cristo através da escuta da Palavra, da oração, dos sacramentos?
  • A comunidade cristã é o lugar privilegiado para o encontro com Cristo, “a verdadeira videira” da qual somos os “ramos”. É no âmbito da comunidade que celebramos, experimentamos e acolhemos – no Batismo, na Eucaristia, na Reconciliação – a Vida nova que brota de Cristo. A comunidade cristã é o Corpo de Cristo; e um membro amputado do Corpo é um membro condenado à morte… Por vezes, a comunidade cristã, com as suas misérias, fragilidades e incompreensões, dececiona-nos e magoa-nos; por vezes sentimos que a comunidade segue caminhos onde não nos revemos… Sentimos, então, a tentação de nos afastarmos e de vivermos a nossa relação com Cristo à margem da comunidade. Contudo, não é possível continuar unido a Cristo e a receber vida de Cristo, em rutura com os nossos irmãos na fé. É a mesma Vida de Cristo que nos alimenta a todos e que nos une a todos. Como é que sentimos e vivemos a ligação à comunidade cristã de que fazemos parte?
  • O que é que pode interromper a nossa união com Cristo e tornar-nos ramos secos e estéreis? Tudo aquilo que nos impede de responder positivamente ao desafio de Jesus no sentido do O seguir provoca em nós esterilidade e privação de Vida: o egoísmo, a autossuficiência, o orgulho, a vaidade, a arrogância, a preguiça, o comodismo, a ganância, a instalação, o amor ao dinheiro ou aos aplausos… O que é que, na minha maneira de ser ou no meu estilo de vida constitui obstáculo para que eu permaneça unido a Jesus?
  • A escuta da Palavra de Deus tem um papel decisivo no processo (de conversão) destinado a eliminar tudo aquilo que impede a nossa união com Cristo. Precisamos de escutar a Palavra de Jesus, de a meditar, de confrontar a nossa vida com ela, de olhar para os desafios que ela nos deixa… Então, por contraste, vão tornar-se nítidas as nossas opções erradas, os valores falsos e essas mil e uma pequenas infidelidades que nos impedem de ter acesso pleno à Vida que Jesus oferece. Que espaço é que tem na minha vida a escuta da Palavra de Deus? Ela é, para mim, critério para afinar e redimensionar as minhas opções e apostas? in Dehonianos

Para os leitores:

            Na primeira leitura, é necessário ter em atenção o carácter descritivo do texto, esforçando-se para que a proclamação se torne fluída e evite a transmissão de um conjunto de informações telegráficas.

Na segunda leitura, o leitor deve ter presente o carácter exortativo do texto expresso nas formas verbais no imperativo, bem como o tom de esperança que permeia toda a leitura e deve estar presente na proclamação do texto.

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.

A VIDEIRA VERDADEIRA

Embora, neste espaço, não o possamos fazer sempre, é sempre oportuno visitar e revisitar o texto do Evangelho, vê-lo, lê-lo, acariciá-lo, saboreá-lo. Hoje, Domingo V da Páscoa, entramos por aí:

«Eu sou (Egô eimi) a videira (hê ámpelos), a verdadeira (hê alêthinê), e o meu Pai é o agricultor. Todo o ramo (tò klêma) em mim (en emoí) não dando fruto (mê phérô karpós), ele corta-o, e todo o que dá fruto, limpa-o, para que dê mais fruto. Vós já estais limpos pela palavra que vos falei (laléô). Permanecei (ménô) em mim, e eu em vós (en hymîn). Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós os ramos. Aquele que permanece em mim e eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim não podeis fazer nada. Se alguém não permanecer em mim, é lançado fora, como o ramo, e seca, e recolhem-nos, e lançam-nos no fogo, e arde. Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedi o que quiserdes, e ser-vos-á feito. Nisto é glorificado o meu Pai: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos» (João 15,1-8).

Servindo-se da estratégia da repetição, e articulando muito bem, numa rede finíssima, vocábulos e locuções, o Evangelho deste Domingo V da Páscoa (João 15,1-8) serve-nos a vida verdadeira, divina comunhão, que, do Pai, mediante o Filho, no Espírito, vem até nós, e nos é oferecida e dada. A rede terminológica é imponente: «permanecer» (7 vezes), «em mim» (6 vezes), «dar fruto» (6 vezes), «ramo» (4 vezes), «videira» (3 vezes).

O cenário do Evangelho do passado Domingo (João 10,11-18) era a Festa da Dedicação (hanûkkah), perfeitamente ajustada ao amor dedicado do Bom e Belo Pastor. O cenário do Evangelho de hoje (João 15,1-8) é a Festa da Páscoa (desde João 13,1-2), do Fruto novo a nós dado, da Vida nova a nós dada, da passagem de Jesus deste mundo para o Pai, do vinho novo do Reino a chegar. Aí está, portanto, em sintonia e em primeiro plano, «a videira, a verdadeira», que é Jesus (João 15,1). Note-se bem o adjetivo «verdadeira», com artigo (he alêthinê), colocado enfaticamente no final da afirmação inicial. Esta afirmação remete analepticamente para tantas passagens do Antigo Testamento que apresentavam Israel como a videira com carinho transplantada do Egito para a Terra Prometida, tratada sempre com amor, mas depois abandonada e queimada no fogo (Salmo 80,9-17), amada e cantada, mas depois entregue aos animais para que a devastassem (Isaías 5,1-7), guardada, regada, cuidada, mas depois pisada e queimada (Isaías 27,2-4; Jeremias 2,21; Ezequiel 19,10-14). Videira antiga, fracassada, que dá lugar à Videira nova, a verdadeira, que é Jesus. Salta à vista que a única solução para esta videira brava, que é Israel e que somos nós também, passa por uma enxertia em «a videira, a verdadeira», que é Jesus. E pela poda ou limpeza levada a cabo pela Palavra de Jesus (João 15,2-3).

A videira que era Israel produziu uvas azedas em vez de uvas boas e doces, porque abandonou o Deus verdadeiro, para ir atrás dos ídolos. Mas «a videira, a verdadeira», que é Jesus, está agora plantada no meio de nós. E nós podemos ser os seus ramos, enxertados nele, e dar assim uvas boas e doces, Bom e Belo fruto. Basta, para tanto, «permanecer» nele, que é «a videira, a verdadeira», e deixar a sua vida, a sua seiva, vivificar os ramos. Trata-se, para nós, de permanecer em Jesus, como ele permanece em nós (João 15,4), pois veio habitar em nós (João 14,23). Ele habita «em homem», em nós, pela sua incarnação; nós somos chamados a habitar nele.

Habitar nele é fazer dele a nossa casa, o nosso chão, a nossa porta, as nossas janelas, a nossa mesa, o lugar em que nos alimentamos, repousamos, amansamos, depois das nossas agitações complicadas, deceções, fracassos, lutas e incompreensões. O lugar onde nos reunimos, para repartir e saborear o pão e o vinho da alegria, para partir depois com nova alegria e energia ao encontro de mais irmãos. Boa Nova em movimento. Seara ondulante ao sabor do vento do Espírito.

É Jesus o único indispensável para que haja fruto: «Sem mim, nada podeis fazer» (João 15,5). É bom e belo que a Igreja inteira compreenda bem que a segurança, a paz e os frutos não nascem de técnicas cada vez mais apuradas nem de mecanismos político-económicos cada vez mais sofisticados, mas do seu abandono seguro na Palavra de Deus, aprendendo a viver, por assim dizer, «dentro da Palavra, para se deixar guardar e nutrir dela como de um ventre materno», belo dizer de S. João Paulo II, Pastores gregis [2003], n.º 15, retomado por Bento XVI, Verbum Domini [2010], n.º 79. Só assim, nutridos pela Palavra de Deus, pela vida de Deus, que corre na Videira e nos seus ramos, daremos fruto abundante, que é a missão missionária de que somos incumbidos. «Dar fruto» é uma locução que se repete por seis vezes no texto do Evangelho de hoje. Claramente para vincar a sua importância. Esta referência ao fruto só se encontra em mais duas circunstâncias do IV Evangelho, sempre com pendor missionário: João 4,36-38 e 12,24.

A lição do Livro do Atos dos Apóstolos, hoje recebida (9,26-31), e que nos faz bem saborear, aviva as tintas do retrato de família da Igreja primitiva, que vivia ao sabor da Palavra de Deus, da comunhão, da fração do pão e da oração, e que, não obstante os problemas, que sabia delicadamente resolver, «vivia em paz, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e crescia com a consolação do Espírito Santo» (9,31). Forte provocação para também nós, Igreja de hoje, tirarmos o nosso retrato de família, pondo os dois lado-a-lado, e retirarmos daí as lições que se impõem.

A Primeira Carta de S. João, no extrato hoje lido (3,18-24), volta a insistir, retomando a rede terminológica do Evangelho, na importância do mútuo permanecer: de nós em Deus, e de Deus em nós. São esta a fonte e o modo da verdadeira fecundidade do Evangelho. Não se trata de técnicas, mas de vida. E do manto de afeto de que se deve revestir qualquer verdadeira comunidade cristã: «Meus filhos», é assim, em acentuada toada familiar, que abre a lição de hoje.

Nem podia ser de outra maneira, pois nós sabemos bem que «o seu jugo é suave e a sua carga é leve» (Mateus 11,30). Se nos parecer pesada, então é porque lhe estamos a pegar mal! Reflitamos e rezemos, pois, para podermos entender ainda melhor esta melodia de «a videira, a verdadeira», os ramos sadios e viçosos, a Casa onde moramos, a Mesa onde comemos, as uvas Boas e Belas carregadas de Alegria. E, em confronto, também se entende melhor a secura, os ramos secos, a vinha abandonada, a vida ao abandono.

António Couto

ANEXOS:

  1. Leitura I do Domingo V do Tempo da Páscoa – Ano B – 28.04.2024 (Act 9, 26-31)
  2. Leitura II do Domingo V do Tempo da Páscoa – Ano B – 28.04.2024 (1 Jo 3, 18-24)
  3. Domingo V do Tempo da Páscoa – Ano B – 28.04.2024 – Lecionário
  4. Domingo V do Tempo da Páscoa – Ano B – 28.04.2024 – Oração Universal
  5. Uma reflexão sobre a transmissão online da Missa
  6. ANO B – O ano do evangelista Marcos