Domingo V da Quaresma – Ano A – 26.03.2023

25Disse-lhe Jesus: «Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. 26E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre. Crês nisto?» Jo 11, 25-26

Viver a Palavra

A Liturgia da Palavra deste quinto Domingo da Quaresma apresenta-nos um quadro raro da narrativa evangélica: Jesus chora. Nos evangelhos, encontramos apenas dois momentos em que Jesus chora: a morte do seu amigo Lázaro (Jo 11,35) e sobre a cidade de Jerusalém (Lc 19,41).

Diante do túmulo de Lázaro, Jesus chorou, levando os presentes a afirmar: «vede como era seu amigo». As Suas lágrimas, junto ao túmulo de Lázaro e sobre a cidade de Jerusalém são sinal do amor que sente pela humanidade. Jesus ama-nos e não quer que nenhum se perca, por isso, veio ao nosso encontro, assumiu a nossa humanidade, desceu às águas do Jordão para ser batizado, acolheu com ternura e misericórdia os doentes e os marginalizados, foi ao encontro dos pecadores e rejeitados e levou esse amor às últimas consequências abraçando a cruz e abrindo para nós as portas da ressurreição e da vida nova.

Jesus chora e ensina-nos a arte da compaixão. As lágrimas não são sinal de desespero ou de incapacidade de reagir diante do mal e do sofrimento, mas sinal de amor e compaixão diante das situações dramáticas da história. Jesus chora, mas não se detém no choro e no lamento. Dirige-se ao túmulo, pede que removam a pedra, dá graças ao Pai e brada com voz forte para que Lázaro saia do túmulo.

Diante das situações de dor e sofrimento pessoais e alheias não devemos ficar presos às nossas lágrimas e lamentos. Choramos e compadecemo-nos, mas devemos assumir uma atitude proactiva, capaz de responder com ousadia e coragem aos desafios que se colocam diante de nós. A misericórdia e a compaixão despertam o nosso coração e as nossas emoções, mas devem despertar também a nossa vida e a nossa ação. Com Jesus e como Jesus, acreditamos que o Pai nos escuta e, por isso, partimos na aventura do amor, na certeza de que as nossas ações unidas à sua graça podem realizar maravilhas no aqui e agora do tempo e da história.

Contudo, diante de nós coloca-se o grande desafio da fé que nos convida a depositar toda a nossa esperança em Jesus Cristo e no Seu amor. Como naquele dia a Marta, Jesus pergunta a cada um de nós: «acreditas nisto?». Acreditas que comigo os impossíveis se podem tornar possíveis? Acreditas que a fé abre diante de nós um caminho de esperança que vai muito para lá dos limites do visível e do palpável? Acreditas que quem caminha com Jesus recebe um modo novo de olhar o tempo e a história?

Como nos recorda S. Paulo, batizados em Cristo somos já herdeiros da vida nova que brota da Páscoa do Senhor e habitados pelo Espírito Santo somos chamados a semear no aqui e agora do tempo e da história a certeza de que os sofrimentos e incertezas do tempo presente se hão-de abrir à plenitude do amor e da graça que brotam do coração de Deus. in Voz Portucalense

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No dia 25 de março a Igreja celebra a Solenidade da Anunciação do Senhor. Neste dia, recordamos o anúncio do Arcanjo Gabriel a Maria, comunicando-lhe o desígnio do Pai de que Ela foi escolhida para acolher no Seu seio virginal o Salvador do Mundo. Apesar de não nos podermos reunir como comunidade cristã para celebrar esta solenidade, somos convidados a celebrar este dia e a meditar no mistério de amor que esta solenidade encerra: o nosso Deus não é indiferente às nossas dores e sofrimentos, mas compadecido da nossa frágil humanidade vem ao nosso encontro e em Jesus Cristo faz-se homem no seio de Maria. A recitação dos mistérios gozosos do Rosário, a Liturgia das Horas ou a meditação dos textos litúrgicos desta solenidade são algumas das formas com que podemos viver este dia. in Voz Portucalense

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Percorremos liturgicamente a Quaresma até à Páscoa. São 40 dias que querem significar “mudança”. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.

E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

                                                                                             

                                                                                               

LEITURA I – Ez 37,12-14

«Infundirei em vós o meu espírito e revivereis».

 

Ambiente

Ezequiel é chamado “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilónia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquin, quando Nabucodonosor conquista, pela primeira vez, Jerusalém e deporta para a Babilónia um primeiro grupo de jerusalimitanos), Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.

A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (altura em que sentiu o chamamento de Deus) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados é encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar em breve a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilónia.

A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C., até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, sem Templo, sem sacerdócio e sem culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus libertador e salvador não os abandonou.

O texto que nos é proposto como primeira leitura pertence à segunda fase. Faz parte da famosa “visão dos ossos calcinados” (cf. Ez 37). Ezequiel descreve a visão de uma planície cheia de ossos calcinados e sem vida; mas, na visão do profeta, o Espírito do Senhor sopra sobre os ossos calcinados e eles são revestidos de pele, de músculos e ganham vida. Nesta parábola, os ossos calcinados representam o Povo de Deus, que jaz abandonado, sem esperança e sem futuro, no meio da planície mesopotâmica. in Dehonianos.

 

Refletir as seguintes questões:

Na nossa existência pessoal passamos, muitas vezes, por situações de desespero, em que tudo parece perder o sentido. A morte de alguém querido, o desmoronar dos laços familiares, a traição de um amigo ou de alguém a quem amamos, a perda do emprego, a solidão, a falta de objectivos lançam-nos muitas vezes num vazio do qual não conseguimos facilmente sair. A Palavra de Deus garante-nos: não estamos perdidos e abandonados à nossa miséria e finitude… Deus caminha ao nosso lado; em cada instante Ele lá está, tirando vida da morte, “escrevendo direito por linhas tortas”, dando-nos a coragem de “sair do sepulcro” e avançar mais um passo ao encontro da vida plena.

Mais: Deus recria-nos, cada dia, oferecendo-nos o Espírito transformador e renovador, que elimina dos nossos corações o orgulho e o egoísmo (afinal, os grandes responsáveis pelo sofrimento, pela injustiça
, pela violência) e transformando-nos em pessoas novas, com um coração sensível ao amor e às necessidades dos outros.

Ver os telejornais ou ler os jornais é – mais do que nos mantermos a par dos passos que o mundo vai dando – um autêntico exercício de masoquismo: parece que só há dramas, sofrimentos, injustiças e violências, como se o mundo fosse um imenso campo de morte. No entanto, nós os crentes sabemos que, apesar do sofrimento que faz parte da condição de fragilidade em que vivemos, Deus está presente na história humana, criando vida e oferecendo a esperança aos homens nesses mil e um gestos de bondade, de ternura e de amor que acontecem a cada instante (e que não chegam aos jornais ou às objetivas da televisão porque “não vendem” e, por isso, não são notícia). A Palavra Deus que hoje nos é proposta sugere que o crente – pelo simples facto de acreditar em Deus – deve ser um arauto da esperança.

É sempre Deus – e só Deus – que oferece aos homens a vida e a esperança… No entanto, Deus age no mundo através de homens – como Ezequiel – que distribuem a vida nova de Deus, com palavras e com gestos. Já pensei que Deus me chama a ser uma luz de esperança no mundo? Tenho consciência de que é através dos meus gestos e das minhas palavras que Deus oferece a sua vida aos homens meus irmãos? in Dehonianos

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 129 (130)

Refrão: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.

LEITURA II – Rom 8,8-11

«Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós».

Ambiente

Já dissemos, noutras circunstâncias, que a Carta aos Romanos é um texto sereno e didático, no qual Paulo faz uma espécie de resumo do seu pensamento teológico e expõe a sua conceção daquilo que é essencial na mensagem cristã. Numa época (anos 57/58) em que existem problemas graves de entendimento e de perspetiva entre os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do paganismo, Paulo sublinha a unidade da revelação e da história da salvação: Deus tem um projeto de salvação e de vida plena, que se destina a todos os homens, sem exceção.

Depois de provar que todos os homens (judeus e pagãos) vivem no domínio do pecado (cf. Rom 1,18-3,20), mas que a “justiça de Deus” oferece a vida a todos, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo mostra como é que, através de Jesus Cristo, essa vida se comunica ao homem (cf. Rom 5,12-8,39).
Indo mais ao pormenor: como é, então, que a vida de Deus se comunica ao homem? Paulo desenvolve o seu pensamento de acordo com a seguinte sequência: a obediência de Cristo ao plano do Pai fez com que a graça da salvação fosse oferecida a todos os homens (cf. Rom 5,12-20); acolhendo essa graça e aceitando receber o Batismo, os homens tornam-se todos participantes do dom de Deus (cf. Rom 6,1-23); a adesão a Cristo faz os homens livres das cadeias do egoísmo e do pecado e transforma-os em homens novos (cf. Rom 7,1-25); e é o Espírito (dado ao crente no batismo) que potencia essa vida nova (cf. Rom 8,1-39).in Dehonianos.

Para a reflexão, considerar os seguintes dados:

Na verdade, no dia do meu Batismo, eu escolhi a vida “segundo o Espírito” (provavelmente, fui batizado muito pequenino, numa altura em que não tinha consciência plena do que isso significava; mas, mais tarde, tive a oportunidade – em vários momentos da minha caminhada cristã – de validar e confirmar essa opção inicial). A minha vida tem sido coerente com essa opção? A minha vida tem-se desenrolado à margem de Deus e das suas propostas (“vida segundo a carne”) ou na escuta atenta e consequente dos projetos de Deus (“vida segundo o Espírito”)?

O batizado é alguém que escolheu identificar-se com Cristo – isto é, alguém que escolheu viver na obediência aos planos do Pai e no dom da vida em favor dos irmãos. O exemplo de Cristo garante-me: uma vida gasta desse jeito não termina no fracasso, mas na vida definitiva, na felicidade total. A realização plena do homem não está nos valores efémeros (muitas vezes propostos como os valores mais fundamentais), mas no amor e no dom da vida. É daí que brota a ressurreição. in Dehonianos

 

EVANGELHO – Jo 11,1-45

«Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá».

«Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá. Acreditas nisto?».

 

Ambiente

O Evangelho segundo João procura apresentar Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. No “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora e vivificadora do Messias. O texto que hoje nos é proposto é, exatamente, a quinta catequese (a da vida) do “Livro dos Sinais”. Trata-se de uma narração única, que não tem paralelo nos outros três Evangelhos.

A cena situa-nos em Betânia, uma aldeia a Este do monte das Oliveiras, a cerca de três quilómetros de Jerusalém. O autor da catequese coloca-nos diante de um episódio – um triste episódio – familiar: a morte de um homem. A família mencionada, constituída por três pessoas (Marta, Maria e Lázaro), parece conhecida de Jesus: no vers. 5, diz-se que Jesus amava Marta, a sua irmã Maria e Lázaro. A visita de Jesus a casa desta família é, aliás, mencionada em Lc 10,38-42; e João tem o cuidado de observar que a Maria, aqui referenciada, é a mesma que tinha ungido o Senhor com perfume e lhe tinha enxugado os pés com os cabelos (vers. 2, cf. Jo 12,1-8). in Dehonianos.

A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:

A questão principal do Evangelho deste domingo – e que é uma questão determinante para a nossa existência de crentes – é a afirmação de que não há morte para os “amigos” de Jesus – isto é, para aqueles que acolhem a sua proposta e que aceitam fazer da sua vida uma entrega ao Pai e um dom aos irmãos. Os “amigos” de Jesus experimentam a morte física; mas essa morte não é destruição e aniquilação: é, apenas, a passagem para a vida definitiva. Mesmo que estejam privados da vida biológica, não estão mortos: encontraram a vida plena, junto de Deus. A história de Lázaro pretende representar essa realidade.

No dia do nosso batismo, escolhemos essa vida plena e definitiva que Jesus oferece aos seus e que lhes garante a eternidade. A nossa vida tem sido coerente com essa opção? A nossa existência tem sido uma existência egoísta e fechada, que termina na morte, ou tem sido uma existência de amor, de partilha, de dom da vida, que aponta para a realização plena do homem e para a vida eterna?

Ao longo da nossa existência nesta terra, convivemos com situações em que somos tocados pela morte física daqueles a quem amamos…. É natural que fiquemos tristes pela sua partida e por eles deixarem de estar fisicamente presentes a nosso lado. A nossa fé convida-nos, no entanto, a ter a certeza de que os “amigos” não são aniquilados: apenas encontraram essa vida definitiva, longe da debilidade e da finitude humanas.

Diante da certeza que a fé nos dá, somos convidados a viver a vida sem medo. O medo da morte como aniquilamento total torna o homem cauteloso e impotente face à opressão e ao poder dos opressores; mas libertando-nos do medo da morte, Jesus torna-nos livres e capacita-nos para gastar a vida ao serviço dos irmãos, lutando generosamente contra tudo aquilo que oprime e que rouba ao homem a vida plena. in Dehonianos

 

Para os leitores:

             A brevidade da primeira leitura não deve permitir descurar a sua preparação. Deus dirige-se ao Seu povo e a proclamação desta leitura deve ter isso em conta. Além disso, pede-se atenção à repetição do vocativo «ó meu povo».

A segunda leitura exige uma acurada preparação tendo em conta as pausas e respirações. É necessário ter em atenção as frases longas, com diversas orações, bem como as diversas frases condicionais.

 

(ver anexo)

II Leitura:

(ver anexo)

Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.

 

VIDA DADA EM ABUNDÂNCIA

A «caminhada» quaresmal aproxima-se da sua meta e do seu verdadeiro ponto de partida: a Cruz Gloriosa onde resplandece para sempre o Rosto do imenso, indizível amor de Deus. Nesta altura do percurso (supõe-se que encetámos uma subida espiritual: entenda-se no Espírito Santo e com o Espírito Santo), batizados e catecúmenos devem estar já a ser iluminados por essa luz, a ponto de se desfazerem das «obras das trevas» e de abraçarem as «obras da Luz», como verdadeiros discípulos que seguem o Mestre até ao fim, que é também o princípio, a Fonte da Vida verdadeira donde jorra o Espírito Santo (sempre Atos 2,32-33; João 19,30.34; 7,38-39). Os catecúmenos têm neste Domingo V da Quaresma – Domingo da dádiva da Ressurreição – os seus terceiros «escrutínios»: última «chamada» para a Liberdade antes da Noite Pascal Batismal.

A Ressurreição de Lázaro (João 11,1-45) constitui o sexto dos sete «sinais» do Mistério de Cristo segundo o Evangelho de João. Depois das bodas de Caná (João 2,1-12) (1.º), da cura do filho do oficial em Cafarnaum (João 4,46b-54) (2.º), da cura do paralítico na «piscina probática» (João 5,1-47) (3.º), da multiplicação dos pães e dos peixes (João 6,1-14) (4.º), da Iluminação da cego de nascença (João 9,1-41) (5.º), e antes do Sétimo Grande Último Primeiro «Sinal» que é a própria Ressurreição do Senhor, «o Sinal da Santa Cruz», decifrado pelo Espírito Santo, com que todos fomos (somos) marcados para sempre (Efésios 1,13; 4,30).

Em boa verdade, o episódio da morte / ressurreição de Lázaro remete de forma clara para a Morte / Ressurreição do Senhor. O tempo que marca a narrativa não é o tempo de Lázaro (da sua doença, da sua morte, do seu sepultamento), mas é o tempo (a hora) de Jesus, o Filho de Deus, Aquele-que-Vem sempre, passageiro total, pascal. Por isso, quando recebe a notícia da doença do amigo, Jesus deixa passar propositadamente dois dias (João 11,6), e é ao terceiro dia que se encaminha para a Judeia (João 11,7), e é ao terceiro dia que chama Lázaro da morte (João 11,43). Pouco importa que para Lázaro seja já o quarto dia! (João 11,17 e 39). Verdadeiramente importante é a hora-que-vem (!), agora, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus (João 5,25 e 28), Aquele-que-dá-a-vida (João 5,21; 1 Coríntios 15,45), esplendoroso Rio de Luz e de Sentido a inundar a terra inteira, enchendo-a de Vida e de Saúde (Ezequiel 47,1-12; Apocalipse 22,1-2). Verdadeiramente importante é este terceiro dia em que o Filho de Deus é glorificado (João 11,4), e suscita a fé de todos os intervenientes na cena: dos discípulos (João 11,15), de Marta (João 11,27), de Maria (João 11,29.32), da multidão (João 11,42), de muitos judeus (João 11,45).

Marta permanece ligada à corrente de uma teologia tradicional: «Eu sei (oìda) que ressuscitará na ressurreição no último dia» (João 11,24), e não deixa entrar em si a torrente da novidade enunciada por Jesus, que é Jesus: «Eu Sou (egô eimi) a ressurreição e a vida» (João 11,25). E, quando Jesus dá ordens para retirar (árate: imperativo aor. de aírô) a pedra (João 11,39), Marta avança logo a inutilidade, mesmo o desconforto, o mau cheiro, de uma tal ação, dado que já lá vão quatro dias desde que Lázaro morreu (João 11,39). O certo é que, por ordem de Jesus, mãos humanas retiraram (êran: aoristo de aírô) a pedra (João 11,41), e, mediante nova ordem de Jesus, Lázaro sai ligado com as faixas e o rosto envolto num sudário (João 11,44). É preciso ainda uma nova ordem de Jesus, para que Lázaro seja libertado das faixas que o prendem na morte e do sudário da morte que lhe tapa o rosto (João 11,44).

Como tudo isto aponta, em contraponto, para a ressurreição de Jesus. Aqui, no caso de Lázaro, a pedra é mandada retirar (árate) e é por mãos humanas por algum tempo retirada (êran). O verbo aírô [= retirar] aparece nos dois casos na forma ativa e no tempo aoristo, que traduz uma ação no tempo. Entenda-se: por mãos humanas e por algum tempo. Mas, para o leitor competente, esta ação remete já para o cenário da Ressurreição de Jesus. E quando se tratar do túmulo de Jesus, o leitor competente não pode deixar de notar que a pedra se apresenta retirada (êrménon: part. perf. passivo), na forma passiva e no tempo perfeito (João 20,1). Entenda-se: por Deus e para sempre! É o inefável que se abre diante dos nossos olhos! E também as faixas não prendem, e o sudário não encobre! As faixas estão no chão, e o sudário cuidadosamente enrolado em um lugar (João 20,6-7). Tudo está feito, e bem feito. Nenhuma ação de libertação é necessária, como o foi em João 11,44).

Significativamente estes discípulos de Jesus ficam confusos com o sono-morte de Lázaro (João 11,11-13) – a morte confunde-nos a todos (!) – mas compreendem perfeitamente que a ida de Jesus para a Judeia é a sua entrega à Morte (João 11,8), e vislumbram até o significado Batismal dessa Morte, uma vez que manifestam o desejo de morrer com Ele (João 11,16), isto é, querem Viver aquela Morte! Como bons catecúmenos que seguiram fielmente o Mestre, aprenderam já que a Vida verdadeira brota daquela Morte na qual verdadeiramente somos batizados (Romanos 6,3-4), com-mortos, com-sepultados, com-ressuscitados, com-vivificados, com-sentados na Glória! (Efésios 2,5-6; Colossenses 2,12-13). Sentada estava Maria (João 11,20), figura do discípulo (Lucas 10,39); mas quando lhe é dito ao ouvido que o Senhor a chama (João 11,28), levantou-se (êgérthê: verbo técnico da Ressurreição: Lucas 24,34; 1 Coríntios 15,4) de imediato e foi ao seu encontro (João 11,29).

Belo, belo, belo este Jesus que vem ao nosso encontro, que sente as nossas dores e chora connosco e também por nós (notem-se as três menções do verbo «chorar», duas por parte de Maria (cf. 11,31-32, e uma por parte dos judeus (cf. 11,33). O verbo empregado é, nos três casos, klaíô. No mesmo contexto, é dito também que Jesus se comove connosco (cf. 11,33) e que também chora (cf. 11,35). Ao constatarmos que Jesus chora, fácil se torna perceber que Jesus chora connosco, misturando as suas lágrimas com as nossas nesta situação dolorosa. Mas é preciso notar ainda que o narrador põe Jesus a «chorar» com um verbo diferente do que usou para nós nas três vezes anteriores. Jesus chora com o verbo dakrýô. Com este procedimento, talvez o narrador nos queira dizer que, além de chorar connosco, Jesus também chora por nós, ao ver a nossa incredulidade. É só o 3.º Dia dele e a voz dele, daquele que nos ama e nos chama sempre, inclusive dos vales onde vamos caindo mortos, que nos salva. Ele é a Vida. Ainda hoje, em Betânia, atual al-Azariye, aldeiazinha situada na colina oriental que desce do monte das Oliveiras, a cerca de três km de Jerusalém, se pode visitar, descendo 24 degraus, o túmulo que a tradição popular atribui a Lázaro. Ao lado está a igreja franciscana, dita «da amizade», levantada pelo famoso arquiteto Barluzzi, em 1952-1953.

O imenso texto de Ezequiel 37,12-14 é uma belíssima metáfora plantada no meio da Escritura, uma lampadazinha (2 Pedro 1,19) que aponta já para a Luz nova e grande de Jesus. A metáfora mostra-nos que os exilados na Babilónia são como ossos ressequidos e sem nenhuma esperança. Eles estão na morte e na humilhação. O seu discurso não deixa dúvidas: «Os nossos ossos estão secos; a nossa esperança está desfeita; para nós está tudo acabado» (Ezequiel 37,11). Mas a Palavra de Deus manda também na morte. Apontando para o Novo Testamento, Deus chama os mortos dos seus túmulos, e fá-los reviver. Jesus que passa no Evangelho de Hoje «grita com voz forte» (João 11,43), e Lázaro, morto, saiu do túmulo.

Paulo não se cansa de nos lembrar a vida nova que habita os filhos de Deus (Romanos 8,8-11). «Viver em Cristo» ou «no Espírito» são fórmulas batismais intensas que indicam a vida nova do batizado: com o dom da Iluminação, marcado pelo Espírito até à Vida eterna. Mas agora é tempo de passar, como Jesus, ao estilo de Jesus, dando um testemunho credível da nossa condição nova de filhos de Deus, deixando o fruto do Espírito iluminar a nossa vida. E «o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gálatas 5,22-23).

Sim, o Salmo 130 é um grito desde o abismo profundo em que jazemos atolados. São apenas 52 palavras hebraicas que atiramos a Deus, Senhor do Amor fiel (hesed) da Redenção (pedût). Cada orante que grita este Salmo sabe em que grau ou degrau de profundidade está. Sim, este é um dos 15 Salmos graduais ou das subidas ou das peregrinações (120-134). É uma voz que se levanta e sobe até àquele Senhor que não desprezou as nossas profundezas, mas até elas desceu, e até elas desce, para nos ajudar a subir!

Concede-nos, Senhor Jesus,
Que neste tempo de dor e desalento,
Nos refugiemos aqui,
Nos ajoelhemos aqui,
Ao pé da tua Cruz,
À espera de encontrar algum alento.

Daqui, de ao pé da tua Cruz de Luz,
Sem dúvida o lugar mais alto do mundo,
Mais alto e mais profundo,
Vê-se bem, com toda a claridade,
Que a lonjura do tempo não é horizontal.
Eleva-se em altura.
Como a tua túnica tecida de Alto-a-baixo,
Vertical,
E sem costura.

Tu vens do Alto, Senhor.
Tu vens de Deus.
Tu és Deus.
Tu és o Justo
Que chove das alturas
Sobre a nossa humanidade sedenta e às escuras.

Vem, Senhor Jesus,
Alumia e rega a nossa terra dura,
Acaricia o nosso humilde chão,
Limpa as nossas lágrimas,
E modela com as tuas mãos de amor
Em cada um de nós
Um novo coração,
Capaz de ver,
Desde al-Azariye,
A alegria do teu terceiro dia
E a força nova

Da tua Ressurreição.

D. António Couto

ANEXOS:

  1. Leitura I do V Domingo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 (Ez 37, 12-14)
  2. Leitura II do V Domingo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 (Rom 8, 8-11)
  3. Domingo V do Tempo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 – Lecionário
  4. Domingo V do Tempo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 – Oração Universal
  5. ANO A – O ano do evangelista Mateus