Liturgia da Palavra
Ascensão do Senhor – Ano A – 21.05.2023
Viver a Palavra
O ser humano é por natureza curioso. Gosta de saber e conhecer o mundo e a realidade à sua volta. Esta ânsia de saber mais possui também muitas vezes o desejo de conhecer o futuro, de saber como se desenvolverão os acontecimentos do mundo e as suas vicissitudes, como será a nossa vida e até a vida dos outros. Alguns até procuram os caminhos do esoterismo para satisfazer essa necessidade de saber aquilo que está para vir. Em momentos difíceis e exigentes da história, pensamos como seria útil saber o que estava para vir e em algumas decisões difíceis de tomar, como seria bom saber um pouco mais do que nos espera. Contudo, respondendo àqueles que lhe perguntavam se estava prestes a restauração do Reino de Israel, Jesus adverte os Seus discípulos e neles dirige-se a cada um de nós: «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade».
Deus Pai é Criador e Senhor de todas as coisas. Criou com amor e para a liberdade. Não é um programador do universo que o determinou com coordenadas precisas para que tudo decorra deterministicamente tal como Ele projetou. É o Deus da liberdade que tem um desígnio de amor: um projeto de realização e felicidade para o mundo e para cada homem e cada mulher. Mas um projeto que respeita a nossa liberdade e se constrói numa relação dialógica de um Deus que ama, chama e convoca para a missão e pacientemente espera a nossa resposta frágil e limitada. Por isso, somos colaboradores da construção da civilização do amor e protagonistas responsáveis da instauração do Reino de Deus no mundo. Não nos compete saber os tempos ou momentos que o Pai determinou com a Sua autoridade, mas acolher a Sua Palavra, seguir as Suas instruções, depositar Nele a nossa vida e as nossas esperanças e confiar que com Ele o caminho ganha um sentido absolutamente novo.
Desconhecer o futuro, aquilo que poderá acontecer no amanhã das nossas vidas, poderia ser angustiante pelo medo ou incerteza. Contudo, somos portadores da mais bela e boa notícia: «Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos». Jesus Ressuscitado, enviando os seus discípulos em missão, garante-lhes a Sua presença terna e amorosa. Diante das alegrias e conquistas, das dificuldades e vicissitudes que são próprias da existência humana e da missão que nos é confiada, levamos connosco a mais bela certeza: Ele está connosco, Ele caminha connosco, Ele precede-nos, acompanha-nos e aponta-nos o caminho. Prefiro desconhecer o futuro e a sucessão dos acontecimentos da história que estão para vir e poder contar com a presença amorosa do Pai, que em Jesus Cristo e na força do Espírito Santo se faz presente na minha vida.
Jesus sobe ao Céu, mas não nos abandona. Por isso, fazemos festa e celebramos a Ascensão do Senhor. Não é a festa da partida de Jesus, mas a celebração de uma presença absolutamente nova na força do Espírito Santo, que Ele tinha prometido aos seus discípulos. Se percorrendo os caminhos da Judeia e da Galileia Jesus se encontrou com tantos homens e mulheres e a todos anunciou o amor do Pai, agora, ressuscitado e na força do Espírito Santo sobe ao Céu e está connosco em qualquer tempo e lugar, renovando no nosso coração a certeza de que fomos sonhados e pensados para o Reino de Deus, para a vida nova e eterna que só Ele nos pode oferecer.
Mas a Sua obra de amor tem de continuar: «Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo». Jesus conta connosco para que o Reino de Deus se continue a fazer presente no mundo. Somos os braços que devem continuar a abraçar e a consolar, os lábios que devem continuar a anunciar a Boa Nova da paz e da esperança, as vidas que devem fazer ecoar no tempo e na história as maravilhas do amor de Deus. A Ascensão do Senhor não nos pode deixar imóveis e de olhar fito no Céu, mas envia-nos em missão e faz de nós discípulos missionários, suas «testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria, e até aos confins da terra». in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
De 14 a 21 de maio decorre a Semana da Vida, este ano com o tema: «Levanta-te! A tua vida é um dom». Os diversos recursos preparados pela Comissão Episcopal Laicado e Família através do Departamento Nacional da Pastoral Familiar estão disponíveis na internet (https://dnpf.pt/semana-da-vida/). São propostos diferentes recursos – meditações para o terço, esquema para a adoração eucarística, jogos e dinâmicas em família, cartazes diários – que podem servir como ponto de partida e inspiração para a dinamização comunitária desta semana. No atual contexto social e cultural é urgente e necessário ser testemunhas de uma cultura da vida que valoriza e defende a dignidade da vida humana desde a sua conceção até à sua morte natural
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No dia 21 de maio, Domingo da Ascensão do Senhor, a Igreja celebra o 57.º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Para este ano, o Papa Francisco escreveu uma mensagem intitulada: «Falar com o coração. “Testemunhando a verdade no amor” (Ef 4, 15)». A comunicação é inerente ao homem, enquanto ser em relação, contudo, alguns dedicam a sua vida ao serviço da comunicação e devem ser promotores de uma cultura de diálogo e de verdade. Que este Domingo das comunicações sociais seja uma oportunidade para valorizar o trabalho daqueles que se dedicam à comunicação dentro e fora da Igreja e, sobretudo, ao serviço do mundo na Igreja. Fica, em anexo, a mensagem do Papa Francisco para este 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais. Vale a pena ser lida.
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Estamos em Tempo Pascal. Percorremos os 50 dias até ao Pentecostes. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Actos 1,1-11
«Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria, e até aos confins da terra».
Ambiente
O livro dos “Atos dos Apóstolos” dirige-se a comunidades que vivem num certo contexto de crise. Estamos na década de 80, cerca de cinquenta anos após a morte de Jesus. Passou já a fase da expectativa pela vinda iminente do Cristo glorioso para instaurar o “Reino” e há uma certa desilusão. As questões doutrinais trazem alguma confusão; a monotonia favorece uma vida cristã pouco comprometida e as comunidades instalam-se na mediocridade; falta o entusiasmo e o empenho… O quadro geral é o de um certo sentimento de frustração, porque o mundo continua igual e a esperada intervenção vitoriosa de Deus continua adiada. Quando vai concretizar-se, de forma plena e inequívoca, o projeto salvador de Deus?
É neste ambiente que podemos inserir o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura. Nele, o catequista Lucas avisa que o projeto de salvação e de libertação que Jesus veio apresentar passou (após a ida de Jesus para junto do Pai) para as mãos da Igreja, animada pelo Espírito. A construção do “Reino” é uma tarefa que não está terminada, mas que é preciso concretizar na história e exige o empenho contínuo de todos os crentes. Os cristãos são convidados a redescobrir o seu papel, no sentido de testemunhar o projeto de Deus, na fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu. in Dehonianos.
Ter em conta, para a reflexão e atualização, os seguintes elementos:
A ressurreição/ascensão de Jesus garante-nos, antes de mais, que uma vida, vivida na fidelidade aos projetos do Pai, é uma vida destinada à glorificação, à comunhão definitiva com Deus. Quem percorre o mesmo “caminho” de Jesus subirá, como Ele, à vida plena.
A ascensão de Jesus recorda-nos, sobretudo, que Ele foi elevado para junto do Pai e nos encarregou de continuar a tornar realidade o seu projeto libertador no meio dos homens nossos irmãos. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus, ao deixar este mundo, lhe confiou?
O nosso testemunho tem transformado e libertado a realidade que nos rodeia? Qual o real impacto desse testemunho na nossa família, no local onde desenvolvemos a nossa atividade profissional, na nossa comunidade cristã ou religiosa?
É relativamente frequente ouvirmos dizer que os seguidores de Jesus gostam mais de olhar para o céu do que comprometerem-se na transformação da terra. Estamos, efetivamente, atentos aos problemas e às angústias dos homens, ou vivemos de olhos postos no céu, num espiritualismo alienado? Sentimo-nos questionados pelas inquietações, pelas misérias, pelos sofrimentos, pelos sonhos, pelas esperanças que enchem o coração dos que nos rodeiam? Sentimo-nos solidários com todos os homens, particularmente com aqueles que sofrem? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 46 (47)
Refrão: Ergue-Se Deus, o Senhor, em júbilo e ao som da trombeta
LEITURA II – Ef 1,17-23
«Colocou à sua direita nos Céus, acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania».
Ambiente
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns veem nesta Carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que a missão do apóstolo está praticamente terminada no oriente.
Em concreto, o texto que nos é proposto aparece na primeira parte da Carta e faz parte de uma ação de graças, na qual Paulo agradece a Deus pela fé dos Efésios e pela caridade que eles manifestam para com todos os irmãos na fé. in Dehonianos.
Ter em conta, na reflexão, as seguintes linhas:
Na nossa peregrinação pelo mundo, convém termos sempre presente “a esperança a que fomos chamados”. A ressurreição/ascensão/glorificação de Jesus é a garantia da nossa própria ressurreição/ glorificação. Formamos com Ele um “corpo” destinado à vida plena. Esta perspetiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar – apesar das dificuldades – nesse “caminho” do amor e da entrega total que Cristo percorreu.
Dizer que fazemos parte do “corpo de Cristo” significa que devemos viver numa comunhão total com Ele e que nessa comunhão recebemos, a cada instante, a vida que nos alimenta. Significa, também, viver em comunhão, em solidariedade total com todos os nossos irmãos, membros do mesmo “corpo”, alimentados pela mesma vida. Estas duas coordenadas estão presentes na nossa existência?
Dizer que a Igreja é o “pleroma” de Cristo significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l’O presente no mundo, de levar à plenitude a projeto de libertação que Ele começou em favor dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela ação dos crentes, Cristo for “um em todos”.in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 28,16-20
«Quando O viram, adoraram-n’O; mas alguns ainda duvidaram.».
«Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos»».
Ambiente
O texto situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio – cf. Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus – pouco antes de ser preso – havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (cf. Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (cf. Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (cf. Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.
A Galileia – região setentrional da Palestina – era uma região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivado. A sua situação geográfica fazia desta região o ponto de encontro de muitos povos; por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. A coabitação de populações pagãs e judias fazia, certamente, com que os judeus da Galileia vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judeia: a presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contacto com os não judeus. No entanto, isto fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e considerassem que da Galileia “não podia sair nada de bom”.
No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi, também, na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do “Reino” e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (cf. Mt 4,12-22). Para Mateus, esse facto sugere que o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos.
Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos num “monte que Jesus lhes indicara”. Trata-se, no entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus ligue com a montanha da tentação (cf. Mt 4,8) e com a montanha da transfiguração (cf. Mt 17,1). De qualquer forma, o “monte” é sempre, no Antigo Testamento, o lugar onde Deus se revela aos homens.in Dehonianos.
Na reflexão, considerar os seguintes elementos:
Jesus foi ao encontro do Pai, depois de uma vida gasta ao serviço do “Reino”; deixou aos seus discípulos a missão de anunciar o “Reino” e de torná-lo uma proposta capaz de renovar e de transformar o mundo. Celebrar a ascensão de Jesus significa, antes de mais, tomar consciência da missão que foi confiada aos discípulos e sentir-se responsável pela presença do “Reino” na vida dos homens. Estou consciente de que a Igreja – a comunidade dos discípulos de Jesus, a que eu também pertenço – é, hoje, a presença libertadora e salvadora de Jesus no meio dos homens? Como é que eu procuro testemunhar o “Reino” na minha vida de todos os dias – em casa, no trabalho ou na escola, na paróquia, na comunidade religiosa?
A missão que Jesus confiou aos discípulos é uma missão universal: as fronteiras, as raças, a diversidade de culturas, não podem ser obstáculos para a presença da proposta libertadora de Jesus no mundo. Tenho consciência de que a missão confiada aos discípulos é uma missão universal? Tenho consciência de que Jesus me envia a todos os homens – sem distinção de raças, de etnias, de diferenças religiosas, sociais ou económicas – a anunciar-lhes a libertação, a salvação, a vida definitiva? Tenho consciência de que sou responsável pela vida, pela felicidade e pela liberdade de todos os meus irmãos – mesmo que eles habitem no outro lado do mundo?
Tornar-se discípulo é, em primeiro lugar, aprender os ensinamentos de Jesus – a partir das suas palavras, dos seus gestos, da sua vida oferecida por amor. É claro que o mundo do século XXI apresenta, todos os dias, desafios novos; mas os discípulos, formados na escola de Jesus, são convidados a ler os desafios que hoje o mundo coloca, à luz dos ensinamentos de Jesus. Preocupo-me em conhecer bem os ensinamentos de Jesus e em aplicá-los à vida de todos os dias?
No dia em que fui batizado, comprometi-me com Jesus e vinculei-me com a comunidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. A minha vida tem sido coerente com esse compromisso?
É um tremendo desafio testemunhar, hoje, no mundo os valores do “Reino” (esses valores que, muitas vezes, estão em contradição com aquilo que o mundo defende e que o mundo considera serem as prioridades da vida). Com frequência, os discípulos de Jesus são objeto da irrisão e do escárnio dos homens, porque insistem em testemunhar que a felicidade está no amor e no dom da vida; com frequência, os discípulos de Jesus são apresentados como vítimas de uma máquina de escravidão, que produz escravos, alienados, vítimas do obscurantismo, porque insistem em testemunhar que a vida plena está no perdão, no serviço, na entrega da vida. O confronto com o mundo gera muitas vezes, nos discípulos, desilusão, sofrimento, frustração… Nos momentos de deceção e de desilusão convém, no entanto, recordar as palavras de Jesus: “Eu estarei convosco até ao fim dos tempos”. Esta certeza deve alimentar a coragem com que testemunhamos aquilo em que acreditamos. in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, além das frases longas com diversas orações deve ter-se um especial cuidado na proclamação das frases em discurso direto que se encontram entre aspas. Estas frases para que sejam bem lidas devem ser bem preparadas com as respetivas pausas e respirações e sobretudo numa especial atenção às frases interrogativas.
A segunda leitura, tal como a primeira, possui longas frases com diversas orações que requerem uma acurada preparação para uma clara e articulada proclamação do texto.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
UM OLHAR CHEIO DE JESUS FAZ VER JESUS, FAZ VIR JESUS
Mateus 28,16-20: última página do Evangelho de Mateus, que hoje, Solenidade da Ascensão do Senhor, é solenemente proclamada para nós. Encerra o Evangelho, condensa-o e resume-o, e abre aos Discípulos e Irmãos do Ressuscitado novos e insuspeitados horizontes. Visitemos atentamente o texto:
«Então os Onze Discípulos partiram para a Galileia, para o monte que lhes tinha ordenado Jesus. E vendo-o, adoraram-no (proskynéô); alguns deles, porém, duvidaram. E aproximando-se, Jesus falou-lhes (laléô), dizendo: “Foi-me dada toda a autoridade (exousía) no céu e na terra. 19Indo, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, 20ensinando-os a observar todas as coisas que vos ordenei. E eis que Eu convosco Sou todos os dias até ao fim do mundo”».
Algumas notas surpreendentes enchem a página, o pátio, o átrio sempre entreaberto do Evangelho para o mundo: 1) a autoridade soberana e nova de Jesus, assente, não na distância, mas na proximidade e familiaridade; 2) a missão universal confiada a uma Igreja discipular, toda reunida à volta de um único Mestre e Senhor; 3) só nesta página é dito que os Discípulos devem, por sua vez, ensinar, não se tornando, todavia, Mestres, mas permanecendo Discípulos; 4) não ensinam, por isso, nada de próprio nem por conta própria, mas apenas «tudo o que Ele ordenou», como Jesus, o Filho, que só diz o que ouviu dizer (João 7,16-17; 8,26.38.40; 14,24; 17,8) e só faz o que viu fazer (João 5,19; 17,4), e como o Espírito Santo, que não falará de si mesmo, mas apenas o que tiver ouvido (João 16,13); 5) a Presença nova e permanente [= «todos os dias»] do Ressuscitado na comunidade discipular; 6) este é o tempo novo e cheio, plenificado, a transbordar de plenitude e universalidade: daí a repetição por quatro vezes do adjetivo todo (pãs): foi-me dada toda a autoridade, fazei discípulos de todas as nações, ensinando-os a observar todas as coisas, convosco sou todos os dias.
A soberania nova, próxima e familiar, é já preparada pela cena anterior em que o anjo reorienta os passos das mulheres do túmulo para a Galileia, dizendo-lhes: «Indo depressa, dizei aos seus discípulos que Ele ressuscitou dos mortos e vos precede (proágei hymâs) na Galileia» (Mateus 28,7). De forma grandemente significativa, o próprio Jesus surpreende as mulheres no caminho, e reformula assim o dizer do anjo: «Ide e anunciai aos meus irmãos que partam para a Galileia, e lá me verão» (Mateus 28,10). Aí está a nascer a nova e indestrutível familiaridade: meus irmãos, diz Jesus, o Ressuscitado, apontando para nós e envolvendo-nos num imenso abraço fraternal. E chegados à Galileia, de acordo com o dizer de Jesus, e ao monte indicado por Jesus (Mateus 28,16), é ainda Jesus que toma a dianteira e se aproxima deles e de nós (Mateus 28,18). É sempre d’Ele a iniciativa. O monte lembra e reúne em analepse todos os montes que atravessam o Evangelho de Mateus: o monte da tentação (Mateus 4,8), o das bem-aventuranças (Mateus 5,1), o da oração (Mateus 14,23), o das curas (Mateus 15,29-31) e o da Transfiguração (Mateus 17,1), em que é sempre Ele que abraça e abre caminhos novos à nossa frágil humanidade.
Aquele «Indo, fazei discípulos (mathêteúsate) de todas as nações» (Mateus 28,19) é a missão sem fim que é colocada diante dos nossos olhos, pois todas as nações são todos os corações. E «Indo» é não ficar aqui ou ali à espera. Implica mudança de lugar e de modo: não ficar aqui ou ali e não ficar assim, preparando já as palavras inteiras de S. João Paulo II na preparação do Grande Jubileu do ano 2000, e que Bento XVI evocou em 2005: «Paróquia, procura-te a ti mesma e encontra-te a ti mesma fora de ti mesma». É a estrada sem medida de Abraão que se abre à nossa frente. E se medida tem é a medida sem medida da eleição, da bênção e da missão. Mas não estamos sozinhos nessa estrada. Ele está connosco todos os dias. Aquele «Indo» (poreuthéntes), particípio aoristo, implica, pois, a nossa participação diária n’Ele e na missão d’Ele. O seu nome, a sua identidade, é estar connosco. É assim a terminar o Evangelho: «Eu convosco Sou todos os dias até ao fim dos tempos» (Mateus 28,20). Note-se a intensidade e a beleza da sanduíche: «Eu [convosco] Sou» (Egô [meth’ hymôn] eimi). É assim também a abrir o Evangelho: «Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um Filho, e chamá-lo-ão (kalésousin) Emanuel, que se traduz: “connosco Deus”» (Mateus 1,23). Connosco a abrir. Connosco a fechar. Então é assim todo o Evangelho, como indica a figura da inclusão literária. Mas a inclusão literária em paralelismo ou em confronto vai ainda da Galileia para onde se dirige Jesus (Mateus 4,12-17) à Galileia para onde se dirigem os Discípulos (Mateus 28,16), da visão do Menino pelos Magos (Mateus 2,11) à visão do Ressuscitado pelos Discípulos (Mateus 28,17), da adoração do Menino pelos Magos (Mateus 2,2 e 11) à adoração do Ressuscitado pelos Discípulos (Mateus 28,17), do (algum) poder deste mundo prometido pelo diabo a Jesus (Mateus 4,9) ao (todo) o poder sobre o céu e a terra dado por Deus ao Ressuscitado (Mateus 28,18). Sim, o Senhor sempre no meio de nós, Deus sempre connosco. Não apenas com alguns. Mas com todos. Note-se como o narrador, que está a citar Isaías 7,14, atualizou para o plural a forma verbal: de chamá-lo-ás (kaléseis) para chamá-lo-ão (kalésousin).
E aquele «ensinando» (didáskontes) discipular, e não magistral, apela mais à nossa fidelidade do que à nossa autoridade, iniciativa e capacidade. De resto, para evitar dúvidas e deixar tudo claro, lá está bem expresso o conteúdo deste ensinamento novo: «tudo o que Eu vos ordenei» (Mateus 28,20). É só permanecendo Discípulos fiéis que se pode ensinar. Discípulo define o estilo de vida de quem segue com fidelidade o Senhor que nos preside e nos precede sempre (Mateus 28,7). Portanto, «Vós, não vos façais chamar por Rabbî [literalmente «meu maior»], pois um só é o vosso Mestre (didáskalos), e vós sois todos irmãos» (Mateus 23,8). Irmãos e pequeninos. Tornemo-nos, pois, imitadores de Paulo, por sua vez imitador de Cristo (1 Coríntios 11,1): «Tornámo-nos crianças (nêpioi) no meio de vós, como uma mãe (trophós) que acalenta (thálpê) os próprios filhos (heautês tékna) (1 Tessalonicenses 2,7); «fiz-me escravo de todos», «fiz-me tudo para todos»; «tudo faço por causa do Evangelho» (1 Coríntios 9,19.22.23). Disse bem S. João Paulo II: «Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-l’O para si; tem de O anunciar» (Novo Millennio Ineunte, 2001, n.º 40).
É esta imensa, impenetrável notícia que os Discípulos de Jesus devem saber levar e semear de mansinho no subtilíssimo segredo de cada humano coração. Jesus Cristo, o Ressuscitado, vem visitar os seus Irmãos. Não. Não se trata de uma visita rápida, de quem está apenas de passagem. Ele vem para ficar connosco sempre, tanto nos ama. Imensa fraternidade em ascendente movimento filial, como uma seara nova e verdejante a ondular ao vento suavíssimo do Espírito, elevando-se da nossa terra do Alto visitada e semeada, ternamente por Deus olhada, agraciada, abençoada.
O Livro dos Atos dos Apóstolos 1,1-11 retoma esta lição. «E estas coisas tendo dito, vendo (blépô) eles, ELE foi Elevado (epêrthê), e uma nuvem O subtraiu (hypolambáno) dos olhos deles (apò tôn ophthalmôn autôn). E como tinham o olhar fixo (atenízontes) no céu para onde ELE ia, eis (idoú) dois homens que estavam ao lado deles, em vestes brancas, e DISSERAM: “Homens Galileus, por que estais de pé, perscrutando (emblépontes) o céu? Este JESUS que foi arrebatado (analêmphtheís) diante de vós para o céu, assim VIRÁ (eleúsetai) do modo (trópos) que O vistes (etheásthe) IR para o céu”» (Atos 1,9-11).
Tanto VER. Da panóplia de verbos registados (blépô, atenízô, horáô, emblépô, theáomai), os mais fortes e intensos são, com certeza, atenízô [= «olhar fixamente»] e emblépô [= «perscrutar», «ver dentro»]. Ambos exprimem a observação profunda e prolongada, para além das aparências: VER o invisível (cf. Hebreus 11,27), VER o céu, VER a glória de Deus. Mas mais ainda do que o que se vê, estes verbos acentuam o modo como se vê. É para aí que apontam os dois homens vestidos de branco, de rompante surgidos na cena, para entregar um importante DIZER que interpreta e orienta tanto VER. Já os tínhamos encontrado no túmulo reorientando os olhos entristecidos das mulheres: «Por que (tí) procurais entre os mortos Aquele que está Vivo? Não está aqui. Ressuscitou!» (Lucas 24,5-6). Dizem agora: «Por que (tí) estais de pé, perscrutando (emblépontes) o céu? Este JESUS que foi arrebatado (analêmphtheís) diante de vós para o céu, assim VIRÁ (eleúsetai) do modo (trópos) que O vistes (etheásthe) IR para o céu» (Atos 1,11). Ao Arrebatamento de JESUS para o céu, os dois homens vestidos de branco agrafam a Vinda de JESUS. Importante colagem da Ascensão com a Vinda. E importante passo em frente para quem estava ali simplesmente especado. Não é mais possível Ver a Ascensão sem Ver a Vinda. Sim, Ver. Porque ELE Virá do mesmo modo que O Vistes IR. É, pois, importante guardar este Ver, viver este Ver, Ver com este Ver. Porque é Vendo assim que o SENHOR Virá. Vinda que não tem de ser relegada para uma Parusia distante e espetacular, mas que começa, hic et nunc, neste Olhar novo e significativo de quem Vê o SENHOR JESUS. Vinda que não é tanto um regresso, mas o desvelamento de uma presença permanente. Vinda já em curso, portanto, ainda que não plenamente realizada.
Guardemos este Olhar e prossigamos. Eis-nos no primeiro ACTO propriamente dito dos Atos dos Apóstolos depois do Pentecostes: a cura de um coxo de nascença descrita em Atos 3,1-10: «Então Pedro e João subiam ao Templo para a oração da hora nona [= 15h00]. E um certo homem, que era coxo (chôlós) desde o ventre da sua mãe, era trazido e posto todos os dias diante da Porta do Templo, dita a Bela, para pedir esmola àqueles que entravam no Templo. Vendo (idôn) Pedro e João, que estavam a entrar no Templo, pedia esmola para receber. Então, fixando o olhar (atenísas) nele, Pedro, com João, disse: “Olha para nós” (blépson eis hemâs). Então ele observava-os (epeîchen), esperando receber deles alguma coisa. Disse então Pedro: “Prata e ouro não tenho, mas o que tenho, isso te dou: no nome de JESUS CRISTO, o Nazareno, [levanta-te e] caminha. E, tomando-o pela mão direita, levantou-o. Imediatamente se firmaram os seus pés e os calcanhares. Com um salto, pôs-se em pé, e caminhava, e entrou com eles no Templo caminhando e saltando e louvando a Deus. E todo o povo o viu (eîden) a caminhar e a louvar a Deus. E reconheciam que era aquele que, sentado, pedia esmola à Porta Bela do Templo, e ficaram cheios de admiração e de assombro por aquilo que lhe aconteceu» (Atos 3,1-10).
Outro impressionante condensado de olhares marca este primeiro ATO dos Atos dos Apóstolos. Soam no texto cinco notas visuais, servidas por quatro verbos: horáô, atenízô, blépô, epéchô. Atenízô desenha o Olhar de Pedro e João fixado no coxo de nascença. Blépô retrata o Ver com que o coxo é mandado olhar o Olhar dos Apóstolos. Significativo agrafo: estes dois Olhares, com atenízô e blépô, só tinham sido usados antes, no Livro dos Atos dos Apóstolos, uma única vez, precisamente no relato da Ascensão (Atos 1,9-10). De resto, blépô conhecerá apenas mais quatro menções no Livro dos Atos dos Apóstolos: duas no relato da vocação de Paulo (Atos 9,8-9), a terceira no discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia (Atos 13,41; cit. de Habacuc 1,5), e a quarta e última no decurso da viagem marítima de Paulo para Roma (Atos 27,12). Atenízô, por sua vez, far-se-á notar em lugares de relevo, sempre para expressar um Ver novo e significativo, um Ver sem haver: os membros do Sinédrio fixam os olhos (atenízô) em Estêvão, e veem-no semelhante a um anjo (Atos 6,15); Estêvão, por sua vez, fixa os olhos (atenízô) no céu, e vê a glória de Deus e JESUS, de pé, à direita de Deus (Atos 7,55); Cornélio fixa os olhos (atenízô) no anjo do Senhor, que o interpela (Atos 10,4); Pedro fixa os olhos (atenízô) na visão, vinda do céu, dos animais impuros (Atos 11,6); Paulo fixa os olhos (atenízô) no mago Elimas, de Chipre, para o fulminar pela sua falsidade e malícia (Atos 13,9), e o mesmo faz no Sinédrio, dando testemunho de JESUS (Atos 23,1).
É este Ver JESUS, Ver sem haver, sem poder, sem ouro nem prata (Atos 3,6), que se fixa sobre o coxo de nascença, mandado, por sua vez, olhar para este Olhar, Ver desta maneira. Como Abraão e Moisés, convidados a Ver para receber, e não para haver, a Terra Prometida: «a terra que Eu te farei Ver» (Génesis 12,1), «que YHWH lhe fez Ver» (Deuteronómio 34,1), «Eu a fiz Ver aos teus olhos» (Deuteronómio 34,4). O narrador anota mais à frente que o coxo de nascença, agora curado, tinha mais de 40 anos (Atos 4,22), tipologia do povo perdido no deserto antes de entrar na Terra Prometida. Como o homem doente havia 38 anos, que Jesus encontra junto da piscina de Bezetha, e que será curado (João 5,1-9).
É sintomático que o Ver da Ascensão e da Vinda do SENHOR JESUS seja o Ver que preenche por inteiro o primeiro ATO dos Atos dos Apóstolos, com realce para Pedro. Mas é ainda grandemente sintomático que o primeiro ATO de Paulo, descrito em Atos 14,8-10, que é também o primeiro passo da missão perante o paganismo popular, em Listra, quase copie o primeiro ATO dos Apóstolos e de Pedro, certamente com o intuito de pôr em paralelo os dois grandes Apóstolos e os dois tempos da missão. Eis o texto referido de Atos 14,8-10: «E em Listra um homem estava sentado, sem força nos pés, coxo desde o ventre da sua mãe, e que nunca tinha andado. Este ouviu falar Paulo, o qual, tendo fixado os olhos (atenísas) nele, e tendo visto que tinha fé para ser salvo, diz com voz forte: “Levanta-te direito sobre os teus pés!” E ele deu um salto e caminhava» (Atos 14,8-10). Aqui temos o mesmo coxo de nascença, o mesmo Olhar significativo e diaconal, sem poder, sem ouro nem prata, Ver JESUS, o mesmo levantamento do coxo. E também aqui, na sequência do texto, temos o aceno à multidão que disperdia o olhar, vendo em Paulo e Barnabé deuses em forma humana, e a mesma correção, feita por Paulo, apontando JESUS (Atos 14,11-18).
Importante agrafo da Ascensão com a Vinda do Senhor. Tanto Ver. Não é mais possível Ver a Ascensão sem Ver a Vinda. Guardemos este Olhar cheio de Jesus e olhemos agora para esta terra árida e cinzenta, para tantos corações tristes e perdidos. Nascerá um mundo muito mais belo, novos corações pulsarão nas pessoas. Os olhos do coração iluminados, como diz o Apóstolo à comunidade mãe da Ásia Menor, Éfeso (Efésios 1,18). Um Olhar cheio de Jesus faz Ver Jesus, faz Vir Jesus!
Ponhamos tudo isto em imagem, como convém neste Domingo em que a Igreja celebra o Dia das Comunicações Sociais, instituição que tem as suas raízes diretamente no Concílio Vaticano II (Decreto Inter Mirifica, n.º 18), e que foi celebrado pela primeira vez, com mensagem de Paulo VI, em 7 de maio de 1967. Eis então diante de nós, no cume do Monte das Oliveiras, um pequeno Templo, arredondado, chamado Imbomon [= «sobre o cume»], grecização do hebraico bamah [= «lugar alto»], a 818 metros de altitude, um pouco acima da Ecclesia in Eleona [= «no Olival»], que remonta a Santa Helena, hoje Pater Noster, e a curta distância de Jerusalém, a distância do caminho de um sábado (Atos 1,12), que é de 1892 metros. As construções cristãs do Imbomon remontam ao longínquo ano de 376, com reconstrução dos Cruzados em 1152, ocupadas depois, em 1187, pelos muçulmanos. A construção dos Cruzados, que respeitava a primitiva construção, tinha no centro um tambor encimado por uma cúpula aberta no centro, justamente para servir de suporte à imagem da Ascensão patente em Atos 1,9-11. Em 1200, os muçulmanos fecharam esse ponto de luz com uma cúpula de estilo árabe, escondendo assim a visão de Atos 1,11: «Porque estais aí a olhar para o céu?».
O texto de hoje da Carta aos Efésios 1,17-23 completa maravilhosamente as passagens da Escritura que já vimos. Depois do grande hino (v. 3-14), em que se bendiz o Pai, mediante o Filho, no Espírito Santo a nós dado, cantamos agora, guiados sempre por São Paulo, o primado da Humanidade do Senhor, obra admirável do Pai, para proveito nosso. E começamos com a epiclese ao Pai para que nos dê o dom do Espírito, que é a Sabedoria divina, o «conhecimento profundo» (epígnôsis) das Realidades divinas (v. 17). Tudo provém do único e omnipotente Acontecimento divino: Jesus Cristo Ressuscitado e Sentado à direita nos Céus (v. 19-20). É assim que, da sua Humanidade glorificada vem para nós, por graça, o Espírito Santo, a verdadeira plenitude (v. 23).
O Salmo 47 é um Salmo da realeza de YHWH, que canta, com grande energia, a soberania de Deus sobre todos os povos (v. 1-3.7-10), sem deixar também de particularizar Israel (v. 4-5), «a mais bela entre todas as nações» (Ezequiel 20,6). Ajusta-se também perfeitamente, no mundo católico, à Festa da Ascensão de Cristo, sobretudo por causa do v. 6, em que lemos que «Deus se eleva por entre aclamações». Devido ao seu tom geral, Israel canta este Salmo sete vezes antes de soar o toque do shôphar para assinalar a entrada do Ano Novo.
Com a sua Ressurreição e Ascensão aos Céus,
É glorificada a humanidade do Filho de Deus e de Maria,
Jesus,
E é desta humanidade glorificada,
À direita de Deus sentada,
Que vem o Espírito Santo para nós.
É, portanto, do vosso interesse, diz Jesus, que Eu vá,
Pois se Eu não for,
O Espírito Santo não virá para vós.
Com a Ressurreição, a Ascensão e o Pentecostes,
Celebramos, pois, a humanidade glorificada de Jesus,
Da qual,
Por contágio sacramental,
Recebemos o Dom de Deus, o Espírito Santo.
Senhor Jesus,
Enche a nossa frágil humanidade da riqueza da tua divindade,
E derrama no nosso humano coração
O Espírito da consolação,
Da paz e da alegria.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I da Ascensão do Senhor (parte)- Ano A – 21.05.2023 (Atos 1, 1-11)
- Resto leitura I e leitura II da Ascensão do Senhor – Ano A – 21.05.2023 (Ef 1, 17-23)
- Ascensão do Senhor – Ano A – 21.05.2023 – Lecionário
- Ascensão do Senhor – Ano A – 21.05.2023 – Oração Universal
- Mensagem do Papa Francisco paras o 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo VI da Páscoa – Ano A – 14.05.2023
Viver a Palavra
Aquele que encontra em Jesus Cristo a fonte de sentido para a sua vida é chamado, em cada tempo e em cada lugar, a dar testemunho alegre e generoso da sua fé. Como afirma o Papa Francisco na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: «não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não O conhecer, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar tateando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou não o poder fazer. Não é a mesma coisa procurar construir o mundo com o seu Evangelho em vez de o fazer unicamente com a própria razão. Sabemos bem que a vida com Jesus se torna muito mais plena e, com Ele, é mais fácil encontrar o sentido para cada coisa» (EG 266).
Deste modo, vivendo o Tempo Pascal em que celebramos e saboreamos a presença ressuscitada e ressuscitadora de Jesus Cristo, somos chamados a ser portadores da esperança e anunciadores do evangelho da alegria, tal como nos desafia S. Pedro: «venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança». Como seria belo se cada cristão pudesse ser, no seu campo de ação e para aqueles com quem se cruza na estrada da vida, um sinal de esperança e um apelo a encontrar um sentido novo, mesmo diante dos desafios mais sombrios e exigentes.
Os cristãos são chamados a ser narradores da esperança e não apenas para com os outros homens e mulheres. Ainda antes de o ser em relação aos outros homens e mulheres, a esperança é responsabilidade dos cristãos em relação a Deus como resposta Àquele que nos chamou à fé e à esperança (cf. Ef 1,18). Assim, a esperança como responsabilidade cristã situa-se entre o chamamento de Deus e a demanda dos homens. É uma responsabilidade única e dupla ao mesmo tempo, tal como o mandamento de amar a Deus e ao próximo é único e duplo concomitantemente.
Além disso, esta esperança não é uma esperança desencarnada como mero otimismo utópico ou uma projeção dos nossos sonhos ou desejos mais íntimos. A nossa esperança tem um rosto: Jesus Cristo, vivo e ressuscitado. Como S. Paulo podemos afirmar: «a esperança não nos engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,5). Na força do Espírito prometido por Jesus Cristo e enviado pelo Pai como «paráclito», somos enviados como testemunhas da esperança, anunciando com a vida e nos gestos concretos de amor e misericórdia a esperança que recebemos do Pai.
«Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos».
Como é bom escutar a liberdade com que Jesus nos propõe o Seu projeto de amor: «se me amardes». Jesus não se impõe porque o amor é uma adesão livre. Fomos criados para a verdadeira liberdade e para a felicidade plena que só o amor de Jesus nos pode oferecer e garantir. Acolher o mandamento novo do amor significa abraçar a perene novidade que dá sentido à nossa vida: a comunhão com Jesus Cristo que o Espírito Santo realiza em nós. Na verdade, a novidade do mandamento do amor não reside no convite a amar a Deus e o próximo, pois bem sabemos que esse convite estava já presente nas páginas do Antigo Testamento. Além disso, esta novidade também não é apenas amar «como Jesus nos amou», porque deste modo o cristianismo seria apenas uma espécie de esforço moral extremo. A novidade do mandamento novo do amor está precisamente na dinâmica de comunhão que ele estabelece com Cristo e do viver Nele e para Ele: «se alguém aceita os meus mandamentos e os cumpre, esse realmente Me ama. E quem Me ama será amado por meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele».in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
De 14 a 21 de maio decorre a Semana da Vida, este ano com o tema: «Levanta-te! A tua vida é um dom». Os diversos recursos preparados pela Comissão Episcopal Laicado e Família através do Departamento Nacional da Pastoral Familiar estão disponíveis na internet (https://dnpf.pt/semana-da-vida/). São propostos diferentes recursos – meditações para o terço, esquema para a adoração eucarística, jogos e dinâmicas em família, cartazes diários – que podem servir como ponto de partida e inspiração para a dinamização comunitária desta semana. No atual contexto social e cultural é urgente e necessário ser testemunhas de uma cultura da vida que valoriza e defende a dignidade da vida humana desde a sua conceção até à sua morte natural
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Estamos em Tempo Pascal. Percorremos os 50 dias até ao Pentecostes. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Actos 8,5-8.14-17
«As multidões aderiam unanimemente às palavras de Filipe, ao ouvi-las e ao ver os milagres que fazia».
Ambiente
Durante os primeiros anos, o cristianismo praticamente não saiu de Jerusalém: os primeiros sete capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos apresentam-nos a Igreja de Jerusalém e o testemunho dado pelos primeiros cristãos no espaço restrito da cidade.
Por volta do ano 35, no entanto, desencadeou-se uma perseguição contra os membros da comunidade cristã de Jerusalém. Pode supor-se, com grande probabilidade, que esta perseguição (desencadeada após a morte de Estêvão) não afetou de igual forma todos os membros da comunidade (os apóstolos continuam em Jerusalém), mas dirigiu-se, de forma especial, contra os judeo-helenistas do círculo de Estêvão (os cristãos “hebreus”, que mantêm uma fidelidade relativa à Lei e ao judaísmo, ficam – até nova ordem – ao abrigo da perseguição). Estes, contudo, não se conformaram com uma morte inútil: deixaram Jerusalém e espalharam-se pelas outras regiões da Palestina. Tratou-se de um facto providencial (porque não ver nele a ação do Espírito?), que permitiu a difusão do Evangelho pelas outras regiões palestinas.
A primeira leitura deste domingo fala-nos de Filipe – um dos sete diáconos, do mesmo grupo do mártir Estêvão (cf. Act 6,1-7) – que, deixando Jerusalém foi anunciar o Evangelho aos habitantes da região central da Palestina, a Samaria.
É curioso que a difusão do Evangelho fora de Jerusalém ocorra, precisamente, na Samaria. A Samaria era, para os judeus, uma terra praticamente pagã. Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé jahwista. O anúncio do Evangelho aos samaritanos mostra que a Igreja não tem fronteiras e anuncia o passo seguinte: a evangelização do mundo pagão. in Dehonianos.
Para a reflexão, considerar os seguintes dados:
Uma comunidade cristã é uma comunidade onde se manifesta a comunhão com Jesus e a comunhão com todos os outros irmãos que partilham a mesma fé. É na comunhão com os irmãos, é no amor partilhado, é na consciência de que fazemos parte de uma imensa família que caminha animada pela mesma fé, que se manifesta a vida do Espírito. Cada crente precisa de desenvolver a consciência de que não é um caso isolado, independente, autónomo: afirmações como “eu cá tenho a minha fé” não fazem sentido, se traduzem a vontade de percorrer um caminho à margem da comunidade, sem aceitar confrontar-se com os irmãos… Cada comunidade precisa de desenvolver a consciência de que não é um grupo autónomo e sem ligações, mas uma parcela de uma Igreja universal, chamada a viver na comunhão, na partilha, na solidariedade com todos irmãos que, em qualquer canto do mundo, partilham a mesma fé.
Constitui, para nós, um tremendo desafio a ação evangelizadora de Filipe… Apesar dos riscos corridos em Jerusalém, Filipe não desistiu, não sentiu que já tinha feito o possível, não se acomodou; mas simplesmente partiu para outras paragens a dar testemunho de Jesus. É o mesmo entusiasmo que nos anima, quando temos de dar testemunho do Evangelho de Jesus?
O nosso texto deixa claro, ainda, que “Deus escreve direito por linhas tortas”: de uma situação má (perseguição aos crentes), nasce a possibilidade de levar a Boa Nova da libertação a outras comunidades. Às vezes, Deus tem de usar métodos drásticos para nos obrigar a sair do nosso cantinho cómodo e levar-nos ao compromisso. Muitas vezes, os aparentes dramas da nossa vida fazem parte dos projetos de Deus. É necessário aprender a olhar para os acontecimentos da vida com os olhos da fé e aprender a confiar nesse Deus que, do mal, tira o bem. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 65 (66)
Refrão: A terra inteira aclame o Senhor.
LEITURA II – 1 Pedro 3,15-18
«Venerai Cristo Senhor em vossos corações, prontos sempre a responder, a quem quer que seja, sobre a razão da vossa esperança».
Ambiente
A primeira carta de Pedro tem-nos acompanhado nos últimos domingos… Por isso, já sabemos que se trata de um texto exortativo, enviado às comunidades cristãs estabelecidas em certas zonas rurais da Ásia Menor. Os cristãos que compõem essas comunidades pertencem maioritariamente às classes menos favorecidas. Apresentam, portanto, um quadro de fragilidade, que os torna bastante vulneráveis às perseguições que se aproximam.
O objetivo do autor é animar esses cristãos e exortá-los à fidelidade aos compromissos que assumiram com Cristo, no dia do seu Batismo. Para isso, o autor lembra-lhes o exemplo de Cristo, que percorreu um caminho de cruz, antes de chegar à ressurreição. in Dehonianos.
Considerar, na reflexão, os seguintes pontos:
Mais uma vez (tem sido um tema que tem aparecido, volta não volta, na liturgia deste tempo pascal), põe-se-nos o problema do sentido de uma vida feita dom e entrega aos outros, até à morte (sobretudo se esses “outros” são os nossos perseguidores e detratores). É possível “dar o braço a torcer” e triunfar? O amor e o dom da vida não serão esquemas de fragilidade, que não conduzem senão ao fracasso? Esta história de o amor ser o caminho para a felicidade e para a vida plena não será uma desculpa dos fracos? Não – responde a Palavra de Deus que nos é proposta. Reparemos no exemplo de Cristo: Ele deu a vida pelos pecadores e pelos injustos e encontrou, no final do caminho, a ressurreição, a vida plena.
Diante das dificuldades, das propostas contrárias aos valores cristãos, é em Cristo – o Senhor da vida, do mundo e da história – que colocamos a nossa confiança e a nossa esperança? Ou é noutros esquemas mais materiais, mais imediatos, mais lógicos, do ponto de vista humano?
Diante dos ataques – às vezes incoerentes e irracionais – daqueles que não concordam com os valores de Jesus, como nos comportamos? Com a mesma agressividade com que nos tratam? Com a mesma intolerância dos nossos adversários? Tratando-os com a lógica do “olho por olho, dente por dente”? Como é que Jesus tratou aqueles que o condenaram e mataram? in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 14,15-21
«Se Me amardes, guardareis os meus mandamentos».
«Não vos deixarei órfãos: voltarei para junto de vós».
«E quem Me ama será amado por meu Pai, e Eu amá-lo-ei e manifestar-Me-ei a ele».
Ambiente
Continuamos no mesmo contexto em que nos colocava o Evangelho do passado domingo. A decisão de matar Jesus já está tomada pelas autoridades judaicas e Jesus sabe-o. A morte na cruz é mais do que uma probabilidade: é o cenário imediato.
Nessa noite de quinta-feira do ano trinta, na véspera da sua morte na cruz, Jesus reuniu-Se com os seus discípulos numa “ceia”. No decurso da “ceia”, Jesus despediu-Se dos discípulos e fez-lhes as últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento final”: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo. Jesus fala-lhes, então, do caminho que percorreu (e que ainda tem de percorrer, até à consumação da sua missão e até chegar ao Pai); e convida os discípulos a seguir o mesmo caminho de entrega a Deus e de amor radical aos irmãos. É seguindo esse “caminho” que eles se tornarão Homens Novos e que chegarão a ser “família de Deus” (cf. Jo 14,1-12).
Os discípulos, no entanto, estão inquietos e desconcertados. Será possível percorrer esse “caminho” se Jesus não caminhar ao lado deles? Como é que eles manterão a comunhão com Jesus e como receberão d’Ele a força para doar, dia a dia, a própria vida? in Dehonianos.
A reflexão e atualização da Palavra podem fazer-se a partir dos seguintes desenvolvimentos:
A paixão de Jesus continua a acontecer, todos os dias, na vida de cada um de nós e na vida de tantos irmãos nossos. Sentimo-nos impotentes face à guerra e ao terrorismo; não conseguimos prever e evitar as catástrofes naturais; sofremos por causa da injustiça e da opressão; vemos o mundo construir-se de acordo com critérios de egoísmo e de materialismo; não podemos evitar a doença e a morte… Acreditamos no “Reino de Deus”, mas ele parece nunca mais chegar, e caminhamos, desanimados e frustrados, para um futuro que não sabemos aonde conduzirá a humanidade. No entanto, nós os crentes temos razões para ter esperança: Jesus garantiu-nos que não nos deixaria órfãos e que estaria sempre a nosso lado. Na minha leitura do mundo e da história, o que é que prevalece: o pessimismo de quem se sente só e perdido no meio de forças de morte, ou a esperança de quem está seguro de que Jesus ressuscitado continua presente, a acompanhar a caminhada da sua comunidade pela história?
O “caminho” que Jesus propõe aos seus discípulos (o “caminho” do amor, do serviço, do dom da vida) parece, à luz dos critérios com que a maior parte dos homens do nosso tempo avaliam estas coisas, um caminho de fracasso, que não conduz nem à riqueza, nem ao poder, nem ao êxito social, nem ao bem estar material – afinal, tudo o que parece dar verdadeiro sabor à vida dos homens do nosso tempo. No entanto, Jesus garantiu-nos que era no caminho do amor e da entrega que encontraríamos a vida nova e definitiva. Na minha leitura da vida e dos seus valores, o que é que prevalece: o pessimismo de alguém que se sente fraco, indefeso, humilde e que vai passar ao lado das grandes experiências que fazem felizes os grandes do mundo, ou a esperança de alguém que se identifica com Jesus e sabe que é nesse “caminho” de amor e de dom da vida que se encontra a felicidade plena e a vida definitiva?
Jesus garantiu aos seus discípulos o envio de um “defensor”, de um “consolador”, que havia de animar a comunidade cristã e conduzi-la ao longo da sua marcha pela história. Nós acreditámos, portanto, que o Espírito está presente, animando-nos, conduzindo-nos, criando vida nova, dando esperança aos crentes em caminhada. Quais são as manifestações do Espírito que eu vejo na vida das pessoas, nos acontecimentos da história, na vida da Igreja?
A comunidade cristã, identificada com Jesus e com o Pai, animada pelo Espírito, é o “templo de Deus”, o lugar onde Deus habita no meio dos homens. Através dela, o Deus libertador continua a concretizar o seu projecto de salvação. A Igreja é, hoje, o lugar onde os homens encontram Deus? Ela dá testemunho (em gestos de amor, de serviço, de humanidade, de liberdade, de compreensão, de perdão, de tolerância, de solidariedade para com os pobres) do Deus que quer oferecer aos homens a salvação? O que é que nos falta – a nós, “família de Deus” – para sermos verdadeiros sinais de Deus no meio dos homens? in Dehonianos
Para os leitores:
A aparente facilidade na proclamação da primeira leitura não deve descurar a sua preparação com uma especial atenção ao seu tom narrativo e descritivo, bem como às pausas e respirações. Pede-se ainda especial cuidado na proclamação do verbo «pregar» que se deve ler «prégar».
Na segunda leitura, deve ter-se em atenção o carácter exortativo do texto e, por isso, deve ter-se um especial cuidado nas formas verbais no imperativo.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
DAR A RAZÃO DA NOSSA ESPERANÇA
O texto que o Evangelho deste Domingo VI da Páscoa (João 14,15-21) nos oferece enquadra-se naquele monumental Testamento que, no IV Evangelho, Jesus pronuncia, em ondas sucessivas, após a Ceia com os seus Discípulos (João 13,12-17,26). Neste imenso texto, cujas linhas temáticas vêm e refluem e voltam a vir e a refluir, à maneira das ondas do mar que vêm sobre a praia, refluem e voltam, assistimos hoje ao primeiro dos cinco dizeres de Jesus relativos à Vinda do Espírito Santo, Paráclito (paráklêtos), isto é, Defensor [Advogado de defesa], Consolador e Intérprete. Este último significado deriva do aramaico paráklita, dos rabinos, que não tem o significado usual do grego (Defensor e Consolador), mas Intérprete, aquele que traduz Deus para nós e nós para Deus, fonte e ponte permanente de comunicação, compreensão e comunhão. O Espírito Paráclito é assim o grande construtor de pontes entre nós uns com os outros e com Deus. É, por isso, que Ele é o Amor, que destrói todos os muros, preconceitos, ódios, divisões, incompreensões. Eis os cinco mencionados dizeres de Jesus sobre a Vinda do Espírito Santo, sempre dita no futuro: João 14,16; 14,26; 15,26; 16,7; 16,13-15.
Sente-se, no monumental Testamento de Jesus, apresentado em João 13,12-17,26, que a dor da separação, provocada pela partida de Jesus, atravessa o coração dos discípulos de então. Se virmos bem, também no coração dos discípulos de hoje pode vir ao de cima a perceção de que Jesus está ausente, pouco percetível e dificilmente acessível. A dor da separação revela o deles e o nosso amor por Jesus. E Jesus mostra-nos que não nos deixa abandonados e sós, como órfãos (João 14,18). Ele permanece connosco, e continua a tratar-nos carinhosamente por «filhinhos» (teknía) (João 13,33). De facto, Jesus morre, mas não desaparece na morte. Volta sempre, na sua condição de Ressuscitado, para nos comunicar a sua própria vida nova. Sim, com a sua morte, Ele desaparece aos olhos do mundo, que apenas sabe que Ele morreu numa Cruz. O mundo conhece apenas a morte, e não a vida (João 14,19). É sabido que também aqueles discípulos não superarão a prova ou o teste da Paixão e Morte de Jesus, tendo-o abandonado e fugido todos (Mateus 26,56; Marcos 14,50). Será Jesus, Amor permanente e dissolvente, que reparará esta brecha, chamando de novo estes discípulos reprovados (Mateus 28,7.10.16; Marcos 16,7). E eles, como nós, levando consigo toda a sua história anterior de amor e rutura e de milagrosa cura, voltam para a Galileia, para um encontro novo com o Ressuscitado, de quem, agora sim, nunca mais se separarão.
O texto de hoje põe Jesus a dizer que, a seu pedido, o Pai nos dará outro Paráclito (João 14,16). Outro. Este outro é o Espírito Santo. Mas o emprego deste outro diz-nos ainda que Jesus Cristo é também Paráclito, portanto, nosso Defensor, Consolador e Intérprete, como de resto surge afirmado com todas as letras na Primeira Carta de S. João 2,1: «Temos um Defensor (paráklêtos) junto do Pai, Jesus Cristo, o Justo».
O primeiro enviado do Pai é o Filho Jesus, que cumpre e revela o conteúdo da própria missão. O segundo enviado é o Espírito Paráclito. O Pai é, em relação aos dois, o enviante; o Filho e o Espírito são, em relação ao Pai, ambos enviados. Confrontando os textos, vemos que há semelhança da relação entre o Pai e o Paráclito com a relação entre o Pai e o Filho: ambas são expressas pelo mesmo verbo «enviar» (pémpô). Mas, juntamente com a semelhança, deparamos também com diferenças. A primeira diferença está no facto de que, em relação ao Filho, o verbo enviar está no passado, encontrando-se no futuro em relação ao Paráclito. O envio de Jesus pelo Pai já se realizou [«o Pai que me enviou»: João 5,23.37; 6,44; 8,16.18; 12,49; 14,24; «Aquele que me enviou»: João 4,34; 5,24.30; 6,38.39.40; 7,16.28.33; 8,26.29; 9,4; 12,44-45; 13,20; 15,21; 16,5], enquanto que o envio do Paráclito é anunciado, mas deve ainda realizar-se [«o Pai enviá-lo-á no meu nome»: João 14,26], do mesmo modo que a sua tarefa de ensinar e de recordar aparece igualmente enunciada no futuro. A segunda diferença reside no facto de o envio de Jesus ser feito diretamente pelo Pai, sem intermediários, enquanto o envio do Paráclito é feito pelo Pai mediante a intervenção de Jesus, traduzida pela expressão «no meu nome». O que se passa com o verbo «enviar» em termos de semelhança e diferenças, passa-se também com o verbo «dar» (dídômi): «Deus… deu o seu Filho unigénito» (João 3,16), e «dará a vós outro Paráclito» a pedido de Jesus (João 14,16). Mas em relação ao Paráclito, o próprio Jesus é por duas vezes sujeito do verbo enviar: «Eu enviá-lo-ei de junto do Pai» (João 15,26); «Quando eu for, enviá-lo-ei para junto de vós» (João 16,7).
O cúmulo. Filipe, «o Evangelista» (ho euaggelistês) (Atos dos Apóstolos 21,8), leva a Palavra de Deus à Samaria, exatamente àquele «estúpido povo que habita em Siquém» (Ben-Sirá 50,26), e houve por lá também grande alegria (Atos dos Apóstolos 8,5-8). Sim! Os pobres são evangelizados! Bendito seja Deus que nos surpreende sempre. Quando eu lá chego, às portas da cidade ou do coração do meu irmão, constato com espanto que Tu já lá estás há muito tempo, e já derrubaste portas e muralhas! Tu chegas sempre primeiro e já preparaste tudo! Escreve Kierkegaard num belo poema: «Falamos de Ti/ como se Tu nos tivesses amado primeiro uma só vez./ É, porém, dia após dia, a vida inteira,/ que Tu nos amas primeiro./ Quando acordo pela manhã e elevo para Ti a minha alma,/ Tu és o primeiro,/ Tu amas-me primeiro./ Se pela madrugada me levanto,/ e logo/ para Ti a minha alma e a minha oração elevo,/ Tu precedes-me,/ Tu já me amaste primeiro./ É sempre assim./ E nós, ingratos,/ Falamos como se Tu nos tivesses amado primeiro/ uma só vez…».
E, portanto, aí está a lição que São Pedro (3,15-18) aprendeu e viveu e hoje nos comunica: «estai sempre, sempre prontos [atentos, preparados] para dar convictamente a quem vos pedir a razão da esperança que há em vós» (hétoimoi aeì pròs apologían pantì tô aitoûnti hymãs lógon perì tês en hymîn elpídos) (cf. 1 Pd 3,15). Não se trata de «razões»; trata-se da «razão», do lógos. A razão, o lógos, não é aqui um terreno intelectual ou um objeto do pensamento, mas uma pessoa: Jesus Cristo. É Ele a razão, o lógos, «pelo qual tudo foi feito, e sem Ele nada foi feito» (João 1,3). Então, Ele habita e enche o universo e a nossa vida. «É n’Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (Atos dos Apóstolos 17,28). Nós com Ele, e Ele em nós, santuários vivos do Deus vivo. De forma intensa, como sempre, grita S. Paulo aos ouvidos dos cristãos de Corinto e aos nossos: «Não sabeis que sois Templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? (…). Na verdade, o Templo de Deus é santo, e esse Templo sois vós!» (1 Coríntios 3,16 e 17). Sem equívocos agora: estar prontos a dar a razão é estar prontos a dar o lógos, isto é, Jesus, a razão de fundo da vida de Pedro e da nossa; a razão não são as razões, arrazoados; é a pessoa de Jesus, o lógos. Estar prontos a dar a razão é estar prontos a dar a mão, isto é, o pão, compreensão, amor, esperança e confiança, engenheiros de um mundo novo, verdadeiro, credível, transparente.
Diz, de forma absolutamente maravilhosa, o velho comentário rabínico aos Salmos, dito Midrash Tehillîm, que, quando Israel estava no Sinai para fazer aliança com Deus, «o ventre das mulheres grávidas se tornou transparente como vidro, para que os embriões pudessem ver Deus e conversar com Ele». Oh admirável mundo novo!
O Espírito Santo faz nascer em nós esta transparência luminosa e maravilhosa. Luz que alumia, e não engana, Amor, só Amor, nada mais que Amor. Vem, Espírito de Luz, construtor e Senhor das mais belas transparências e vivências. Precisamos tanto de Ti nesta calçada enlameada e escura e escorregadia em que andamos.
Missão nossa será sempre cantar a glória de Deus e convocar a terra inteira para verificar as maravilhas operadas por Deus. Todos e cada um. A comunidade e eu de mãos dadas e levantadas para Deus, como acontece muitas vezes nos Salmos. Temos muito a relatar e a agradecer, repassando diante de nós, não apenas a paisagem bíblica, mas também a nossa paisagem humana. Também o Salmo de hoje começa em tom comunitário (Salmo 66,1-12) para nos mostrar depois também o papel do solista (v. 13-20).
O Filho e o Espírito Santo são,
No dizer de Santo Ireneu de Lião,
As duas mãos do Pai,
Enviadas em missão
Para junto dos seus filhos de adoção.
À semelhança, claro,
Daquelas mãos de amor,
Que, no alvor da Criação,
Modelaram da terra pura o nosso coração,
E de misericórdia o vestiram.
Filhos no Filho, divina hyiothesía,
Hemorragia de graça e de alegria:
Jesus, o Filho, assume a nossa humana condição,
E dá-nos em herança a sua divina filiação.
E o Espírito, que une e distingue o Pai e o Filho,
Divina comunhão, sem confusão,
Toma conta do nosso coração de filhos recém-nascidos,
E faz circular em nós, já hoje, já esta manhã,
A mais bela lalação que há, o nome novo Ab-ba!
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo VI da Páscoa – Ano A – 14.05.2023 (Atos 8, 5-8.14-17)
- Leitura II do Domingo VI da Páscoa – Ano A – 14.05.2023 (1 Pedro 3, 15-18)
- Domingo VI da Páscoa – Ano A – 14.05.2023 – Lecionário
- Domingo VI da Páscoa – Ano A – 14.05.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo V da Páscoa – Ano A – 07.05.2023
DIA da MÃE
Viver a Palavra
A missão de anunciar o Evangelho e de o fazer presente no tempo e na história é tarefa permanente e primeira da Igreja e nunca deve ser descurada. Contudo, é urgente em cada tempo um acurado e aturado discernimento para que saibamos responder às exigências da pregação evangélica. Fixando o nosso olhar na comunidade nascente e de modo concreto na primeira leitura proposta para este Domingo, verificamos como o anúncio do evangelho não pode ignorar as reais necessidades dos homens e mulheres do nosso tempo.
Continuadora da obra redentora de Cristo no mundo, a Igreja tem a missão de proclamar o Evangelho que é o próprio Jesus Cristo. Contudo, deve fazê-lo num permanente exercício de kairologia, isto é, numa atenta leitura dos sinais dos tempos, que nos permite projetar uma ação pastoral como verdadeira resposta ao chamamento do Senhor para colaborar na Sua obra. A perene novidade que deve revestir a ação eclesial não decorre apenas da mutabilidade do tempo e das transformações da realidade humana, mas também da perene novidade de que se reveste o Evangelho que deve incarnar a história humana em cada tempo e em cada lugar. É esta relação dialética e assimétrica entre a Palavra revelada e a realidade que somos chamados a responder que deve presidir à ação evangelizadora da Igreja para que sejamos efetivamente «geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido por Deus, para anunciar os louvores d’Aquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável».
Assim encontramos a comunidade nascente apresentada pela narrativa dos Atos dos Apóstolos. Os Doze convocam a assembleia dos discípulos, renovam a certeza da primazia do anúncio da Palavra de Deus que não deve descurado, mas reforçam também a necessidade de responder às necessidades concretas dos mais pobres e, para isso, escolhem «sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, para lhes confiar esse cargo». Reside aqui a verdadeira criatividade da Igreja que não é excentricidade, mas fidelidade criativa ao Espírito Santo, discernindo comunitariamente o que o Senhor nos pede aqui e agora.
É certo que como Tomé perguntamos muitas vezes: «Senhor, não sabemos para onde vais: como podemos conhecer o caminho?». Mas esta deve ser precisamente a primeira pergunta. Invocar o Senhor para saber para onde Ele nos chama, descobrir aquilo que Ele nos pede e simultaneamente ter a ousadia do discernimento pessoal e comunitário, eclesial e articulado que nos permite responder com criatividade e autenticidade à missão evangelizadora da Igreja. Se esta missão é urgente e necessária em cada tempo, tanto mais no tempo que vivemos. Este tempo reclama o exercício de um discernimento pastoral e evangélico que nos permita sinodalmente rasgar caminhos novos de evangelização para que saibam habitar o horizonte antropológico do nosso tempo.
Esta é uma tarefa urgente e necessária, mas concomitantemente árdua e exigente que não nos atemoriza, pois recordaremos sempre as palavras de Jesus: «não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim. (…) Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim». Com Jesus e como Jesus, escutando a Sua Palavra, contemplando os seus gestos de amor e misericórdia e iluminados pela força do Espírito Santo, seremos capazes de anunciar a permanente novidade do Evangelho nos tempos sempre novos que vivemos. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
O mês de maio é tradicionalmente dedicado a Nossa Senhora e as comunidades cristãs reúnem-se para levar a cabo as mais variadas práticas de piedade popular marianas, sobretudo a recitação comunitária do terço e as procissões de velas. Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, o Papa Francisco fala da «força evangelizadora da piedade popular». Através das diversas iniciativas e atividades, é importante ajudar os fiéis a redescobrir a beleza e a centralidade da fé, em Jesus Cristo, e a necessidade de uma vida consentânea com a fé professada e celebrada. Neste primeiro Domingo de Maio, assinala-se, também, o Dia da Mãe. Na Eucaristia deste Domingo pode dirigir-se uma palavra especial a todas as mães, acompanhada de algum gesto que assinale este dia. Pode dirigir-se uma bênção especial às mães presentes na celebração, bem como um envolvimento da catequese e da pastoral familiar para que este dia seja valorizado como lugar de ação de graças pelo dom da maternidade. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Estamos em Tempo Pascal. Percorremos os 50 dias até ao Pentecostes. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Actos 6,1-7
«Escolhei entre vós, irmãos, sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, para lhes confiarmos esse cargo».
Ambiente
A primeira leitura deste domingo pertence, ainda, à secção que apresenta o testemunho da Igreja de Jerusalém. No entanto, vão aparecer-nos pela primeira vez esses “helenistas” que irão ter um papel fundamental na ulterior expansão do cristianismo.
O nosso texto dá conta de um clima de alguma tensão entre os “hebreus” e os “helenistas”. Quem são estes grupos?
Trata-se, sempre, de membros da comunidade cristã de Jerusalém. Os “hebreus” são cristãos de origem judaica, originários da Palestina, que falam o aramaico, que leem a Escritura em hebraico e que teriam sido convertidos pela pregação de Jesus e dos apóstolos. Continuam, no entanto, muito apegados às suas tradições e têm, normalmente, um alto apreço pela Lei e pelas interpretações dos rabis.
Os “helenistas” são cristãos de origem judaica, também, mas originários da “diáspora” israelita – isto é, das comunidades judaicas espalhadas por todo o império romano e, até, por fora dele. Falam o grego e leem as Escrituras em grego. Residem em Jerusalém temporariamente. O seu contacto com outras realidades culturais torna-os, ordinariamente, mais tolerantes e abertos à novidade.
Com dois grupos tão diversos – quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista religioso, quer do ponto de vista social – a integrar a mesma comunidade, era natural que, mais tarde ou mais cedo, surgissem tensões e conflitos. Aparentemente, aquilo que provoca a questão evocada no nosso texto é um problema de ordem material: na distribuição dos alimentos aos membros necessitados da comunidade, as viúvas helenistas sentiam-se prejudicadas. O facto provocou queixas, levando à intervenção dos líderes da comunidade. De qualquer forma, Lucas não entra em demasiados pormenores sobre a questão. in Dehonianos.
A reflexão pode considerar os seguintes pontos:
É difícil encontrarmos, no nosso tempo, uma realidade que suscite tantas paixões e ódios como a Igreja: uns defendem-na intransigentemente, justificando até as falhas mais injustificáveis, outros atacam-na cegamente, culpando-a de todos os males do mundo. Uns e outros deviam ter presente que se trata de uma comunidade que vem de Jesus e é animada pelo Espírito, mas formada por homens; que ela é a testemunha no mundo do plano de salvação de Deus, mas é também (dada a sua faceta humana) uma realidade “a fazer-se”, em contínuo processo de conversão. Os homens do nosso tempo devem exigir que a Igreja seja fiel à sua missão no mundo; mas devem também compreender as suas falhas, dificuldades e infidelidades.
A comunidade cristã referida no nosso texto leva-nos a uma época muito recuada, em que as estruturas não estavam ainda definidas e organizadas; mas, no quadro que Lucas nos propõe, há já irmãos investidos do serviço da autoridade (os Doze), que são ponto de referência quando surgem questões e problemas. Os Doze, no entanto, não reservam para si toda a autoridade, nem aceitam ser os únicos protagonistas no processo de condução da comunidade… De acordo com o quadro que nos é apresentado, eles convocam a comunidade, convidam-na a escolher as pessoas a quem devem ser confiados certos serviços, envolvem-na na busca do caminho. Infelizmente, ao longo dos séculos esquecemos, muitas vezes, esta dinâmica: a Igreja foi muitas vezes apresentada como uma sociedade de desiguais, onde uns mandam e outros obedecem em silêncio. É preciso redescobrir o valor do diálogo e da participação, na Igreja. Não se trata de discutir se a Igreja deve ou não ser uma sociedade democrática; trata-se de termos consciência de que somos uma família onde todos temos voz, porque em todos habita o mesmo Espírito; trata-se de potenciar mecanismos de escuta, de diálogo e de participação, a fim de que a Igreja seja uma família, onde todos participam na descoberta dos caminhos do Espírito.
Desde o início, a Igreja aparece como uma comunidade de serviço: os membros da comunidade cristã são convidados a seguir Jesus, que fez da sua vida uma entrega total ao serviço de Deus, ao serviço do Reino e ao serviço dos homens. Quando Deus concede determinados dons e confia determinadas missões, não se trata de privilégios que conferem à pessoa mais dignidade ou mais importância: trata-se de dons que devem ser postos ao serviço da comunidade, em ordem à construção da comunidade. As missões que nos são confiadas no âmbito comunitário não podem ser utilizados para promoção pessoal ou para concretizar sonhos egoístas; mas devem ser missões que desempenhamos com verdadeiro espírito de serviço, em benefício dos irmãos. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)
Refrão: Esperamos, Senhor, na vossa misericórdia.
LEITURA II – 1 Pedro 2, 4-9
«Vós, porém, sois geração eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido por Deus, para anunciar os louvores».
Ambiente
Há já algumas semanas que a Primeira Carta de Pedro acompanha a nossa caminhada litúrgica. Já sabemos, portanto, que ela se destina a comunidades cristãs de certas zonas rurais da Ásia Menor; essas comunidades são maioritariamente formadas por cristãos de classes sociais baixas, vulneráveis à hostilidade do mundo que os rodeia, para quem se aproximam tempos muito difíceis (por causa das perseguições que se adivinham). Estamos no final do século I (talvez no final da década de 80).
O autor recorda aos destinatários da carta o exemplo de Cristo, que passou pela cruz, antes de chegar à ressurreição. Toda a carta é um convite à esperança: apesar dos sofrimentos do tempo presente, os crentes não devem desanimar, pois estão destinados a triunfar com Cristo. Pede-se-lhes que enfrentem corajosamente as adversidades e que viam com fidelidade o seu compromisso batismal
O texto que nos é proposto faz parte de uma secção parenético-doutrinal (cf. 1 Pe 2,1-10), que tem como finalidade exortar os cristãos a crescer na fé, de forma a chegarem à salvação. in Dehonianos.
Considerar as seguintes questões:
Depois de dois mil anos de cristianismo, parece que nem sempre se nota a presença efetiva de Cristo nesses caminhos em que se constrói a história do mundo e dos homens. O verniz cristão de que revestimos a nossa civilização ocidental não tem impedido a corrida aos armamentos, os genocídios, os atos bárbaros de terrorismo, as guerras religiosas, o capitalismo selvagem… Os critérios que presidem à construção do mundo estão, demasiadas vezes, longe dos valores do Evangelho. Porque é que isto acontece? Podemos dizer que Cristo é, para os cristãos, a referência fundamental? Nós cristãos fizemos d’Ele, efetivamente, a “pedra angular” sobre a qual construímos a nossa vida e a história do nosso tempo?
Os cristãos são “pedras vivas” de um “templo espiritual” do qual Cristo é a “pedra angular”. A imagem traduz a realidade de uma comunidade que se junta à volta de Cristo, que vive em união com Ele, que comunga do seu destino, que assume totalmente o seu projeto. A esta comunidade chama-se Igreja… Sinto-me pedra integrante deste “edifício”? Procuro, todos os dias, limar as arestas que me impedem de aderir – de forma mais plena – a Cristo? Procuro, todos os dias, revitalizar o “cimento” que me une às outras pedras do edifício – os meus irmãos?
As “pedras vivas” do Templo do Senhor formam um Povo de sacerdotes, cuja missão é viver uma vida coerente com os compromissos assumidos no dia do Batismo – isto é, viver (como Cristo) na entrega a Deus e no amor aos irmãos. Quais são os “sacrifícios” que eu procuro entregar a Deus, todos os dias? A minha “oferta” a Deus é um conjunto de ritos desligados da vida (por mais sagrados que sejam) ou é a vivência do amor, nos gestos simples do dia a dia?
Neste texto há ainda um convite a não ter medo da incompreensão do mundo. O próprio Cristo foi rejeitado pelos homens; mas a Sua fidelidade aos projetos do Pai fizeram d’Ele a “pedra angular” da construção de Deus. É esse exemplo que devemos ter diante dos olhos, quando doer mais a incompreensão do mundo. in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 14,1-12
«Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim».
«Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim.».
«Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim; acreditai ao menos pelas minhas obras».
Ambiente
Estamos na fase final da caminhada histórica do “Messias”. Até este momento, Jesus cumpriu a sua missão em confronto aberto com os dirigentes judeus. Precisamente o último e mais importante dos seus “sinais” – a ressurreição de Lázaro – levou o Sinédrio a decidir matá-l’O (cf. Jo 11,45-54). Jesus está consciente de que a morte está no seu horizonte próximo.
O ambiente em que este trecho nos coloca é o de uma ceia de despedida. Nessa ceia (realizada na quinta-feira à noite, pouco tempo antes da prisão, na véspera da morte), estão Jesus e os discípulos. No decurso da ceia, Jesus despede-Se dos discípulos e faz-lhes as suas últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento” final: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo.
~ Os discípulos, da sua parte, já perceberam que o ambiente é de despedida e que, daí a poucas horas, o seu “mestre” lhes vai ser tirado. Estão inquietos e preocupados. A aventura que eles começaram com Jesus, na Galileia, terá acabado? Essa relação que eles construíram com o “mestre” irá morrer? Os discípulos não sabem o que vai acontecer nem que caminho vão, a partir daí, percorrer. Sobretudo, não sabem como é que manterão, após a partida de Jesus, a sua relação com Ele e com o Pai.
É neste contexto que podemos situar as palavras de Jesus que o Evangelho de hoje nos apresenta. in Dehonianos.
Para a reflexão, considerar os seguintes dados:
A Igreja é essa comunidade de Homens Novos, que se identifica com Jesus que, animada pelo Espírito, segue “o caminho” de Jesus (caminho de obediência aos planos do Pai e de dom da vida aos irmãos), que procura dar testemunho de Jesus no meio dos homens e que é a “família de Deus”. No dia do nosso batismo, fomos integrados nesta família… A nossa vida tem sido coerente com os compromissos que, então, assumimos? Sentimo-nos “família de Deus”, ou deixamos que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência, falem mais alto e escolhemos caminhar à margem desta família? É verdade que esta família tem falhas, e é verdade que nem sempre encontramos nela humanidade e amor. Que fazemos, então: afastamo-nos, ou esforçamo-nos para que ela viva de forma mais coerente e verdadeira?
Falar do “caminho” de Jesus é falar de uma vida dada a Deus e gasta em favor dos irmãos, numa doação total e radical, até à morte. Os discípulos são convidados a percorrer, com Jesus, esse mesmo “caminho”. Paradoxalmente, dessa entrega (dessa morte para si mesmo) nasce o Homem Novo, o homem na plenitude das suas possibilidades, o homem que desenvolveu até ao extremo todas as suas potencialidades. É esse “caminho” que eu tenho vindo a percorrer? A minha vida tem sido uma entrega a Deus e doação aos meus irmãos? Tenho procurado despir-me do egoísmo e do orgulho que impedem o Homem Novo de aparecer?
A comunhão do crente com o Pai e com Jesus não resulta de momentos mágicos nos quais, através da recitação de certas fórmulas ou do cumprimento de certos ritos, a vida de Deus bombardeia e inunda incondicionalmente o crente; mas a intimidade e a comunhão com Jesus e com o Pai estabelecem-se percorrendo o caminho do amor e da entrega, em doação total a Deus e aos irmãos. Quem quiser encontrar-se com Jesus e com o Pai, tem de sair do egoísmo e a fazer da sua vida um dom a Deus e aos homens. in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura exige uma acurada preparação sobretudo pelo conjunto de palavras de difícil pronunciação que não fazem parte do nosso vocabulário corrente. No verbo «pregar» pronunciar «prégar» porque se trata da evangelização e do anúncio e proclamação solene da Boa Nova e não do ato de fixar um prego. Além disso, deve ter-se em atenção os nomes dos sete homens escolhidos e a designação atribuída a Nicolau de «prosélito».
A segunda leitura está marcada por um forte tom exortativo sublinhado pelo conjunto de verbos na forma imperativa. A leitura deste texto deve ter em atenção esta particularidade para uma mais eficaz proclamação do texto.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
JESUS, O PAI E NÓS SEMPRE EM REDE
Os nomes JESUS e PAI juntam-se para entretecer uma rede finíssima que atravessa e extravasa o corpo do inteiro IV Evangelho, onde se ouvem respetivamente por 237 vezes e 124 vezes. Entenda-se: a vida de JESUS está completamente nas mãos do PAI, dele provém e para ele se orienta totalmente, de modo a JESUS poder dizer: «EU e o PAI somos um (hén)» (João 10,30) – não para indicar uma só pessoa, mas uma só realidade, bem traduzida no modo neutro, e não masculino, do numeral «um» (hén) – ou: «Quem ME vê, vê o PAI» (João 14,9). Só no Evangelho deste Domingo V da Páscoa (João 14,1-12), pode contar-se o nome PAI por 12 vezes!
Total orientação da sua vida para o PAI. Diz, na verdade, Jesus para os seus discípulos: «Para onde EU vou, vós conheceis o caminho» (João 14,4), mudando logo o lugar pela pessoa: «EU para o PAI vou» (João 14,12). Pelo meio, cruza-se a incompreensão ou incompetência expressa de dois dos seus discípulos: Tomé e Filipe, que o mesmo é dizer, a nossa incompreensão e incompetência. Tomé, do aramaico Toma’ [= «Gémeo»], não sabe para onde vai JESUS; logo, não sabe o caminho (João 14,5), e Filipe recebe de Jesus uma repreensão que também nos atinge, pois é proferida no plural, e soa assim: «Há tanto tempo estou convosco, e não ME conheces, Filipe?» (João 14,9).
Tomé é bem Gémeo nosso, nosso irmão gémeo, muito parecido connosco, nesta passagem e em muitas outras. E Filipe [«Amigo dos cavalos»], único nome verdadeiramente grego, isto é, pagão, entre os Apóstolos de Jesus, também se manifesta muito semelhante a nós aqui e em outros lugares, como, por exemplo, João 6,5-7, onde é literalmente posto à prova por Jesus, e reprova claramente no teste. Na verdade, Jesus pergunta-lhe, para o pôr à prova: «Filipe, onde compraremos pão para que eles comam» (João 6,5). E Filipe põe-se a contar o dinheiro, dizendo onde põe a sua confiança, e responde que não há nada a fazer, porque não há dinheiro (João 6,7). Filipe, talvez como nós, ainda não sabia que o onde (póthen) a que Jesus se refere não é o shopping, mas é o PAI. Ainda não sabia ou conhecia Isaías 55,1-2, em que Deus nos convida a comprar a Ele pão, sem gastar qualquer dinheiro: «Todos vós que tendes sede, vinde às águas! / Vós, que não tendes dinheiro, vinde! / Comprai (agorázô LXX) cereal e comei! / Comprai cereal sem dinheiro,/ e sem pagar, vinho e leite./ […] Ouvi-me, ouvi-me, e comei o que é bom!» (Isaías 55,1-2).
O Jesus que anima este diálogo connosco é verdadeiramente o CAMINHO, a VERDADE e a VIDA (João 14,6). Não é um caminho de terra batida ou uma estrada de asfalto. É um CAMINHO pessoal, uma maneira de viver, com entranhas, pés, mãos e coração. Não é uma verdade de tipo filosófico, jurídico ou político, a usual adequação da mente à coisa. Não é uma coisa. A VERDADE bíblica [hebraico ʼemet] não responde à pergunta: «O que é a verdade?», à boa maneira de Pilatos (João 18,38), mas à pergunta inédita: «QUEM é a VERDADE?». De facto, ʼemet deriva de ʼem [= mãe] e de ʼaman [= firmar, confiar], e remete para CONFIANÇA e FIDELIDADE. Não é uma verdade que se saiba. É uma atitude que se aprende. É aquela VERDADE que uma criança vai aprendendo ao colo da sua mãe. Está ali ALGUÉM que a segura e que a ama, ALGUÉM em quem a criança pode confiar, que em caso algum a vai deixar cair ao chão, como bem refere Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz). A VERDADE é ALGUÉM de fiar como uma MÃE, realidade bem patente na etimologia, dado que ʼemet [= verdade] deriva de ʼem [= mãe]. Não engana, portanto. É assim que JESUS é também a VIDA toda recebida (do PAI), toda a nós dada.
É assim também, maternalmente, que se entende a jovem e bela comunidade cristã nascente, atenta, outra vez como uma mãe, aos seus filhos que necessitam de assistência (Atos dos Apóstolos 6,1-7). Como é belo ver crescer, e cresce mesmo, uma comunidade de rosto maternal, de braços sempre abertos para acolher e abraçar, de mãos sempre abertas para receber, dar e acariciar. Tudo tão ao jeito e ao estilo de Jesus. Total dedicação à oração e ao serviço (diakonía) da Palavra de Deus (6,4). Total dedicação ao serviço (diakonía) da caridade. Atenção, porém: Filipe não aparece com o título de diácono (diákonos). O seu trabalho é evangelizar (Atos 8,26-40), e, se algum título lhe é atribuído, é o de «o evangelista» (ho euaggelistês) (Atos 21,8).
É claro, diz S. Pedro (1 Pedro 2,4-9), que Jesus é a pedra viva, base de um novo tipo de edifício, que nenhum arquiteto sabe desenhar ou projetar. É, na verdade, um edifício espiritual, feito de pedras vivas (!). E nós somos essas pedras vivas, esse Templo espiritual, que tem em Cristo a sua referência permanente. Um Templo novo e inédito com sangue, entranhas, mãos, pés e coração.
Enfim, o Salmo 33, que hoje cantamos, é um verdadeiro «canto novo» (shîr hadash) a fazer vibrar as fibras do nosso coração com a música do amor misericordioso que nos vem de Deus. Mas é também música sem palavras (terûʽah) (v. 2), jubilação, exultação, lalação de radical confiança da criança que em nós sorri e dança, porque Deus vela por nós. Comenta Santo Agostinho: «Já sabes o que é o canto novo: um homem novo, um canto novo».
«O lugar para onde Eu vou,
Vós sabeis o caminho para lá», diz Jesus.
«Nós não sabemos para onde vais,
Como podemos saber o caminho para lá?»,
Retorquiu Tomé.
Tomé é como nós:
Não sabe trabalhar sem metas e objetivos.
E é em função das metas e objetivos,
Que escolhe caminhos e metodologias.
Deus disse a Abraão: «Vai do teu país
Para o país que Eu te fizer ver».
E o narrador diz-nos que «Abraão foi».
Para onde? Para qual país?
Não interessa.
Interessa é saber que uma mão segura nos guia,
E que o caminho que trilhamos nos conduz sempre ao destino.
É assim que faz Jesus também.
Não nos indica no mapa o lugar do destino,
Mas mostra-nos o caminho para chegar lá.
Por isso nos diz: «Vinde atrás de Mim…».
É assim a procissão e a peregrinação.
Ele vai connosco e à nossa frente.
Ele é o caminho,
A mão segura,
A água pura,
O pão de trigo.
Ensina-nos, Senhor,
A caminhar contigo.
António Couto
ANEXOS:
Domingo IV da Páscoa – Domingo do Bom Pastor – Ano A – 30.04.2023
Viver a Palavra
No quarto ano de catequese, quando os catequizandos abordam as Cartas de S. Paulo são convidados a escrever uma carta ao pároco onde lhe agradecem o seu serviço à comunidade e onde lhe fazem algumas perguntas. Apesar da minuta que o guia do catequista propõe para a resposta do pároco, sempre fiz questão de responder a cada um de acordo com o seu texto e com as perguntas que me dirigia. Não consigo esquecer as muitas cartas que li e respondi, mas hoje recordo particularmente uma delas em que um dos miúdos me agradecia porque sempre que se encontrava comigo, eu o chamava pelo seu nome. Para o pequeno Tiago chamá-lo pelo nome manifestava a proximidade, a atenção e o carinho que tinha por ele. Ele não era mais um numa massa indistinta a quem o padre era chamado a servir, mas alguém que era conhecido pelo seu próprio nome, reconhecido na sua individualidade e irrepetibilidade. Ao ler esta carta era inevitável não recordar as palavras de Jesus em que se apresenta como Bom Pastor que conhece as suas ovelhas e chama a cada uma pelo seu nome. Como recorda o biblista Raymond Brown no seu comentário ao Evangelho de João, os rebanhos que pastavam nas montanhas da Judeia pertenciam a diversos proprietários e, assim, cada pastor fazia-se reconhecer junto das suas ovelhas através da sua voz e pelo nome com que as chamava.
A imagem do pastor apresentada por Jesus fazia parte do quotidiano daqueles que o escutavam e esta figura bucólica do pastor descrevia o modo solícito, disponível e total que caracteriza a arte de cuidar. Não se pode ser pastor de segunda a sexta, com folgas e feriados. Ser pastor implica uma disponibilidade e atenção constantes, uma ternura e desvelo que cuida, ama, conhece, nutre e protege.
É muito curioso que apesar de Jesus sublinhar esta atenção e cuidado em chamar cada ovelha pelo seu nome, os evangelhos falam sempre de rebanhos e não de ovelhas isoladas. Quando se fala de uma ovelha sozinha ou separada é para descrever uma situação negativa de uma ovelha desgarrada ou perdida que se afastou do rebanho, que deixou de seguir o pastor e ouvir a sua voz.
Fixando o nosso olhar em Jesus, Bom, Belo e Perfeito Pastor, somos chamados a reconhecer o cuidado e o desvelo com que o Senhor cuida de nós. Como cantávamos no Salmo: «O Senhor é meu pastor: nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes e reconforta a minha alma». Somos amados e agraciados pelo Deus do amor e da misericórdia que em Jesus Cristo se entrega todo e até ao fim para salvar o Seu rebanho da morte e do pecado.
«Eu sou a porta das ovelhas». Jesus é a «Porta» pela qual entramos em comunhão com o Pai e descobrimos um novo horizonte de sentido para as nossas vidas. Não é uma porta para o isolamento e fechamento, mas uma «Porta» que nos faz verdadeiramente livres e nos aponta a plenitude para a qual somos chamados. Deste modo, Jesus é a «Porta» de ingresso por onde entramos para saborear a bondade e a ternura do Pai e a «Porta» de saída de onde partimos ao encontro dos irmãos como testemunhas da alegria do serviço por amor que transforma a vida e o mundo num lugar mais belo e mais feliz.
Salvos e redimidos pelo amor misericordioso do Bom Pastor, como a multidão que na manhã de Pentecostes escutava a Boa Nova da Ressurreição, também nós perguntamos: «Que havemos de fazer, irmãos?». Na verdade, temos consciência que a vida cristã não é apenas uma doutrina a saber ou uma moral a cumprir, mas um amor a acolher como dom e a concretizar em obras de ternura e misericórdia que fazem presente o acontecer de Deus no mundo, no fazer das nossas mãos generosas e operantes que se abrem à conversão e à vida nova. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
O IV Domingo do Tempo da Páscoa é tradicionalmente designado como Domingo do Bom Pastor e nele celebramos o Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Assinalando o Domingo do Bom Pastor recordamos aqueles que seguindo Jesus, Bom e Belo Pastor, pelo dom do ministério sacerdotal, exercem o seu ministério em favor do Povo de Deus. Agradecendo, também, o dom de tantas vidas que se fazem pão partido e repartido em favor dos irmãos, rezamos para que o Senhor conceda à Igreja o dom de homens e mulheres comprometidos com a sua vocação, na variedade de serviços e ministérios para os quais o Senhor nos chama. O tema deste ano para esta semana é «Troquemos o instante pelo eterno» e os materiais já estão disponíveis no site da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios (http://ecclesia.pt/cevm/) in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Estamos em Tempo Pascal. Percorremos os 50 dias até ao Pentecostes. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Atos 2,14a.36-41
«Convertei-vos e peça cada um de vós o Batismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados»
Ambiente
Continuamos no mesmo ambiente em que nos colocava a primeira leitura do passado domingo: em Jerusalém, na manhã do dia do Pentecostes. Pedro é o porta-voz de uma comunidade que, iluminada pelo Espírito, toma consciência da necessidade de testemunhar Jesus, a sua vida, a sua morte e a sua ressurreição. Diante dos habitantes de Jerusalém e dos forasteiros – idos das comunidades judaicas da “Diáspora” – reunidos para a festa judaica do “Savu’ot” (Pentecostes – a festa que celebrava a aliança do Sinai e o dom da Lei), a comunidade cristã apresenta o kerigma sobre Jesus e proclama a sua fé.
Este discurso é uma construção do autor dos Atos e não uma transcrição textual das palavras de Pedro, nesse dia; no entanto, é razoável supor que, nesse momento inicial da caminhada da Igreja, o testemunho dos discípulos de Jesus não se afastou muito das ideias aqui apresentadas. in Dehonianos.
A reflexão pode partir das seguintes questões:
Em cada linha da leitura que nos foi proposta, está presente a lógica de um Deus que não se conforma com o facto de os homens rejeitarem a sua oferta de salvação e que insiste em desafiá-los, em acordá-los, em questioná-los, até que eles percebam onde está a verdadeira vida e a verdadeira felicidade. Este Deus é, verdadeiramente, o Pastor que nos conduz para as nascentes de água-viva.
Perante a interpelação que Deus faz, por intermédio de Pedro, os membros da comunidade judaica perguntam: “que havemos de fazer, irmãos?” É a atitude de quem toma, bruscamente, consciência dos caminhos errados que tem trilhado, percebe o sem sentido de certas opções, comportamentos e valores, aceita questionar as suas certezas e seguranças, para aceitar os desafios de Deus. Trata-se de uma atitude corajosa: é mais fácil continuar comodamente instalado na sua autossuficiência, do que “dar o braço a torcer” e reconhecer, com humildade, a necessidade de eliminar os preconceitos, de refazer os esquemas mentais, de admitir as falhas, os limites, as incoerências. Aceito questionar-me, estou disposto a admitir os meus limites, procuro humildemente o caminho certo, ou sou daqueles que nunca me engano e raramente tenho dúvidas?
“Convertei-vos” – pede Pedro aos seus interlocutores. Converter-se é deixar os velhos esquemas de egoísmo, de prepotência, de orgulho, de autossuficiência que tantas vezes constituem o cenário privilegiado em que se desenrola a vida, para ir atrás de Jesus e aprender com Ele a amar, a servir, a dar a vida. Estou disponível para encarar a minha vida sob o signo da conversão? O que é que, na minha vida, mais necessita de ser transformado, em termos de ideias, valores, comportamentos? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
LEITURA II – 1 Pedro 2,20b-25
«Ele suportou os nossos pecados no seu Corpo, sobre o madeiro da cruz».
Ambiente
Continuamos com essa Primeira “Carta de Pedro”, escrita por um autor desconhecido e dirigida, durante a década de 80, a comunidades cristãs de zonas rurais do interior da Ásia Menor. Trata-se de comunidades constituídas maioritariamente por pessoas provenientes do paganismo, de classe económica débil: muitos são camponeses que cultivam as terras dos senhores locais, pastores que cuidam de rebanhos alheios, ou mesmo escravos. Este ambiente torna-as altamente vulneráveis face à hostilidade que os defensores da ordem romana manifestam para com os cristãos.
O autor da carta conhece perfeitamente a situação de debilidade em que estas comunidades estão e prevê que, num futuro próximo, o ambiente se vá tornar menos favorável ainda. Recorda, pois, aos destinatários da carta, o exemplo de Cristo, que sofreu e morreu, antes de chegar à ressurreição. É um convite à esperança: apesar dos sofrimentos que têm de suportar, os crentes estão destinados a triunfar com Cristo; por isso, devem viver com alegria e coragem o seu compromisso batismal
O texto que nos é proposto integra uma perícope em que o autor apresenta aos destinatários da carta um conjunto de conselhos práticos sobre a conduta que os cristãos devem assumir em várias situações da vida (cf. 1 Pe 2,11-5,11). Mais especificamente, o nosso texto reflete sobre os deveres dos servos (cf. 1 Pe 2,18) face aos seus senhores. in Dehonianos.
Na reflexão, considerar as seguintes linhas:
Como devemos lidar com a injustiça e com a violência? Haverá uma violência justa e aceitável? Os fins justificam os meios? É a este tipo de questões que a nossa leitura responde. O autor não está interessado em grandes argumentações filosóficas, sociológicas ou teológicas: propõe apenas o exemplo de Cristo, que passou pelo mundo fazendo o bem e foi preso, torturado, assassinado sem resistir, sem Se revoltar, sem responder “na mesma moeda” aos seus assassinos. É uma lógica incompreensível, ou até mesmo demente, aos olhos do mundo… Mas é a lógica de Deus; e Jesus demonstrou que só este caminho conduz à ressurreição, à vida nova, a um dinamismo gerador de um mundo novo. O cristão é chamado a ser testemunha no meio dos homens desta novidade absoluta: só o amor gera vida nova e transforma o mundo.
Esta leitura apresenta Cristo como “o Pastor” que guarda e conduz as suas ovelhas. Neste contexto, em concreto, seguir o Pastor é responder à injustiça com o amor, ao mal com o bem. Cristo é, de facto, o meu “Pastor”, a minha referência, o modelo de vida que eu tenho sempre diante dos olhos – tanto nesta como noutras questões? Quem é que eu ouço, quem é que eu sigo, quem é o meu modelo? in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 10,1-10
«Aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta, mas entra por outro lado, é ladrão e salteador».
«Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será salvo: é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem.».
«Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância».
Ambiente
O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.
A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida.
A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus. in Dehonianos.
Considerar, na atualização da Palavra, os seguintes elementos:
Na nossa cultura urbana, a figura do “Pastor” é uma figura de outras eras, que pouco evoca, a não ser um mundo perdido de quietude e de amplos espaços verdes; em contrapartida, conhecemos bem a figura do presidente, do líder, do chefe: não raras vezes, é alguém que se impõe pela força, que manipula as massas, que escraviza os que estão sob a sua autoridade, que se aproveita dos fracos, que humilha os mais débeis… Ao propor-nos a figura bíblica do “Bom Pastor”, o Evangelho convida-nos a refletir sobre o serviço da autoridade… Propõe como modelo de presidência (ou de “Pastor”) uma figura que oferece a vida, que serve, que respeita a liberdade das pessoas, que se dedica totalmente, que ama gratuitamente.
Para os cristãos, “o Pastor” por excelência é Cristo: Ele recebeu do Pai a missão de conduzir o “rebanho” de Deus das trevas para a luz, da escravidão para a liberdade, da morte para a vida. O nosso “Pastor” é, de facto, Cristo, ou temos outros “pastores” que nos arrastam e que são as referências fundamentais à volta das quais construímos a nossa existência? O que é que nos conduz e condiciona as nossas opções? Cristo? A voz do político e socialmente correto? A voz da opinião pública? A voz do presidente do partido? A voz do comodismo e da instalação? A voz do preservar os nossos esquemas egoístas e os nossos privilégios? A voz do êxito e do triunfo a qualquer custo? A voz do herói mais giro da telenovela? A voz do programa de maior audiência da estação televisiva de maior audiência?
Atentemos na forma como Cristo desempenha a sua missão de “Pastor”: Ele conhece as “ovelhas” e chama-as pelo nome, mantendo com cada uma delas uma relação única, especial, pessoal. Dirige-lhes um convite a deixarem a escuridão, mas não força ninguém a segui-l’O: respeita absolutamente a liberdade de cada pessoa. É dessa forma humana, tolerante, amorosa, que nos relacionamos com os outros? Aqueles que receberam de Deus a missão de presidir a um grupo, de animar uma comunidade, exercem a sua missão no respeito absoluto pela pessoa, pela sua dignidade, pela sua individualidade?
As “ovelhas” do rebanho de Jesus têm de “escutar a voz” do “Pastor” e segui-l’O… Isso significa, concretamente, tornar-se discípulo, aderir a Jesus, percorrer o mesmo caminho que Ele percorreu, na entrega total aos projetos de Deus e na doação total aos irmãos. Atrevemo-nos a seguir o nosso “Pastor” (Cristo) no caminho exigente do dom da vida, ou estamos convencidos que esse caminho não leva aonde nós pretendemos ir?
Nas nossas comunidades cristãs, temos pessoas que presidem e que animam. Podemos aceitar, sem problemas, que elas receberam essa missão de Cristo e da Igreja, apesar dos seus limites e imperfeições; mas convém igualmente ter presente que o nosso único “Pastor”, Aquele que somos convidados a escutar e a seguir sem condições, é Cristo. Os outros “pastores” têm uma missão válida, se a receberam de Cristo; e a sua atuação nunca pode ser diferente do jeito de atuar de Cristo.
Para que distingamos a “voz” de Jesus de outros apelos, de propostas enganadoras, de “cantos de sereia” que não conduzem à vida plena, é preciso um permanente diálogo íntimo com “o Pastor”, um confronto permanente com a sua Palavra e a participação ativa nos sacramentos onde se nos comunica essa vida que “o Pastor” nos oferece. in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é a continuação do longo discurso de Pedro no dia de Pentecostes. Além do tom exortativo que deve caracterizar a proclamação desta leitura, o leitor deve ter em atenção a interpelação que a multidão faz a Pedro e o modo como essa questão desperta o convite de Pedro à conversão e ao Batismo.
A segunda leitura sendo de fácil proclamação requer apenas um especial cuidado nas pausas e respirações para uma articulada e eficaz leitura do texto.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Domingo IV da Páscoa. Domingo do Bom, Belo, Perfeito e Verdadeiro Pastor. É este o significado largo do adjetivo grego kalós e do hebraico tôb, que qualifica o nome «Pastor». De notar que o Domingo IV da Páscoa, Domingo do Bom e Belo Pastor, é sempre também Dia Mundial de Oração pelas Vocações, e este ano sai ainda mais enriquecido com a celebração do «Dia da Mãe».
O Evangelho que marca o ritmo deste Dia Grande é João 10,1-10, que surge enquadrado na Festa judaica anual da Dedicação do Templo (ver João 10,22). Situemo-nos. O selêucida Antíoco IV Epifânio tinha profanado o Templo de Jerusalém, introduzindo lá cultos pagãos. Este acontecimento remonta ao ano 167 a. C. Contra esta helenização e paganização do judaísmo lutaram os Macabeus, e, no ano 164 a. C., Judas Macabeu procedeu à Purificação do Templo e à sua Dedicação ao Deus Vivo. É este importante acontecimento que deve ser celebrado todos os anos, durante oito dias, com a Festa da Dedicação, a partir do dia 25 do mês de Kisleu, que, no ano litúrgico 2019-2020 ocorreu entre os dias 23-30 de dezembro de 2019, e, no ano litúrgico 2020-2021, acontecerá entre os dias 11-18 de dezembro de 2020.
A Festa da Dedicação, em hebraico hanûkkah, celebra-se durante oito dias, e tem como símbolo o candelabro de oito braços. Relata o Talmude que, quando os judeus fiéis entraram no Templo profanado pelos pagãos helenistas, encontraram uma única âmbula de azeite puro (kasher) de oliveira para reacender o candelabro de sete braços, em hebraico menôrah, que é um dos símbolos de Israel, e que deve arder diante do Deus Vivo. Todavia, uma âmbula de azeite duraria apenas um dia, e eram precisos oito dias para preparar novo azeite puro. Pois bem, o azeite daquela única âmbula durou milagrosamente oito dias! Daí que, na Festa da Dedicação, se acenda um candelabro de oito braços, chamado hanûkkiyyah. Mas acende-se apenas uma luz por dia, depois do pôr-do-sol, aumentando progressivamente até estarem acesas as oito luzes. Além disso, e ao contrário das luzes da menôrah e do Sábado, que alumiam o interior do Santuário e da casa de família respetivamente, as Luzes do candelabro da Dedicação, refere o ritual, devem ser vistas cá fora: devem alumiar o ambiente social, político, comercial, cultural e, no referente a este ano, também sanitário. E também ao contrário das luzes da menôrah e do Sábado, não se acendem todas de uma vez, mas progressivamente uma por dia, porque, quando as condições são adversas (paganismo helenista e escuro), não basta acender uma luz e mantê-la; é preciso aumentar constantemente a luz. Mais luz. Mais luz. Mais luz.
Como este simbolismo é importante para os dias de hoje! Está escuro cá dentro e lá fora, o mundo parece desconstruir-se, o paganismo é galopante! Mais do que nunca, é preciso, portanto, não apenas manter a luz, mas aumentá-la progressivamente. E é ainda necessário que esta Luz saia: uma «igreja em saída», como sonha e pede o Papa Francisco! E está em maravilhosa sintonia com a Luz Grande que deve alumiar este Domingo do Bom e Belo Pastor, que é Jesus, verdadeira Luz do mundo, Dom do Amor de Deus ao nosso coração. Atear esta Luz de Jesus no nosso coração é também o segredo maior deste 57.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, a que o Papa Francisco apôs o lema: «As palavras da vocação», que articula em quatro palavras-chave: gratidão, coragem, cansaço e louvor, todas elas endereçadas a situações reais da nossa vida.
Da mesa da Escritura deste Domingo IV da Páscoa transbordam tonalidades e sabores intensos, harmoniosos e deliciosos. Música encantatória. Água pura. Óleo perfumado. Verde prado em festa. Proximidade. Ternura. Confiança. Beleza em flor e fruto. Vida a transbordar. Tudo da ordem do sublime.
A figura do Pastor belo e bom como que salta da página fechada (João 10,1-10), para surgir em pessoa à nossa frente. Ao dizer «Eu sou», Jesus está também, ao mesmo tempo, a dizer «vós sois». Está, portanto, a estabelecer uma relação pessoal de proximidade, confiança e intimidade connosco, bem expressa, de resto, pelos verbos «chamar pelo nome», «conhecer», «ouvir a voz», «conduzir», «caminhar à frente de», «seguir», «dar a vida».
Mas esta vida livre, plena e bela, assente na verdade e na confiança, sem mentiras nem imposturas, sem imposições nem malabarismos, deixa ver em expresso contraponto o seu oposto. É que também saltam da página os ladrões, os salteadores e os estranhos, que, em vez de conjugarem os verbos acima indicados para traduzir a relação do pastor belo e bom com o seu rebanho, conjugam antes os verbos «roubar», «matar», «destruir». Como esta página antiga e sempre nova de João 10,1-10 lê e desvenda os tempos de hoje!
Mas o texto grandioso de João 10,1-10 passa também mensagens intemporais que, em cada tempo e lugar, devem interpelar a comunidade cristã. Assim, quando Jesus diz: «Eu sou a porta», não está a usar uma linguagem da ordem da arquitetura e da carpintaria. É de uma porta pessoal que se trata. E esta porta pessoal tem um nome e um rosto: Jesus de Nazaré, Jesus de Deus. E esta porta serve para «entrar e sair». «Entrar e sair» é um merisma [= figura literária que diz o todo acostando duas extremidades] que traduz a nossa vida toda. É a nossa vida toda sempre em referência a Jesus Cristo. Entende-se, não com a atual criação industrial de gado, em que os animais estão quase sempre em clausura e o pasto lhes é fornecido em manjedouras apropriadas, visando sempre uma maior produtividade, mas com os «apriscos» [= mais abrir do que fechar, como indica o étimo aprire] antigos, em que os animais se recolhiam apenas para se protegerem do frio da noite e dos assaltos das feras ou dos ladrões, e procuravam fora o seu alimento, sempre conduzidos e sob a atenção vigilante do pastor.
Note-se ainda que os Evangelhos falam sempre de rebanho, e não de ovelhas separadas. Quando falam de uma ovelha sozinha, é para descrever a situação negativa de uma ovelha desgarrada ou perdida, que se perdeu do rebanho ou da comunidade, e deixou de seguir o pastor e de ouvir a sua voz. Note-se ainda que as ovelhas «entram pela porta», mas não é para ficarem descansadas e recolhidas, fechadas sobre si mesmas, hoje diríamos «confinadas». É para sair, pois é fora que encontrarão pastagem. Lição para a comunidade dos discípulos de Jesus de hoje e de sempre: o trabalho belo que nos alimenta e nos mantém saudáveis espera-nos lá fora! Que Deus nos dê então sempre um grande apetite! A messe ondulante está à espera de ceifeiros que saibam cantar (Salmo 126,5-6), porque também sabem que é Deus o Senhor da messe.
A cristalina melodia do Salmo 23, que hoje cantamos, entranha-se suavemente em nós, fazendo-nos experimentar os mil sabores da paz, do pão e da alegria que em cada dia recebemos do Pastor belo e bom que amorosamente nos guia. Ele é o companheiro para quem as horas do seu rebanho são também as suas, corre os mesmos riscos, experimenta a mesma fome e a mesma sede, o sol que cai sobre o rebanho cai também sobre ele. Deixemo-nos, portanto, conduzir pela mão carinhosa e pela voz maternal e melodiosa do Bom e Belo Pastor. Sim, Ele recebe bem os seus hóspedes: faz-nos uma visita guiada pelos seus prados muito verdes, cheios de águas muito azuis, unge com óleo perfumado a nossa cabeça, estende no chão do seu céu a «pele de vaca» (shulhan), que é a sua mesa, serve-nos vinhos generosos… Como é importante recitar e saborear esta alegria pessoal que nos traz o Pastor belo e bom que nos chama e nos inebria. Confessou o filósofo francês Henri Bergson: «As centenas de livros que li nunca me trouxeram tanta luz e conforto como os versos do Salmo 23».
E aí está outra vez Pedro a exortar-nos na manhã de Pentecostes: «Salvai-vos desta geração perversa» (Atos 2,40). «Vós éreis como ovelhas desgarradas, mas agora regressastes para o pastor e supervisor (epískopos) das vossas almas» (1 Pedro 2,25). «Segui, pois, os seus passos» (1 Pedro 2,21).
Concede-nos, Senhor, Belo e Bom Pastor, que nunca nos tresmalhemos do teu imenso amor, e que saibamos sempre levar o tom e o sabor da tua voz que chama e ama a cada irmão perdido em casa ou numa estrada de lama.
Senhor Jesus Cristo,
Único Senhor da minha vida,
Bom Pastor dos meus passos inseguros
E do silêncio inquieto do meu coração,
Cheio de sonhos, anseios, dúvidas, inquietações.
Senhor Jesus,
Faz ressoar em mim a tua voz de paz e de ternura.
Eu sei que pronuncias o meu nome com doçura,
E me envias ao encontro daquele meu irmão que Te procura.
Fico contigo sentado junto ao poço.
Alumia o meu pobre coração.
Vejo que, de toda a parte, chega gente de cântaro na mão.
Dispõe de mim, Senhor,
Nesta hora de Nova Evangelização.
Que eu saiba, Senhor,
Interpretar bem a tua melodia.
Que eu saiba, Senhor,
Dizer sempre SIM como Maria.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo IV da Páscoa – Ano A – 30.04.2023 (Atos 2, 14a.36-41)
- Leitura II do Domingo IV da Páscoa – Ano A – 30.04.2023 (Pedro 2, 20b-25)
- Domingo IV da Páscoa – Ano A – 30.04.2023 – Lecionário
- Domingo IV da Páscoa – Ano A – 30.04.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo III da Páscoa – Ano A – 23.04.2023
25Jesus disse-lhes, então: «Ó homens sem inteligência e lentos de espírito para crer em tudo quanto os profetas anunciaram! 26Não tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na sua glória?» 27E, começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que lhe dizia respeito. Lc 24, 25-27
Viver a Palavra
A Boa Notícia que brota do sepulcro aberto ecoa no tempo e na história para renovar a esperança e fortalecer a confiança de todos quantos trilham os caminhos tortuosos e exigentes da nossa existência. A proclamação alegre e jubilosa da manhã de Páscoa prolonga-se liturgicamente ao longo de cinquenta dias como oportunidade de aprofundar e saborear a presença de Jesus Cristo Ressuscitado.
O Evangelho deste terceiro Domingo do Tempo da Páscoa oferece-nos uma das mais belas viagens narradas pela Sagrada Escritura. Doze quilómetros de estrada, onde o céu e a terra se tocam, onde o Ressuscitado se coloca a caminho para iluminar a esperança e renovar a confiança no coração daqueles discípulos que tristes e desanimados regressam à sua terra.
«Jesus aproximou-Se deles e pôs-Se com eles a caminho». Deus precede-nos sempre e em Jesus Cristo vem ao nosso encontro. Nas angústias e incertezas, nas dores e nos sofrimentos, Jesus vem ao nosso encontro, vestido de humanidade, percorrendo as nossas estradas e fazendo caminho connosco. A fé cristã não é um rito mágico que elimina do nosso caminho as dificuldades e desafios, mas a certeza de que, não obstante os desafios e dificuldades do caminho, Deus está connosco, Deus caminha connosco, Deus oferece-nos a força e a coragem necessárias para caminhar, mesmo quando parecem fraquejar as forças e o ânimo parece desvanecer.
A Páscoa deste ano declina-se inevitavelmente com o estado de emergência e a pandemia que nos assola. Contudo, bem sabemos, que Páscoa deriva do verbo hebraico pesach que significa passar. Celebram e vivem a Páscoa aqueles que são capazes de rasgar brechas de esperança e abrir caminhos que nos permitem alargar os nossos horizontes e compreender que o amor é mais forte do que a morte e que a dor e o sofrimento se abrem ao horizonte maior e mais largo da esperança e da confiança.
Estes dois discípulos vão a caminho de Emaús. Vão desanimados e desalentados. Eles deixaram tudo e seguiram Jesus. Escutaram as Suas palavras cheias de novidade e de vida, viram os Seus milagres e contemplaram o Seu amor que se fazia perdão, encontro e entrega. Contudo, «os príncipes dos sacerdotes e os nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte e crucificado». Por isso, apesar de terem depositado Nele a sua esperança e acreditado que poderia ser Ele quem libertaria Israel, «afinal, é já o terceiro dia depois que isto aconteceu». Nem a palavra das mulheres que tinham ido ao sepulcro de madrugada era suficiente para lhes oferecer qualquer réstia de esperança. Apesar de elas terem dito que o sepulcro estava vazio e que uns anjos lhes tinham anunciado que Ele estava vivo, a Ele não o viram.
Como é desconcertante a pedagogia de Jesus! Coloca-se a caminho, quer ouvir pela boca dos discípulos as razões do seu desânimo e desalento. Recorda-lhes a história de amor que Deus construiu com o Seu Povo «começando por Moisés e passando pelos Profetas». Preparado e abrasado o coração dos discípulos pela Palavra, senta-se com eles à mesa e parte o Pão. Contemplando o gesto do pão partido e repartido, os discípulos recordam aquela outra ceia em que se sentaram com Jesus à mesa e reconhecem, naquele gesto, Jesus Vivo Ressuscitado.
Diante das nossas dores e sofrimentos, das nossas dúvidas e incertezas, Jesus continua a colocar-se no meio de nós, a querer escutar a nossa vida com as suas dificuldades e faltas de esperança e convida-nos a recordar a história de amor que Deus constrói connosco. Dirige-nos a Sua palavra de amor e recorda-nos que a Sua vida feita pão partido e repartido continuará a abrir os nossos olhos para uma nova esperança que só a Sua Páscoa nos pode oferecer e garantir. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Estamos em Tempo Pascal. Percorremos os 50 dias até ao Pentecostes. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Atos 2,14.22-33
«Foi este Jesus que Deus ressuscitou, e disso todos nós somos testemunhas»
Ambiente
O nosso texto situa-nos na manhã do dia do Pentecostes, em Jerusalém. A comunidade cristã, transformada pelo Espírito, deixou a segurança das paredes do cenáculo e prepara-se para dar testemunho de Jesus, em Jerusalém e até aos confins do mundo. Nesse contexto, Lucas coloca na boca de Pedro – o porta-voz dos Doze – um discurso, que constitui um primeiro anúncio de Jesus (“kerigma”) aos habitantes da cidade e a todos os que se encontram ali para celebrar a festa judaica de “Shavu’ot” (“Pentecostes” – festa celebrada cinquenta dias após a Páscoa, e na qual se ofereciam a Deus os primeiros frutos da terra. Na época neotestamentária, celebrava a “aliança” e, sobretudo, o dom da Lei ao Povo de Deus, na montanha do Sinai).
Este discurso, colocado na boca de Pedro, não é a reprodução histórica exata de um discurso feito por Pedro junto do cenáculo, no dia da festa do Pentecostes; mas é um discurso construído pelo autor dos Atos, que reproduz, em parte, a pregação que a primitiva comunidade cristã fazia sobre Jesus.
Este discurso é muito semelhante a outros discursos do livro dos Atos (cf. Act 3,12-26; 4,8-12; 10,34-43; 13,16-41). Em qualquer um deles, aparece sempre um núcleo central que procede do kerigma primitivo e o resume: apresentação breve da atividade de Jesus, anúncio da sua morte e ressurreição e salvação que daí brota. Mesmo que o texto não reproduza exatamente a pregação de Pedro no dia do Pentecostes, reproduz a fórmula mais ou menos consagrada do kerigma primitivo e a catequese que a comunidade cristã primitiva costumava apresentar sobre Jesus.in Dehonianos.
Considerar os seguintes desenvolvimentos:
O nosso texto insiste numa mensagem que, nestes dias, aparece com grande insistência: Deus ressuscitou Jesus e não permitiu que a morte O derrotasse… A ressurreição de Cristo prova que uma vida gasta ao serviço do plano do Pai, na entrega aos homens, não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à exaltação, à vida plena. É conveniente lembrarmos isto, sempre que nos sentirmos desiludidos, dececionados, fracassados, derrotados, criticados, por gastarmos a vida numa dinâmica de serviço, de entrega, de amor. Uma vida que se faz dom nunca é um fracasso; uma vida vivida de forma egoísta e autossuficiente, à margem de Deus e dos outros, é que é fracassada, pois não conduz à vida em plenitude.
Uma outra ideia, que está bem vincada no nosso texto, é a do testemunho… Pedro é o porta-voz de uma comunidade que conheceu e apreendeu a proposta de salvação que Cristo veio oferecer e que se sente, agora, investida da missão de dar testemunho dela diante dos homens – de todos os homens. A Igreja – da qual fazemos parte – é hoje, no mundo, a testemunha da proposta de salvação que Cristo fez; ela deve dizer a todos os homens o que aconteceu com Cristo e como Ele mostrou que a vida plena resulta do amor e do dom da vida. Sentimo-nos investidos dessa missão? Os homens desiludidos e desorientados encontram em nós – testemunhas de Cristo ressuscitado – uma proposta de vida definitiva e de realização plena? Somos nós que contaminamos o mundo e lhe oferecemos uma alternativa à desilusão, ou é o mundo que nos convence a viver de acordo com valores diferentes dos de Jesus? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 15 (16)
Refrão: Mostrai-me, Senhor, o caminho da vida.
LEITURA II – 1 Pedro 1,17-21
«Por Ele acreditais em Deus, que O ressuscitou dos mortos e Lhe deu a glória, para que a vossa fé e a vossa esperança estejam em Deus.».
Ambiente
Já vimos no passado domingo que a Primeira Carta de Pedro é um texto dirigido aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor, provavelmente na parte final do séc. I (talvez pelos anos 80). Trata-se de comunidades do meio rural, pobres e altamente vulneráveis, nesse contexto de hostilidade que começa a manifestar-se cada vez mais contra os cristãos. As violentas e organizadas perseguições de Domiciano (que se traduzirão, para os cristãos, em massacres, torturas e sofrimentos indizíveis) estão já no horizonte próximo (década de 90).
Neste contexto, o autor da Carta exorta os crentes a manterem a fidelidade à sua fé, apesar da hostilidade atual e dos sofrimentos futuros. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coragem, coerência e fidelidade a sua opção cristã. in Dehonianos.
A reflexão pode considerar os seguintes passos:
O nosso texto convida-nos, antes de mais, a contemplar o imenso amor de Deus pelos homens. Esse amor traduziu-se no envio do próprio Filho (Jesus Cristo), com uma proposta de salvação. Da fidelidade do Filho ao projeto do Pai resultou o seu confronto com o egoísmo e o pecado e a morte na cruz. Não há maior expressão de amor do que entregar a vida em favor de alguém; e é dessa forma que Deus nos ama. Temos consciência disso?
Da contemplação do amor de Deus tem de resultar uma resposta nossa. Segundo o autor da Primeira Carta de Pedro, essa resposta deve traduzir-se numa conduta nova de obediência a Deus, de entrega incondicional nas mãos de Deus, de adesão completa aos seus planos, valores e projetos. O amor de Deus inspira-me e motiva-me para viver – com coerência e fidelidade – os seus valores?
O mundo em que vivemos potencia mais o egoísmo e a autossuficiência do que o amor e a doação… Os homens do nosso tempo vivem, de forma geral, voltados para si mesmos, para os seus pequenos interesses pessoais e para a realização imediata dos seus sonhos, desejos e prioridades. Nós, os crentes, no entanto, somos convidados a viver e a anunciar a lógica de Deus, que é a lógica do amor e da entrega da vida até às últimas consequências. Qual é a lógica que domina a minha vida e que eu transmito nas minhas palavras e nos meus gestos: a lógica do amor, da entrega, da doação até às últimas consequências, ou a lógica do egoísmo, do orgulho, do amor-próprio? in Dehonianos
EVANGELHO – Lc 24,13-35
«Dois dos discípulos de Jesus iam a caminho duma povoação chamada Emaús».
«Ficai connosco, porque o dia está a terminar e vem caindo a noite».
«Eles contaram o que tinha acontecido no caminho e como O tinham reconhecido ao partir o pão».
Ambiente
A história que o Evangelho deste domingo nos apresenta é exclusiva de Lucas: nenhum outro evangelista a refere. O texto põe-nos a caminhar com dois discípulos de Jesus que, no dia de Páscoa, vão de Jerusalém para Emaús.
De acordo com o autor do nosso texto, os dois homens dirigiam-se para uma aldeia chamada Emaús, a sessenta estádios de Jerusalém (cerca de 12 quilómetros). Uma localidade com esse nome, a essa distância de Jerusalém é, no entanto, desconhecida… Pensou-se que o texto poderia referir-se a Amwas, uma localidade situada a cerca de trinta quilómetros a oeste de Jerusalém (alguns manuscritos antigos não falam de sessenta estádios, mas de cento e sessenta estádios, o que nos colocaria no sítio certo); no entanto, parece ser uma distância excessiva para percorrer num dia, sem paragens e a conversar despreocupadamente.
Os comentadores destacaram, muitas vezes, a intenção teológica deste relato. Que é que isto significa? Significa que não estamos diante de uma reportagem jornalística de uma viagem geográfica, mas de uma catequese sobre Jesus. O que interessa ao autor não é escrever um relato lógico e coerente (se Lucas estivesse preocupado com a lógica e com a coerência, teria mais cuidado com a situação geográfica de Emaús; e, certamente, explicaria melhor algumas incongruências do texto – nomeadamente porque é que estes discípulos partiram para a sua aldeia na manhã de Páscoa sem investigar os rumores de que o túmulo estava vazio e Jesus tinha ressuscitado). O que interessa ao autor é explicar aos cristãos para quem escreve – na década de 80 – como é que podem descobrir que Jesus está vivo e como podem fazer a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. Trata-se, portanto, de uma página de catequese, mais do que a descrição fiel de acontecimentos concretos.in Dehonianos.
Na reflexão, considerar as seguintes questões:
Na nossa caminhada pela vida, fazemos, frequentemente, a experiência do desencanto, do desalento, do desânimo. As crises, os fracassos, o desmoronamento daquilo que julgávamos seguro e em que apostámos tudo, a falência dos nossos sonhos deixam-nos frustrados, perdidos, sem perspetivas. Então, parece que nada faz sentido e que Deus desapareceu do nosso horizonte… No entanto, a catequese que Lucas nos propõe hoje garante-nos que Jesus, vivo e ressuscitado, caminha ao nosso lado. Ele é esse companheiro de viagem que encontra formas de vir ao nosso encontro – mesmo se nem sempre somos capazes de O reconhecer – e de encher o nosso coração de esperança.
Como é que Ele nos fala? Como é que Ele faz renascer em nós a esperança? Como é que Ele nos passa esse suplemento de entusiasmo que nos permite continuar? Lucas responde: é através da Palavra de Deus, escutada, meditada, partilhada, acolhida no coração, que Jesus nos indica caminhos, nos aponta perspetivas novas, nos dá a coragem de continuar, depois de cada fracasso, a construir uma cidade ainda mais bonita. Que lugar é que a Palavra de Deus desempenha na minha vida? Tenho consciência de que Jesus me fala e me aponta caminhos de esperança através da sua Palavra?
Quando é que os olhos do nosso coração se abrem para descobrir Jesus, vivo e atuante? Lucas responde: é na partilha do Pão eucarístico. Sempre que nos sentamos à mesa com a comunidade e partilhamos o pão que Jesus nos oferece, damo-nos conta de que o Ressuscitado continua vivo, caminhando ao nosso lado, alimentando-nos ao longo da caminhada, ensinando-nos que a felicidade está no dom, na partilha, no amor. Sempre que nos juntamos com os irmãos à volta da mesa de Deus, celebrando na alegria e na festa o amor, a partilha e o serviço, encontramos o Ressuscitado a encher a nossa vida de sentido, de plenitude, de vida autêntica.
E quando O encontramos? Que fazer com Ele? Lucas responde: Temos de levá-l’O para os caminhos do mundo, temos de partilhá-l’O com os nossos irmãos, temos de dizer a todos que Ele está vivo e que oferece aos homens (através dos nossos gestos de amor, de partilha, de serviço) a vida nova e definitiva. in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é um longo discurso de Pedro no dia de Pentecostes. Deste modo, a proclamação desta leitura deve ter presente o tom jubiloso e desassombrado com que Pedro proclama a ressurreição de Jesus Cristo.
A segunda leitura requer uma acurada preparação das pausas e respirações porque apresenta longas frases e com diversas orações. Atenção que as vírgulas podem não ser necessariamente lugares de pausa.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
O Evangelho deste III Domingo da Páscoa convida-nos a fazer aquela que pode ser considerada a mais bela viagem de doze quilómetros de toda a Escritura. A viagem que nos leva de Jerusalém a Emaús, atual aldeia palestiniana de nome El-Kubèibeh, que guarda a memória deste maravilhoso episódio de Lucas 24,13-35.
Aperceber-nos-emos, porém, rapidamente que se trata menos de uma viagem transitiva sobre o mapa, e mais, muito mais, de uma viagem intransitiva nas estradas poeirentas do nosso embotado coração. É assim que dois deles (dýo ex autôn) – e está aqui assinalada uma rutura destes dois com a comunidade reunida em Jerusalém – saem da comunidade. O texto retrata-os bem: estão em dissensão com a comunidade, pelo caminho conversam familiarmente (homiléô) sobre as coisas acontecidas em Jerusalém (Lucas 24,14 e 15), mas também debatem (syzêtéô) (Lucas 24,15), e entram mesmo em dissensão um com o outro, opondo argumentos (antibállô) (Lucas 24,17).
Estando assim as coisas, narra o texto que um terceiro viajante, que é Jesus – informa-nos o narrador –, se aproximou deles e caminhava com eles, mas os seus olhos estavam impedidos de o reconhecer (Lucas 24,15-16). Neste ponto preciso, impõem-se duas pequenas anotações. Primeira: Jesus é sempre aquele que caminha com, faz conjunção, onde nós, e quando nós, estamos em disjunção. E não caminha connosco apenas algum tempo. Caminha connosco sempre, pois o verbo grego está no imperfeito de duração (syneporeúeto): caminhava com. Segunda: não é a incapacidade deles ou a nossa que nos impede de reconhecer Jesus. Na verdade, o texto diz, na sua crueza, que os seus olhos estavam impedidos (ekratoûnto). O verbo grego está num imperfeito passivo. Entenda-se então corretamente: é Deus que impede os nossos olhos de o reconhecerem agora. Esta indicação deixa-nos alerta para o momento em que Deus vai desimpedir os nossos olhos para o reconhecermos.
Este terceiro, que caminha sempre connosco, e que faz conjunção sobre as nossas disjunções, é também aquele que conduz o nosso caminho. Ele é o Presidente. Preside sempre. Por isso, começa a fazer perguntas: «Que são estas palavras que opondes entre vós enquanto caminhais?» (Lucas 24,17). Ele é o Mestre que nos faz perguntas pedagógicas, para nós nos dizermos, e manifestarmos o ponto de compreensão em que estamos. A primeira consequência em nós desta pergunta certeira é fazer com que mostremos a nossa tristeza e desilusão: «E eles pararam com o rosto triste» (Lucas 24,17). E depois, atónitos, perguntamos: «Tu és o único (mónos) estrangeiro residente (pároikos) em Jerusalém que não conheces as coisas que nela aconteceram nestes dias?» (Lucas 24,18). E ele pergunta outra vez pedagogicamente: «O que foi?» (Lucas 24,19). Duas anotações. Primeira: sem o sabermos, fazemos uma afirmação correta: de facto, ele é o único que não conhece as coisas como nós, mas as conhece de outra maneira. Segunda: quando ele pergunta: «O que foi?», é para nos levar a dizer a desilusão e o sem-sentido que nos habita. Ele é o Mestre que faz as perguntas, para depois poder corrigir as respostas (Lucas 24,25-27).
Nestas conversas guiadas, parece que o caminho se encurtou. Ei-los que estão em Emaús. E, chegados aí, Jesus fez como se (prosepoiêsato: aor. de prospoiéomai) fosse caminhar para mais longe (Lucas 24,28). «Fez como se» é uma finta pedagógica. O texto não diz que ele ia caminhar para mais longe. Diz que Ele «fez como se fosse…». Finta pedagógica, que provoca logo ali a nossa oração: «Fica connosco…» (Lucas 24,29). Atenção, portanto: também a nossa oração não é produção nossa; é provocada por Ele. Ele é o Mestre, o Presidente.
No seguimento do nosso pedido, ele entra para ficar connosco. Não apenas algum tempo, como fazemos nós quando visitamos os amigos. Ele entra para ficar connosco sempre, para presidir à nossa vida toda. Preside, portanto, à nossa mesa: recebe o pão, bendiz a Deus, parte o pão e dava (epedídou: imperf. de epidídômi), imperfeito de duração. Atitude que continua ainda hoje. É aqui que são abertos (por Deus) os nossos olhos, antes impedidos por Deus de reconhecer Jesus. Decifração da Cruz. Ele está vivo e presente. A sua vida é uma vida a nós dada. Sempre a ser dada, dado que, se dar reclama a presença do dom do doador ao donatário, dar-se reclama a presença do doador no donatário. É agora e daqui que vemos a luzinha que ele acendeu já no nosso coração, no caminho… Não é o escuro da noite exterior que nos mete medo. O que nos mete medo é o escuro interior. Ei-los que partem em plena noite para Jerusalém. Viagem da conjunção, fazendo o caminho inverso da primeira viagem da disjunção.
Ainda hoje é bom e salutar fazer esta viagem no mapa e no coração a Emaús (El-Kubèibeh). O peregrino encontra nesta aldeia palestiniana uma igreja, à guarda dos Padres Franciscanos da Custódia da Terra Santa, que recorda os acontecimentos narrados no sublime episódio de Lucas 24, que acabámos de recordar. A atual igreja é uma construção de inícios do século XX, estilo românico-gótico de transição, que respeita as linhas e integra algumas pedras de uma igreja construída pelos Cruzados no século XII. Esta igreja encontrava-se ainda de pé no século XIV, mas estava já em ruínas no século XV, de acordo com o testemunho de peregrinos qualificados. Esta construção dos Cruzados enquadra aquilo que se pensa serem os fundamentos da casa de Cléofas, um dos dois que, naquele primeiro dia da semana (Lucas 24,1 e 13), se dirigiam para uma aldeia, chamada Emaús, que distava 60 estádios (11-12 km) de Jerusalém.
Nas paredes desta igreja, pode ler-se em várias línguas um belo e significativo poema, que aqui passa também a conhecer a versão portuguesa: «Todos os dias/ Te encontramos/ no caminho./ Mas muitos reconhecer-Te-ão/ apenas/ quando/ repartires connosco/ o Teu pão./ Quem sabe?/ Talvez/ no último entardecer».
E o poeta inglês Thomas S. Eliot faz esta evocação da cena de Emaús: «Quem é o terceiro, que vai sempre ao teu lado? Se me ponho a contar, juntos vamos apenas eu e tu. Porém, se olho à minha frente sobre a estrada branca, vejo sempre outro que caminha ao teu lado. Quem é esse que vai sempre do outro lado?».
É o Senhor, que vós entregastes à morte, mas que Deus ressuscitou, responde Pedro, falando ao povo no dia de Pentecostes (Atos 2,14.22-33). Reside aqui, não apenas o essencial do anúncio, mas o anúncio essencial, sem glosas e sem filtros, que somos chamados a fazer, com alegria e determinação (Atos 2,23-24). Este veio fundamental percorre, como verdadeira filigrana, o Livro dos Atos dos Apóstolos: 2,23-24.32.36; 3,15-16; 4,10; 5,30-31; 10,39-40; 13,28-30; 17,31; 25,19. Chamemos-lhe «primeiro anúncio», ou, como já se diz hoje, nesta sociedade que já recebeu o «primeiro anúncio», mas que vive distante da seiva do Evangelho, «segundo (primeiro) anúncio».
Pedro continua a ensinar-nos que vivemos aqui como «estrangeiros e hóspedes», isto é, como «paroquianos» (paroikía), mas que, como Jesus e à sua maneira, somos também filhos e chamamos a Deus «nosso Pai». E é neste Senhor Jesus que, conforme desígnio eterno do Pai, deu a vida por nós, temos posta a nossa fé e a nossa esperança, muito para além das coisas corruptíveis, como prata e oiro, e de tudo o que se avalia, mede ou pesa (1 Pedro 1,17-21). É-nos pedida, portanto, vida nova de acordo com o estatuto por graça concedido.
Portanto, «o Senhor sempre diante de mim», cantamos hoje com o Salmo 16,8. Só Ele nos pode guiar no caminho da vida. Na verdade, as pedras e as coisas, as casas e as terras, nunca devem ocupar, muito menos encher, o nosso coração. Os sacerdotes, descendentes de Aarão, não tinham terra distribuída em Israel. A sua herança era o Senhor (cf. Números 18,20). E nós também cantamos no nosso Salmo de hoje, o Salmo 16, «Senhor, Tu és a minha herança» (v. 5). No seu Sermão 344, Santo Agostinho comenta assim: «O salmista não diz: “Ó Deus, dá-me uma herança”. Diz antes: “Tudo o que me podes dar fora de Ti, é vil. Sê Tu a minha herança. É a Ti que eu amo… Esperar Deus de Deus, estar cheio de Deus. Basta-te Ele; fora dele, nada te pode bastar». Esta melodia deve encher o nosso coração e este Dia de Domingo, Dia do Senhor, de doação radical, total, ao Senhor. Entenda-se: é um caminho novo que se abre à nossa frente. Sem retrocessos, sem desvios, sem distrações, sem nostalgias, sem saídas de emergência ou de segurança!
Tristes, desanimados, pesarosos,
Trilhamos um caminho apenas de regresso,
De confinamento,
Esvaziamento,
Em que não se vê nenhum acesso,
Nenhum ingresso,
Nenhuma luz
Se vê lá para os lados de Emaús.
Vem Jesus
E começa a caminhar connosco,
Vai connosco.
Não se apresenta,
Mas faz perguntas,
Corrige as respostas,
Abre as Escrituras,
Cura as fraturas,
Põe-nos a arder o coração,
Reparte o pão,
Parece que desaparece,
Mas fica mais presente do que nunca.
E pode recomeçar tudo aqui,
E aí,
Em Emaús,
Em casa e à mesa,
Com Jesus.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo III da Páscoa – Ano A – 23.04.2023 (Atos 2, 14.22-33)
- Leitura II do Domingo III da Páscoa – Ano A – 23.04.2023 (1 Pedro 1, 17-21)
- Domingo III da Páscoa – Ano A – 23.04.2023 – Lecionário
- Domingo III da Páscoa – Ano A – 23.04.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo II da Páscoa – Ano A – 16.04.2023
Viver a Palavra
A fé cristã não é uma aventura isolada, mas vive-se e concretiza-se na forma comunitária que a sustenta. Se a adesão a Jesus Cristo nasce do encontro íntimo e pessoal com Ele, esta adesão abre-nos a um modo novo de ser e viver em comunidade. Na verdade, se Jesus afirmou: «quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te» (Mt 6,6), também declarou: «onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles» (Mt 18,20). O encontro íntimo e pessoal com Jesus Cristo desafia-nos a reforçar os laços da adesão a Ele na partilha e no encontro com aqueles que comungam a mesma fé.
O Evangelho deste Domingo situa-se: «na tarde daquele dia, o primeiro da semana». Os discípulos estavam reunidos com medo dos judeus, mas Jesus coloca-se no meio deles e saúda-os com a Sua Paz, mostra-lhes as marcas da Paixão e concede-lhes o dom do Espírito Santo para que eles sejam sinal de reconciliação e de paz junto daqueles a quem são enviados.
Mas Tomé não estava com o grupo neste momento e, tendo regressado, afirma que só acreditará se vir com os seus próprios olhos e tocar com as suas mãos. Por isso, Jesus volta a aparecer aos Seus discípulos e o Evangelho indica que tudo isto aconteceu «oito dias depois».
As indicações temporais que o Evangelho nos apresenta não são apenas as anotações jornalísticas para situar a ação descrita. Nestas indicações temporais encontramos o ritmo da vida da Igreja: «o primeiro da semana» e «oito dias depois». Este é o ritmo da assembleia cristã que hebdomadariamente, isto é, semanalmente, se reúne, Domingo após Domingo, para celebrar a sua fé e proclamar a certeza de que o Ressuscitado acompanha a Sua Igreja, oferecendo-lhe a Sua Paz e concedendo-lhe o dom do Espírito.
Por isso cada Domingo é o Dia do Senhor, dia de festa e de alegria, onde a comunidade cristã reunida à volta da mesa do altar, escutando a Palavra do Senhor e partilhando o Seu pão, renova a certeza desse amor maior que se faz entrega total e plena na Cruz. Como Tomé, quando nos afastamos da comunidade, o desafio de acreditar torna-se mais difícil e exigente. Aquele que se afasta da comunidade afasta-se da experiência comunitária de Jesus, do lugar privilegiado onde Deus se revela e manifesta como Rosto da misericórdia do Pai.
Deste modo, somos chamados a redescobrir a alegria da vida comunitária mesmo quando estamos impedidos de nos reunir fisicamente nas nossas Igrejas. Mas mais do que isso, somos chamados a tomar consciência que a vida comunitária não se traduz apenas na vivência comum da assembleia dominical. Na primeira leitura deste Domingo, escutámos como na comunidade nascente aliada à oração, à escuta do ensino dos Apóstolos e à fração do Pão está a comunhão fraterna que me faz olhar o outro como irmão. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No ano 2000, o Papa S. João Paulo II canonizou Santa Faustina e declarou que daquele dia em diante, o segundo Domingo da Páscoa seria também designado como Domingo da Misericórdia. Além disso, S. João Paulo II «estabeleceu que o citado Domingo seja enriquecido com a Indulgência Plenária, para que os fiéis possam receber mais amplamente o dom do conforto do Espírito Santo e desta forma alimentar uma caridade crescente para com Deus e o próximo e, obtendo eles mesmos o perdão de Deus, sejam por sua vez induzidos a perdoar imediatamente aos irmãos» (Decreto da Penitenciaria Apostólica, 2002). Neste Domingo da Misericórdia aliada à prática das diversas devoções deixadas por Santa Faustina como o Terço da Misericórdia, poderá ser oportuna a meditação em família de uma das Parábolas da Misericórdia. Além disso, podemos usar as redes sociais e os nossos meios de comunicação à distância para agradecer àqueles que são para nós sinal próximo e imediato da misericórdia de Deus. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Estamos em Tempo Pascal. Percorremos os 50 dias até ao Pentecostes. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Atos 2,42-47
«Os irmãos eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações.».
Ambiente
Depois de descrever a vinda do Espírito Santo sobre os discípulos reunidos no cenáculo (cf. Act 2,1-13) e de apresentar (através de um discurso posto na boca de Pedro) um resumo do testemunho dado pelos primeiros discípulos sobre Jesus (cf. Act 2,14-36), Lucas refere o resultado da pregação dos apóstolos: as pessoas aderem em massa (Lucas fala de três mil pessoas que, nesse dia, se juntaram aos discípulos) e nasce a comunidade cristã de Jerusalém (cf. Act 2,37-41). São os primeiros passos de um caminho que a Igreja de Jesus vai percorrer, desde Jerusalém a Roma (o coração do mundo antigo).
O nosso texto faz parte de um conjunto de três sumários, através dos quais Lucas descreve aspetos fundamentais da vida da comunidade cristã de Jerusalém. Este primeiro sumário é dedicado ao tema da unidade e ao impacto que o estilo cristão de vida provocou no povo da cidade (os outros dois sumários tratam da partilha dos bens – cf. Act 4,32-35 – e do testemunho da Igreja através da atividade miraculosa dos apóstolos – Act 5,12-16).
Naturalmente, este sumário não é um retrato histórico rigoroso da comunidade cristã de Jerusalém, no início da década de 30 (embora possa ter algumas bases históricas). Quando Lucas escreve este relato (década de 80), arrefeceu já o entusiasmo inicial dos cristãos: Jesus nunca mais veio para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e posicionam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições… Há algum desleixo, falta de entusiasmo, monotonia, divisão e confusão (até porque começam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser.in Dehonianos.
Para a reflexão e atualização, considerar as seguintes linhas:
A comunidade cristã é uma família de irmãos, reunida à volta de Cristo, animada pelo Espírito e que tem por missão testemunhar na história a salvação. Os homens do séc. XXI podem acreditar ou não na ressurreição de Cristo; mas têm de descobrir a vida nova e plena que Deus lhes oferece, através do testemunho dos discípulos de Jesus. A comunidade cristã tem de ser uma proposta diferente, que mostra aos homens como o amor, a partilha, a doação, o serviço, a simplicidade e a alegria são geradores de vida e não de morte.
A comunidade cristã é uma comunidade de irmãos. A minha comunidade cristã é uma comunidade de irmãos que vivem no amor, ou é um grupo de pessoas isoladas, em que cada um procura defender os seus interesses, mesmo que para isso tenha de magoar os outros? No que me diz respeito, esforço-me por amar todos, por respeitar a liberdade e a dignidade de todos, por potenciar os contributos e as qualidades de todos?
A comunidade cristã é, também, uma comunidade assídua à catequese dos apóstolos. A minha comunidade cristã é uma comunidade que se constrói à volta da Palavra de Deus, que escuta e que partilha a Palavra de Deus? Da minha parte, procuro descobrir as propostas de Deus num diálogo comunitário e numa partilha com os irmãos, ou deixo-me levar por pretensas “revelações” pessoais, convicções pessoais, impressões pessoais – que muitas vezes não são mais do que formas de manipular a Palavra de Deus para “levar a água ao meu moinho”?
A comunidade cristã é, ainda, uma comunidade que celebra liturgicamente a sua fé. A celebração da fé comunitária dá-nos a dimensão de um povo peregrino, que caminha unido, voltado para o seu Senhor e tendo Deus como a sua referência. Da celebração comunitária da fé, sai uma comunidade mais fortalecida, mais consciente da vida que une todos os seus membros, mais adulta e com mais força para ser testemunha da salvação. O que é que significa, para mim, a celebração comunitária da fé? A celebração eucarística é um rito aborrecido, a que “assisto” por obrigação, ou uma verdadeira experiência de encontro com o Jesus do amor e do dom da vida e uma experiência de amor partilhado com os meus irmãos de fé?
A comunidade cristã é uma comunidade de partilha. No centro dessa comunidade está o Cristo do amor, do serviço, do dom da vida… O cristão não pode, portanto, viver fechado no seu egoísmo, indiferente à sorte dos outros irmãos. Em concreto, o nosso texto fala na partilha dos bens… Uma comunidade onde alguns desperdiçam os bens e onde outros não têm o suficiente para viver dignamente será uma comunidade que testemunha, diante dos homens, esse mundo novo de amor que Jesus veio propor? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão: Aclamai o Senhor, porque Ele é bom: o seu amor é para sempre.
LEITURA II – 1 Pedro 1,3-9
«Isto vos enche de alegria, embora vos seja preciso ainda, por pouco tempo, passar por diversas provações».
Ambiente
A primeira Carta de Pedro é uma carta dirigida aos cristãos de cinco províncias romanas da Ásia Menor (a carta cita explicitamente a Bitínia, o Ponto, a Galácia, a Ásia e a Capadócia – cf. 1 Pe 1,1). O seu autor apresenta-se com o nome do apóstolo Pedro; no entanto, a análise literária e teológica não confirma que Pedro seja o autor deste texto: em termos literários, a qualidade literária da carta não corresponde à maneira de escrever de um pescador do lago de Tiberíades, pouco instruído; a teologia apresentada demonstra uma reflexão e uma catequese bem posteriores à época de Pedro; e o “ambiente” descrito na carta corresponde, claramente, à situação da comunidade cristã no final do séc. I. Se Pedro morreu em Roma durante a perseguição de Nero (por volta do ano 67), não pode ser o autor deste escrito. O autor da carta será, portanto, um cristão anónimo culto – provavelmente um responsável de alguma comunidade cristã – e que conhece profundamente a situação das comunidades cristãs da Ásia Menor. Ele escreve em finais do séc. I (nunca antes dos anos 80), provavelmente a partir de uma comunidade cristã não identificada da Ásia Menor.
Os destinatários desta carta são as comunidades cristãs que vivem em zonas rurais da Ásia Menor. A maioria destes cristãos são pastores ou camponeses que cultivam as propriedades das classes dominantes. Também há, nestas comunidades, pequenos proprietários que vivem em aldeias, à margem das grandes cidades. De qualquer forma, trata-se de gente que vive no meio rural, economicamente débil, vulnerável a um ambiente que começa a manifestar alguma hostilidade para com o cristianismo.
O autor da carta conhece as provações que estes cristãos sofrem todos os dias. Exorta-os, no entanto, a manterem-se fiéis à sua fé, apesar das dificuldades. Convida-os a olharem para Cristo, que passou pela experiência da paixão e da cruz, antes de chegar à ressurreição; e exorta-os a manterem a esperança, o amor, a solidariedade, vivendo com alegria, coerência e fidelidade a sua opção cristã. in Dehonianos.
Considerar, na reflexão, os seguintes dados:
Antes de mais, a Palavra de Deus convida-nos a tomar consciência de que, pelo batismo, nos identificamos com Cristo. A nossa vida tem de ser, como a de Cristo, vivida na obediência ao Pai e na entrega aos homens nossos irmãos: é esse o caminho que conduz à ressurreição. A lógica do mundo diz-nos que servir e dar a vida é um caminho de fracos e perdedores; a lógica de Deus diz-nos que a vida plena resulta do amor que se faz dom. Em quem é que acreditamos? De acordo com que lógica é que conduzimos a nossa vida e fazemos as nossas opções?
A questão do sentido do sofrimento (sobretudo do sofrimento que atinge o justo) é tão antiga como o homem; as respostas que o homem foi encontrando para essa questão foram sempre parciais e insatisfatórias… A Palavra de Deus que hoje nos é proposta não esclarece definitivamente a questão, mas acrescenta mais uma achega: o sofrimento ajuda-nos, muitas vezes, a crescer, a amadurecer, a despirmo-nos de orgulhos e autossuficiências, a confiar mais em Deus… Somos convidados a tomar consciência de que o sofrimento pode ser, também, um caminho para ressuscitarmos como homens novos, para chegarmos à vida plena e definitiva.
De qualquer forma, somos convidados a percorrer a nossa vida com esperança, olhando para além dos problemas e dificuldades que dia a dia nos fazem tropeçar e vendo, no horizonte, a salvação definitiva. Isto não significa alhearmo-nos da vida presente; mas significa enfrentar as contrariedades e os dramas de cada dia com a serenidade e a paz de quem confia em Deus e no seu amor. in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 20,19-31
«Na tarde daquele dia, o primeiro da semana».
«Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa e Tomé com eles».
«Porque Me viste acreditaste: felizes os que acreditam sem terem visto».
Ambiente
Continuamos na segunda parte do Quarto Evangelho, onde nos é apresentada a comunidade da Nova Aliança. A indicação de que estamos no “primeiro dia da semana” faz, outra vez, referência ao tempo novo, a esse tempo que se segue à morte/ressurreição de Jesus, ao tempo da nova criação.
A comunidade criada a partir da ação de Jesus está reunida no cenáculo, em Jerusalém. Está desamparada e insegura, cercada por um ambiente hostil. O medo vem do facto de não terem ainda feito a experiência de Cristo ressuscitado.in Dehonianos.
Ter em conta, na reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
A comunidade cristã gira em torno de Jesus, constrói-se à volta de Jesus e é d’Ele que recebe vida, amor e paz. Sem Jesus, estaremos secos e estéreis, incapazes de encontrar a vida em plenitude; sem Ele, seremos um rebanho de gente assustada, incapaz de enfrentar o mundo e de ter uma atitude construtiva e transformadora; sem Ele, estaremos divididos, em conflito, e não seremos uma comunidade de irmãos… Na nossa comunidade, Cristo é verdadeiramente o centro? É para Ele que tudo tende e é d’Ele que tudo parte?
A comunidade tem de ser o lugar onde fazemos verdadeiramente a experiência do encontro com Jesus ressuscitado. É nos gestos de amor, de partilha, de serviço, de encontro, de fraternidade, que encontramos Jesus vivo, a transformar e a renovar o mundo. É isso que a nossa comunidade testemunha? Quem procura Cristo, encontra-O em nós?
Não é em experiências pessoais, íntimas, fechadas e egoístas que encontramos Jesus ressuscitado; mas encontramo-l’O no diálogo comunitário, na Palavra partilhada, no pão repartido, no amor que une os irmãos em comunidade de vida. O que é que significa, para mim, a Eucaristia? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é a descrição da vitalidade e comunhão vivida na comunidade nascente. A proclamação desta leitura deve ter presente o tom narrativo, mas também o entusiasmo e a maravilha do modo como cresciam em número e santidade os primeiros cristãos.
A segunda leitura é um hino de ação de graças ao Pai pela salvação revelada em Jesus Cristo. Ao tom de louvor e ação de graças que deve caracterizar a proclamação desta leitura, junta-se a recomendação de uma acurada preparação das pausas e respirações sobretudo nas frases mais longas e com diversas orações.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
O PERCURSO DE TOMÉ, CHAMADO GÉMEO
Novos percursos se abrem, e é aqui que se inicia o Evangelho do Domingo II da Páscoa (João 20,19-31), que o Papa João Paulo II, em 30 de abril do ano 2000, consagrou como «Domingo da Divina Misericórdia». Os discípulos estão num lugar, com as portas fechadas, por medo dos judeus. O Ressuscitado, vida nova e modo novo de estar presente, que nada nem ninguém pode reter, vem e fica no MEIO deles, o lugar da Presidência e da Precedência, e saúda-os: «A paz convosco!». Mostra-lhes as mãos e o lado, sinais que identificam o Ressuscitado com o Crucificado, e agrafa-os à sua missão: «Como o Pai me enviou (apéstalken: perf. de apostéllô), também Eu vos mando ir (pémpô)». O envio d’Ele está no tempo perfeito (é para sempre): está sempre em missão; o nosso está no presente, e passa. O presente da nossa missão aparece, portanto, agrafado à missão de Jesus, e não faz sentido sem ela e sem Ele. Nós implicados e imbricados n’Ele e na missão d’Ele, sabendo nós que Ele está connosco todos os dias (cf. Mateus 28,20). É-nos dito que os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem (idóntes: part. aor2 de horáô) com um olhar histórico (tempo aoristo) o Senhor. Tal como o Outro Discípulo, também eles vêm com um olhar histórico (tempo aoristo) a identidade do Senhor. O sopro de Jesus sobre eles é o sopro criador (emphysáô), com o Espírito, para a missão frágil-forte do Perdão. Este sopro só aparece aqui em todo o Novo Testamento! Mas não é difícil construir uma bela ponte para Génesis 2,7, para o sopro ou alento (naphah TM / emphysáô LXX) criador de Deus no rosto do homem.
A identidade do Senhor Ressuscitado está para além do rosto. Por isso, vê-lo não implica necessariamente reconhecê-lo, como sucede em não poucas páginas dos Evangelhos. A identidade do Ressuscitado não é do domínio da fotografia. Vem de dentro. Reside na sua vida a nós dada por amor até ao fim, aponta para a Cruz. Por isso, Jesus mostra as mãos e o lado, sinais abertos para entrar no sacrário da sua intimidade, dádiva infinita que rebenta as paredes dos nossos olhos embotados e do nosso coração empedernido. Entenda-se também que a missão que nos é confiada é mostrar Jesus. Está bom de ver que não basta exibir as capas do catecismo que mostram um Jesus de olhos azuis. Só o podemos mostrar com a nossa vida dele recebida, e igualmente dada e comprometida.
O narrador informa-nos logo a seguir que, afinal, Tomé (Toma’), chamado Gémeo (Dídymos), não estava com eles quando veio Jesus. Dídymos é, na verdade, a tradução literal, em grego, do aramaico Toma’ [= «Gémeo»]. Mas os outros diziam-lhe repetidamente (élegon: imperf. de légô), imperfeito de duração, com a mesma linguagem da Madalena, mas no plural: «Vimos (heôrákamen: perf. de horáô) o Senhor!» (João 20,25). Portanto, também eles são testemunhas, pois viram e continuam a ver o Senhor, de acordo com o tempo perfeito do verbo grego. Mas Tomé quer tudo controlado e verificado, ponto por ponto, e refere: «Se eu não vir (ídô: conj. aor2 de horáô) com um olhar histórico (tempo aoristo) nas suas mãos a marca dos cravos, e não meter o meu dedo na marca dos cravos e não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei» (João 20,25).
Novo desarme: oito dias depois, estavam outra vez os discípulos com as portas fechadas (mas o medo já não é mencionado), e Tomé estava com eles. Veio Jesus, ficou no MEIO, saudou-os com a paz, e dirigiu-se logo a Tomé desta maneira: «Traz o teu dedo aqui e vê (íde: imper. aor2 de horáô) com um olhar histórico (tempo aoristo) as minhas mãos, e traz a tua mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente!» (João 20,27). Aí está Tomé adivinhado, desvendado e desarmado. Também ele podia ter pensado: «E como é que ele sabia que eu queria fazer aquilo?». Tomé cai aqui, adivinhado e antecipado, por assim dizer, rasteirado, precedido por Aquele que nos precede sempre. Não quer tirar mais provas. Confessa de imediato: «Meu Senhor e meu Deus!» (João 20,28), uma das mais belas profissões de fé de toda a Escritura. E Jesus diz para ele: «Porque me viste e continuas a ver (heôrakás me), tempo perfeito de horáô, acreditaste e continuas a acreditar (pepísteukas), tempo perfeito de pisteúô; felizes (makárioi) os que, não tendo visto (idóntes: part. aor2 de horáô) com um olhar histórico (tempo aoristo), acreditaram (pisteúsantes: part. aor. de pisteúô)!» (João 20,29), tempo aoristo, fé e confiança, adesão histórica. Esta felicitação é para nós.
Notável o percurso dos Discípulos. Fechados e com medo, viram Jesus entrar e ficar no MEIO deles, sem que as portas e as paredes constituíssem obstáculo. Trocaram o medo pela alegria, e também eles começaram a ver de forma continuada o Senhor e a dizê-lo repetidamente. Notável e exemplar para nós o percurso de Tomé, chamado Gémeo: não estava com a comunidade, tão-pouco aceitou o seu testemunho; queria provas. Mas quando veio Jesus e o adivinhou, entrando dentro dele, precedendo-o e presidindo-o, entregou-se completamente! Tomé, chamado Gémeo! Irmão gémeo! Irmão gémeo de quem? Meu e teu, assim pretende o narrador. De vez em quando, também nós não estamos com a comunidade. Como Tomé, chamado Gémeo. Por vezes, também duvidamos e queremos provas. Como Tomé, chamado Gémeo. Salta à vista que também devemos estar com a comunidade. Como Tomé, chamado Gémeo. E professar convictamente a nossa fé no Ressuscitado que nos preside (no MEIO) e nos precede sempre. Como Tomé, chamado Gémeo.
A lição do Livro dos Atos dos Apóstolos (2,42-47, mas ver também 4,32-35 e 5,12-16) deste Domingo II da Páscoa é outra vez soberba. Trata-se de uma visita guiada ao Cenáculo, a primeira Catedral da Igreja nascente – mas com ramificações em todas as casas, em todos os corações –, bem assente em quatro colunas: o ensino dos Apóstolos (1), a comunhão fraterna (2), a fração do pão (3) e a oração (4). Com a boca cheia de louvor, os olhos de graça, as mãos de paz e de pão, as entranhas de misericórdia, a comunidade bela crescia, crescia, crescia. Não admira. Era tão jovem, leve e bela, que as pessoas lutavam por entrar nela!
Filhos renascidos da grande misericórdia do nosso Deus, verificada pela Ressurreição de Jesus Cristo, exultamos de alegria. Não o tendo visto na história (aoristo de ideîn), nós o amamos agora, e não o vendo agora com os nossos olhos (horôntes), acreditamos agora (pisteúontes). A Primeira Carta de Pedro (1,3-9) apresenta-nos uma síntese feliz da visão nova da fé e da obra da misericórdia de Deus em nós, os dois grandes temas deste Domingo II da Páscoa ou da Divina Misericórdia.
Cantemos, por isso, o Salmo 118, que é o último canto do chamado «Pequeno Hallel Pascal» (113-118), mas que era seguramente cantado noutras festividades de Israel, nomeadamente na Festa das Tendas, tendo em conta o seu teor processional, e até a sua distribuição por coros. Este Salmo levanta-se do meio da alegria própria da Festa [«Este é o dia que o Senhor fez,/ nele nos alegremos e exultemos!»: v. 24], e eleva ao Deus sempre fiel uma grande Ação de Graças por todas as maravilhas que Ele tem realizado em favor do seu povo. Sim, toda a nossa energia e toda a melodia que nos habita é o próprio Senhor, conforme o belíssimo v. 14: «Minha força e meu canto YAH!», que soa assim em hebraico: ‘azzî wezimrat YAH. Além do nosso Salmo, a expressão densa e impressiva encontra-se ainda em Êxodo 15,2 e Isaías 12,2. YAH está por YHWH. O refrão que vamos cantar aparece a abrir e a fechar este grande Salmo, e constitui como que o envelope onde guardamos a bela melodia que cantamos. Soa assim: «Louvai o Senhor porque Ele é bom, / porque para sempre é o seu amor!» (vv. 1 e 29).
Senhor Jesus,
Há tanta gente que Te procura à pressa e Te quer ver.
Mas quando dizem que Te querem ver,
Não é para Te conhecer.
É o teu rosto, a cor dos teus olhos e cabelos,
A tez da tua pele, a tua forma de vestir que os atrai e contagia.
Querem ver-te como se fosse numa fotografia.
Mas Tu, Senhor Jesus Ressuscitado,
Quando Te dás a conhecer a nós,
Não mostras o rosto,
Uma fotografia,
O cartão de cidadão.
Se fosse assim,
Mal seria que os teus amigos Te não reconhecessem.
E o facto é que,
Quando surges no meio deles,
Não Te reconhecem.
E em vez do rosto,
São, afinal, as mãos e o lado que apresentas.
Entenda-se: é a tua maneira de viver que nos queres fazer ver.
Na verdade, a tua identidade é dar a vida,
É dar a mão e o coração.
É essa a tua lição, a tua paixão, a tua ressurreição.
Senhor, dá-nos sempre desse pão!
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo II da Páscoa – Domingo da Divina Misericórdia – Ano A – 16.04.2023 (Atos 2, 42-47)
- Leitura II do Domingo II da Páscoa – Domingo da Divina Misericórdia – Ano A – 16.04.2023 (1 Pedro 1, 3-9)
- Domingo II da Páscoa – Ano A – 16.04.2023 – Lecionário
- Domingo II da Páscoa – Ano A – 16.04.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo de Páscoa na Ressurreição do Senhor – Ano A – 09.04.2023
Missa do Dia
8Então, entrou também o outro discípulo, o que tinha chegado primeiro ao túmulo. Viu e começou a crer, 9pois ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos. 10A seguir, os discípulos regressaram a casa. Jo 20, 8-10
Viver a Palavra
«No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro».
Maria Madalena sai de casa muito cedo, ainda escuro no céu e, mais ainda, no seu coração. Ela dirige-se ao sepulcro Daquele que lhe ofereceu uma vida nova e uma possibilidade renovada de escrever a sua existência quando a libertou dos seus «sete demónios» (Mc 16,9). Ao contrário das narrativas de Marcos e de Lucas que indicam que as mulheres que se dirigem ao sepulcro levam perfumes e aromas, seguindo assim as tradições funerárias próprias da sua cultura, nesta narrativa, Maria Madalena nada leva consigo. No crepúsculo daquela jornada que marcará indelevelmente o curso da história, ela dirige-se ao sepulcro, transportando apenas a história de libertação e de vida que o crucificado lhe ofereceu quando outrora a acolheu e renovou no seu coração a esperança e a confiança. Ela acorre ao sepulcro levando no seu coração a certeza que escreve Gabriel Marcel: «amar é dizer: tu não morrerás!». Como pode morrer Aquele que lhe ofereceu um horizonte novo de vida? Como pode estar ausente Aquele cuja presença transformou o seu coração e a sua história?
Contudo, abeiramo-nos da Páscoa do Senhor como Maria Madalena do sepulcro e, se caminhamos ainda no escuro da noite, levamos connosco a história de ressurreição e de vida que o Ressuscitado inscreve na nossa existência. Não podemos deixar que as trevas e sombras, que tantas vezes nos invadem, nos impeçam de fazer ecoar no tempo e na história a certeza de que o sepulcro vazio é anúncio de vida nova. Tão vazio, mas tão cheio de sinais, aquele sepulcro anuncia que um tempo novo se abre diante da humanidade, porque a morte e o pecado foram vencidos pela força transformadora do amor.
Cristo ressuscitou e a Sua ressurreição enche de esperança a nossa vida e a nossa história. Cristo crucificado atravessando o limiar da dor e do sofrimento, ensina-nos que as trevas e a dor não têm mais a última palavra. Como recorda Luigi Maria Epicoco: «não somos chamados à Cruz, mas à Ressurreição, tal como uma mãe não é chamada às dores, mas ao parto». Somos chamados à ressurreição e à vida e ainda que o sofrimento e a dor possam integrar a nossa existência, e, por isso, caminhamos animados pela certeza que cantamos no Salmo: «este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria».
«Cristo Ressuscitou! Aleluia! Aleluia». Estas palavras cheias de alegria e de esperança são repetidas mundo fora por milhões de homens e mulheres, trazendo a certeza de que nem a morte, nem a pedra do sepulcro, por mais pesada que seja, conseguiu conter o grito do amor que brotou do coração de Deus e que em Jesus Cristo quer abraçar o coração da humanidade. Cantemos de alegria porque o Senhor ressuscitou, renovemos no nosso coração a confiança e a esperança porque Ele está vivo e caminha connosco. Como nos exorta S. Paulo: «se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra». De olhos postos no céu, caminhando com os pés bem assentes na terra, atravessamos os trilhos da história na certeza de que Cristo está vivo e que a Sua ressurreição continuará a fazer irromper nas sombras e trevas deste mundo a certeza da mais bela e luminosa Primavera. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
A alegria que brota da Ressurreição do Senhor prolonga-se ao longo de cinquenta dias na celebração do Tempo Pascal. Os diversos sinais litúrgicos, como o círio pascal, os ritos da aspersão, entre outros sinais e gestos, favorecem a tomada de consciência de que o Tempo Pascal se prolonga até ao Pentecostes. Porém, ao contrário do Tempo Quaresmal onde se propõem tantas atividades e dinâmicas, frequentemente o Tempo Pascal aparece desprovido de uma proposta de reflexão e vivência além da Eucaristia Dominical. Por isso, seria de grande proveito para os fiéis, a valorização deste tempo com a proposta de momentos de oração e reflexão como a Via Lucis, as Catequeses ou celebrações mistagógicas, entre outras propostas criativas e dinâmicas, em jeito de saída missionária, que estimulem a comunidade a testemunhar a alegria do Ressuscitado. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Ainda em Quaresma, estamos a caminho da Páscoa da Ressurreição. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Atos 10, 34a.37-43
«Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos».
Ambiente
A obra de Lucas (Evangelho e Atos dos Apóstolos) aparece entre os anos 80 e 90, numa fase em que a Igreja já se encontra organizada e estruturada, mas em que começam a surgir “mestres” pouco ortodoxos, com propostas doutrinais estranhas e, às vezes, pouco cristãs. Neste ambiente, as comunidades cristãs começam a necessitar de critérios claros que lhes permitam discernir a verdadeira doutrina de Jesus, da falsa doutrina dos falsos mestres.
Lucas apresenta, então, a Palavra de Jesus, transmitida pelos apóstolos sob o impulso do Espírito Santo: é essa Palavra que contém a proposta libertadora que Deus quer apresentar aos homens. Nos Atos, em especial, Lucas mostra como a Igreja nasce da Palavra de Jesus, fielmente anunciada pelos apóstolos; será esta Igreja, animada pelo Espírito, fiel à doutrina transmitida pelos apóstolos, que tornará presente o plano salvador do Pai e o fará chegar a todos os homens.
Neste texto, em concreto, Lucas propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro em Cesareia, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. Act 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o, bem como a toda a sua família (cf. Act 10,23b-48). O episódio é importante porque Cornélio é o primeiro pagão a cem por cento a ser admitido ao cristianismo por um dos Doze (o etíope de que se fala em Act 8,26-40 já era “prosélito”, isto é, simpatizante do judaísmo). Significa que a vida nova que nasce de Jesus é para todos os homens. in Dehonianos.
A reflexão pode partir das seguintes coordenadas:
A ressurreição de Jesus é a consequência de uma vida gasta a “fazer o bem e a libertar os oprimidos”. Isso significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se esforça por vencer o egoísmo, a mentira, a injustiça e por fazer triunfar o amor, está a ressuscitar; significa que, sempre que alguém – na linha de Jesus – se dá aos outros e manifesta, em gestos concretos, a sua entrega aos irmãos, está a construir vida nova e plena. Eu estou a ressuscitar (porque caminho pelo mundo fazendo o bem e libertando os oprimidos), ou a minha vida é um repisar os velhos esquemas do egoísmo, do orgulho, do comodismo?
A ressurreição de Jesus significa, também, que o medo, a morte, o sofrimento, a injustiça, deixam de ter poder sobre o homem que ama, que se dá, que partilha a vida. Ele tem assegurada a vida plena – essa vida que os poderes do mundo não podem destruir, atingir ou restringir. Ele pode, assim, enfrentar o mundo com a serenidade que lhe vem da fé. Estou consciente disto, ou deixo-me dominar pelo medo, sempre que tenho de agir para combater aquilo que rouba a vida e a dignidade, a mim e a cada um dos meus irmãos?
Aos discípulos pede-se que sejam as testemunhas da ressurreição. Nós não vimos o sepulcro vazio; mas fazemos, todos os dias, a experiência do Senhor ressuscitado, que está vivo e que caminha ao nosso lado nos caminhos da história. A nossa missão é testemunhar essa realidade; no entanto, o nosso testemunho será oco e vazio se o nosso testemunho não for comprovado pelo amor e pela doação (as marcas da vida nova de Jesus). in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 117 (118)
Refrão: Este é o dia que o Senhor fez: exultemos e cantemos de alegria.
LEITURA II – Col 3, 1-4
«Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus».
Ambiente
Quando escreveu a Carta aos Colossenses, Paulo estava na prisão (em Roma?). Epafras, seu amigo, visitou-o e falou-lhe da “crise” por que estava a passar a Igreja de Colossos. Alguns doutores locais ensinavam doutrinas estranhas, que misturavam especulações acerca dos anjos (cf. Col 2,18), práticas ascéticas, rituais legalistas, prescrições sobre os alimentos e a observância de determinadas festas (cf. Col 2,16.21): tudo isso deveria (na opinião desses “mestres”) completar a fé em Cristo, comunicar aos crentes um conhecimento superior de Deus e dos mistérios cristãos e possibilitar uma vida religiosa mais autêntica. Contra este sincretismo religioso, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo.
O texto que nos é proposto como segunda leitura é a introdução à reflexão moral da carta (cf. Col 3,1-4,6). Depois de apresentar a centralidade de Cristo no projeto salvador de Deus (cf. Col 1,13-2,23), Paulo recorda aos cristãos de Colossos que é preciso viver de forma coerente e verdadeiro o compromisso assumido com Cristo. in Dehonianos.
Considerar as seguintes questões, na reflexão:
O batismo introduz-nos numa dinâmica de comunhão com Cristo ressuscitado. Tenho consciência de que o meu batismo significou um compromisso com Cristo? Quando, de alguma forma, tenho um papel ativo na preparação ou na celebração do sacramento do batismo, tenho consciência – e procuro passar essa mensagem – de que o sacramento não é um ato tradicional ou social (que, por acaso, até proporciona fotografias bonitas), mas um compromisso sério e exigente com Cristo?
A minha vida tem sido uma caminhada coerente com esta dinâmica de vida nova que começou no dia em que fui batizado? Esforço-me, realmente, por me despojar do “homem velho”, egoísta e escravo do pecado, e por me revestir do “homem novo”, que se identifica com Cristo e que vive no amor, no serviço, na doação aos irmãos? in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 20, 1-9
«Maria Madalena foi de manhãzinha, ainda escuro, ao sepulcro e viu a pedra retirada do sepulcro».
«Na verdade, ainda não tinham entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dos mortos».
Ambiente
Na primeira parte do Quarto Evangelho (cf. Jo 4,1-19,42), João descreve a atividade criadora e vivificadora do Messias (o último passo dessa atividade destinada a fazer surgir o Homem Novo é, precisamente, a morte na cruz: aí, Jesus apresenta a última e definitiva lição – a lição do amor total, que não guarda nada para si, mas faz da sua vida um dom radical ao Pai e aos irmãos); na segunda parte (cf. Jo 20,1-31), João apresenta o resultado da ação de Jesus: a comunidade de Homens Novos, recriados e vivificados por Jesus, que com Ele aprenderam a amar com radicalidade. Trata-se dessa comunidade de homens e mulheres que se converteram e aderiram a Jesus e que, em cada dia – mesmo diante do sepulcro vazio – são convidados a manifestar a sua fé n’Ele.in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes dados:
A lógica humana vai na linha da figura representada por Pedro: o amor partilhado até à morte, o serviço simples e sem pretensões, a entrega da vida, só conduzem ao fracasso e não são um caminho sólido e consistente para chegar ao êxito, ao triunfo, à glória; da cruz, do amor radical, da doação de si, não pode resultar realização, felicidade, vida plena. É verdade que é esta a perspetiva da cultura dominante; é verdade que é esta a perspetiva de muitos cristãos (representados na figura de Simão Pedro). Como me situo face a isto?
A ressurreição de Jesus prova, precisamente, que a vida plena, a vida total, a transfiguração total da nossa realidade finita e das nossas capacidades limitadas passa pelo amor que se dá, com radicalidade, até às últimas consequências. Tenho consciência disso? É nessa direção que conduzo a caminhada da minha vida?
Pela fé, pela esperança, pelo seguimento de Cristo e pelos sacramentos, a semente da ressurreição (o próprio Jesus) é depositada na realidade do homem/corpo. Revestidos de Cristo, somos nova criatura: estamos, portanto, a ressuscitar, até atingirmos a plenitude, a maturação plena, a vida total (quando ultrapassarmos a barreira da morte física). Aqui começa, pois, a nova humanidade.
A figura de Pedro pode também representar, aqui, essa velha prudência dos responsáveis institucionais da Igreja, que os impede de ir à frente da caminhada do Povo de Deus, de arriscar, de aceitar os desafios, de aderir ao novo, ao desconcertante, ao incompreensível. O Evangelho de hoje sugere que é, precisamente aí que, tantas vezes, se revela o mistério de Deus e se encontram ecos de ressurreição e de vida nova. in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é marcada por um longo discurso de Pedro anunciando a ressurreição de Jesus. A proclamação desta leitura deve ter em atenção as longas frases com diversas orações que exigem um especial cuidado na respiração e nas pausas.
A brevidade da segunda leitura, tirada da Carta aos Colossenses, não deve diminuir o cuidado na sua preparação. A ressurreição de Cristo é fonte de transformação da vida dos fiéis. Deste modo, a proclamação desta leitura deve ser marcada pelo tom exortativo, valorizando as formas verbais no imperativo: «aspirai» e «afeiçoai-vos».
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
TÚMULO ABERTO, MAS NÃO VAZIO: CHEIO DE SINAIS!
«Esta é a Obra do Senhor!», assim gritava com «voz forte» (grito de Vitória e de Revelação) Jesus na Cruz, decifrando a Cruz, recitando o Salmo 22 todo (entenda‑se a metonímia de Mateus 27,46 e Marcos 15,34, citando apenas o início). Particularmente ao longo da Semana Santa, dita «Grande» ou «dos Mistérios» pela Igreja do Oriente, Deus expôs (proétheto) diante dos nossos olhos atónitos – e logo a partir do Domingo de Ramos – o Rei Vitorioso no seu Trono de Graça e de Glória, que é a Cruz (veja‑se aqui demoradamente Romanos 3,24‑25), tomando posse da sua Igreja‑Esposa para o efeito redimida na «água e no sangue» (João 19,34; Efésios 5,25‑27), isto é, no Espírito Santo, conforme ensina Jesus com «voz forte» (!) no grande texto de João 7,37-39. Para aqui apontava também a «caminhada» quaresmal, a qual – vê‑se agora claramente – só daqui podia afinal ter partido. É este «o Mistério Grande» (Efésios 5,32) que nos foi dado a conhecer por Deus (Romanos 16,25‑26; 1 Coríntios 2,7‑10; Efésios 3,3‑11; Colossenses 1,26‑27). E só Deus pode dar tanto a conhecer (veja‑se agora o texto espantoso de Efésios 3,14‑21). É quanto Deus operou na Cruz! Por isso, exultamos e nos alegramos (com a Chará, a alegria grande da Páscoa), pois «este é o Dia que o Senhor fez» (Salmo 118,24) e em que o Senhor nos fez! É o «Primeiro Dia» (Mateus 28,1; Marcos 16,2 e 9; Lucas 24,1; João 20,1 e 19; Atos 20,7; 1 Coríntios 16,2), e tal permanecerá para sempre (!), o «Dia do Senhor, o Dia Grande» (Atos 2,20; Apocalipse 1,10), o Domingo, todos os Domingos, o Ano Litúrgico todo, o Ano da Graça do Senhor, em que a Igreja‑Esposa, redimida, santificada, bela (apresentada no Apocalipse com voz forte), celebra jubilosamente o seu Senhor, à volta do altar, do ambão, do batistério: tudo «sinais» do túmulo aberto do Senhor Ressuscitado, donde emerge continuamente a mensagem da Ressurreição. Aleluia!
O Domingo de Páscoa na Ressurreição do Senhor oferece-nos o grande texto de João 20,1-10, com a descoberta do túmulo aberto, mas não vazio! Túmulo aberto: a pedra muito grande (Marcos 16,4) do poder da morte tinha sido retirada, e o Anjo do Senhor sentou-se sobre ela (Mateus 28,2), impressionante imagem de soberania e vitória! Mas não vazio: está, na verdade, cheio de sinais, que é preciso ler com atenção: um jovem sentado à direita com uma túnica branca (Marcos 16,4), dois homens com vestes fulgurantes (Lucas 24,4), as faixas de linho no chão e o sudário enrolado noutro lugar (João 20,6-7). É importante ler os sinais e ouvir as mensagens! Se o túmulo estivesse vazio, como vulgarmente e inadvertidamente dizemos, estávamos perante uma ausência cega e muda. Na verdade, os sinais e as mensagens mostram uma presença nova que somos convidados a descobrir.
O texto imenso de João 20,1-10 coloca-nos ainda diante dos olhos o início de diferentes percursos por parte de diferentes figuras face aos sinais encontrados ou ainda não, lidos ou ainda não:
A Madalena vai de manhã cedo, ainda escuro, ao túmulo, e vê, com um olhar normal (verbo grego blépô) que até causa aflição a pedra retirada (êrménos) para sempre e por Deus (João 20,1), tal é o significado imposto por êrménos, particípio perfeito passivo de aírô. De facto, até dói e aflige que se veja o inefável como quem vê uma coisa qualquer, cegos como estamos tantas vezes pelos nossos preconceitos! Esta pedra para sempre retirada por Deus reclama e estabelece contraponto com a pedra por algum tempo retirada (aoristo de aírô) pelos homens do túmulo de Lázaro (João 11,39 e 41). Cega pelos seus preconceitos, a Madalena falha a visão do inefável, e corre logo, equivocada, a levar uma falsa notícia: «Retiraram (aoristo de aírô) o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o puseram» (João 20,2). Mas o leitor atento e competente do IV Evangelho não estranha esta cegueira da Madalena. É que o narrador informa-nos que ela anda ainda no escuro (João 20,1), e, no IV Evangelho, quem anda na noite e no escuro, anda perdido na incompreensão e na cegueira, e nada entende ou dá bom resultado. A oposição luz – trevas atravessa de lés-a-lés o inteiro texto do IV Evangelho. A Luz verdadeira que vem a este mundo para iluminar todos os homens é Jesus (João 1,9). Sem esta Luz que é Jesus, andamos às escuras, na noite, na cegueira, na dor, no fracasso, na incompreensão. É assim, narrativamente – e, portanto, exemplarmente, para nós, leitores –, que somos levados a constatar como Nicodemos, que anda de noite (João 3,2) e nada entende, como os discípulos, que nada pescam de noite (João 21,3) e no meio do escuro andam perdidos (João 6,17-18), como o homem da noite na noite perdido, que é Judas (João 13,30; 18,3), enfim, como Pedro, perdido na noite e no meio dos guardas (João 18,17-18).
A notícia levada pela Madalena põe em movimento Simão Pedro e o «discípulo amado». Anote‑se a progressão e repare-se atentamente nos verbos utilizados: 1) Maria Madalena vai ao túmulo, e vê (blépô) a pedra (da morte) retirada. 2) O outro discípulo, «o discípulo amado», corria juntamente com Pedro, mas chegou primeiro (!), inclina-se e vê (blépô) as faixas de linho no chão. 3) Pedro, que corria juntamente com «o discípulo amado», mas SEGUINDO-O e chegando depois… Na verdade, ainda em João 18,15, os dois SEGUIAM Jesus, que é a correta postura do discípulo. Pedro, porém, não SEGUIU Jesus até ao fim: ficou ali estacionado no pátio do Sumo-Sacerdote! Mais do que isso e pior do que isso, em vez de estar com Jesus, Pedro ficou com os guardas, a aquecer-se com os guardas! (João 18,18). Pedro, portanto, não fez o curso ou o percurso de discípulo de Jesus até ao fim! Deixou por fazer umas quantas unidades curriculares. É por isso que agora tem de SEGUIR alguém que tenha SEGUIDO Jesus até ao fim. É por isso, e só por isso – nada tem a ver com idades (Pedro mais idoso, o «discípulo amado» mais jovem!) – que Pedro tem agora de SEGUIR o «discípulo amado», chegando naturalmente ao túmulo atrás dele. Note-se ainda que, não obstante um ir à frente e o outro atrás, correm os dois juntos. É aquilo que ainda hoje vemos na catequese e na mistagogia cristãs: corremos sempre juntos, mas alguém vai à frente, para ensinar o caminho aos outros! Belíssima comunhão em corrida!
Pedro, que corria juntamente com o «discípulo amado», mas SEGUINDO-O, entra no túmulo que o «discípulo amado» cuidadosamente sinaliza e lhe aponta (ele é o grande sinalizador de Jesus: veja-se João 13,24 e 21,7), e vê (theôréô: um ver que dá que pensar e que abre para a fé: cf. João 2,23; 4,19; 6,2.19.40.62) as faixas de linho no chão e o sudário que cobrira o Rosto de Jesus, à parte, dobrado cuidadosamente, como «sinal» do Corpo ausente do Ressuscitado! Conclusão: o corpo de Jesus não foi roubado, como supôs a Madalena equivocada! Os ladrões não costumam deixar a casa roubada tão em ordem! Por isso, Pedro vê com o olhar de quem fica a pensar no que se terá passado… Talvez seja coisa de Deus… Com a indicação preciosa de que o véu foi cuidadosamente retirado do seu Rosto, a Revelação convida agora a contemplar o Rosto divino no Rosto humano do Ressuscitado: vendo‑o a Ele, vê‑se o Pai (cf. João 14,9).
«O discípulo amado» entrou, viu com um olhar histórico (tempo aoristo) de quem vê por dentro a identidade (verbo grego ideîn), e acreditou (v. 8). É o olhar de quem vê o inefável, verdadeiro clímax do relato: anote‑se a passagem do verbo ver do presente para o aoristo, e de fora para dentro: «o discípulo amado» viu na história a identidade dos «sinais»: toda a Economia divina realizada! O relato evangélico é sóbrio, mas rico e denso. Fiel a esta intensa sobriedade, a arte cristã nunca se atreveu a representar a ressurreição antes dos séculos X-XI. É tal o fulgor da Luz deste mistério, que ficará sempre no domínio do inefável, que simultaneamente ilumina e esconde.
A narrativa de João 20 abre com a Madalena, que vai de manhã cedo, ainda escuro, ao túmulo, e vê, com um olhar normal (verbo grego blépô) a pedra retirada (êrménos) para sempre e por Deus (João 20,1), tal é o significado imposto por êrménos, particípio perfeito passivo de aírô. Conforme a grandiosa narrativa, a Madalena tem diante dos olhos o inefável. Mas cega como está pelos seus preconceitos, a Madalena falha a visão do inefável, e corre logo, equivocada, a levar uma falsa notícia: «Retiraram (aoristo de aírô) o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o puseram» (João 20,2). Não é de admirar, dado que a Madalena anda pelo escuro, e, no IV Evangelho, quem anda no escuro ou na noite, não vê a Luz.
Ainda que não faça parte do Evangelho deste Dia Grande, vale a pena, para que não fique perdido, acostar aqui o percurso que a Madalena continua a fazer em João 20,11-18. Mudou de olhar. Aparece agora junto do túmulo a chorar, inclina-se e vê, agora também (como Pedro) com um ver que dá que pensar (verbo grego theôréô), dois anjos vestidos de branco (cor divina), estrategicamente colocados no túmulo, como sinais. Perguntam à Madalena: «Mulher, por que choras?». Na verdade, ela ainda está do lado da morte, do escuro, da dor, da tristeza. A paisagem em que se move ou a página que a move ainda é o Capítulo 19 de João, daquele Jesus morto por mãos humanas retirado (João 19,38), daquele Rei por mãos humanas retirado (João 19,15[2x]), ou até daquela pedra por mãos humanas retirada do túmulo de Lázaro (João 11,39 e 41) – em todos os casos o verbo aírô no aoristo –, não sabendo ainda ler a pedra para sempre retirada por Deus, de João 20,1. É ainda à procura de um corpo morto que ela anda. De um corpo morto a que ela se acha com direito de posse. Talvez seja este o preconceito que lhe tolhe o olhar e a impede de ver o inefável. Na verdade, responde assim à pergunta feita pelos dois anjos: «Retiraram o meu Senhor, e não sei onde o puseram» (João 20,13). Note-se outra vez o aoristo do verbo aírô, e note-se agora também o possessivo «meu» afeto a Senhor.
Voltando-se para o jardim, vê, outra vez com um ver que dá que pensar (theôréô), um homem de pé, que ela pensa ser o jardineiro, mas que, na verdade, é Jesus, que a deixa espantada com a segunda pergunta que lhe faz: «Mulher, por que choras? (normal, pois ela continuava a chorar); a quem procuras?». Esta segunda pergunta desvenda a Madalena, retirando-a dos preconceitos que a cegam. Precedendo-a, antecipando-se a ela, adivinhando-a com aquela pergunta direita ao coração, Jesus dá-se a conhecer à Madalena, deixando-a a pensar mais ou menos assim: «E como é que este desconhecido sabe que eu ando à procura de alguém neste jardim?». Compreendendo-se compreendida, a Madalena começa a sair aqui da sua cegueira, mas ainda precisa de algum tempo para mudar de paisagem, de margem, de página, do Capítulo 19 para o Capítulo 20. A resposta que dá é elucidativa: «Se foste tu que o levaste, diz-me onde o puseste, e eu o retirarei» (João 20,15).
Ao responder com um pronome três vezes repetido, que esconde o nome, vê-se bem que a Madalena sabe que aquele desconhecido bem sabe quem ela procura. E confessa aqui o intento que desde aquela madrugada, ainda escuro, a movia: retirar para si aquele corpo morto! Manifesta que anda ainda perdida no Capítulo 19, quando responde «em hebraico» (hebraïstí) a Jesus que acabava de pronunciar o nome dela: «Maria!» (João 20,16). A locução adverbial «em hebraico» (hebraïstí) é uma ponte para João 19,13 e 17. Equivocada como anda, ainda quer reter o Ressuscitado, mas não pode: aprende ainda que nada nem ninguém pode reter o Ressuscitado, aquela vida nova, aquele modo novo de estar presente! Leva tempo até passar da margem da morte para a margem da vida verdadeira! E finalmente vai anunciar aos discípulos, que Jesus significativamente chama «meus irmãos» (João 20,17), enviada pelo Ressuscitado: «Vi (heôraka) o Senhor!» (João 20,18). Nova mudança de olhar. O que ela diz agora é: Vi e continuo a ver o Senhor! É o que significa o verbo grego horáô, no tempo perfeito. É o olhar da testemunha que vê o inefável! Aqui termina a Madalena o seu longo e belo percurso, e sai de cena.
É o amor, ainda que imperfeito,
É o amor, ainda que com defeito,
É o amor que faz correr a Madalena.
É o amor, ainda que imperfeito,
É o amor, ainda que com defeito,
É o amor que faz chorar a Madalena.
Mas tu sabes, meu irmão da Páscoa plena,
Tu sabes que há outro amor em cena,
E é esse amor que faz amar a Madalena.
Os primeiros cristãos rapidamente fizeram do Santo Sepulcro o seu primeiro e mais venerado lugar de culto, que o Imperador Adriano (117-135) soterrou e paganizou, estabelecendo ali cultos pagãos (no lugar da Ressurreição, colocou a estátua de Júpiter, e, no Calvário, pôs uma estátua de Vénus em mármore), com o intuito de desviar deles os cristãos. O mesmo fez em todos os lugares santos da Palestina. Todavia, Em 326, Santa Helena, mãe do imperador Constantino, que aí terá descoberto a Cruz do Senhor, mandou demolir as construções pagãs, e vieram à luz outra vez os primitivos e venerados lugares cristãos, que foram então englobados num magnífico edifício Constantiniano, consagrado no dia 13 de Setembro do ano 335, e que era formado pela Anástasis, grandioso mausoléu que guardava no centro o Santo Sepulcro, o Triplo Pórtico, que abrigava o rochedo do Gólgota, e o Martyrium, que guardava o lugar da crucifixão e morte do Senhor. No dia imediatamente a seguir à dedicação da Basílica, 14 de setembro desse ano 335, teve lugar e origem a veneração da Cruz de Cristo, hoje, Festa da Exaltação da Santa Cruz. Esta comemoração ganhou novo relevo quando, em 630, o imperador Eráclio derrotou os Persas, e as relíquias da Cruz foram trazidas processionalmente para Jerusalém. Esta bela Basílica Constantiniana foi danificada por diversas invasões e ocupações. A atual Basílica do Santo Sepulcro, que os ortodoxos e os árabes chamam Anástasis e Qiyama, termos que em grego e árabe significam «Ressurreição», é fruto de cinquenta anos de trabalho dos Cruzados (1099-1149). Aqui estão guardadas as mais fundas raízes da nossa vida cristã, hoje quase uma espécie de «condomínio» de três Igrejas cristãs, infelizmente separadas entre si: a igreja greco-ortodoxa, a romano-católica e a armena. Aqui se sente ao vivo a mesma e comum fé pascal, mas também o drama da separação.
Na Leitura que hoje escutamos do Livro dos Atos dos Apóstolos (10,34-43), os Apóstolos dão testemunho do que viram. Foi‑lhes dado ver exatamente para dar testemunho. Viram e testemunham o Batismo de Jesus, a execução da sua missão filial batismal, a sua Morte na Cruz, a sua Ressurreição Gloriosa, a sua Vinda Gloriosa. Mas os Apóstolos insistem que também os Profetas [= Antigo Testamento] dão testemunho d’Ele Ressuscitado, no qual se cumpre para nós a «remissão dos pecados», o Jubileu divino do Espírito Santo (v. 43). A base profética é imponente: Jeremias 31,34; Isaías 33,24; 53,5‑6; 61,1; Ezequiel 34,16; Daniel 9,24. Ver depois João 20,19‑23. «As Escrituras» (então o Antigo Testamento) apontam para o Ressuscitado! O Ressuscitado remete para «as Escrituras». Cumplicidade entre o Ressuscitado e «as Escrituras». Na verdade, o Ressuscitado cumpre e enche as «Escrituras». Não está depois delas ou no fim delas. Está no meio delas, fá-las transbordar, transborda delas.
O Capítulo III da Carta aos Colossenses (3,1-4) trata a «vida nova» em Cristo, que é vida batismal, operada pelo Espírito Santo que faz morrer e renascer na Fonte da Graça. Por isso, adverte solenemente Paulo: «procurai as coisas do alto» (v. 1), «pensai as coisas do alto» (v. 2), exortação que ecoa ainda no Diálogo que antecede o Prefácio: «Corações ao alto!», a que respondemos com a alegria e a sabedoria do Espírito: «O nosso coração está em Deus!», enquanto ecoa ainda em cada coração habitado pelo Espírito o «Glória a Deus nas alturas!».
Em alternativa a Colossenses 3,1-4, pode ler-se e escutar-se 1 Coríntios 5,6-8. A sua linguagem é da cor da Páscoa (grego páscha, hebraico pesah). O Novo Testamento usa o termo grego páscha [= Páscoa] por 28 vezes, assim distribuídas: 24 vezes nos Evangelhos + Atos 12,4 e Hebreus 11,28, todas em referência exclusiva à Páscoa hebraica do Antigo Testamento; as duas menções que faltam são precisamente 1 Coríntios 5,7 e Lucas 22,15, esta com o precioso lógion de Jesus: «Desejei ardentemente esta Páscoa (toûto tò páscha) comer convosco». Em 1 Coríntios 5,7, lemos a expressão tò páscha hêmôn etýthê Christós, cuja tradução não pode ser «Cristo, a nossa Páscoa, foi imolado», como se vê habitualmente, mas «durante a nossa Páscoa (hebraica), foi imolado Cristo». Os motivos são gramaticais (tò páscha hêmôn é um acusativo adverbial) e teológicos: o cordeiro da Páscoa não é um sacrifício imolado; não é queimado sobre o altar; é comido em família. Sacrifício da Páscoa era a ʽôlat-tamid, o holocausto perpétuo, diário, o sacrifício de dois cordeiros, filhos de um ano, um de manhã e outro de tarde, conforme Êxodo 29,38-42 e Números 28,3-8, e que, sendo diário, precedia qualquer celebração festiva. Só depois deste sacrifício quotidiano, se procedia, em dias de festa, como é a Páscoa, ao sacrifício da festa propriamente dito, sacrifício suplementar, e que, na Páscoa, consistia num «sacrifício de ovelhas e bois», este sim, «Páscoa imolada para o Senhor» (Deuteronómio 16,2). De notar também que o Novo Testamento desconhece em absoluto o adjetivo «pascal», de que nós fazemos uso indiscriminado, e não pensado. A restante linguagem da cor da Páscoa que 1 Coríntios 5,6-8 mostra é o fermento (hamets) e os pães ázimos (matstsôt). Servem os termos para Paulo reclamar dos cristãos vida nova (pães ázimos), sem malícia (fermento velho).
Páscoa é Páscoa. Simplesmente.
Sem I.V.A. nem adjetivo pascal.
Páscoa é lua cheia, inconsútil, inteira,
Sementeira de luz na nossa eira.
Deixa-a viver, crescer, iluminar.
Afaga-lhe a voz e o olhar.
Não lhe metas pás, não lhe deites cal.
Não lhe faças mal.
Não são notas enlatadas, brasas apagadas.
É música nova, lume vivo e integral.
Não é paragem, mas passagem,
Aragem a ferver e a gravar em ponto Cruz
A mensagem que arde no coração dos dois de Emaús.
A Páscoa é Jesus.
António Couto
ANEXOS:
Domingo de Ramos – Ano A – 02.04.2023
Viver a Palavra
Com a celebração do Domingo de Ramos na Paixão do Senhor damos início à Semana Santa onde somos convidados a fixar o nosso olhar na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. A Semana Santa inicia e termina com um evangelho de festa, marcado pela alegria. Iniciamos a celebração deste Domingo com a proclamação do Evangelho que narra a entrada de Jesus em Jerusalém onde é aclamado com brados de alegria e de júbilo que ainda hoje repetimos na celebração da Eucaristia: «Hossana ao Filho de David! Bendito O que vem em nome do Senhor! Hossana nas alturas!» e na soleníssima noite de Páscoa haveremos de escutar o solene anúncio da Ressurreição gloriosa. Contudo, esta moldura de alegria e de festa encerra no seu interior a paixão e morte, o duro caminho da paixão que escutamos no Evangelho da missa.
No atual contexto social e eclesial que estamos a atravessar, nas dificuldades pessoais ou alheias com que nos deparamos no quotidiano, haveremos de ter sempre presente esta moldura de alegria e de festa que encerra a paixão e morte de Jesus. Diante das dificuldades, exigências e sofrimentos, com toda a certeza, levantamos tantas perguntas e assaltam ao nosso coração tantas dúvidas e incertezas. Podemos até fazer a nossa oração a partir das palavras que Jesus proclama na cruz e que cantávamos no salmo: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?». Alguns exegetas afirmam que uma tradução mais fiel deste versículo deveria ser: «Meu Deus, meu Deus, porque me fizeste chegar até aqui?». Na verdade, estas palavras podem muito bem ser o ecoar da nossa oração, em tantas circunstâncias que atravessamos, e quão bom seria se elas traduzissem a atitude de quem se coloca humildemente diante do mistério da dor e do sofrimento. Não temos respostas, nem fórmulas mágicas e instantâneas, mas temos a humilde confiança de quem se sabe amado por um Deus que não é indiferente às nossas dores e angústias e podemos proclamar como escutávamos na primeira leitura: «o Senhor Deus veio em meu auxílio, e, por isso, não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido».
O nosso Deus não nos desilude e a confiança que depositamos nele há-de abrir-nos ao horizonte de alegria e de festa que a Páscoa do Senhor nos aponta. Se Jesus nos convida à alegria e à felicidade, à conversão e à santidade, também desce à dor e ao sofrimento para nos ensinar a arte de estar ali onde o amor se faz mais exigente. Jesus sobe até à cruz, abraça a dor e sofrimento, porque o amor é tanto mais verdadeiro, quanto mais se realiza em gestos concretos de compaixão e misericórdia. Entre os muitos deveres do amor está aquele primeiro de estar ali, precisamente ali, onde está o amado. Por isso, Jesus vai até ao sofrimento e à morte, porque Ele sabe bem que a nossa frágil humanidade atravessa caminhos de dor e de sofrimento. Contudo, também aprendemos com Jesus que a nossa dor e sofrimento se abrem à alegria pascal que a manhã de Páscoa nos há-de trazer.
Sobre a terra, no meio dos nossos limites e fracassos, é tempo de caminhar humilde e confiadamente a estrada da fragilidade fortalecida pelo amor e pela graça e, um dia, haveremos de compreender ou pelo menos entrever não o «porquê?», mas o «para quê?» destes tempos difíceis e exigentes. Durante a paixão e morte de Jesus os discípulos não foram capazes de compreender o modo livre, disponível e confiante com que Jesus se entregava à vontade do Pai, mas na manhã de Páscoa e na força transformadora do dia de Pentecostes os discípulos viram abrir-se os seus olhos e os seus corações para alegria nova que o amor transporta. Por isso, que as horas exigentes de dor e desilusão nos conduzam sempre ao dia esplendoroso, onde celebraremos juntos a alegria do amor que vence as trevas e que enche de esperança as nossas vidas. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Com o Domingo de Ramos na Paixão do Senhor entramos na Semana Santa. Este Domingo deve ser marcado pelo convite à participação no Tríduo Pascal, centro de todo o ano litúrgico. Não nos devemos limitar a um anúncio dos horários e locais das celebrações, mas, por exemplo, elaborar um pequeno folheto com uma apelativa descrição de cada uma das celebrações. Além disso, pode apontar-se como ação missionária para esta semana o convite aos vizinhos e amigos para a participação nas diversas celebrações pascais. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Ainda em Quaresma, estamos a caminho da Páscoa da Ressurreição. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Is 50, 4-7
«Apresentei as costas àqueles que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.»
Ambiente
No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas que se destacam do resto do texto (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12). Apresentam-nos uma figura enigmática de um “servo de Jahwéh”, que recebeu de Deus uma missão. Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal; concretiza-se no sofrimento, na dor e no abandono incondicional à Palavra e aos projetos de Deus. Apesar de a missão terminar num aparente insucesso, a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários.
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Jahwéh”. in Dehonianos.
A reflexão pode tocar os seguintes aspetos:
Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Jahwéh”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera vida nova.
Jesus, o “servo” sofredor, que faz da sua vida um dom por amor, mostra aos seus seguidores o caminho: a vida, quando é posta ao serviço da libertação dos pobres e dos oprimidos, não é perdida mesmo que pareça, em termos humanos, fracassada e sem sentido. Temos a coragem de fazer da nossa vida uma entrega radical ao projeto de Deus e à libertação dos nossos irmãos? O que é que ainda entrava a nossa aceitação de uma opção deste tipo? Temos consciência de que, ao escolher este caminho, estamos a gerar vida nova, para nós e para os nossos irmãos?
Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)
Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?
LEITURA II – Filip 2, 6-11
«Cristo Jesus, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio».
Ambiente
A cidade de Filipos era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador; gozava, por isso, dos mesmos privilégios das cidades de Itália. A comunidade cristã, fundada por Paulo, era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5), por quem Paulo nutria um afeto especial. Apesar destes sinais positivos, não era, no entanto, uma comunidade perfeita… O desprendimento, a humildade e a simplicidade não eram valores demasiado apreciados entre os altivos patrícios que compunham a comunidade.
É neste enquadramento que podemos situar o texto que esta leitura nos apresenta. Paulo convida os Filipenses a encarnar os valores que marcaram a trajetória existencial de Cristo; para isso, utiliza um hino pré-paulino, recitado nas celebrações litúrgicas cristãs: nesse hino, ele expõe aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo. in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes desenvolvimentos:
Os valores que marcaram a existência de Cristo continuam a não ser demasiado apreciados no séc. XXI. De acordo com os critérios que presidem à construção do nosso mundo, os grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade, com autossuficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?
Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus cristãos algo realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo de Cristo. Também a nós é pedido, nestes últimos dias antes da Páscoa, um passo em frente neste difícil caminho da humildade, do serviço, do amor: será possível que, também aqui, sejamos as testemunhas da lógica de Deus?
Os acontecimentos que, nesta semana, vamos celebrar, garantem-nos que o caminho do dom da vida não é um caminho de “perdedores” e fracassados: o caminho do dom da vida conduz ao sepulcro vazio da manhã de Páscoa, à ressurreição. É um caminho que garante a vitória e a vida plena. in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 26,14 – 27,66
«Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice. Todavia, não se faça como Eu quero, mas como Tu queres».
«Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus».
Ambiente
O Evangelho segundo Mateus começa por apresentar Jesus (cf. Mt 1,1-4,22). Descreve, depois, o anúncio central de Jesus: nas suas palavras e nos seus gestos, Jesus anuncia esse mundo novo a que Ele chama “o Reino dos céus” (cf. Mt 4,23-9,35). Do anúncio do “Reino” nasce a comunidade dos discípulos – isto é, nasce um grupo que assimila as propostas de Jesus (cf. Mt 9,36-12,50). Os discípulos são a “comunidade do Reino”: instruídos por Jesus, formados na mentalidade do “Reino”, os discípulos recebem a missão de testemunhar o “Reino”, após a partida de Jesus (cf. Mt 13,1-17,27). Na parte final do seu Evangelho, Mateus descreve a rutura final de Jesus com o judaísmo (cf. Mt 18,1-25,46) e o final do caminho de Jesus: a paixão, morte e ressurreição (cf. Mt 26,1-28,15).
A leitura que hoje nos é proposta é o relato da paixão de Jesus. Descreve como o anúncio do Reino choca com a mentalidade da opressão e, portanto, conduz à cruz e à morte; no entanto, não podemos dissociar os acontecimentos da paixão daqueles que celebraremos no próximo domingo: a ressurreição é a prova de que Jesus veio de Deus e tinha um mandato do Pai para tornar realidade no mundo o “Reino dos céus”. in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes dados:
Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, tremeu perante a morte, suou sangue antes de aceitar a vontade do Pai; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar. Desse amor resultou vida plena, que Ele quis repartir connosco “até ao fim dos tempos”: esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes.
Contemplar a cruz, onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus, significa assumir a mesma atitude e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade… Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor…
Viver deste jeito pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura não apresenta nenhuma dificuldade aparente na sua proclamação. Requer uma leitura pausada e atenta que exprima toda a densidade e intensidade dramática do texto. A última frase exige uma especial atenção para que se possa transmitir a confiança e esperança que o auxílio de Deus oferece.
A segunda leitura é um hino litúrgico e poético e apresenta duas partes distintas: uma primeira mais dramática e uma segunda mais jubilosa e marcada pela exaltação de Jesus. A proclamação desta leitura deve ter presente todos estes elementos. A narrativa evangélica da Paixão do Senhor, na ausência de diáconos, pode ser lida por mais dois leitores, reservando a parte de Cristo ao sacerdote. Tendo em conta os diversos diálogos e a dimensão do texto, aqueles que participam na leitura devem fazer uma acurada preparação das diversas intervenções ao longo do texto.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Batizado com o Espírito Santo no Jordão, confirmado com o Espírito Santo no Tabor, Jesus realizou a sua missão filial batismal anunciando o Evangelho do Reino de Deus e fazendo as suas «obras». A sua «viagem» chega agora ao fim, na Judeia, em Jerusalém, onde o seu Batismo deve (plano divino) ser consumado (ainda Lucas 12,49-50) na sua Morte Gloriosa: única Fonte do Espírito Santo para nós, porque única Fonte da Vida Eterna verdadeiramente Dada (sempre Atos 2,32-33; João 19,30 e 34; 7,38-39), pois não se alcança através da nossa programação ou planificação. As coisas supremas não são planificáveis. Já estão prontas para receber. A missão filial batismal do Filho de Deus finalmente consumada! É que fomos, de facto, batizados na sua Morte (Romanos 6,3-4), e, com Ele, fomos já, para usar a vigorosa linguagem paulina, «com-sepultados», «com-ressuscitados», «com-vivificados» e «com-sentados» na Glória! (Efésios 2,5-6; Colossenses 2,12-13: tudo verbos cunhados por Paulo e postos em aoristo (passado) histórico!). Formamos, por isso, «a Igreja que Ele amou» (Efésios 5,25). A este grande amor de Cristo pela Igreja chama Paulo «o mistério grande» (Efésios 5,32). Nós, a Igreja do amor de Cristo, somos, portanto, a Esposa bela, a nova Jerusalém (Apocalipse 19,7-9; 21,2.9-14) que, juntamente com o Espírito, diz ao Senhor Jesus: Vem! (Apocalipse 22,17).
O tom deste Domingo de Ramos é dado pela bela página de Mateus 21,1-11, que nos mostra o Rei messiânico a tomar posse da sua Cidade, a «Cidade do Grande Rei» (Salmo 45,5; 47,2-3; Tobias 13,11; Mateus 5,35), a Esposa bela que nascerá do seu Sangue: Esposa cúmplice da Morte do Esposo, e beneficiária da Morte do Esposo! Esposa, portanto, e no entanto! Que ao encontro do Esposo desce em vestido de noiva, não de viúva! (Apocalipse 21,2). O Rei messiânico toma posse da sua Cidade, a Filha de Sião, a Esposa; vem montado sobre o jumento da paz, e não sobre cavalos de guerra, cumprindo Zacarias 9,9. De notar que Zacarias escreveu esta página deslumbrante de um Rei diferente, pobre, manso e humilde, em contraponto com o imponente espetáculo do grande Alexandre Magno, quando este, em finais do século IV a. C., descia a costa palestinense a caminho do Egito, com todo o seu arsenal de riqueza e de prepotência militar! Estendem-se as capas e ramos de árvores no caminho: assim se procedia quando o rei subia ao trono (cf. 2 Reis 9,13). A multidão canta «Hossana» [= «Salva, por favor!»] (Salmo 118,5), saudando o Rei-que-Vem, «Aquele-que-Vem» (título divino) (Salmo 118,26), com o Reino de David, o novo David!
Ainda hoje, no domingo de Ramos, não obstante o ambiente abertamente hostil aos cristãos que se respira, se faz, desde Betfagé, uma pequena aldeia hoje totalmente muçulmana com um pequeno santuário à guarda dos Franciscanos, uma impressionante procissão e manifestação de fé que, descendo o Monte das Oliveiras, termina na Igreja de Santa Ana, junto da porta de Santo Estêvão (ou dos Leões).
O Evangelho que enche este Domingo de Ramos na Paixão do Senhor é o imenso e impressionante relato da Paixão de Mateus 26,14-27,66, que marca o ritmo da nossa «Semana Santa», que as Igrejas Orientais chamam «Semana Grande», e que o antigo rito da Igreja de Milão conhecia por «Semana Autêntica». Somos nós, portanto, carregando os nossos ódios, raivas, mentiras, invejas e violências, seguindo a par e passo o Rei manso e obediente que a nós e por nós se entrega por amor, absorvendo, absolvendo e dissolvendo assim o nosso lado sombrio e pecaminoso. O rei assume, no seu perfil, duas valências fundamentais: 1) pôr-se totalmente nas mãos de Deus, escutando a sua Palavra e cumprindo-a; 2) pôr-se totalmente ao serviço do seu povo, a quem deve fazer chegar a prosperidade e o bem-estar, a plenitude dos bens espirituais e materiais. O que esta Semana nos oferece são, pois, momentos e tonalidades intensos e decisivos, em que a Esposa bela, tornada bela, segue o Rei-Esposo passo a passo, gesto a gesto: a unção para a sepultura em Betânia, a Ceia Primeira (e não última!) da intimidade que deixa ver melhor as traições e as negações que já se desenham no horizonte, a afirmação solene de Pedro e de todos os discípulos de que estão dispostos a morrer por Jesus, mas nunca a negá-lo, o abismo do Getsémani, onde Cristo, sendo embora o Filho de Deus, Deus Ele mesmo, treme perante a morte, mas aceita-a, submetendo a sua vontade humana à sua Vontade divina, que é a mesma Vontade do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a oração de Jesus e o sono pesado dos discípulos (uma, duas, três vezes), Judas que vem prender Jesus com um beijo (a traição num gesto de intimidade!), acompanhado de outros que trazem espadas e varapaus, mas é um dos que estão com Jesus que puxa da espada e a usa (!), a prisão de Jesus «segundo as Escrituras» (Mateus 26,54 e 56), altura em que todos o abandonam e fogem (Mateus 26,56), deixando Jesus sozinho como verdadeiro «Resto de Israel!», os processos e a condenação [Jesus afirma-se como «o Cristo», «o Filho de Deus», «o Filho do Homem-que-Vem-na-sua-Glória», «o Rei»], Pilatos que «lava as mãos» como quem nada quer ter a ver com o assunto (Mateus 27,24), gesto que só Mateus relata, a entrega à morte de cruz por Pilatos (Mateus 27,26) e por Judas (Mateus 26,15-16.21-25; 27,3), mas na verdade por Deus (1 Coríntios 11,23: paredídeto: passivo divino ou teológico!), a coroa de espinhos, Pedro disposto a morrer com Jesus (Mateus 26,35), mas negando-O logo de seguida com aquele triplo «não sei!» (Mateus 26,70.72.74), a Cruz Santa e Gloriosa, as três tentações por parte dos transeuntes, dos chefes dos sacerdotes juntamente com os escribas e os anciãos, dos ladrões: «salva-te a ti mesmo», «desce da cruz» (Mateus 27,39-44), a oração do Salmo 22 (todo): começa «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», e termina «Esta é a obra do Senhor!», a agonia e a Morte precedida do «grande grito» (Mateus 27,46 e 49), que indica que Jesus continua a ser o sujeito ativo de todos os seus atos, mas indica também a Vitória de Deus… Proclamação da máxima Obra de Deus no mundo, a indizível Economia divina na vida terrena do Filho de Deus! Segue-se a sepultura num túmulo novo (Mateus 27,60), como convém ao Rei, sempre o primeiro em tudo, as mulheres à distância do recolhimento, observando tudo com atenção (verbo theôréô) (Mateus 27,55), como farão depois na sua visita ao túmulo (Mateus 28,1), os únicos dois lugares em que Mateus usa o verbo theôréô! A cena da guarda do túmulo reclamada pelos judeus e a lenda do roubo do seu corpo pelos discípulos entretanto espalhada (só em Mateus) costura-se ainda com as páginas iniciais do Génesis, que relatam a história de um fruto e a lenda de um furto (cf. Génesis 1,29 vs. 3,1-6). A proclamação deste imenso texto deve seguir-se com a conversão no coração, e, sobretudo, com o louvor no coração.
Vendo bem, somos todos levados a percorrer e a reviver as últimas decisivas vinte e quatro horas de Jesus, desde as 15h00 de Quinta-Feira Santa até perto das 18h00 de Sexta-Feira Santa:
15h00 = Preparação da Ceia
18h00 = Ceia Primeira!
21h00 = Getsémani
24h00 = Prisão de Jesus
03h00 = Pedro nega e o galo canta
06h00 = Jesus diante de Pilatos
09h00 = Crucifixão de Jesus
12h00 = As trevas em vez da Luz!
15h00 = Morte de Jesus
18h00 = Sepultamento de Jesus
Note-se que, na cronologia dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), esta Quinta-Feira é o dia da Preparação da Páscoa, comendo-se a Ceia Pascal logo após o pôr-do-sol (no calendário religioso hebraico já é Sexta-Feira, dado que o dia começa com o pôr-do-sol). Como se vê, esta cronologia vê na Ceia de Jesus com os seus Discípulos uma Ceia Pascal. Também de acordo com esta cronologia, Jesus é preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado em Sexta-Feira, Dia da Páscoa dos judeus, o que seria muito estranho! O Evangelho de S. João apresenta outra cronologia, hoje defendida pela maioria dos estudiosos, segundo a qual Jesus terá comido uma Ceia, a sua Ceia Nova em Quinta-Feira, mas não a Ceia ritual da Páscoa dos judeus, e foi preso, julgado, condenado, crucificado, morto e sepultado, em Sexta-Feira, dia da Preparação, antes da Ceia ritual da Páscoa dos judeus, que João coloca no Sábado, e não na Sexta-Feira. No seu Último Livro sobre Jesus de Nazaré, Bento XVI defende também esta cronologia joanina. De resto, as Igrejas do Ocidente seguem a cronologia dos Sinóticos: por isso, a nossa Eucaristia é com pão Ázimo, derivado do ritual da Ceia da Páscoa dos judeus. Por seu lado, as Igrejas do Oriente seguem a cronologia joanina, sendo a sua Eucaristia com pão comum, dado não derivar do ritual da Páscoa dos judeus.
O Antigo Testamento serve-nos hoje o chamado «terceiro canto do Servo» (Isaías 50,4-7). Gerado na dor de Israel como verdadeiro filho do milagre (Isaías 49,21), ergue-se esta singular figura de «Servo» (‘ebed), totalmente nas mãos de Deus, desde a sua predestinação desde o seio materno (Isaías 49,1 e 5), passando pela sua entrega à morte (Isaías 53,12), até à sua exaltação e glorificação (Isaías 52,13), de tal modo que Deus o pode chamar «meu Servo» (‘abdî). Na lição de hoje, o «Servo» é um Discípulo a quem Deus abre os ouvidos até ao coração, para ouvir bem a música de Deus, e poder levar uma palavra de consolo aos dela necessitados. «Tornando o seu rosto duro como uma pedra» (Isaías 50,7), apresenta-se como um Servo, não insensível e indiferente, mas decidido a levar até ao fim a missão que lhe é confiada. A mesma expressão será dita acerca de Jesus em Lucas 9,51. O Novo Testamento passa por aqui!
Em claro paralelismo com o «Servo», cantado por Isaías, aí está Jesus apresentado por Paulo aos Filipenses (2,6-11). Mas aqui, o «Servo» tem um Rosto e um Nome: Jesus recebeu, na sua Humanidade, o Nome divino (ver também Hebreus 1,1-4), Nome incomparável (Filipenses 2,9). Por isso, agora, todos os seres criados adoram o Nome-Jesus (Filipenses 2,10), e «toda a língua», isto é, todo o ser humano racional, professa: «Senhor é Jesus Cristo!» (Kýrios Iêsoûs Christós). Notar a ordem dos três termos, errada nas versões modernas: Senhor, isto é, Deus eterno, é o Homem-Jesus Cristo. O sujeito é o que não se conhece; o predicado é o que se conhece. O acento cai, pois, sobre Senhor. O fim em vista: a Glória do Pai com o Espírito (Filipenses 2,11). É quanto Deus operou na Cruz e semeou no nosso coração.
Voltamos à música do Salmo 22, uma oração que nasce na Paixão e termina na Páscoa! É belo tomarmos consciência de que Jesus nos pediu estas palavras emprestadas, para no-las devolver a transbordar de sentido. Já se sabe que aquele «Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?», que Jesus reza na Cruz, e que são as primeiras palavras do Salmo, implica, segundo a praxe judaica, a recitação do Salmo inteiro, que tem uma primeira parte de fortíssima lamentação (vv. 2-22), passando logo para uma segunda parte que expressa consolação por ver Deus ao nosso lado, tão próximo de nós (vv. 23-27), e terminando em verdadeira exultação (vv. 28-32). O grande pregador francês Jacques Bossuet (1627-1704) declarava bem-aventurados aqueles que, recitando este Salmo, se encontram com Jesus, tão santamente tristes e tão divinamente felizes!
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos
Serenos e seguros no caminho da vida e da Paixão,
Da ressurreição.
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos
Sossegados e firmes,
Resolutos,
Até à porta do meu coração.
Senhor Jesus,
Senhor dos Passos,
Dos meus e dos teus,
Finalmente harmonizados,
Finalmente lado a lado:
Os meus, imprecisos, indecisos,
Atravessados pelo teu Perdão;
Os teus, sossegados e firmes,
Sincronizados pelo pulsar do meu coração.
Sim,
Eu sei que foi por mim que desceste a este chão
Pesado, íngreme, irregular,
De longilíneas lajes em que é fácil escorregar.
Mas os teus braços sempre abertos ajudam-me a levantar.
Senhor Jesus,
Deixa-me chegar um pouco mais junto de ti,
Chega-te tu também mais junto de mim.
Segura-me.
Dá-me a tua mão firme, nodosa e corajosa.
Agarro-me.
Sinto sulcos gravados nessa mão.
Sigo-os com o dedo devagar.
Percebo que são as letras do meu nome.
Foi então por mim que desceste a este chão.
O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.
Senhora das Dores, Maria, minha Mãe,
Que seguiste até ao fim os passos do teu Filho,
Acompanha e protege os meus passos também.
Obrigado, Senhor Jesus,
Meu Senhor, meu Irmão e companheiro.
António Couto
ANEXOS:
Domingo V da Quaresma – Ano A – 26.03.2023
25Disse-lhe Jesus: «Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. 26E todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre. Crês nisto?» Jo 11, 25-26
Viver a Palavra
A Liturgia da Palavra deste quinto Domingo da Quaresma apresenta-nos um quadro raro da narrativa evangélica: Jesus chora. Nos evangelhos, encontramos apenas dois momentos em que Jesus chora: a morte do seu amigo Lázaro (Jo 11,35) e sobre a cidade de Jerusalém (Lc 19,41).
Diante do túmulo de Lázaro, Jesus chorou, levando os presentes a afirmar: «vede como era seu amigo». As Suas lágrimas, junto ao túmulo de Lázaro e sobre a cidade de Jerusalém são sinal do amor que sente pela humanidade. Jesus ama-nos e não quer que nenhum se perca, por isso, veio ao nosso encontro, assumiu a nossa humanidade, desceu às águas do Jordão para ser batizado, acolheu com ternura e misericórdia os doentes e os marginalizados, foi ao encontro dos pecadores e rejeitados e levou esse amor às últimas consequências abraçando a cruz e abrindo para nós as portas da ressurreição e da vida nova.
Jesus chora e ensina-nos a arte da compaixão. As lágrimas não são sinal de desespero ou de incapacidade de reagir diante do mal e do sofrimento, mas sinal de amor e compaixão diante das situações dramáticas da história. Jesus chora, mas não se detém no choro e no lamento. Dirige-se ao túmulo, pede que removam a pedra, dá graças ao Pai e brada com voz forte para que Lázaro saia do túmulo.
Diante das situações de dor e sofrimento pessoais e alheias não devemos ficar presos às nossas lágrimas e lamentos. Choramos e compadecemo-nos, mas devemos assumir uma atitude proactiva, capaz de responder com ousadia e coragem aos desafios que se colocam diante de nós. A misericórdia e a compaixão despertam o nosso coração e as nossas emoções, mas devem despertar também a nossa vida e a nossa ação. Com Jesus e como Jesus, acreditamos que o Pai nos escuta e, por isso, partimos na aventura do amor, na certeza de que as nossas ações unidas à sua graça podem realizar maravilhas no aqui e agora do tempo e da história.
Contudo, diante de nós coloca-se o grande desafio da fé que nos convida a depositar toda a nossa esperança em Jesus Cristo e no Seu amor. Como naquele dia a Marta, Jesus pergunta a cada um de nós: «acreditas nisto?». Acreditas que comigo os impossíveis se podem tornar possíveis? Acreditas que a fé abre diante de nós um caminho de esperança que vai muito para lá dos limites do visível e do palpável? Acreditas que quem caminha com Jesus recebe um modo novo de olhar o tempo e a história?
Como nos recorda S. Paulo, batizados em Cristo somos já herdeiros da vida nova que brota da Páscoa do Senhor e habitados pelo Espírito Santo somos chamados a semear no aqui e agora do tempo e da história a certeza de que os sofrimentos e incertezas do tempo presente se hão-de abrir à plenitude do amor e da graça que brotam do coração de Deus. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No dia 25 de março a Igreja celebra a Solenidade da Anunciação do Senhor. Neste dia, recordamos o anúncio do Arcanjo Gabriel a Maria, comunicando-lhe o desígnio do Pai de que Ela foi escolhida para acolher no Seu seio virginal o Salvador do Mundo. Apesar de não nos podermos reunir como comunidade cristã para celebrar esta solenidade, somos convidados a celebrar este dia e a meditar no mistério de amor que esta solenidade encerra: o nosso Deus não é indiferente às nossas dores e sofrimentos, mas compadecido da nossa frágil humanidade vem ao nosso encontro e em Jesus Cristo faz-se homem no seio de Maria. A recitação dos mistérios gozosos do Rosário, a Liturgia das Horas ou a meditação dos textos litúrgicos desta solenidade são algumas das formas com que podemos viver este dia. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a Quaresma até à Páscoa. São 40 dias que querem significar “mudança”. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Ez 37,12-14
«Infundirei em vós o meu espírito e revivereis».
Ambiente
Ezequiel é chamado “o profeta da esperança”. Desterrado na Babilónia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquin, quando Nabucodonosor conquista, pela primeira vez, Jerusalém e deporta para a Babilónia um primeiro grupo de jerusalimitanos), Ezequiel exerce aí a sua missão profética entre os exilados judeus.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorre entre 593 a.C. (altura em que sentiu o chamamento de Deus) e 586 a.C. (data em que Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados é encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar em breve a Jerusalém, mas os que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilónia.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C., até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, sem Templo, sem sacerdócio e sem culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus libertador e salvador não os abandonou.
O texto que nos é proposto como primeira leitura pertence à segunda fase. Faz parte da famosa “visão dos ossos calcinados” (cf. Ez 37). Ezequiel descreve a visão de uma planície cheia de ossos calcinados e sem vida; mas, na visão do profeta, o Espírito do Senhor sopra sobre os ossos calcinados e eles são revestidos de pele, de músculos e ganham vida. Nesta parábola, os ossos calcinados representam o Povo de Deus, que jaz abandonado, sem esperança e sem futuro, no meio da planície mesopotâmica. in Dehonianos.
Refletir as seguintes questões:
Na nossa existência pessoal passamos, muitas vezes, por situações de desespero, em que tudo parece perder o sentido. A morte de alguém querido, o desmoronar dos laços familiares, a traição de um amigo ou de alguém a quem amamos, a perda do emprego, a solidão, a falta de objectivos lançam-nos muitas vezes num vazio do qual não conseguimos facilmente sair. A Palavra de Deus garante-nos: não estamos perdidos e abandonados à nossa miséria e finitude… Deus caminha ao nosso lado; em cada instante Ele lá está, tirando vida da morte, “escrevendo direito por linhas tortas”, dando-nos a coragem de “sair do sepulcro” e avançar mais um passo ao encontro da vida plena.
Mais: Deus recria-nos, cada dia, oferecendo-nos o Espírito transformador e renovador, que elimina dos nossos corações o orgulho e o egoísmo (afinal, os grandes responsáveis pelo sofrimento, pela injustiça
, pela violência) e transformando-nos em pessoas novas, com um coração sensível ao amor e às necessidades dos outros.
Ver os telejornais ou ler os jornais é – mais do que nos mantermos a par dos passos que o mundo vai dando – um autêntico exercício de masoquismo: parece que só há dramas, sofrimentos, injustiças e violências, como se o mundo fosse um imenso campo de morte. No entanto, nós os crentes sabemos que, apesar do sofrimento que faz parte da condição de fragilidade em que vivemos, Deus está presente na história humana, criando vida e oferecendo a esperança aos homens nesses mil e um gestos de bondade, de ternura e de amor que acontecem a cada instante (e que não chegam aos jornais ou às objetivas da televisão porque “não vendem” e, por isso, não são notícia). A Palavra Deus que hoje nos é proposta sugere que o crente – pelo simples facto de acreditar em Deus – deve ser um arauto da esperança.
É sempre Deus – e só Deus – que oferece aos homens a vida e a esperança… No entanto, Deus age no mundo através de homens – como Ezequiel – que distribuem a vida nova de Deus, com palavras e com gestos. Já pensei que Deus me chama a ser uma luz de esperança no mundo? Tenho consciência de que é através dos meus gestos e das minhas palavras que Deus oferece a sua vida aos homens meus irmãos? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 129 (130)
Refrão: No Senhor está a misericórdia e abundante redenção.
LEITURA II – Rom 8,8-11
«Se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós».
Ambiente
Já dissemos, noutras circunstâncias, que a Carta aos Romanos é um texto sereno e didático, no qual Paulo faz uma espécie de resumo do seu pensamento teológico e expõe a sua conceção daquilo que é essencial na mensagem cristã. Numa época (anos 57/58) em que existem problemas graves de entendimento e de perspetiva entre os cristãos vindos do judaísmo e os cristãos vindos do paganismo, Paulo sublinha a unidade da revelação e da história da salvação: Deus tem um projeto de salvação e de vida plena, que se destina a todos os homens, sem exceção.
Depois de provar que todos os homens (judeus e pagãos) vivem no domínio do pecado (cf. Rom 1,18-3,20), mas que a “justiça de Deus” oferece a vida a todos, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo mostra como é que, através de Jesus Cristo, essa vida se comunica ao homem (cf. Rom 5,12-8,39).
Indo mais ao pormenor: como é, então, que a vida de Deus se comunica ao homem? Paulo desenvolve o seu pensamento de acordo com a seguinte sequência: a obediência de Cristo ao plano do Pai fez com que a graça da salvação fosse oferecida a todos os homens (cf. Rom 5,12-20); acolhendo essa graça e aceitando receber o Batismo, os homens tornam-se todos participantes do dom de Deus (cf. Rom 6,1-23); a adesão a Cristo faz os homens livres das cadeias do egoísmo e do pecado e transforma-os em homens novos (cf. Rom 7,1-25); e é o Espírito (dado ao crente no batismo) que potencia essa vida nova (cf. Rom 8,1-39).in Dehonianos.
Para a reflexão, considerar os seguintes dados:
Na verdade, no dia do meu Batismo, eu escolhi a vida “segundo o Espírito” (provavelmente, fui batizado muito pequenino, numa altura em que não tinha consciência plena do que isso significava; mas, mais tarde, tive a oportunidade – em vários momentos da minha caminhada cristã – de validar e confirmar essa opção inicial). A minha vida tem sido coerente com essa opção? A minha vida tem-se desenrolado à margem de Deus e das suas propostas (“vida segundo a carne”) ou na escuta atenta e consequente dos projetos de Deus (“vida segundo o Espírito”)?
O batizado é alguém que escolheu identificar-se com Cristo – isto é, alguém que escolheu viver na obediência aos planos do Pai e no dom da vida em favor dos irmãos. O exemplo de Cristo garante-me: uma vida gasta desse jeito não termina no fracasso, mas na vida definitiva, na felicidade total. A realização plena do homem não está nos valores efémeros (muitas vezes propostos como os valores mais fundamentais), mas no amor e no dom da vida. É daí que brota a ressurreição. in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 11,1-45
«Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá».
«Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá. Acreditas nisto?».
Ambiente
O Evangelho segundo João procura apresentar Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. No “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora e vivificadora do Messias. O texto que hoje nos é proposto é, exatamente, a quinta catequese (a da vida) do “Livro dos Sinais”. Trata-se de uma narração única, que não tem paralelo nos outros três Evangelhos.
A cena situa-nos em Betânia, uma aldeia a Este do monte das Oliveiras, a cerca de três quilómetros de Jerusalém. O autor da catequese coloca-nos diante de um episódio – um triste episódio – familiar: a morte de um homem. A família mencionada, constituída por três pessoas (Marta, Maria e Lázaro), parece conhecida de Jesus: no vers. 5, diz-se que Jesus amava Marta, a sua irmã Maria e Lázaro. A visita de Jesus a casa desta família é, aliás, mencionada em Lc 10,38-42; e João tem o cuidado de observar que a Maria, aqui referenciada, é a mesma que tinha ungido o Senhor com perfume e lhe tinha enxugado os pés com os cabelos (vers. 2, cf. Jo 12,1-8). in Dehonianos.
A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:
A questão principal do Evangelho deste domingo – e que é uma questão determinante para a nossa existência de crentes – é a afirmação de que não há morte para os “amigos” de Jesus – isto é, para aqueles que acolhem a sua proposta e que aceitam fazer da sua vida uma entrega ao Pai e um dom aos irmãos. Os “amigos” de Jesus experimentam a morte física; mas essa morte não é destruição e aniquilação: é, apenas, a passagem para a vida definitiva. Mesmo que estejam privados da vida biológica, não estão mortos: encontraram a vida plena, junto de Deus. A história de Lázaro pretende representar essa realidade.
No dia do nosso batismo, escolhemos essa vida plena e definitiva que Jesus oferece aos seus e que lhes garante a eternidade. A nossa vida tem sido coerente com essa opção? A nossa existência tem sido uma existência egoísta e fechada, que termina na morte, ou tem sido uma existência de amor, de partilha, de dom da vida, que aponta para a realização plena do homem e para a vida eterna?
Ao longo da nossa existência nesta terra, convivemos com situações em que somos tocados pela morte física daqueles a quem amamos…. É natural que fiquemos tristes pela sua partida e por eles deixarem de estar fisicamente presentes a nosso lado. A nossa fé convida-nos, no entanto, a ter a certeza de que os “amigos” não são aniquilados: apenas encontraram essa vida definitiva, longe da debilidade e da finitude humanas.
Diante da certeza que a fé nos dá, somos convidados a viver a vida sem medo. O medo da morte como aniquilamento total torna o homem cauteloso e impotente face à opressão e ao poder dos opressores; mas libertando-nos do medo da morte, Jesus torna-nos livres e capacita-nos para gastar a vida ao serviço dos irmãos, lutando generosamente contra tudo aquilo que oprime e que rouba ao homem a vida plena. in Dehonianos
Para os leitores:
A brevidade da primeira leitura não deve permitir descurar a sua preparação. Deus dirige-se ao Seu povo e a proclamação desta leitura deve ter isso em conta. Além disso, pede-se atenção à repetição do vocativo «ó meu povo».
A segunda leitura exige uma acurada preparação tendo em conta as pausas e respirações. É necessário ter em atenção as frases longas, com diversas orações, bem como as diversas frases condicionais.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
A «caminhada» quaresmal aproxima-se da sua meta e do seu verdadeiro ponto de partida: a Cruz Gloriosa onde resplandece para sempre o Rosto do imenso, indizível amor de Deus. Nesta altura do percurso (supõe-se que encetámos uma subida espiritual: entenda-se no Espírito Santo e com o Espírito Santo), batizados e catecúmenos devem estar já a ser iluminados por essa luz, a ponto de se desfazerem das «obras das trevas» e de abraçarem as «obras da Luz», como verdadeiros discípulos que seguem o Mestre até ao fim, que é também o princípio, a Fonte da Vida verdadeira donde jorra o Espírito Santo (sempre Atos 2,32-33; João 19,30.34; 7,38-39). Os catecúmenos têm neste Domingo V da Quaresma – Domingo da dádiva da Ressurreição – os seus terceiros «escrutínios»: última «chamada» para a Liberdade antes da Noite Pascal Batismal.
A Ressurreição de Lázaro (João 11,1-45) constitui o sexto dos sete «sinais» do Mistério de Cristo segundo o Evangelho de João. Depois das bodas de Caná (João 2,1-12) (1.º), da cura do filho do oficial em Cafarnaum (João 4,46b-54) (2.º), da cura do paralítico na «piscina probática» (João 5,1-47) (3.º), da multiplicação dos pães e dos peixes (João 6,1-14) (4.º), da Iluminação da cego de nascença (João 9,1-41) (5.º), e antes do Sétimo Grande Último Primeiro «Sinal» que é a própria Ressurreição do Senhor, «o Sinal da Santa Cruz», decifrado pelo Espírito Santo, com que todos fomos (somos) marcados para sempre (Efésios 1,13; 4,30).
Em boa verdade, o episódio da morte / ressurreição de Lázaro remete de forma clara para a Morte / Ressurreição do Senhor. O tempo que marca a narrativa não é o tempo de Lázaro (da sua doença, da sua morte, do seu sepultamento), mas é o tempo (a hora) de Jesus, o Filho de Deus, Aquele-que-Vem sempre, passageiro total, pascal. Por isso, quando recebe a notícia da doença do amigo, Jesus deixa passar propositadamente dois dias (João 11,6), e é ao terceiro dia que se encaminha para a Judeia (João 11,7), e é ao terceiro dia que chama Lázaro da morte (João 11,43). Pouco importa que para Lázaro seja já o quarto dia! (João 11,17 e 39). Verdadeiramente importante é a hora-que-vem (!), agora, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus (João 5,25 e 28), Aquele-que-dá-a-vida (João 5,21; 1 Coríntios 15,45), esplendoroso Rio de Luz e de Sentido a inundar a terra inteira, enchendo-a de Vida e de Saúde (Ezequiel 47,1-12; Apocalipse 22,1-2). Verdadeiramente importante é este terceiro dia em que o Filho de Deus é glorificado (João 11,4), e suscita a fé de todos os intervenientes na cena: dos discípulos (João 11,15), de Marta (João 11,27), de Maria (João 11,29.32), da multidão (João 11,42), de muitos judeus (João 11,45).
Marta permanece ligada à corrente de uma teologia tradicional: «Eu sei (oìda) que ressuscitará na ressurreição no último dia» (João 11,24), e não deixa entrar em si a torrente da novidade enunciada por Jesus, que é Jesus: «Eu Sou (egô eimi) a ressurreição e a vida» (João 11,25). E, quando Jesus dá ordens para retirar (árate: imperativo aor. de aírô) a pedra (João 11,39), Marta avança logo a inutilidade, mesmo o desconforto, o mau cheiro, de uma tal ação, dado que já lá vão quatro dias desde que Lázaro morreu (João 11,39). O certo é que, por ordem de Jesus, mãos humanas retiraram (êran: aoristo de aírô) a pedra (João 11,41), e, mediante nova ordem de Jesus, Lázaro sai ligado com as faixas e o rosto envolto num sudário (João 11,44). É preciso ainda uma nova ordem de Jesus, para que Lázaro seja libertado das faixas que o prendem na morte e do sudário da morte que lhe tapa o rosto (João 11,44).
Como tudo isto aponta, em contraponto, para a ressurreição de Jesus. Aqui, no caso de Lázaro, a pedra é mandada retirar (árate) e é por mãos humanas por algum tempo retirada (êran). O verbo aírô [= retirar] aparece nos dois casos na forma ativa e no tempo aoristo, que traduz uma ação no tempo. Entenda-se: por mãos humanas e por algum tempo. Mas, para o leitor competente, esta ação remete já para o cenário da Ressurreição de Jesus. E quando se tratar do túmulo de Jesus, o leitor competente não pode deixar de notar que a pedra se apresenta retirada (êrménon: part. perf. passivo), na forma passiva e no tempo perfeito (João 20,1). Entenda-se: por Deus e para sempre! É o inefável que se abre diante dos nossos olhos! E também as faixas não prendem, e o sudário não encobre! As faixas estão no chão, e o sudário cuidadosamente enrolado em um lugar (João 20,6-7). Tudo está feito, e bem feito. Nenhuma ação de libertação é necessária, como o foi em João 11,44).
Significativamente estes discípulos de Jesus ficam confusos com o sono-morte de Lázaro (João 11,11-13) – a morte confunde-nos a todos (!) – mas compreendem perfeitamente que a ida de Jesus para a Judeia é a sua entrega à Morte (João 11,8), e vislumbram até o significado Batismal dessa Morte, uma vez que manifestam o desejo de morrer com Ele (João 11,16), isto é, querem Viver aquela Morte! Como bons catecúmenos que seguiram fielmente o Mestre, aprenderam já que a Vida verdadeira brota daquela Morte na qual verdadeiramente somos batizados (Romanos 6,3-4), com-mortos, com-sepultados, com-ressuscitados, com-vivificados, com-sentados na Glória! (Efésios 2,5-6; Colossenses 2,12-13). Sentada estava Maria (João 11,20), figura do discípulo (Lucas 10,39); mas quando lhe é dito ao ouvido que o Senhor a chama (João 11,28), levantou-se (êgérthê: verbo técnico da Ressurreição: Lucas 24,34; 1 Coríntios 15,4) de imediato e foi ao seu encontro (João 11,29).
Belo, belo, belo este Jesus que vem ao nosso encontro, que sente as nossas dores e chora connosco e também por nós (notem-se as três menções do verbo «chorar», duas por parte de Maria (cf. 11,31-32, e uma por parte dos judeus (cf. 11,33). O verbo empregado é, nos três casos, klaíô. No mesmo contexto, é dito também que Jesus se comove connosco (cf. 11,33) e que também chora (cf. 11,35). Ao constatarmos que Jesus chora, fácil se torna perceber que Jesus chora connosco, misturando as suas lágrimas com as nossas nesta situação dolorosa. Mas é preciso notar ainda que o narrador põe Jesus a «chorar» com um verbo diferente do que usou para nós nas três vezes anteriores. Jesus chora com o verbo dakrýô. Com este procedimento, talvez o narrador nos queira dizer que, além de chorar connosco, Jesus também chora por nós, ao ver a nossa incredulidade. É só o 3.º Dia dele e a voz dele, daquele que nos ama e nos chama sempre, inclusive dos vales onde vamos caindo mortos, que nos salva. Ele é a Vida. Ainda hoje, em Betânia, atual al-Azariye, aldeiazinha situada na colina oriental que desce do monte das Oliveiras, a cerca de três km de Jerusalém, se pode visitar, descendo 24 degraus, o túmulo que a tradição popular atribui a Lázaro. Ao lado está a igreja franciscana, dita «da amizade», levantada pelo famoso arquiteto Barluzzi, em 1952-1953.
O imenso texto de Ezequiel 37,12-14 é uma belíssima metáfora plantada no meio da Escritura, uma lampadazinha (2 Pedro 1,19) que aponta já para a Luz nova e grande de Jesus. A metáfora mostra-nos que os exilados na Babilónia são como ossos ressequidos e sem nenhuma esperança. Eles estão na morte e na humilhação. O seu discurso não deixa dúvidas: «Os nossos ossos estão secos; a nossa esperança está desfeita; para nós está tudo acabado» (Ezequiel 37,11). Mas a Palavra de Deus manda também na morte. Apontando para o Novo Testamento, Deus chama os mortos dos seus túmulos, e fá-los reviver. Jesus que passa no Evangelho de Hoje «grita com voz forte» (João 11,43), e Lázaro, morto, saiu do túmulo.
Paulo não se cansa de nos lembrar a vida nova que habita os filhos de Deus (Romanos 8,8-11). «Viver em Cristo» ou «no Espírito» são fórmulas batismais intensas que indicam a vida nova do batizado: com o dom da Iluminação, marcado pelo Espírito até à Vida eterna. Mas agora é tempo de passar, como Jesus, ao estilo de Jesus, dando um testemunho credível da nossa condição nova de filhos de Deus, deixando o fruto do Espírito iluminar a nossa vida. E «o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gálatas 5,22-23).
Sim, o Salmo 130 é um grito desde o abismo profundo em que jazemos atolados. São apenas 52 palavras hebraicas que atiramos a Deus, Senhor do Amor fiel (hesed) da Redenção (pedût). Cada orante que grita este Salmo sabe em que grau ou degrau de profundidade está. Sim, este é um dos 15 Salmos graduais ou das subidas ou das peregrinações (120-134). É uma voz que se levanta e sobe até àquele Senhor que não desprezou as nossas profundezas, mas até elas desceu, e até elas desce, para nos ajudar a subir!
Concede-nos, Senhor Jesus,
Que neste tempo de dor e desalento,
Nos refugiemos aqui,
Nos ajoelhemos aqui,
Ao pé da tua Cruz,
À espera de encontrar algum alento.
Daqui, de ao pé da tua Cruz de Luz,
Sem dúvida o lugar mais alto do mundo,
Mais alto e mais profundo,
Vê-se bem, com toda a claridade,
Que a lonjura do tempo não é horizontal.
Eleva-se em altura.
Como a tua túnica tecida de Alto-a-baixo,
Vertical,
E sem costura.
Tu vens do Alto, Senhor.
Tu vens de Deus.
Tu és Deus.
Tu és o Justo
Que chove das alturas
Sobre a nossa humanidade sedenta e às escuras.
Vem, Senhor Jesus,
Alumia e rega a nossa terra dura,
Acaricia o nosso humilde chão,
Limpa as nossas lágrimas,
E modela com as tuas mãos de amor
Em cada um de nós
Um novo coração,
Capaz de ver,
Desde al-Azariye,
A alegria do teu terceiro dia
E a força nova
Da tua Ressurreição.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do V Domingo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 (Ez 37, 12-14)
- Leitura II do V Domingo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 (Rom 8, 8-11)
- Domingo V do Tempo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 – Lecionário
- Domingo V do Tempo da Quaresma – Ano A – 26.03.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo IV da Quaresma – Ano A – 19.03.2023
Domingo Laetare. – Dia de S. José – Dia do Pai
Viver a Palavra
O ser humano pela sua contingência faz a experiência do limite e da insatisfação. Quantas vezes já nos lamentamos por algo que nos faz falta ou por vermos alguns irmãos nossos que muitas vezes não possuem o necessário para uma vida digna. Contudo, não obstante esta experiência, ousamos cantar com o salmista: «O Senhor é meu pastor: nada me faltará». Este aparente paradoxo deve conduzir-nos à raiz das nossas insatisfações e renovar no nosso coração a certeza que o salmista proclama. O caminho quaresmal que estamos a percorrer e que nos conduzirá à Páscoa do Senhor recorda-nos a nossa condição de peregrinos e este itinerário de conversão e penitência deve ajudar-nos a fazer a passagem de uma condição de insatisfação a uma renovada confiança Naquele que conduz o curso da nossa história.
Revestidos desta confiança podemos caminhar iluminadas pela luz que brota do coração de Jesus Cristo e abrir a nossa vida à alegria nova que só Jesus e o Seu infinito amor nos podem oferecer e garantir. Este quarto Domingo da Quaresma quer renovar no nosso coração o chamamento à alegria e, por isso, a antífona de entrada da missa deste Domingo proclama: «Alegra-te, Jerusalém; rejubilai, todos os seus amigos». O tempo da Quaresma é o tempo alegre e feliz de quem vê a sua vida renovada pela certeza do amor de Deus que nos escolhe para lá das nossas aparências. Deus conhece bem o nosso coração, conhece a cegueira que tantas vezes nos impede de olhar o mundo e os outros. Contudo, Jesus não se detém a olhar o nosso pecado e a nossa miséria, mas fixa-se sobretudo naquilo que o amor e a graça podem realizar em nós.
Sempre me fascinou ler o Evangelho fixando a atenção no olhar de Jesus. Aquele olhar misericordioso que diante das multidões se compadece delas porque são como ovelhas sem pastor (Mt 9,36). O olhar que se volta para o Céu para louvar o Pai que revela as verdades do Reino aos humildes e aos simples (Mt 11,25). O erguer do olhar para o cimo da árvore e procurar Zaqueu para que a salvação possa entrar em sua casa (Lc 19,5). E poderíamos continuar a percorrer o Evangelho para nos deixarmos fascinar por este olhar que nos seduz e encanta porque nos olha com misericórdia e ternura.
Bem diferente do olhar de Jesus é o olhar dos discípulos e dos fariseus. Os discípulos olham para aquele homem e procuram o pecado que tenha desencadeado aquela cegueira: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?». Os fariseus, diante de um homem que pela primeira vez consegue ver o mundo e os outros, olham-no com desconfiança porque foi curado em dia de Sábado.
Por seu lado, aquele cego de nascença, curado por Jesus, começa a ver de um modo novo e diferente e progressivamente deixa-se iluminar pela luz nova que Jesus lhe oferece. Quando lhe perguntam, pela primeira vez, quem o curou, responde com prontidão que foi um homem chamado Jesus. Interpelado pelos fariseus declara Jesus como um profeta e interrogado de novo reafirma a sua origem divina: «Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer». Interpelado por Jesus, professa a sua fé no Filho do Homem: «Eu creio, Senhor». Deste modo, este homem não recupera apenas a sua visão física, mas pode contemplar o mundo e os outros com o olhar novo que brota do encontro com Cristo.
No nosso caminho quaresmal, somos convidados a renovar no nosso coração a alegria do encontro com Jesus, a acolher a luz que Ele derrama sobre os nossos corações e a olhar de um modo novo aqueles que se cruzam connosco na estrada da vida, porque como nos recorda S. Paulo: «outrora vós éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz, porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade».in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No dia 19 de março a Igreja celebra a Solenidade S. José, Esposo da Virgem Santa Maria. Como este ano o dia 19 coincide com o IV Domingo da Quaresma, a solenidade é transferida para a segunda-feira, dia 20. Celebrando aquele que recebeu a missão de ser pai de Jesus, este dia é também dedicado a todos os pais. Esta ocasião é uma oportunidade pastoral para reunir as famílias e celebrar o dom da paternidade. Pode fazer-se na solene celebração da Eucaristia com uma especial bênção para os pais ou aproveitando o fim-de-semana para uma atividade catequética mais alargada envolvendo os pais e os filhos.
Neste dia assinala-se também o décimo aniversário do início do pontificado do Papa Francisco, escolhido pelo colégio cardinalício para o sucessor de Bento XVI no dia 13 de março de 2013. Esta ocasião é uma oportunidade para dar graças a Deus pelo dom da sua vida e do seu ministério. Pode fazer-se uma especial celebração de ação de graças com o canto do Te Deum, incluir esta intenção na Eucaristia, de modo particular na Oração Universal ou uma atividade formativa ou de reflexão quaresmal sobre os vários desafios que o magistério do Papa Francisco nos tem colocado.
No dia 19 de março a Igreja celebra a Solenidade S. José, Esposo da Virgem Santa Maria e que, neste ano litúrgico, ano A, vai coincidir com o IV Domingo da Quaresma – o Domingo da Alegria – Domingo Laetare. Celebrando aquele que recebeu a missão de ser pai de Jesus, este dia é também dedicado a todos os pais. Esta ocasião é uma oportunidade pastoral para reunir as famílias e celebrar o dom da paternidade. Neste dia assinala-se também o décimo aniversário do início do pontificado do Papa Francisco escolhido para chefe da Igreja Católica em 13 de março de 2013. Esta ocasião é uma oportunidade para dar graças a Deus pelo dom da sua vida e do seu ministério. Pode fazer-se uma especial celebração de ação de graças com o canto do Te Deum, incluir esta intenção na Eucaristia, de modo particular na Oração Universal ou uma atividade formativa ou de reflexão quaresmal sobre os vários desafios que o magistério do Papa Francisco nos tem colocado. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a Quaresma até à Páscoa. São 40 dias que querem significar “mudança”. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – 1 Sam 16,1b.6-7.10-13a
«Deus não vê como o homem: o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração».
Ambiente
Na segunda metade do séc. XI a.C., os filisteus constituíam uma ameaça bastante séria para as tribos do Povo de Deus. Instalados na orla costeira, os filisteus pressionavam cada vez mais os outros grupos que habitavam a terra de Canaã, nomeadamente as tribos do Povo de Deus que ocupavam as montanhas do interior do país. A necessidade de uma liderança única e forte levou os anciãos das tribos a equacionar, pela primeira vez, a possibilidade da união política das tribos sob a autoridade de um rei, à imagem do que sucedia com os outros povos da zona.
A primeira experiência monárquica aconteceu com Saúl e agrupava as tribos do centro e algumas do norte do país. Essa experiência terminou, no entanto, de forma dramática: Saúl e seu filho Jónatas morreram na batalha de Gelboé, em luta contra os filisteus, por volta do ano 1010 a.C.
Era preciso encontrar um outro “herói”, capaz de gerar consensos entre tribos muito diferentes, juntá-las e conduzi-las vitoriosamente ao combate contra os inimigos filisteus. A escolha dos anciãos – tanto das tribos do Norte, como das tribos do Sul – recaiu, então, num jovem chamado David.
David nasceu por volta de 1040 a.C., em Belém de Judá, no sul do país. Como é que David se tornou notado e se impôs, de forma a ser considerado uma solução para o problema da realeza?
O Livro de Samuel apresenta três tradições sobre a entrada de David em cena. A primeira apresenta David como um admirável guerreiro, cuja valentia chamou a atenção de Saúl, sobretudo após a sua vitória sobre o gigante filisteu Golias (cf. 1 Sm 17). A segunda tradição apresenta David como um poeta, que vai para a corte de Saúl para cantar e tocar harpa (segundo esta tradição – bastante hostil a Saúl – o rei só conseguia reencontrar a calma e o bem-estar quando David o acalmava com a sua música – cf. 1 Sm 16,14-23. Aos poucos, o poeta/cantor David foi ganhando adeptos na corte, tornando-se amigo de Jónatas, o filho de Saúl, e casando mesmo com Mical, a filha do rei). Finalmente, a terceira tradição – a menos verificável historicamente, mas a de maior importância teológica – apresenta a realeza de David como uma escolha de Jahwéh. É esta terceira tradição que o nosso texto nos apresenta.in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes dados:
Se olharmos para o mundo com olhos de esperança, vemos muitas pessoas que realizam coisas bonitas, que lutam contra a miséria, o sofrimento, a injustiça, a doença, o analfabetismo, a violência… Não há mal nenhum em admirarmos a sua disponibilidade e em aprendermos com o seu empenho e compromisso. No entanto, nós os crentes somos convidados a olhar mais além e a ver Deus por detrás de cada gesto de amor, de bondade, de coragem, de compromisso com a construção de um mundo melhor. O nosso Deus continua a construir, dia a dia, a história da salvação; e chama homens e mulheres para colaborarem com Ele na salvação do mundo.
A nossa leitura mostra, mais uma vez, que Deus tem critérios diferentes dos critérios humanos e que a sua lógica nem sempre coincide com a nossa. “Deus não vê como o homem; o homem olha às aparências, o Senhor vê o coração” – diz o texto. É preciso entrar na lógica de Deus e aprender a ver, para além da aparência, da roupa que a pessoa veste, do “curriculum” profissional ou académico; é preciso aprender a ver com o coração e a descobrir a riqueza que se esconde por detrás daqueles que parecem insignificantes e sem pretensões… É preciso, sobretudo, aprender a respeitar a dignidade de cada homem e de cada mulher, mesmo quando não parecem pessoas importantes ou influentes. É isso que acontece nos “guichets” dos nossos serviços públicos?
É isso que acontece nas receções das nossas igrejas? É isso que acontece nas portarias das nossas casas religiosas? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
LEITURA II – Ef 5,8-14
«Vivei como filhos da luz, porque o fruto da luz é a bondade, a justiça e a verdade».
Ambiente
A Carta aos Efésios é, provavelmente, um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias Igrejas da Ásia Menor, numa altura em que Paulo está na prisão (em Roma? em Cesareia?). O seu portador é um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns veem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que Paulo sente ter terminado a sua missão apostólica na Ásia e não sabe exatamente o que o futuro próximo lhe reserva (recordemos que ele está, por esta altura, prisioneiro e não sabe como vai terminar o cativeiro).
O tema central da Carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, escondido durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
O texto que nos é aqui proposto faz parte da “exortação aos batizados” que aparece na segunda parte da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa exortação, Paulo retoma os temas tradicionais da catequese primitiva e convida os crentes a deixarem a antiga forma de viver para assumirem a nova, revestindo-se de Cristo (cf. Ef 4,17-31), imitando Deus (cf. Ef 4,32-5,2) e passando das trevas à luz (cf. Ef 5,3-20). in Dehonianos.
Na reflexão, ter em conta os seguintes dados:
“Luz” e “trevas” são, nesta passagem, duas esferas de poder capazes de tomar conta do homem e de condicionar a sua vida, as suas opções, os seus valores e comportamentos. O cristão, no entanto, é aquele que optou por “viver na luz”. Para mim, o que significa, em concreto, “viver na luz”? O que é que isso, em termos práticos, implica? Quais são os esquemas, comportamentos e valores que devem ser definitivamente saneados da minha vida, a fim de que eu seja um testemunho da “luz”?
Para Paulo, não chega “viver na luz” e dar testemunho da “luz”. É preciso, também, denunciar – de forma aberta e decidida – as “trevas” que desfeiam o mundo e que mantêm os homens escravos. Na minha perspetiva, quais são os gestos, comportamentos e atitudes que contribuem para apagar a “luz” de Deus e para manter este mundo nas “trevas”? Com que é que eu devo pactuar e o que é que eu devo denunciar?
A expressão “desperta tu que dormes”, citada por Paulo, convida-nos à vigilância. O cristão não pode ficar de braços cruzados diante da maldade, do egoísmo, da injustiça, da exploração, dos contravalores que enegrecem a vida dos homens e do mundo. O cristão tem de manter uma atitude de vigilância atenta e de denúncia ousada e corajosa. Diante dos contravalores, qual a minha atitude: é a atitude comodista de quem deixa correr as coisas porque não está para se chatear, ou é a atitude de quem se sente realmente incomodado com a escuridão do mundo e pretende intervir para que o mundo se construa de uma forma diferente? in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 9,1-41
«Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?».
«Vai lavar-te à piscina de Siloé».
«Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».
Ambiente
Já vimos, na semana passada, que o Evangelho segundo João procura apresentar Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. Também vimos que, no chamado “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora do Messias.
O nosso texto é, exatamente, a terceira catequese (a da luz) do “Livro dos Sinais”: através do “sinal” da “luz”, o autor vai descrever a ação criadora e vivificadora de Jesus. A catequese sobre a “luz” é colocada no contexto da “Festa de Sukkot” (a festa das colheitas); um dos ritos mais populares dessa festa era, exatamente, a iluminação dos quatro grandes candelabros do átrio das mulheres, no Templo de Jerusalém.
No centro do quadro aparece-nos (além de Jesus) um cego. Os “cegos” faziam parte do grupo dos excluídos da sociedade palestina de então. As deficiências físicas eram consideradas – pela teologia oficial – como resultado do pecado (os rabis da época chegavam a discutir de onde vinha o pecado de alguém que nascia com uma deficiência: se o defeito era o resultado de um pecado dos pais, ou se era o resultado de um pecado cometido pela criança no ventre da mãe).
Segundo a conceção da época, Deus castigava de acordo com a gravidade da culpa. A cegueira era considerada o resultado de um pecado especialmente grave: uma doença que impedisse o homem de estudar a Lei era considerada uma maldição de Deus por excelência. Pela sua condição de impureza notória, os cegos eram impedidos de servir de testemunhas no tribunal e de participar nas cerimónias religiosas no Templo.in Dehonianos.
Considerar, na reflexão, as seguintes propostas:
Nós, os crentes, não podemos fechar-nos num pessimismo estéril, decidir que o mundo “está perdido” e que à nossa volta só há escuridão… No entanto, também não podemos esconder a cabeça na areia e dizer que tudo está bem. Há, objetivamente, situações, instituições, valores e esquemas que mantêm o homem encerrado no seu egoísmo, fechado a Deus e aos outros, incapaz de se realizar plenamente. O que é que, no nosso mundo, gera escuridão, trevas, alienação, cegueira e morte? O que é que impede o homem de ser livre e de se realizar plenamente, conforme previa o projeto de Deus?
A catequese que João nos propõe hoje garante-nos: a realização plena do homem continua a ser a prioridade de Deus. Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao encontro dos homens e mostrou-lhes a luz libertadora: convidou-os a renunciar ao egoísmo e autossuficiência que geram “trevas”, sofrimento, escravidão e a fazerem da vida um dom, por amor. Aderir a esta proposta é viver na “luz”. Como é que eu me situo face ao desafio que, em Jesus, Deus me faz?
O Evangelho deste domingo descreve várias formas de responder negativamente à “luz” libertadora que Jesus oferece. Há aqueles que se opõem decididamente à proposta de Jesus porque estão instalados na mentira e a “luz” de Jesus só os incomoda; há aqueles que têm medo de enfrentar as “bocas”, as críticas, que se deixam manipular pela opinião dominante, e que, por medo, preferem continuar escravos do que arriscar ser livres; há aqueles que, apesar de reconhecerem as vantagens da “luz”, deixam que o comodismo e a inércia os prendam numa vida de escravos… Eu identifico-me com algum destes grupos?
O cego que escolhe a “luz” e que adere incondicionalmente a Jesus e à sua proposta libertadora é o modelo que nos é proposto. A Palavra de Deus convida-nos, neste tempo de Quaresma, a um processo de renovação que nos leve a deixar tudo o que nos escraviza, nos aliena, nos oprime – no fundo, tudo o que impede que brilhe em nós a “luz” de Deus e que impede a nossa plena realização. Para que a celebração da ressurreição – na manhã de Páscoa – signifique algo, é preciso realizarmos esta caminhada quaresmal e renascermos, feitos Homens Novos, que vivem na “luz” e que dão testemunho da “luz”. O que é que eu posso fazer para que isso aconteça?
Receber a “luz” que Cristo oferece é, também, acender a “luz” da esperança no mundo. O que é que eu faço para eliminar as “trevas” que geram sofrimento, injustiça, mentira e alienação? A “luz” de Cristo que os padrinhos me passaram no dia em que fui batizado brilha em mim e ilumina o mundo? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, deve ter-se em atenção os diversos diálogos presentes no texto. Além disso, deve preparar-se bem as palavras menos usuais e que podem ser de difícil pronunciação: «âmbula», «Jessé» e «unge-o». Estas palavras devem pronunciar-se tal como estão escritas respeitando a sua acentuação.
Na segunda leitura, é importante ter presente o tom exortativo presente no texto e que é sublinhado pelas diferentes formas verbais no imperativo
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
LUZ QUE LAVA E ALUMIA O CORAÇÃO
Com o olhar cada vez mais fixo na Cruz Gloriosa, em que foi entronizada a Luz que dá a Vida verdadeira, batizados e catecúmenos continuam a sua «caminhada» quaresmal: memória do batismo [= execução do programa filial batismal] para os batizados, preparação para o batismo por parte dos catecúmenos (Sacrosanctum Concilium 109), que têm neste Domingo IV da Quaresma – Domingo da dádiva da Luz – os seus segundos «escrutínios»: segunda «chamada» para a Liberdade.
O Evangelho narra a dádiva da Luz por Jesus à nossa pobre e cega humanidade (João 9,1-41). Deus é Luz (1 João 1,5), e é na sua Luz que nós vemos a Luz (Salmo 35,10). Ora, a Luz veio ao mundo (João 3,19; 12,46) para dar a Vida ao mundo. Veio (elêluthen) ao mundo e permanece acesa no mundo, como indica o perfeito usado no texto grego. Marcos recorre à crueza da linguagem para nos fazer ver melhor o Mistério desta Luz-que-vem: «Vem a Luz para ser colocada debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não, antes, para ser colocada sobre o candelabro? Na verdade, nada está escondido que não seja para se manifestar» (Marcos 4,21-22). Na verdade, o Divino, o Filho Unigénito de Deus, Aquele-que-vem, passa escondido na humildade da nossa condição humana. É Ele a Luz-que-vem, que agora está escondida, mas que se manifestará no novo e último candelabro do amor de Deus (Atos 2,36), a Cruz Gloriosa, única fonte do Espírito Santo para nós (sempre Atos 2,32-33; João 19,30.34; 7,38-39). Não esqueçamos que ver o Filho é obra do Espírito Santo em nós (1 Coríntios 12,3). É por isso que o Filho do Homem, Aquele (o Único) -que-de-Deus-vem-e-a-Deus-volta (João 9,13) tem de (deî) ser levantado [= crucificado / ressuscitado /glorificado / exaltado] (João 3,14; cf. Filipenses 2,9): só então se saberá que «Eu Sou» (título divino) (João 8,28), e atrairei todos a Mim (João 12,32).
Mas agora, após o Batismo no Jordão e a Transfiguração / Confirmação no Tabor, durante o dia que é a sua vida toda, eis Jesus passando sempre (parágôn: particípio presente durativo) (João 9,1) e executando a «obra» daquele que o enviou (João 9,4). Na sua condição de «passageiro» total, pascal, no sentido «que de Deus veio e para Deus voltava» (João 13,3), Jesus viu um cego de nascença, e os seus discípulos também viram. Mas Jesus e os discípulos não viram a mesma coisa. Os discípulos viram um cego, e por detrás do cego viram o encadeado «pecado – doença», e por detrás do encadeado viram a manifestação do Deus-garante da «ordem da retribuição». Jesus viu um cego, mas não viu naquela cegueira a manifestação de Deus; antes, viu que «era preciso» (deî) (João 9,4) aquele cego para que Deus se manifestasse nele. Jesus viu um cego e como que disse: preciso deste cego! «É preciso» (deî) que Deus se manifeste neste cego. E como é que Deus se podia manifestar naquele cego? Através das «obras» (tà érga) daquele que Ele enviou (João 9,4), fazendo passar aquele cego do domínio da cegueira para a liberdade da glória dos filhos de Deus, para usar a expressão feliz de Romanos 8,21. Sendo a Luz do mundo (João 8,12; 9,5), Jesus concede o dom da vista ao cego de nascença acompanhado do dom da Luz (Iluminação) em ordem à contemplação das coisas divinas (veja-se a propósito Hebreus 6,4-5: texto batismal espantoso!). Atente-se bem que o cego de nascença recebeu o dom da vista e o dom batismal da «divinização» para ver e ouvir as coisas divinas. Perante este segundo dom, também os fariseus eram cegos de nascença, e não o sabiam!
Significativamente, o cego recupera a vista e recebe o dom da Luz na «piscina de Siloé» (João 9,7). De notar que «piscina» se diz em grego kolymbêthra, nome que ainda hoje para a Igreja grega significa «fonte batismal». Siloé é a grecização do aramaico shlîha, hebraico shalîah, que quer dizer «enviado». Santo Agostinho comenta, sempre de forma acertada e penetrante: «Sabeis bem quem é o enviado; se Cristo não tivesse sido enviado, nenhum de nós teria sido desviado do pecado. O cego lavou os olhos naquela fonte que se traduz “Enviado”: foi batizado em Cristo». A «fonte batismal» do «enviado» de Deus, daquele-que-vem-de-Deus, o Filho do Homem. O cego recobrou a vista imediatamente. A luz da fé, essa é gradual. Passa por: «não sei» (João 9,12); «é um profeta» (João 9,17); «vem de Deus» (João 9,33); «eu creio, Senhor» (João 9,38).
A narrativa vai abrindo cenários sucessivos. O primeiro (João 9,1-7) põe Jesus e os seus discípulos face ao cego, mostra as suas diferentes maneiras de ver, e deixa claro que é a postura criadora e redentora de Jesus que cura o cego. O segundo (João 9,8-12) mostra-nos a discussão estéril que se gera entre os vizinhos acerca do cego. Só palavras. O terceiro (João 9,13-17) traz para a cena a presença dos fariseus, que também discutem o assunto, e também não o entendem nem se entendem. O quarto (João 9,18-23) mostra a atitude dos pais que não se querem comprometer. O quinto (João 9,24-34) põe de novo em cena os judeus e o cego, que apontam os respetivos mestres: Moisés para os judeus; Jesus para o cego. Mas acerca de Jesus, dizem os judeus: «Esse não sabemos DE ONDE (póthen) é» (João 9,29), ao que o cego responde com penetrante clarividência, apontando a cegueira deles: «Isso é «espantoso (tò thaumastón): vós não sabeis DE ONDE (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (João 9,30). Que é como quem diz: só não vê quem não quer! O último cenário (João 35-41) traz-nos de volta Jesus, que se revela ao cego, iluminando-o, e deixa os fariseus cada vez mais às escuras!
Temos todos algo a ver com o cego de nascença: os batizados receberam como ele o dom batismal da Luz para ver e ouvir e viver a vida divina; os catecúmenos recebê-lo-ão. Temos todos a ver com o Enviado, Aquele-que-vem: Ele é o único enviado do Pai para fazer a sua «obra»; nós somos enviados por Ele (João 20,21) para continuar no mundo a sua «obra». Mas temos de reconhecer que muitas vezes ainda vemos as pessoas e as coisas de forma bem diferente de Jesus!
O Primeiro Livro de Samuel 16,1-13 serve-nos hoje um texto fantástico em clara sintonia com o Evangelho. Trata-se da unção real do menor dos filhos de Jessé, David, um garoto que andava nos montes a guardar o rebanho. Nem entrava nas contas do seu pai. Teve de ser o profeta Samuel a perguntar a Jessé, depois de este lhe ter apresentado sete filhos e não ter dado sequer a entender que ainda tinha mais um: «Acabaram os teus filhos?» (1 Samuel 16,11). Só aqui é que Jessé se apercebeu que ainda tinha mais um. Mas, como David era ainda um garoto, nunca Jessé pensou que passasse por ele a escolha de Deus! A sua presença é, portanto, tão paradoxal como a do cego de nascença! Mas Deus não vê como nós. Deus vê o coração, e nele deposita o seu Espírito (1 Samuel 16,13; Romanos 5,5). Levamos este tesouro em vasos de barro… (2 Coríntios 4,7). Brilha melhor a Luz de Deus (2 Coríntios 4,6).
Cumpre-nos ler também hoje o grande texto da Carta aos Efésios 5,8-14. Iluminados pela Luz da Luz, que é também a Luz do mundo, somos a Luz do mundo: constatação, mas sobretudo desafio e programa! Somos, por isso, «filhos da Luz» (Efésios 5,8; 1 Tessalonicenses 5,5) – um dos termos técnicos de «divinização» – e «filhos do dia» (1 Tessalonicenses 5,5). Chamados das trevas para a luz maravilhosa de Deus (1 Pedro 2,9), devemos tornar-nos operadores das «obras da Luz», que não têm parte com as «obras das trevas». O Apóstolo [= Enviado] dá testemunho do Evangelho e continua no mundo o Evangelho. Passando como Jesus. Vendo como Jesus. Aí está a nossa missão.
Tempo para nos deixarmos conduzir pela mão carinhosa e pela voz maternal e melodiosa do Bom Pastor, cantando o Salmo 23. Sim, Ele recebe bem os seus hóspedes: faz-nos uma visita guiada pelos seus prados muito verdes, cheios de águas muito azuis, unge com óleo perfumado a nossa cabeça, estende no chão do seu céu a «pele de vaca» (shulhan), que é a sua mesa, serve-nos vinhos generosos…
Vai adiantado o tempo da Quaresma,
E eu continuo ainda aqui parado
Nesta página em branco da calçada.
Sei bem que foste tu que me puseste em movimento,
Que teceste o meu ser,
Que me deste a vida e de comer,
Que me acolheste e me acolhes sempre em tua casa.
Como é que estou então aqui parado na berma desta estrada,
Pensando que fui eu que me pus no ser,
Que sou dono de mim,
Que esta vida é minha,
Minha é esta casa, este pedaço de chão,
Este naco de pão
E até este coração?
Não fiques aí parado, meu irmão.
Ergue-te e vai pelos nós do vento,
Chegarás por certo à pátria do Espírito
Submisso ao sopro obsessivo do silêncio.
Olha com mais atenção
O chão que sonhas,
O céu que lavras.
Recomeça!
Conquista o espaço
Onde a palavra cresça
Longe do ruído das palavras!
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo IV da Quaresma – Ano A – 19.03.2023 (1 Sam 16,1b.6-7.10-13a)
- Leitura II do Domingo IV da Quaresma – Ano A – 19.03.2023 (Ef 5, 8-14)
- Domingo IV do Tempo da Quaresma – Ano A – 19.03.2023 – Lecionário
- Domingo IV do Tempo da Quaresma – Ano A – 19.03.2023- Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo III da Quaresma – Ano A – 12.03.2023
Viver a Palavra
Na nossa caminhada quaresmal rumo à Páscoa do Senhor somos convidados a sentarmo-nos com Jesus à beira do poço. Passamos os nossos dias a correr entre os múltiplos afazeres do nosso quotidiano e às vezes parece tão escasso o tempo para serenar e descansar. Neste frenesim quotidiano marcado pelas rotinas, pela sucessão de tarefas a realizar e horários a cumprir, irrompe Jesus, o enviado do Pai, o Deus das surpresas que enche e preenche de novidade os nossos dias. O tempo da Quaresma é o tempo favorável e especialíssimo para abrir o nosso coração ao Deus que nos visita e surpreende sempre com o Seu amor e o Seu perdão. Por isso, se o tempo da Quaresma é tempo de penitência e conversão, é também «tempo para cantar a alegria do perdão» (Ir. Roger). A experiência da penitência e da conversão abre a nossa vida à alegria da vida reencontrada, à experiência feliz da transformação do coração.
«Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço». Esta poderia ser apenas uma indicação cénica para situar Jesus no contexto desta passagem evangélica. Contudo, as ações de Jesus devem ser sempre lidas em chave teológica, mesmo quando parecem ser apenas subsidiárias da narrativa. Na Sagrada Escritura, a ação de sentar apresenta diferentes significados: a ação de ensinar na relação mestre/discípulo (Mt 5,1), a evocação da majestade de Deus (Dn 7,9) ou a referência escatológica do Filho do Homem na sua glória (Mt 25,31). Contudo, aqui Jesus senta-se cansado e pede água à Samaritana e no evangelho estão bem identificados aqueles que se sentam para pedir: são os mendigos. Mendigos como aqueles que estão sentados à beira da estrada, na saída de Jericó, que ao ouvirem que Jesus está a passar começam a gritar (Mt 20,30-31) ou então Bartimeu, um mendigo cego, sentado na beira do caminho (Mc 10,46).
Jesus, cansado do caminho, senta-se á beira do poço e pede de beber à samaritana. Este pedido como que antecipa aquele grito da Cruz: «tenho sede». Misterioso Senhor que, para dar, pede! Jesus apresenta-se como mendigo do homem, com uma sede de salvação que nos desconcerta. Assim nos recorda Simon Weil quando afirma: «Deus espera como um mendigo, imóvel e silencioso, diante de qualquer um que lhe estenda um bocado de pão. O tempo é a espera de Deus que mendiga o nosso amor».
Jesus tem sede. Sede da água que dessedenta os que caminham nas estradas poeirentas, mas também sede de salvação. Sede de tocar as nossas sedes, de contactar com os nossos desertos e as nossas feridas. Ele quer salvar cada homem e cada mulher e, independentemente da sua vida de pecado ou do seu errado caminho, Ele quer oferecer uma oportunidade nova de vida plena e cheia de sentido.
Jesus encontra-se com a Samaritana ao meio-dia, precisamente a mesma hora em que Jesus é apresentado por Pilatos à multidão (Jo 19,13-14). Como afirma o Cardeal Tolentino de Mendonça: «só compreenderemos verdadeiramente o diálogo entre Jesus com a Samaritana se tivermos diante dos olhos o dom sem limites que Jesus faz de si na cruz». Na verdade, o meio-dia é a hora central do dia, o ponto que determina a passagem de uma parte para outra da jornada. O meio do tempo assinala um antes e um depois, o meio do caminho e a encruzilhada da vida.
O encontro com Jesus marca assim um rumo novo na nossa história, pois sempre que abrimos o nosso coração ao verdadeiro encontro com Jesus é «meio-dia», é hora decisiva para avançar com um alento renovado e uma vontade nova de fazer da nossa vida doação. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No dia 19 de março a Igreja celebra a Solenidade S. José, Esposo da Virgem Santa Maria e que, neste ano litúrgico, ano A, vai coincidir com o IV Domingo da Quaresma – o Domingo da Alegria – Domingo Laetare. Celebrando aquele que recebeu a missão de ser pai de Jesus, este dia é também dedicado a todos os pais. Esta ocasião é uma oportunidade pastoral para reunir as famílias e celebrar o dom da paternidade. Neste dia assinala-se também o décimo aniversário do início do pontificado do Papa Francisco. Esta ocasião é uma oportunidade para dar graças a Deus pelo dom da sua vida e do seu ministério. Pode fazer-se uma especial celebração de ação de graças com o canto do Te Deum, incluir esta intenção na Eucaristia, de modo particular na Oração Universal ou uma atividade formativa ou de reflexão quaresmal sobre os vários desafios que o magistério do Papa Francisco nos tem colocado. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a Quaresma até à Páscoa. São 40 dias que querem significar “mudança”. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Ex 17,3-7
«Baterás no rochedo e dele sairá água; então o povo poderá beber».
Ambiente
O texto que nos é proposto como primeira leitura pertence às “tradições sobre a libertação” (cf. Ex 1-18). Trata-se de um bloco de tradições que narram a libertação dos hebreus do Egipto (por ação de Jahwéh e do seu Servo Moisés) e a caminhada pelo deserto até ao Sinai.
O texto leva-nos até ao deserto do Sinai. O vers. 1 do nosso texto situa o episódio de Massa/Meribá nos arredores de Refidim, provavelmente no sul da península do Sinai (cf. Nm 33,14-15); mas Nm 20,7-11 situa-o nos arredores de Kadesh, a norte (aliás, não é possível traçar com rigor o caminho percorrido pelos hebreus, desde o Egipto até à Terra Prometida: estamos diante de textos que provêm de “fontes” diferentes, aqui combinados por um redator final; e essas “fontes” referem-se, provavelmente, a viagens distintas e a grupos distintos, que em épocas distintas atravessaram o deserto do Sinai). De qualquer forma, também não interessa definir exatamente o enquadramento geográfico: mais do que escrever um diário de viagem, aos catequistas de Israel interessa fazer uma catequese sobre o Deus libertador, que conduziu o seu Povo da terra da escravidão para a terra da liberdade.
A questão fundamental para este grupo de fugitivos que, chefiados por Moisés, fugiu do Egipto, é a questão da sobrevivência num cenário desolado como é o deserto do Sinai. Os beduínos conheciam diversos “truques” que lhes asseguravam a sobrevivência no deserto. Um desses “truques” pode relacionar-se com o texto que nos é proposto… Alguns autores garantem a existência no deserto do Sinai de rochas porosas que, quando quebradas em certos lugares, permitem o aproveitamento da água aí armazenada. Terá sido qualquer coisa parecida que aconteceu na caminhada dos hebreus e que deixou um sinal na memória do Povo? É possível; mas o importante é que Israel viu no facto um sinal da presença e do amor do Deus libertador. in Dehonianos.
Refletir sobre os seguintes dados:
A caminhada dos hebreus pelo deserto é, um pouco, o espelho da nossa caminhada pela vida. Todos nós fazemos, todos os dias, a experiência de um Deus libertador e salvador, que está presente ao nosso lado, que nos estende a mão e nos faz passar da escravidão para a liberdade. No entanto, ao longo da travessia do deserto que é a vida, experimentamos, em certas circunstâncias, a nossa pequenez, a nossa dependência, as nossas limitações e a nossa finitude; as dificuldades, o sofrimento e o desencanto fazem-nos duvidar da bondade de Deus, do seu amor, do seu projeto para nos salvar e para nos conduzir em direção à verdadeira felicidade. No entanto, a Palavra de Deus deste domingo garante-nos: Deus nunca abandona o seu Povo em caminhada pela história… Ele está ao nosso lado, em cada passo da caminhada, para nos oferecer gratuitamente e com amor a água que mata a nossa sede de vida e de felicidade.
Ao longo da caminhada do Povo de Deus pelo deserto vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um grupo humano ainda com mentalidade de escravo, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo e ao comodismo, que prefere a escravidão ao risco da liberdade. No entanto, Deus lá está, ajudando o Povo a superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o ir mais além e obrigando-o a amadurecer. À medida que avança, de mãos dadas com Deus, o Povo vai-se renovando e transformando, vai alargando os horizontes, vai-se tornando um Povo mais responsável, mais consciente, mais adulto e mais santo.
É esta, também, a experiência que fazemos. Muitas vezes somos egoístas, orgulhosos, comodistas, “meninos mimados” que passam a vida a lamentar-se e a acusar Deus e os outros pelos “dói-dóis” que a vida nos faz. No entanto, as dificuldades da caminhada não são um castigo ou uma derrota; são, tantas vezes, parte dessa pedagogia de Deus para nos forçar a ir mais além, para nos renovar, para nos amadurecer, para nos tornar menos orgulhosos e autossuficientes. Devíamos, talvez, aprender a agradecer a Deus alguns momentos de sofrimento e de fracasso que marcam a nossa vida, pois através deles Deus faz-nos crescer. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 94 (95)
Refrão: Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações.
LEITURA II – Rom 5,1-2.5-8
«Mas Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores».
Ambiente
Quando escreve aos Romanos, Paulo está a terminar a sua terceira viagem missionária e prepara-se para partir para Jerusalém. O apóstolo sentia que tinha terminado a sua missão no oriente (cf. Rom 15,19-20) e queria levar o Evangelho a outros cantos do mundo, nomeadamente ao ocidente. Sobretudo, Paulo aproveita a ocasião para contactar a comunidade de Roma e para apresentar aos romanos os principais problemas que o ocupavam (entre os quais avultava o problema da unidade – um problema bem atual na comunidade cristã de Roma, então afetada por alguma dificuldade de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). Estamos no ano 57 ou 58.
Paulo aproveita para dizer aos romanos e a todos os cristãos que o Evangelho deve unir e congregar todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Para desfazer algumas ideias de superioridade (e, sobretudo, a pretensão judaica de que a salvação se conquista pela observância da Lei de Moisés), Paulo nota que todos os homens vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a “justiça de Deus” que a todos dá a vida, sem distinção (cf. Rom 3,1-5,11).
No texto que a segunda leitura deste domingo nos propõe, Paulo refere-se à ação de Deus, por Jesus Cristo e pelo Espírito, no sentido de “justificar” todo o homem. in Dehonianos.
Para refletir:
Este texto convida-nos a contemplar o amor de um Deus que nunca desistiu dos homens e que sempre soube encontrar formas de vir ao nosso encontro, de fazer caminho connosco. Apesar de os homens insistirem, tantas vezes, no egoísmo, no orgulho, na autossuficiência e no pecado, Deus continua a amar e a fazer-nos propostas de vida. Trata-se de um amor gratuito e incondicional, que se traduz em dons não merecidos, mas que, uma vez acolhidos, nos conduzem à felicidade plena.
A vinda de Jesus Cristo ao encontro dos homens é a expressão plena do amor de Deus e o sinal de que Deus não nos abandonou nem esqueceu, mas quis até partilhar connosco a precariedade e a fragilidade da nossa existência, a fim de nos mostrar como nos tornarmos “filhos de Deus” e herdeiros da vida em plenitude.
A presença do Espírito acentua no nosso tempo – o tempo da Igreja – essa realidade de um Deus que continua presente e atuante, derramando o seu amor ao longo do caminho que, dia a dia, vamos percorrendo e impelindo-nos à renovação, à transformação, até chegarmos à vida plena do Homem Novo. É esse caminho que a Palavra de Deus nos convida a percorrer, neste tempo de Quaresma.
Está em moda uma certa atitude de indiferença face a Deus, ao seu amor e às suas propostas. Em geral, os homens de hoje preocupam-se mais com os resultados da última jornada do campeonato de futebol, com as últimas peripécias da “telenovela das nove”, com os investimentos na Bolsa, com as vantagens da última geração de computadores ou com o caminho mais rápido e mais seguro para atingir o topo da carreira profissional do que com Deus e com o seu amor. Não será tempo de redescobrirmos o Deus que nos ama, de reconhecermos o seu empenho em conduzir-nos rumo à felicidade plena e de aceitarmos essa proposta de caminho que Ele nos faz? in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 4,5-42
«Jesus, cansado da caminhada, sentou-Se à beira do poço».
«Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede».
«Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».
Ambiente
O Evangelho deste domingo situa-nos junto de um poço, na cidade samaritana de Sicar. A Samaria era a região central da Palestina – uma região heterodoxa, habitada por uma raça de sangue misturado (de judeus e pagãos) e de religião sincretista.
Na época do Novo Testamento, existia uma animosidade muito viva entre samaritanos e judeus. Historicamente, a divisão começou quando, em 721 a.C., a Samaria foi tomada pelos assírios e foi deportado
a cerca de 4% da população samaritana. Na Samaria instalaram-se, então, colonos assírios que se misturaram com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se (cf. 2 Re 17,29). A relação entre as duas comunidades deteriorou-se ainda mais quando, após o regresso do Exílio, os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos (cf. Esd 4,1-5) para reconstruir o Templo de Jerusalém (ano 437 a.C.) e denunciaram os casamentos mistos. Tiveram, então, de enfrentar a oposição dos samaritanos na reconstrução da cidade (cf. Ne 3,33-4,17). No ano 333 a.C., novo elemento de separação: os samaritanos construíram um Templo no monte Garizim; no entanto, esse Templo foi destruído em 128 a.C. por João Hircano. Mais tarde, as picardias continuaram: a mais famosa aconteceu por volta do ano 6 d.C., quando os samaritanos profanaram o Templo de Jerusalém durante a festa da Páscoa, espalhando ossos humanos nos átrios.
Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé jahwista; e os samaritanos pagavam aos judeus com um desprezo semelhante.
A cena passa-se à volta do “poço de Jacob”, situado no rico vale entre os montes Ebal e Garizim, não longe da cidade samaritana de Siquém (em aramaico, Sicara – a actual Askar). Trata-se de um poço estreito, aberto na rocha calcária, e cuja profundidade ultrapassa os 30 metros. Segundo a tradição, teria sido aberto pelo patriarca Jacob… Os dados arqueológicos revelam que o “poço de Jacob” serviu os samaritanos entre o ano 1000 a.C. e o ano 500 d.C. (embora ainda hoje se possa extrair dele água).
O “poço” acaba por transformar-se, na tradição judaica, num elemento mítico. Sintetiza os poços abertos pelos patriarcas e a água que Moisés fez brotar do rochedo no deserto (primeira leitura de hoje); mas, sobretudo, torna-se figura da Lei (do poço da Lei brota a água-viva que mata a sede de vida do Povo de Deus), que a tradição judaica considerava observada já pelos patriarcas, antes de ser dada ao Povo por Moisés.
O Evangelho segundo São João apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. No chamado “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), o autor apresenta – recorrendo aos “sinais” da água (cf. Jo 4,1-5,47), do pão (cf. Jo 6,1-7,53), da luz (cf. Jo 8,12-9,41), do pastor (cf. Jo 10,1-42) e da vida (cf. Jo 11,1-56) – um conjunto de catequeses sobre a ação criadora do Messias.
O nosso texto é, exatamente, a primeira catequese do “Livro dos Sinais”: através do “sinal” da água, o autor vai descrever a ação criadora e vivificadora de Jesus. in Dehonianos.
Considerar, para a reflexão, os seguintes pontos:
A modernidade criou-nos grandes expectativas. Disse-nos que tinha a resposta para todas as nossas procuras e que podia responder a todas as nossas necessidades. Garantiu-nos que a vida plena estava na liberdade absoluta, numa vida vivida sem dependência de Deus; disse-nos que a vida plena estava nos avanços tecnológicos, que iriam tornar a nossa existência cómoda, eliminar a doença e protelar a morte; afirmou que a vida plena estava na conta bancária, no reconhecimento social, no êxito profissional, nos aplausos das multidões, nos “cinco minutos” de fama que a televisão oferece… No entanto, todas as conquistas do nosso tempo não conseguem calar a nossa sede de eternidade, de plenitude, dessa “mais qualquer coisa” que nos falta para sermos, realmente, felizes. A afirmação essencial que o Evangelho de hoje faz é: só Jesus Cristo oferece a água que mata definitivamente a sede de vida e de felicidade do homem. Eu já descobri isto, ou a minha procura de realização e de vida plena faz-se noutros caminhos? O que é preciso para conseguirmos que os homens do nosso tempo aprendam a olhar para Jesus e a tomar consciência dessa proposta de vida plena que Ele oferece a todos?
Essa “água-viva” de que Jesus fala faz-nos pensar no batismo. Para cada um de nós, esse foi o começo de uma caminhada com Jesus… Nessa altura acolhemos em nós o Espírito que transforma, que renova, que faz de nós “filhos de Deus” e que nos leva ao encontro da vida plena e definitiva. A minha vida de cristão tem sido, verdadeiramente, coerente com essa vida nova que então recebi? O compromisso que então assumi é algo esquecido e sem significado, ou é uma realidade que marca a minha vida, os meus gestos, os meus valores e as minhas opções?
Atentemos no pormenor do “cântaro” abandonado pela samaritana, depois de se encontrar com Jesus… O “cântaro” significa e representa tudo aquilo que nos dá acesso a essas propostas limitadas, falíveis, incompletas de felicidade. O abandono do “cântaro” significa o romper com todos os esquemas de procura de felicidade egoísta, para abraçar a verdadeira e única proposta de vida plena. Eu estou disposto a abandonar o caminho da felicidade egoísta, parcial, incompleta, e a abrir o meu coração ao Espírito que Jesus me oferece e que me exige uma vida nova?
A samaritana, depois de encontrar o “salvador do mundo” que traz a água que mata a sede de felicidade, não se fechou em casa a gozar a sua descoberta; mas partiu para a cidade, a propor aos seus concidadãos a verdade que tinha encontrado. Eu sou, como ela, uma testemunha viva, coerente, entusiasmada dessa vida nova que encontrei em Jesus in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, deve haver um especial cuidado com as palavras de mais difícil pronunciação: «altercar», «altercação», «Massa» (deve pronunciar-se Mássá) e «Meriba» (deve pronunciar-se Méribá). Neste texto, deve ainda ter-se em atenção o texto em discurso direto, articulando bem as diferentes interrogações, que devem ser proclamadas evitando a exagerada acentuação interrogativa no final de cada frase, mas acentuando a partícula interrogativa ou a forma verbal.
A segunda leitura exige uma acurada preparação assinalando as pausas e as respirações, pois o texto é marcado por frases longas e com várias orações.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
O MAIS BELO DIÁLOGO DO NOVO TESTAMENTO
No programa de «preparação» para a Noite Pascal Batismal, início e meta da vida cristã, o Domingo III da Quaresma está marcado pelos primeiros «escrutínios» para os catecúmenos: primeira «chamada» para a Liberdade. Em ordem a uma melhor compreensão integrada dos Domingos da Quaresma, e particularmente do III que hoje nos ocupa, tenha-se sempre presente a linha dos Evangelhos: Cristo batizado, tentado na sua condição de batizado, e Vitorioso (Domingo I), confirmado na sua missão filial batismal com a Transfiguração (Domingo II), promete a Água da Vida (Domingo III), dá a Luz (Domingo IV), dá a Ressurreição (Domingo V). A linha cristológica torna-se também «antropológica». A «obra» divina na Humanidade do Filho dirige-se, nesta mesma Humanidade, com amor, aos homens. Água, Luz, Ressurreição, são os elementos batismais primários (simbologia batismal da Quaresma) quer para os batizados quer para os catecúmenos.
O Evangelho do Domingo III da Quaresma oferece-nos o grande diálogo de Jesus com a samaritana (João 4,5-42). A meticulosa preparação da cena mostra-nos Jesus a fazer a viagem da Judeia para a Galileia, com o narrador a anotar que «era preciso passar pela Samaria» (João 4,4). Aquilo que parece óbvio à primeira vista, na verdade não o é. Quem, no tempo de Jesus, fazia essa viagem, evitava mesmo passar pela Samaria: desde logo porque a estrada era montanhosa, mas também porque eram hostis as relações entre judeus e samaritanos. A viagem habitual fazia-se, descendo de Jerusalém para Jericó, atravessando depois o Jordão para Oriente, junto de Damyiah, percorrendo então por terra plana o Além-Jordão (atual Jordânia) sempre junto do rio Jordão, para voltar depois a atravessar o Jordão, agora para Ocidente, junto de Bet-Shean, um pouco a sul do Mar da Galileia. E estava-se na Galileia. Evitava-se assim a estrada montanhosa da Samaria, bem como eventuais hostilidades com os samaritanos. Se o narrador coloca Jesus a calcorrear o caminho montanhoso da Samaria, é assunto teológico, de resto, explicitado naquele «era preciso», e não geográfico: trata-se de revestir Jesus dos traços do mensageiro de Isaías 52,7: «Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que leva boas novas a Sião», e do noivo do Cântico dos Cânticos 2,8, de quem a noiva diz: «A voz do meu amado: ei-lo que vem correndo sobre os montes». O que faz correr sobre os montes é, pois, uma grande notícia ou um grande amor. As duas realidades movem Jesus.
O texto refere ainda que Jesus se sentava com tempo (ekathízeto: imperfeito que implica duração) junto do poço-fonte de Jacob (João 4,6). É sabido, desde o Antigo Testamento, que o poço-fonte é visto como um cenário de noivado. É assim em Génesis 24, onde, junto de um poço, se trata o casamento de Isaac com Rebeca; é assim em Génesis 29, onde, junto de um poço, se trata o casamento de Jacob com Raquel; é assim em Êxodo 2, onde, junto de um poço, se prepara o casamento de Moisés com Séfora. Um grande amor e grandes e belas notícias movem Jesus, na sua viagem «necessária» sobre os montes da Samaria. Fazendo-o sentar com tempo junto do poço-fonte, são cenários de noivado que o narrador evoca e cuidadosamente prepara. Ao anotar, outra vez com tinta teológica, que «era por volta do meio-dia [= hora sexta]» (João 4,6), o narrador evoca outra vez a hora do Noivo dos Cântico dos Cânticos 1,7, mas deixa-nos também expostos à máxima e irresistível revelação (Atos 22,6; 26,13). O meio-dia representa a luz a pique, penetrante, como uma espada de dois gumes (cf. Hebreus 4,12). Em contraponto, procurar Jesus de noite, como fez Nicodemos na página anterior (João 3,2) é não entender nada, como os discípulos que nada pescam de noite (João 21,3) e no meio do escuro andam perdidos (João 6,17-18), como a Madalena que vai de madrugada, ainda escuro, ao túmulo de Jesus, e nada entende (João 20,1), como o homem da noite na noite perdido, que é Judas (João 13,30; 18,3), enfim, como Pedro, perdido na noite e no meio dos guardas, com os guardas e sem Jesus (João 18,17-18).
Eis Jesus sentado, com tempo, junto do poço-fonte à hora do meio-dia. E aí vem a noiva, a mulher da Samaria. E Jesus desce pedagogicamente ao nível da mulher que vinha buscar água, com aquele pedido direto: «Dá-me de beber» (João 4,7), com que se abre o maior diálogo de todo o Novo Testamento (sete intervenções de Jesus; seis da mulher da Samaria). Salta à vista que Jesus se transforma em pedinte com o intuito de transformar em pedinte a mulher: a maravilhosa delicadeza de um Deus que pede para dar! De facto, pedagogicamente conduzida por Jesus, no final do diálogo sobre a água, é a mulher que diz para Jesus: «Senhor, dá-me dessa água…» (João 4,15).
Neste ponto preciso, Jesus imprime um novo ritmo ao diálogo, dizendo agora à mulher: «Vai, chama o teu marido, e vem aqui» (João 4,16). Ao que a mulher responde: «Não tenho marido!» (João 4,17). Quem tem o ouvido sintonizado na onda finíssima que percorre o Evangelho de João, começa já a aperceber-se do verdadeiro efeito retórico deste «Não tenho», e para onde nos leva este Não ter. Na verdade, pouco antes, em plenas bodas de Caná, Maria tinha anotado para Jesus: «Não têm vinho!» (João 2,3). E a verdade é que vão ter vinho em excesso! Em João 5,7, anota-se o caso do doente que não é curado por Jesus, porque não tem ninguém que o lance à água. Vai, portanto, ter cura em excesso! É ainda o caso dos discípulos que, à pergunta de Jesus: «Filhinhos (paidía), não tendes alguma coisa para comer, pois não?», respondem: «Não!» (João 21,5). Também já se sabe que irão ter peixe em excesso! É, portanto, de suspeitar, por parte do leitor atento de João, que a mulher da Samaria, que não tem marido, vá encontrar o esposo definitivo, o próprio Deus, cumprindo Isaías 62,5: «Como um jovem desposa uma virgem, assim te desposará o teu edificador. Como a alegria do noivo pela sua noiva, assim o teu Deus se alegrará em ti».
E aí está Jesus, o conhecedor que nos conhece, e que nós ainda não conhecemos, a entrar dentro da mulher da Samaria e de nós mesmos, dizendo: «Disseste bem: “Não tenho marido”. Na Verdade, tiveste cinco maridos, e o que tens agora [= sexto] não é teu marido”» (João 4,17-18). Abre-se aqui outra janela de luz e sentido. Olhando através dela, podemos ver uma mulher atónita, a olhar para Jesus com redobrado espanto, e a dizer consigo mesma: «Mas como é que este desconhecido sabe tanto de mim? Como é que este desconhecido conhece a minha vida toda? Que experiência será esta de nos sentirmos ditos, adivinhados, conhecidos? Não será o conhecimento conhecido, obra de Deus em nós, de que fala Paulo em 1 Coríntios 13,12? Seguramente que a mulher experimenta a estranha sensação de estar perante o saber que a ultrapassa de alguém que a conhece perfeitamente, e que ela ainda não conhece. Mas esta técnica da «antecipação» ou «adivinhação» pode ver-se noutras passagens do IV Evangelho, pelo que, se a mulher é completamente surpreendida, o leitor competente não o é. De facto, a mesma estratégia narrativa já foi encontrada em João 1,45-49, quando Jesus se adianta a Natanael, dizendo dele: «Eis um verdadeiro israelita!» (João 1,47), ao que Natanael reage com espanto: «De onde me conheces?» (João 1,48). Ver-se-á também em João 20,15, quando aquele que, aos olhos da Madalena, era um simples jardineiro, se adianta a ela, atravessando-a com uma pergunta penetrante: «Mulher, porque choras? A quem procuras?» (João 20,15a). Se a primeira pergunta («Porque choras?») parece óbvia (porque a Madalena estava, de facto, a chorar), a segunda («A quem procuras?») apanha a Madalena completamente de surpresa. Na verdade, pensará a Madalena: «Quem será este que sabe que eu procuro alguém neste jardim?» E se sabe que eu procuro alguém, seguramente saberá também quem eu procuro. Por isso, porque se sentiu adivinhada e pressente que ele sabe quem ela procura, responde-lhe em código: «Se tu o levaste, diz-me onde o puseste, e eu o retirarei» (Jo 20,15b). Esta estratégia pode ver-se ainda na manifestação de Jesus Ressuscitado a Tomé. Na verdade, depois de Tomé ter dito aos outros discípulos que afirmaram diante dele terem visto o Senhor (João 20,25), que não acreditaria se ele próprio não visse nas suas mãos a marca dos cravos, e se não metesse o seu dedo na marca dos cravos e a sua mão no seu lado (João 20,25), surge Jesus, dirige-se a Tomé e diz: «Traz o teu dedo aqui e vê as minhas mãos, e traz a tua mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente!» (João 20,27). Tomé já não vai investigar nada, e responde de imediato, certamente atónito, porque adivinhado (como é que Jesus tomou conhecimento das condições postas por ele?): «Meu Senhor e meu Deus!» (João 20,28), a mais alta confissão de fé no plano narrativo do IV Evangelho.
E quanto às contas feitas com os maridos, o leitor atento, mas incauto, contentar-se-á, talvez, com a simples aritmética, mas se fizesse as operações mentais e afetivas reclamadas pelo texto, seria levado a compreender que aquela mulher da Samaria, que agora não tem marido, que já teve cinco, e que o que tem agora, e que é o sexto, não é seu marido – teve cinco, o que tem agora e que não é seu marido, é o sexto. Compreende-se então que aquela mulher já vai no sexto marido provisório, sendo seis um número imperfeito. Mas o sexto, enquanto provisório e imperfeito, aponta para o definitivo e perfeito. Em boa gramática simbólica, aponta para o sétimo, que está ali à beira, que está aqui à beira, e é Jesus! É por isso que a sua voz é a voz do noivo, daquele que vem, trazendo o tempo novo da alegria nova e definitiva, a alegria grande da Páscoa, o Messias suspeitado (João 4,25) e confesso: «EU SOU (egô eimi), o que estou a FALAR contigo (ho lalôn soi)!» (João 4,26), verdadeiro clímax narrativo e da revelação. E a samaritana, encontrada pelo Noivo novo definitivo esperado, procede, de facto, como as mulheres na manhã de Páscoa: abandona o cântaro antigo e provisório (João 4,28) que servia apenas para recolher a água antiga e provisória tirada do poço antigo e provisório (João 4,11), e correu à cidade para dizer a todos… (João 4,28). Notável movimento Batismal Pascal!
Mas o que é que diz a mulher aos homens da Samaria? Diz: «Vinde ver um Homem que me disse tudo o que eu fiz. Não será ele o Cristo?» (João 4,29). Note-se o importante dizer reticente e pedagógico, mas também cristológico, da mulher da Samaria. Dizendo como diz, a mulher da Samaria evita dizer «judeu» e «messias», duas realidades que provocariam nos samaritanos uma reação de hostilidade, e não os mobilizariam para irem ao encontro de Jesus. Usando, porém, o título de «Homem», aqui dado a Jesus pela primeira vez no Evangelho de João, mas que o atravessa completamente (4,29; 5,12; 7,46; 8,40; 9,11.16.24; 10,33; 11,47.50; 18,14.17.29; 19,15), e mesmo a inteira Escritura (Génesis 1,26-30), é a singular humanidade de Jesus que se salienta, o seu saber penetrante, bem como a sua palavra mansa e dialógica. E a interrogação: «Não será ele o Cristo?» não é expressão de dúvida acerca da identidade de Jesus, mas uma finíssima interrogação pedagógica, que provoca nos samaritanos a curiosidade e acende neles o desejo de fazerem a experiência, de irem ver Jesus. Muitas vezes, uma afirmação põe fim a um processo de pesquisa. A interrogação, ao contrário, mobiliza e desperta. Foi assim que os samaritanos foram ver e ouvir a voz do Noivo, Aquele-que-vem, e chegaram à fé em Jesus, confessando que Ele é verdadeiramente «o salvador do mundo» (João 4,42). O definitivo.
É estranho, mas também pedagógico e ilustrativo, que enquanto Jesus dialoga com a samaritana, circulando entre os dois o verbo «dar», os seus discípulos andem pelo shopping a «comprar»!
É igualmente estranho e nada edificante que estes discípulos de Jesus, que regressam do shopping exatamente quando termina este imenso diálogo de Jesus com a samaritana, tenham ficado admirados de ver Jesus a falar com uma mulher, mas evitem fazer qualquer pergunta a Jesus (João 4,27-28). Em vez disso, convidam Jesus a comer alguma coisa, e ouvem de Jesus um dizer espantoso: «Tenho para comer um alimento que vós não conheceis» (João 4,32). Nós, que assistimos ao crescendo das reações da samaritana às propostas de Jesus, achamos agora estranhíssimo que estes discípulos não digam a Jesus: «Dá-nos então também desse alimento!», e que nem sequer formulem a pergunta: «Então que alimento novo é esse?». Em vez disso, diz-nos o narrador que perguntavam, não a Jesus, de quem, pelos vistos, não querem que diga nada, mas uns aos outros: «Porventura alguém lhe terá trazido alguma coisa de comer?» (João 4,33).
Estranhos discípulos desacertados de Jesus e do seu tempo novo. Descompassados e descompensados. Andam ainda no tempo do inverno e da sementeira: «Não dizeis vós que faltam ainda quatro meses para a ceifa?» (João 4,35a). Eles não querem ouvir, mas Jesus abre diante deles um tempo novo: «Levantai os olhos e vede os campos: estão brancos para a ceifa!» (João 4,35b). Sim, o tempo que Jesus abre diante de nós é o tempo novo da ceifa e da alegria (cf. Salmo 126,6).
O relato do Livro do Êxodo (17,3-7) mostra-nos hoje que o Senhor está sempre no meio de nós e sacia a nossa sede no deserto da caminhada da vida. Então a sua «obra» nova não consiste também em fazer jorrar a água no deserto? (Isaías 35,6-7; 41,18; 43,19-20). Deus é muitas vezes, por 33 vezes, designado no Antigo Testamento, sobretudo nos Salmos, como a Rocha ou o Rochedo da nossa salvação. Por isso, é da Rocha, do Rochedo que jorra a água que mata a sede do povo de Israel, e a nossa, no deserto. Como sempre, o Antigo Testamento aponta para o Novo: no Evangelho de hoje, Jesus, o Filho de Deus, oferece a Água da Vida que mata a nossa sede para sempre. E Paulo, encontrado pelo Senhor Ressuscitado (Filipenses 3,12), que é quem dá a Água da Vida que é o Espírito Santo, pode agora dizer, relendo o Antigo Testamento, que aquela Rocha donde jorrava a água no deserto é Cristo (1 Coríntios 10,4).
A Rocha, o Poço e a Água-viva. Deixo aqui a bela interpretação que os targûmîm (paráfrases aramaicas) fizeram da passagem do Livro dos Números 21,16-18: «Foi então que Israel cantou este poema de louvor, quando voltou o poço que lhes tinha sido dado por mérito de Miriam, depois de ter estado escondido: “Sobe, poço! Sobe, poço!”, assim cantavam. E ele subia. O poço que tinham escavado os patriarcas, Abraão, Isaac e Jacob, os príncipes de outrora, os chefes do povo, Moisés e Aarão, perfuraram-no os dirigentes de Israel, mediram-no com as suas varas. E, depois do deserto, deu-se a eles como um dom. E depois de se dar a eles como um dom, pôs-se a subir com eles pelas altas montanhas, a descer com eles pelos vales. Passando por todo o território de Israel, dava-lhes de beber a todos e a cada um à entrada da sua tenda». Um poço que acompanha o povo por todo o lado, por montes e vales, e que dá de beber ao povo. Bela metáfora que pode traduzir também o Jesus de João 4, que vai à nossa procura e sacia a nossa sede mais profunda.
Na Carta aos Romanos (5,1-2.5-8), Paulo dá testemunho do acontecimento central da sua e da nossa vida. Dá testemunho do Evangelho. Cristo morreu por nós, dando-nos a Água da Vida que é o Espírito Santo (de novo Atos 2,32-33; João 19,30.34 decifrado por João 7,38-39). O Espírito Santo dado (Romanos 5,5) como selo (Efésios 4,30) para a vida eterna ensina-nos tudo sobre o Pai – em nós clama: Abbá (Gálatas 4,6); nele clamamos: Abbá (Romanos 8,15) – e sobre o Filho: «ninguém pode dizer “Senhor é Jesus” a não ser no Espírito Santo» (1 Coríntios 12,3). É ele que derrama o amor de Deus no nosso coração: unidos a Deus até à vida eterna (Romanos 8,16-17; 1 Coríntios 12).
Sim, não nos é permitido adormecer ou entorpecer, de modo a ficarmos inativos, infecundos, insensíveis, tipo «tanto faz!». O Salmo 95, que hoje cantamos, e que é, para os judeus fiéis, a oração de ingresso ou de entrada no sábado (reza-se sexta-feira ao pôr-do-sol), e para nós, cristãos, é o Salmo invitatório recitado todas as manhãs, é o mais quotidiano dos Salmos. E deve ser um permanente despertador para não nos deixarmos andar ao sabor de qualquer música, mas apenas e sempre ao sabor da música de Deus. Sim, não é tempo de nos instalarmos aqui, em qualquer «aqui». É necessário levar a todos os lugares e a todas as pessoas este vendaval manso de graça e de bondade e de fé que um dia Jesus ensinou à mulher da Samaria e todos os dias mostrou e mostra aos seus discípulos.
Era por volta do meio-dia,
E Jesus sentava-se com tempo à beira do poço de Jacob,
À espera que chegasse a mulher da Samaria.
O meio-dia é a hora da Luz e da Revelação,
Coisa que Nicodemos não sabia,
E a mulher da Samaria vem ao poço buscar água e Luz,
Vem buscar Jesus,
Para beber e para viver.
Jesus, que a esperava, desceu ao nível dela,
Fez-se pedinte, e disse-lhe: «Dá-me de beber!».
Mas o seu intuito era
Transformar em pedinte a mulher,
Que pouco depois pede a Jesus: «Dá-me Tu dessa água-viva, Senhor!».
E depois foi chamar os samaritanos,
Que também vieram ver o poço novo aberto em Siquém.
Todos beberam da água-viva,
E descobriram-se irmanados na alegria
Daquele meio-dia.
Vem, Senhor Jesus,
Senta-te à nossa beira,
E ensina aos teus irmãos
O segredo
E o enredo
Daquela nova ceifa e sementeira.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo III da Quaresma – Ano A – 12.03.2023 (Ex 17, 3-7)
- Leitura II do Domingo III do Tempo da Quaresma – Ano A – 12.03.2023 (Rom 5, 1-2.5-8)
- Domingo III do Tempo da Quaresma – Ano A – 12.03.2023 – Lecionário
- Domingo III do Tempo da Quaresma – Ano A – 12.03.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo II da Quaresma – Ano A – 05.03.2023
Viver a Palavra
A vida cristã envolve a vida toda e toda a vida e o convite à conversão que se torna mais incisivo neste tempo quaresmal recorda-nos precisamente que a conversão exige uma transformação do coração e da vida que chegue a todos os âmbitos da nossa ação. A conversão não é apenas uma adesão intelectual à proposta de Jesus Cristo, nem um conjunto de boas intenções para a prática de boas obras, mas o encontro decisivo com Jesus que nos faz entrar na dinâmica sempre nova de conformar a nossa vida com a Sua vontade.
No nosso itinerário quaresmal, o segundo Domingo da Quaresma irrompe luminosamente, apresentando Jesus sobre o monte com Pedro, Tiago e João. Assim como estes três discípulos foram escolhidos e chamados, também nós, somos convocados pelo amor misericordioso de Jesus que gratuitamente nos escolhe para nos fazer experimentar a luz nova que só o Seu amor e Sua graça nos podem oferecer. Assim nos testemunha S. Paulo, escrevendo a Timóteo e recordando-lhe a livre, gratuita e generosa ação de Deus nas nossas vidas: «sofre comigo pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. Ele salvou-nos e chamou-nos à santidade, não em virtude das nossas obras, mas do seu próprio desígnio e da sua graça». Deste modo, agradecidos pelo dom generoso da vida divina que nos é concedida para lá das nossas boas obras, somos convidados a conformar a nossa vida com este mistério de amor que nos inquieta, desinstala e coloca a caminho. Partir é palavra de ordem para quem encontra em Jesus o sentido da sua vida.
Jesus não se detém nem nos detém, mas envia-nos: «levantai-vos e não temais». Como é importante recordar aqui o convite dirigido por Deus a Abraão para deixar a sua terra e a sua família. Mais importante ainda porque Deus não lhe indica uma meta geográfica, mas apenas a certeza da sua presença: «vai para a terra que Eu te indicar». Se é o Senhor Deus que lhe vai indicar o caminho, então Ele caminhará com Ele, estará com Ele para o guiar, proteger e defender. Por isso, Abraão parte confiado na palavra do Senhor, ainda que humanamente tivesse razões para desconfiar, pois a promessa de Deus é de fazer dele uma grande nação e oferecer-lhe uma inúmera descendência, mas Abraão e sua mulher Sara são de idade avançada. Todavia, «Abrão partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado» e a promessa de Deus realizou-se para nos testemunhar a certeza que quando somos capazes de abandonar os nossos comodismos, as nossas certezas fundadas apenas nas nossas capacidades humanas e nos abrimos à livre, gratuita e generosa iniciativa de Deus a nossa vida se torna lugar de bênção que difunde ao longe e ao largo o suave perfume da ternura e da bondade do Pai.
Neste Domingo subimos com Jesus ao Monte e como Pedro, Tiago e João somos chamados a contemplar a luz nova que brota da Sua presença no meio de nós. Aos discípulos é antecipada a luz nova da Páscoa que será plena e definitiva na manhã da Ressurreição. Na narrativa que nos apesenta S. Mateus surpreende-me sempre a descrição da experiência que os discípulos fazem de Jesus. Eles contemplam Jesus resplandecente como o sol e com vestes brancas como a luz. Vêm Moisés e Elias e a nuvem luminosa. Escutam a voz do Pai e são tocados por Jesus que os desafia a colocar-se ao caminho. É curioso que apenas a narrativa da Transfiguração no Evangelho de Mateus nos oferece este pormenor de Jesus que toca os seus discípulos. A experiência pascal de encontro com Jesus Cristo, experimentada por antecipação, no episódio da transfiguração, convida-nos a contemplar, a ver, a escutar, a ser tocados, a caminhar, isto é, convida-nos a uma transformação da vida toda, implicando todos os sentidos e desafiando a uma conversão cada vez mais total e totalizante das nossas vidas. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
O dia 8 de março é dedicado pela sociedade civil à celebração do Dia Internacional da Mulher. Enquanto comunidade eclesial que habita o tempo e a história e procura iluminar os diversos âmbitos da vida humana, a Igreja não deve ficar à margem da comemoração deste dia. Cada comunidade pode pensar um modo criativo de assinalar este dia. A mulher assume um papel fundamental na sociedade e na vida da Igreja e este dia pode ser a ocasião para o reconhecer e valorizar. Contudo, como recorda o Papa Francisco na sua recente exortação pós-sinodal Querida Amazónia, é necessário pensar o lugar da mulher na Igreja sem o reduzir ao funcionalismo, mas no horizonte da corresponsabilidade eclesial onde cada um tem lugar na edificação da comunidade e na ação evangelizadora da Igreja. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a Quaresma até à Páscoa. São 40 dias que querem significar “mudança”. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Gen 12,1-4a
«Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar».
Ambiente
A primeira leitura de hoje faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (cf. Gn 12-36). Trata-se de um conjunto de relatos singulares, originalmente independentes uns dos outros, sem grande unidade e sem carácter de documento histórico. Nesses capítulos aparecem, de forma indiferenciada, “mitos de origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã), indicações mais ou menos concretas sobre a vida dos clãs nómadas que circularam pela Palestina durante o 2º milénio e reflexões teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.
Por detrás do quadro teológico e catequético que nos é proposto, estão as migrações históricas de povos nómadas, antepassados do povo bíblico, nos inícios do 2º milénio a.C. Por essa época, a história regista um forte movimento migratório de povos amorreus entre a Mesopotâmia e o Egipto, passando pela terra de Canaan. São povos que não conseguiram fixar-se na Mesopotâmia (ou que tiveram de a abandonar por causa de convulsões políticas registadas nessa zona no início do 2º milénio) e que continuaram o seu caminho migratório, à procura de uma terra onde “plantar definitivamente a sua tenda”, de forma a escapar aos perigos e incomodidades da vida nómada. Os nossos patriarcas bíblicos fazem, provavelmente, parte dessa onda migratória.
Os clãs referenciados nas “tradições patriarcais” – nomeadamente os de Abraão, Isaac e Jacob – tinham os seus sonhos e esperanças. O denominador comum desses sonhos era a esperança de encontrar uma terra fértil e bem irrigada, bem como possuir uma família forte e numerosa que perpetuasse a “memória” da tribo e se impusesse aos inimigos. O deus aceite pelo grupo era o potencial concretizador desse ideal. in Dehonianos.
Na reflexão e partilha, considerar os seguintes dados:
A figura de Abraão que nos foi apresentada pelos catequistas de Israel tem sido, ao longo dos tempos, uma figura inspiradora para todos os crentes. Abraão é o homem que encontra Deus, que está atento aos seus sinais e sabe interpretá-los, que responde aos desafios de Deus com uma obediência total e com uma entrega confiada… Esta figura constitui uma interpelação muito forte a esse homem moderno que nunca tem tempo para encontrar Deus nem para perceber os seus sinais, pois está demasiado ocupado a ganhar dinheiro ou a construir a carreira profissional. Eu tenho tempo para me encontrar com Deus, para aprofundar a comunhão com Ele? Preocupo-me em detetar a sua presença, as suas indicações e propostas nos acontecimentos do dia a dia? A minha resposta aos seus desafios é um “sim” incondicional, ou é uma procura de razões para justificar os meus pontos de vista e esquemas pessoais?
A figura de Abraão questiona, também, o homem instalado e comodista, que prefere apostar na segurança do que já tem, em vez de arriscar na novidade de Deus, ou deixar que a Palavra de Deus ponha em causa os seus velhos hábitos, a sua forma de vida e a sua instalação. Estou disposto a mudar, a “pôr-me a caminho” em direção a essa terra nova da vida plena e autêntica, ou prefiro continuar prisioneiro dos meus esquemas pré-concebidos, dos meus medos, dos meus velhos hábitos, das minhas velhas formas de pensar, de agir e de julgar os outros?
Este texto diz-nos, também, que por detrás da história da humanidade há um Deus que tem um projeto para os homens e para o mundo e que esse projeto é de amor e de salvação… Apesar de os homens O ignorarem e prescindirem das suas orientações e propostas, Deus continua a vir ao seu encontro, a desafiá-los a caminhar em direção ao novo, a propor-lhes ir mais além. O homem, por sua vez, é convidado a participar neste projeto, por meio da fé (entendida como adesão plena aos planos de Deus). Estou disposto a colaborar com esse Deus que tem um plano para o mundo e para os homens e a embarcar com Ele na construção de um mundo mais feliz? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)
Refrão: Esperamos, Senhor, na vossa misericórdia.
LEITURA II – 2 Tim 1,8b-10
«Ele salvou-nos e chamou-nos à santidade, não em virtude das nossas obras, mas do seu próprio desígnio e da sua graça».
Ambiente
Segundo os Atos dos Apóstolos, Paulo encontrou Timóteo em Listra, cidade da Licaónia, no decurso da sua segunda viagem missionária. Filho de pai grego e de mãe judeo-cristã, Timóteo devia ser ainda bastante jovem, nessa altura (cf. Act 16,1). No entanto, Paulo não hesitou em levá-lo consigo através da Ásia Menor, da Macedónia e da Grécia. Tímido e reservado, de saúde delicada (em 1 Tim 5,23 Paulo aconselha: “não continues a beber só água, mas mistura-a com um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes indisposições), Timóteo tornou-se um companheiro fiel e discreto do apóstolo no trabalho missionário. Para não ter problemas com os judeus, Paulo fê-lo circuncidar (cf. Act 16,3); e, numa data desconhecida para nós, Timóteo recebeu dos anciãos a “imposição das mãos” (cf. 1 Tim 4,14) que o designava como enviado da comunidade para anunciar o Evangelho de Jesus.
A atividade de Timóteo está bastante ligada a Paulo, como o demonstram as contínuas referências que Paulo lhe faz nos seus escritos. Com ternura, Paulo refere-se a Timóteo como o “nosso irmão, colaborador de Deus na pregação do Evangelho de Cristo” (1 Tes 3,2); e faz referências a Timóteo nas Cartas aos Tessalonicenses (cf. 1 Tes 11,1; 2 Tes 1,1), na 2 Coríntios (cf. 2 Cor 1,1), na Carta aos Romanos (cf. Rom 16,21), na Carta aos Filipenses (cf. Flp 1,1), na Carta aos Colossenses (cf. Col 1,1) e na Carta a Filémon (cf. Flm 1).
Encarregou-o, também, de missões particulares entre os Tessalonicenses (cf. 1 Tes 3,2.6) e entre os Coríntios (cf. 1 Cor 4,17).
Em relação à segunda Carta a Timóteo há, no entanto, um problema sério: a maioria dos comentadores considera esta carta posterior a Paulo (o mesmo acontece com a 1 Timóteo e com a Carta a Tito), sobretudo por aí aparecer um modelo de organização da Igreja que parece ser de uma época tardia, isto é, de finais do séc. I ou princípios do séc. II). A questão continua em aberto.
Timóteo é, por esta altura, bispo de Éfeso, na costa ocidental da Ásia Menor. Estão a começar as grandes perseguições; muitos cristãos estão desanimados e vacilam na fé. É preciso que os líderes das comunidades – entre os quais está Timóteo – mantenham o ânimo e ajudem as comunidades a enfrentar, com fortaleza, as dificuldades que se avizinham. in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes dados:
Mais uma vez somos convidados a recordar que Deus tem um projeto de salvação e de vida plena para os homens, para todos os homens. Quase todos os domingos, a Palavra de Deus convida-nos a tomar consciência desse facto; mas nunca é demais lembrá-lo, até porque os homens do nosso tempo tendem a esquecer Deus e a viver sem a consciência da sua presença, do seu amor, da sua preocupação com a nossa vida, a nossa realização, a nossa felicidade. Se tivéssemos sempre consciência de que temos um lugar cativo no projeto de Deus e que o próprio Deus está a velar pela nossa realização e pela nossa felicidade, certamente a vida teria um outro sentido e no nosso coração haveria mais serenidade, mais paz, mais esperança.
Também é preciso termos consciência de que nós, os crentes, somos, aqui e agora, as testemunhas vivas de Deus e do seu projeto para os homens e para o mundo. Nada – e muito menos o nosso comodismo e instalação – pode distrair-nos dessa responsabilidade. Os homens, nossos irmãos, têm de encontrar em nós – e particularmente naqueles a quem foi confiada a missão de animar e orientar a comunidade – sinais vivos de Deus, do seu amor, da sua bondade e ternura, da sua preocupação com os homens.
É verdade que não é fácil ser testemunha de Deus e do seu projeto. O mundo de hoje tende a ignorar os apelos de Deus ou até manifesta desprezo pelos valores do Evangelho (esses valores que temos de testemunhar, a fim de sermos sinais do mundo novo que Deus quer propor aos homens). No entanto, as dificuldades não podem ser uma desculpa para nos demitirmos das nossas responsabilidades e de levarmos a sério a vocação a que Deus nos chama. in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 17,1-9
«Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e levou-os, em particular, a um alto monte
e transfigurou-Se diante deles».
«Senhor, como é bom estarmos aqui!».
«Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O».
Ambiente
A secção de Mt 16,21-20,34 é uma catequese sobre o discipulado, como seguimento de Jesus até à cruz. O texto que hoje nos é proposto faz parte dessa catequese.
O relato da transfiguração de Jesus é antecedido do primeiro anúncio da paixão (cf. Mt 16,21-23) e de uma instrução sobre as atitudes próprias do discípulo (convidado a renunciar a si mesmo, a tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu caminho de amor e de entrega da vida – cf. Mt 16,24-28). Depois de terem ouvido falar do “caminho da cruz” e de terem constatado aquilo que Jesus pede aos que o querem seguir, os discípulos estão desanimados e frustrados, pois a aventura em que apostaram parece encaminhar-se para um rotundo fracasso; eles veem esfumar-se – nessa cruz que irá ser plantada numa colina de Jerusalém – os seus sonhos de glória, de honras, de triunfos e perguntam-se se vale a pena seguir um mestre que nada mais tem para oferecer do que a morte na cruz.
É neste contexto que Mateus coloca o episódio da transfiguração. A cena constitui uma palavra de ânimo para os discípulos (e para os crentes, em geral), pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus; e, apesar das suas próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e apostar nesse projeto.
Literariamente, a narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro que descreve todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o seguinte: não estamos diante de um relato fotográfico de acontecimentos, mas de uma catequese (construída de acordo com o imaginário judaico) destinada a ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus, que traz aos homens um projeto que vem de Deus. in Dehonianos.
A reflexão pode fazer-se partindo das seguintes questões:
A questão fundamental expressa no episódio da transfiguração está na revelação de Jesus como o Filho amado de Deus, que vai concretizar o projeto salvador e libertador do Pai em favor dos homens através do dom da vida, da entrega total de si próprio por amor. Pela transfiguração de Jesus, Deus demonstra aos crentes de todas as épocas e lugares que uma existência feita dom não é fracassada – mesmo se termina na cruz. A vida plena e definitiva espera, no final do caminho, todos aqueles que, como Jesus, forem capazes de pôr a sua vida ao serviço dos irmãos.
Na verdade, os homens do nosso tempo têm alguma dificuldade em perceber esta lógica… Para muitos dos nossos irmãos, a vida plena não está no amor levado até às últimas consequências (até ao dom total da vida), mas sim na preocupação egoísta com os seus interesses pessoais, com o seu orgulho, com o seu pequeno mundo privado; não está no serviço simples e humilde em favor dos irmãos (sobretudo dos mais débeis, dos mais marginalizados e dos mais infelizes), mas no assegurar para si próprio uma dose generosa de poder, de influência, de autoridade e de domínio, que dê a sensação de pertencer à categoria dos vencedores; não está numa vida vivida como dom, com humildade e simplicidade, mas numa vida feita um jogo complicado de conquista de honras, de glórias e de êxitos. Na verdade, onde é que está a realização plena do homem? Quem tem razão: Deus, ou os esquemas humanos que hoje dominam o mundo e que nos impõem uma lógica diferente da lógica do Evangelho?
Por vezes somos tentados pelo desânimo, porque não percebemos o alcance dos esquemas de Deus; ou então, parece que, seguindo a lógica de Deus, seremos sempre perdedores e fracassados, que nunca integraremos a elite dos senhores do mundo e que nunca chegaremos a conquistar o reconhecimento daqueles que caminham ao nosso lado… A transfiguração de Jesus grita-nos, do alto daquele monte: não desanimeis, pois a lógica de Deus não conduz ao fracasso, mas à ressurreição, à vida definitiva, à felicidade sem fim.
Os três discípulos, testemunhas da transfiguração, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Representam todos aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens – mesmo contra a corrente – que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar o nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. A religião não é um ópio que nos adormece, mas um compromisso com Deus, que se faz compromisso de amor com o mundo e com os homens. in Dehonianos
Para os leitores:
A brevidade da primeira leitura não deve fazer descurar a sua preparação com uma atenção especial aos verbos no futuro que constituem a promessa de Deus a Abraão. Mais do que uma ordem, os verbos no imperativo constituem uma proposta que Deus faz a Abraão.
A segunda leitura, tal como é habitual no epistolário Paulino, apresenta frases longas que requerem uma especial atenção nas pausas e respirações.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Batizado no Jordão, tentado no deserto, mas Vitorioso, Jesus começou a executar o seu programa filial batismal que tem por meta a Cruz Gloriosa (Batismo consumado!) em que nós somos por Ele batizados com o fogo e com o Espírito Santo (sempre o luminoso texto de Lucas 12,49-50). Entre o Jordão e a Cruz Gloriosa aí está Hoje, Domingo II da Quaresma, o episódio da Transfiguração (Mateus 17,1-9) – Luz incriada e inacessível (Mateus 17,2; cf. Salmo 104,2; 1 Timóteo 6,16) que investe a Humanidade de Jesus: experiência momentânea da Ressurreição –, mediante a qual o Pai confirma o Filho na sua missão filial batismal, já iniciada, mas ainda não consumada. Que a Transfiguração deve ser vista à luz da Ressurreição, fica bem patente no dizer das Igrejas do Oriente que chamam à Festa da Transfiguração, que se celebra no dia 6 de agosto, «a Páscoa do verão». Mas está também claro na ordem taxativa de Jesus ao descer do monte: «A ninguém digais esta visão até que o Filho do Homem seja Ressuscitado dos mortos» (Mateus 17,9).
Jesus impõe, portanto, na nossa pauta musical, pausa e bemol. Não podemos dizer a Transfiguração do Senhor, antes da Ressurreição do Senhor. E não podemos, porque não sabemos. E não sabemos, porque é só o Ressuscitado que faz vir o Espírito Santo sobre nós. Veja-se a lição do Livro dos Atos dos Apóstolos: «Este Jesus, Deus o Ressuscitou, e disto todos nós somos testemunhas. Exaltado à direita de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou-o, e é o que vedes e ouvis» (2,32-33). E o comentário preciso e precioso do narrador às palavras que Jesus acabava de proferir: «Isto disse do Espírito que haviam de receber os que tinham acreditado n’Ele, pois não havia ainda Espírito [para nós], porque Jesus ainda não tinha sido glorificado» (João 7,39). Pausa e bemol, porque importa que não sejamos nós a falar. Importa que seja o Espírito Santo a falar em nós. Toda a atenção, neste sentido, para o grande dizer de Jesus: «Quando vos entregarem, não vos preocupeis com ou como falais (laléô). Ser-vos-á dado naquela hora o que falar (laléô). Na verdade, não sois vós que falais (laléô), mas será o Espírito do vosso PAI que falará (laléô) em vós» (Mateus 10,19-20).
A tradição situa o «monte alto», que abre o episódio da Transfiguração (Mateus 17,1), no Tabor, um monte de forma arredondada que se ergue nos seus 582 metros no meio da planície galilaica de Jesrael ou Esdrelon. No sopé do Tabor ainda hoje se encontra a aldeia palestiniana de Daburiyya, cujo eco evoca a personagem bíblica mais importante desta região, a profetisa Débora. As Igrejas do Oriente conhecem este episódio da Transfiguração por «Metamorfose» (Metamórphôsis), a partir das palavras do texto: «E transformou-se (metemorphôthê) diante deles [= Pedro, Tiago e João], e resplandeceu o seu rosto como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz» (Mateus 17,2). O branco é a cor divina. E a luz é o seu vestido, conforme o dizer do Salmo 104,2: «Vestido de Luz como de um manto». E, nesse cone de luz, o Apóstolo exorta-nos: «Caminhai como filhos da luz», e lembra-nos que «o fruto da luz é toda a bondade, justiça e verdade» (Efésios 5,8 e 9).
Batizado para a Cruz Gloriosa, Confirmado para a Cruz Gloriosa. As mesmas palavras do Pai no Batismo e na Transfiguração / Confirmação: «o Filho Meu», «o Amado» (Mateus 3,17; 17,5), agora seguidas pelo imperativo «Escutai-o!», dirigido a todos os discípulos: Jesus é também o «Profeta novo», como Moisés, prometido em Deuteronómio 18,15-18. Testemunham a cena grandiosa da Transfiguração / Confirmação três discípulos – como dispunha a Lei antiga: duas ou três testemunhas (Deuteronómio 17,6) –, os quais são igualmente confirmados para a sua missão futura (após a Ressurreição com a dádiva do Espírito) de dar testemunho d’Ele. Aparecem Moisés e Elias que falam com Jesus Transfigurado / Ressuscitado: é para Ele que aponta todo o Antigo Testamento! As «Escrituras», Moisés, todos os Profetas e os Salmos, falam acerca d’Ele! (Lucas 24,27 e 44; João 5,39 e 46; Atos dos Apóstolos 10,43). É o «Segundo as Escrituras» que os discípulos também devem testemunhar. Pedro, sempre ele, em nome dos discípulos de então e de sempre, tenta impedir Jesus de prosseguir a sua missão filial batismal até à Cruz: «Senhor, bom é estarmos AQUI… Levantarei AQUI três tendas» (Mateus 17,4). AQUI significa deter-se no provisório, no preliminar e no penúltimo, e recusar caminhar para o definitivo e o último! Marcos 9,6 e Lucas 9,33 anotam criteriosamente que «não sabia o que dizia». Não sabia, porque ainda não tinha sido batizado com o Espírito Santo e com o fogo; quando o for, saberá também ele, discípulo fiel, batizado / confirmado, levar por diante a missão filial batismal em que foi investido, e dará testemunho até ao sangue.
A Ressurreição é a Transfiguração tornada permanente, eterna. Todos os batizados / confirmados estão destinados à mesma Ressurreição / Transfiguração do Senhor: a Divinização.
A lição do Livro do Génesis (12,1-4) abre diante de nós o caminho novo já apontado no Evangelho: «VAI para ti (lek-leka), do teu país, da tua parentela e da casa do teu pai, para o país que Eu te farei ver» (Génesis 12,1). Com este imperativo, Deus põe em marcha Abraão e a inteira história da salvação que se lhe segue. «E Abraão partiu» (Génesis 12,4). Com este gesto esplendorosamente mudo, Abraão comprometeu-se e comprometeu-nos a nós também. Abraão arrasta consigo a história toda. Ele parte (e a história com ele) em direção a Jesus Cristo, que é a sua verdadeira descendência (Gálatas 3,16). Abraão viu-O e saudou-O de longe (Hebreus 11,13), cheio de alegria (João 8,56). A sua meta é clara e define e alumia a sua estrada que até lá conduz e em que caminha Abraão, fazendo assim dele também antecipadamente «filho da Luz». Abraão não se despede do passado, e faz ao futuro um aceno de esperança e de alegria. São tão simples, tão novos e tão decididos os gestos e os passos de Abraão! Talvez devamos mesmo seguir o conselho de Isaías, o profeta: «Olhai para Abraão, vosso Pai» (Isaías 51,2). E partir com ele DAQUI, do provisório, do preliminar, do penúltimo, ao encontro de Jesus Cristo Ressuscitado.
Movido pela Palavra de Deus, único verdadeiro motor da sua vida, Abraão parte do seu país e da casa do seu pai. Mas não se trata apenas de uma viagem no mapa. Não é meramente da ordem da geografia. É sobretudo da ordem suprema da pessoa e da liberdade. Note-se bem que o texto não diz simplesmente: «VAI (lek) do teu país», mas «VAI para ti (lek-leka) do teu país», especialíssima locução que a gramática hebraica classifica como «dativo ético». Viagem diferente, que implica um trabalho de casa, dentro da própria casa, dentro da própria pessoa, trabalho de libertação para a liberdade, até nos fazermos verdadeiramente livres, abertos, disponíveis, acolhidos, acolhedores, abençoados, abençoadores.
É ainda nesse sentido que Abraão é chamado «o hebreu» (ha-‘ibrî) (Génesis 14,13). ‘ibrî reporta-se a ‘eber, que significa «margem». Ele vem da «outra margem do Rio» (Josué 24,3). Mas reporta-se também a ‘abar, que significa «passar», «atravessar», «ir além de», «converter-se», «abrir uma passagem», «transferir», o que implica um movimento ao mesmo tempo objetivo e subjetivo, ativo e passivo. Abraão é o homem que atravessa fronteiras, mas é sobretudo o homem que se atravessa a si mesmo. Viajante transitivo e intransitivo.
E o Apóstolo testemunha (2 Timóteo 1,8-10) que o mesmo Deus que chamou Abraão, também nos chamou a nós (2 Timóteo 1,9). Por pura graça. Para dar testemunho do Evangelho e participar na sua vida. Por isso, tal como Abraão, também Paulo saiu do passado e correu para o futuro (Filipenses 3,13). E quer agora empenhar nesta «corrida» o seu discípulo Timóteo. E a nós também. Contra a contínua tentação de querermos ficar AQUI, no provisório, no preliminar, no penúltimo, como Pedro (Evangelho) e todos os discípulos (Atos dos Apóstolos 1,11).
Enfim, o Salmo 33, que hoje cantamos, é um verdadeiro «canto novo» (shîr hadash) a fazer vibrar as fibras do nosso coração. Mas é também música sem palavras (terûʽah) (v. 2), jubilação, exultação, lalação de radical confiança da criança que em nós sorri e dança, porque Deus vela por nós. Comenta Santo Agostinho: «Já sabes o que é o canto novo: um homem novo, um canto novo».
A Quaresma é uma estrada
Entrecortada
Por estações de serviço de paz e de perdão,
Uma avenida
Florida
De oração,
Uma praça
De graça
E contemplação.
A Quaresma é uma escada,
Que do céu desce,
Trazendo até nós a mão de Deus,
E ao céu se eleva,
Levando até Deus a nossa prece.
A Quaresma é um caminho
Direitinho
Ao coração.
É preciso limpá-lo
De todo o lixo acumulado.
É preciso entregá-lo a Deus,
Limpo e cultivado.
Senhor desta estrada deserta,
Que vai de Jerusalém a Gaza,
Conduz os meus passos
Até ao limiar da tua casa.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo II do Tempo da Quaresma – Ano A – 05.03.2023 (Gen 12, 1-4a)
- Leitura II – Domingo II do Tempo da Quaresma – Ano A – 05.03.2023 (2 Tim 1, 8b-10)
- Domingo II do Tempo da Quaresma – Ano A – 05.03.2023 – Lecionário
- Domingo II do Tempo da Quaresma – Ano A – 05.03.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo I da Quaresma – Ano A – 26.02.2023
10Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, pois está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a Ele prestarás culto.» Mt 4, 10
Viver a Palavra
«A liberdade é o maior [dom]. Deus cria o homem livre e respeita-lhe a liberdade. Chama feliz àquele que pode fazer o mal e não o faz; ao que pode transgredir e não transgride» (Venerável Padre Américo Aguiar). A verdadeira liberdade, como afirma o Pai Américo, nasce da exigente tarefa de discernir, optar e decidir pelo caminho do bem, da verdade e da justiça. Ninguém é livre pelo caminho da mentira, pois o mal escraviza-nos e impede-nos de experimentar a verdadeira realização e felicidade.
Fomos criados pelo amor misericordioso de Deus, que nos formou do pó da terra e nos moldou com as Suas mãos, soprou em nós o Seu hálito de ternura e de bondade, para que possamos participar da Sua vida divina. Como recordamos na celebração de Quarta-Feira de Cinzas com que damos início ao Tempo da Quaresma, somos pó da terra, criatura frágil e débil, mas pó amado por Deus e sustentado pelas Suas mãos ternurentas que não cessam de moldar a nossa vida. Contudo, Deus não se impõe, mas tudo propõe.
Deus quer-nos verdadeiramente livres e, para isso, dota-nos de liberdade para podermos escolher o caminho a seguir, mas adverte-nos diante do perigo como fez com Adão e Eva: «podemos comer o fruto das árvores do jardim; mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus avisou-nos: ‘Não podeis comer dele nem lhe tocar, senão morrereis». Apesar da indicação dada por Deus, cabe ao homem e à mulher decidir se comerão ou não do fruto da árvore que está no meio do jardim. Na verdade, discernir e decidir são experiências humanas exigentes, mas absolutamente necessárias para uma vida mais feliz. Ao longo do nosso caminho são muitas as ocasiões onde temos de tomar decisões e nem sempre entre algo bom e algo mau, pois se assim fosse, aparentemente pareceria mais fácil. Decidir significa tomar uma opção, arriscar um caminho e renunciar, deixando algo para trás.
À luz do Evangelho deste Domingo, diríamos que somos permanentemente expostos à tentação, que implica uma decisão pronta e ousada, capaz de romper com o mal que nos afasta de Deus e dos irmãos. Tal como Jesus, também nós somos tentados, mas conscientes que é o Espírito Santo que nos conduz aos desertos exigentes e dramáticos da história: será Ele a iluminar o caminho que somos chamados a trilhar. As tentações são uma ocasião fundamental na nossa vida, pois são a oportunidade de voltar a escolher Deus e o Seu infinito amor. Três vezes tentado pelo diabo, por três vezes Jesus renova a Sua fidelidade ao Pai. Ser tentado é ser colocado à prova exigente de voltar a escolher Deus, de renovar o nosso desejo de O seguir, sustentados pela Sua Palavra.
É certo que pela nossa fragilidade muitas vezes nos afastamos do projeto que Deus tem para nós e diante de escolhas exigentes optamos pelo mal e pelo que divide. Contudo, este não é um caminho sem saída, pois «se pelo pecado de um só todos pereceram, com muito mais razão a graça de Deus, dom contido na graça de um só homem, Jesus Cristo, se concedeu com abundância a todos os homens».
Tempo de Quaresma é tempo de conversão, tempo de transformação do coração, uma oportunidade para voltar a escolher Deus e o Seu amor. Que ao longo deste tempo, a leitura frequente e atenta da Palavra de Deus nos ajude a recentrar a vida, a estabelecer prioridades e a descobrir a verdadeira felicidade, que se experimenta pelo amor recebido e oferecido, pela prática da misericórdia e do perdão.in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
«Abraça o presente da Páscoa: é Cristo vivo. Agarrado a Ele, viverás»: este é o tema e o lema que nos acompanhará na caminhada diocesana durante o Tempo da Quaresma e da Páscoa. Deste modo, ao iniciar este tempo favorável e oportuno para a conversão e a renovação da vida é importante apontar quais as ferramentas necessárias para viver melhor este tempo. O diretório litúrgico recorda que se deve «lembrar aos fiéis que, em união com a Paixão do Senhor e em espírito de penitência mais visível, nas sextas-feiras da Quaresma se deve escolher uma alimentação simples e pobre, que poderá concretizar-se na abstenção de carne. Lembrar-lhes também a finalidade das Renúncias Quaresmais deste ano, proposta pelo Bispo da Diocese». Além disso, deve também recordar-se as atitudes fundamentais características deste tempo da Quaresma – jejum, oração e esmola – que ajudam a promover o espírito de verdadeira conversão.
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Gen 2,7-9; 3,1-7
«O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, insuflou em suas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivo».
Ambiente
O texto de Gn 2,4b-3,24 – conhecido como relato jahwista da criação – é, de acordo com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante, colorido, pitoresco. Parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes.
Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Jahwéh. Trata-se, portanto, de uma página de catequese e não de um tratado destinado a explicar cientificamente as origens do mundo e da vida.
Para apresentar essa catequese aos homens do séc. X a.C., os teólogos jahwistas utilizaram elementos simbólicos e literários das cosmogonias mesopotâmicas (por exemplo, a formação do homem “do pó da terra” é um elemento que aparece sempre nos mitos de origem mesopotâmicos); no entanto, transformaram e adaptaram os símbolos retirados das narrações lendárias de outros povos, dando-lhes um novo enquadramento, uma nova interpretação e pondo-os ao serviço da catequese e da fé de Israel. Ou seja: a linguagem e a apresentação literária das narrações bíblicas da criação apresentam paralelos significativos com os mitos de origem dos povos da zona do Crescente Fértil; mas as conclusões teológicas – sobretudo o ensinamento sobre Deus e sobre o lugar que o homem ocupa no projeto de Deus – são muito diferentes.in Dehonianos.
Considerar, na reflexão, os seguintes elementos:
De onde vimos? Para onde vamos? Porque é que estamos aqui? Qual o sentido da nossa vida? São perguntas eternas, que o homem de todos os tempos coloca a si próprio. A Palavra de Deus que hoje nos é proposta responde: é Deus a nossa origem e o nosso destino último. Não somos um minúsculo e insignificante grão de areia perdido numa galáxia qualquer; mas somos seres que Deus criou com amor, a quem Ele deu o seu próprio “sopro”, a quem animou com a sua própria vida. O fim último da nossa existência não é o fracasso, a dissolução no nada, mas a vida definitiva, a felicidade sem fim, a comunhão plena com Deus.
Como é que chegamos a essa felicidade que está inscrita no projeto que Deus tem para os homens e para o mundo? Deus nada impõe e respeita sempre – de forma absoluta – a nossa liberdade; no entanto, insiste em mostrar-nos, todos os dias, o caminho para essa plenitude de vida que Ele sonhou para os homens. Quando aceitamos a nossa condição de criaturas e reconhecemos em Deus esse Pai que nos dá vida, que nos ama e que nos indica caminhos de realização e de felicidade, construímos uma existência harmoniosa, um “paraíso” onde encontramos vida, harmonia, felicidade e realização.
E o mal que vemos, todos os dias, tornar sombria e deprimente essa “casa” que é o mundo: vem de Deus ou do homem? A Palavra de Deus responde: o mal nunca vem de Deus; o mal resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo e autossuficiência. Quando o homem escolhe viver orgulhosamente só, ignorando as propostas de Deus e prescindindo do amor, constrói cidades de egoísmo, de injustiça, de prepotência, de sofrimento, de pecado… Quais os caminhos que eu escolho? As propostas de Deus fazem sentido e são, para mim, indicações seguras para a felicidade, ou prefiro ser eu próprio a fazer as minhas escolhas, prescindindo das indicações de Deus? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 50 (51)
Refrão: Pecámos, Senhor: tende compaixão de nós.
LEITURA II – Rom 5,12-19
«Como pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, todos se tornarão justos».
Ambiente
No final da década de 50 (a Carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), multiplicavam-se as “crises” entre os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão. Uns e outros tinham perspetivas diferentes da salvação e da forma de viver o compromisso com Jesus Cristo e com o seu Evangelho. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei (nomeadamente a prática da circuncisão) para ter acesso à salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão “quente”, que ameaçava a unidade da Igreja. Este problema também era sentido pela comunidade cristã de Roma.
Neste cenário, Paulo vai mostrar a todos os crentes (a Carta aos Romanos, mais do que uma carta para a comunidade cristã de Roma, é uma carta para as comunidades cristãs, em geral) a unidade da revelação e da história da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a todos, por Jesus Cristo.
O texto que nos é proposto faz parte da primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom 11,18-11,36). Depois de demonstrar que todos (judeus e não judeus) vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a justiça de Deus que a todos salva, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo ensina que é através de Jesus Cristo que a vida de Deus chega aos homens e que se faz oferta de salvação para todos (cf. Rom 5,12-8,39). in Dehonianos.
Considerar os seguintes desenvolvimentos:
A modernidade ensinou-nos que a fonte da salvação não é Deus, mas o homem e as suas conquistas. Disse-nos que as propostas de Deus são resquícios de uma época pré-científica, obscurantista, ultrapassada, e que a plenitude da vida está no corte radical com qualquer autoridade exterior à nossa Razão – inclusive com Deus. Exaltou o individualismo e a autossuficiência e ensinou-nos que só nos realizaremos totalmente se formos nós – orgulhosamente sós – a definir o nosso caminho e o nosso destino. No entanto, onde nos leva esta cultura que prescinde de Deus e das suas sugestões? A cultura moderna tem feito surgir um homem mais feliz, ou tem potenciado o aparecimento de homens perdidos e sem referências, que muitas vezes apostam tudo em propostas falsas de salvação e que saem dessa experiência de busca mais fragilizados, mais dependentes, mais alienados?
Alguns acontecimentos que marcam a história do nosso tempo confirmam que uma história construída à margem das propostas de Deus é uma história marcada pelo egoísmo, pela injustiça, pela prepotência e, portanto, é uma história de sofrimento e de morte. Quando o homem deixa de dar ouvidos a Deus, dá ouvidos ao lucro fácil, destrói a natureza, explora os outros homens, torna-se injusto e prepotente, sacrifica em proveito próprio a vida dos seus irmãos… Qual é o nosso papel de crentes, neste processo? O que podemos fazer para que Deus volte a estar no centro da história e a as suas propostas sejam acolhidas? in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 4,1-11
«Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo».
«Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães».
«Então o Diabo deixou-O, e aproximaram-se os Anjos e serviram-n’O».
Ambiente
A cena das tentações antecede, em Mateus (e nos outros Sinópticos), a vida pública de Jesus. A cena segue-se imediatamente – quer em termos cronológicos, quer em termos lógicos – ao Batismo (cf. Mt 3,13-17): porque recebeu o Espírito (batismo), Jesus pode afrontar e vencer a tentação de uma proposta de atuação messiânica que o convida a subverter a proposta do Pai.
A cena coloca-nos no deserto. Mateus diz explicitamente que “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo demónio”. Os quarenta dias e quarenta noites que, de acordo com o relato, Jesus aí passou, resumem os quarenta anos que Israel passou em caminhada pelo deserto. O deserto é, no imaginário judaico, o lugar da “prova”, onde os israelitas experimentaram, por diversas vezes, a tentação do abandono de Jahwéh e do seu projeto de libertação (embora seja, também, o lugar do encontro com Deus, o lugar da descoberta do rosto de Deus, o lugar onde o Povo fez a experiência da sua fragilidade e pequenez e aprendeu a confiar na bondade e no amor de Deus). Será que a história se vai repetir, que Jesus vai ceder à tentação e dizer “não” ao projeto de Deus – como aconteceu com os israelitas?
O relato que hoje nos é proposto não é, contudo, uma reportagem histórica elaborada por um jornalista que presenciou um combate teológico entre Jesus e o diabo, algures no deserto… É, sim, uma página de catequese, cujo objetivo é ensinar-nos que Jesus, apesar de ter sentido – como nós – a mordedura das tentações, soube pôr acima de tudo o projeto do Pai.
O relato de Mateus (bem como o de Lucas) parte, sem dúvida, do relato – muito mais breve – de Marcos (cf. Mc 1,12-13); mas o texto que hoje nos é proposto amplia o relato original de Marcos, com um diálogo entre Jesus e o diabo, feito de citações do Antigo Testamento (sobretudo do livro do Deuteronómio). in Dehonianos.
A reflexão e a partilha poderão ter em conta os seguintes dados:
A questão essencial que a Palavra de Deus hoje nos propõe é, portanto, esta: Jesus recusou, de forma absoluta, conduzir a sua vida à margem de Deus e das suas propostas. Para Ele, só uma coisa é verdadeiramente decisiva e fundamental: a comunhão com o Pai e o cumprimento obediente do seu projeto… E nós, seguidores de Jesus? É essa também a nossa perspetiva? O que é que é decisivo na minha vida: as propostas de Deus, ou os meus projetos pessoais?
Quando o homem esquece Deus e as suas propostas, e se fecha no egoísmo e na autossuficiência, facilmente cai na escravidão de outros deuses que, no entanto, estão longe de assegurar vida plena e felicidade duradoura. Quais são os deuses que, hoje, dominam o horizonte desse homem moderno que prescindiu de Deus? Quais são os deuses que estão no centro da minha própria vida e que condicionam as minhas decisões e opções?
Deixar-se conduzir pela tentação dos bens materiais, do acumular mais e mais, do subordinar toda a vida à lógica do “ter mais”, é seguir o caminho de Jesus? Olhar apenas para o seu próprio conforto e comodidade, fechar-se à partilha e às necessidades dos outros, pagar salários de miséria e malbaratar fortunas em noitadas de jogo ou em coisas supérfluas… é seguir o exemplo de Jesus?
Usar Deus ou os seus dons para saciar a nossa vaidade, para promover o nosso êxito pessoal, para brilhar, para dar espetáculo, para levar os outros a admirar-nos e a bater-nos palmas… é seguir o exemplo de Jesus?
Procurar o poder a todo o custo (às vezes, entregando ao diabo os nossos valores mais importantes e as nossas convicções mais sagradas) e exercê-lo com prepotência, com intolerância, com autoritarismo (quantas vezes humilhando e magoando os pobres, os débeis, os humildes) … é seguir o exemplo de Jesus? in Dehonianos
Para os leitores:
Na preparação da primeira leitura deve ter-se em atenção a presença do discurso direto com frases interrogativas. A leitura de uma frase interrogativa deve fazer-se acentuando a partícula interrogativa ou o verbo presente na frase e não acentuando apenas o final da frase.
A segunda leitura, tal como já nos habituamos no epistolário paulino, devido às frases longas com diversas orações, requer uma acurada preparação na articulação do texto, assinalando as pausas e respirações
I Leitura
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Só secundariamente a Quaresma «prepara» para a Ressurreição do Senhor. Na verdade, todos os «Tempos» e todos os Domingos do Ano Litúrgico, portanto, também a Quaresma e os seus Domingos, estão depois da Ressurreição e por causa da Ressurreição. E é só sob a intensa luz do Senhor Ressuscitado com o Espírito Santo (Batismo consumado: Lucas 12,49‑50) que a Igreja – e cada um de nós – pode celebrar autenticamente a sua fé, proceder à correta «leitura» das Escrituras e encetar a «caminhada» quaresmal. Neste sentido, todos os batizados são chamados a refazer com Cristo batizado o seu programa batismal, cujo conteúdo e itinerário conhecemos: desde o Batismo no Jordão, passando pela Transfiguração / Confirmação no Tabor, até à Cruz e à Glória da Ressurreição (Batismo consumado!), escutando / anunciando sempre e cada vez mais intensamente o Evangelho do Reino e fazendo sempre e cada vez mais intensamente as «obras» do Reino (Atos dos Apóstolos 10,37-43: texto emblemático); os catecúmenos, acompanhados sempre pela Assembleia dos batizados, «preparam‑se» intensamente para a Noite Pascal Batismal, início e meta da vida cristã.
A Igreja Santa, toda Batizada e Crismada, sabe bem que é dali, daquela Cruz Santa e Gloriosa, e da enxurrada de Vida Nova, Ressuscitada, da dádiva do Espírito que dela jorra, que nos é oferecida a «consumação» (teleíôsis) (cf. João 19,28-30), o cumprimento, a chegada à perfeição da nossa vida, deste segmento de tempo que, por graça, nos é dado viver.
O Evangelho deste Domingo I da Quaresma oferece-nos o episódio das Tentações de Jesus (Mateus 4,1-11). Batizado com o Espírito Santo, e declarado por Deus publicamente: «Este é o Filho meu, o Amado, em quem me comprazo» (Mateus 3,16). Note-se bem que, em Mateus, o dizer do Pai é para nós, pois fala em 3.ª pessoa: «Este é o Filho meu, o Amado, em quem me comprazo». De modo diferente, em Marcos e em Lucas, o dizer do Pai é para Jesus, pois fala em 2.ª pessoa: «Tu és o Filho meu, o Amado, em ti me comprazo» (Marcos 1,11; Lucas 3,22).
Jesus é conduzido pelo Espírito Santo para o deserto (Mateus 4,1). Note-se bem que este «deserto» bíblico não se ajusta ao que dizem os dicionários ou enciclopédias. Até contradiz esses dizeres. Na verdade, não é um lugar geográfico, mas teológico, pois é apresentado com muita água (João 3,23) cumprindo Isaías 35,6-7, 41,18 e 43,19-20, com árvores (canas) (Mateus 11,7; Lucas 7,24) e relva verde (Marcos 6,39) cumprindo Isaías 35,1 e 7 e 41,19. É um lugar provisório e preliminar, preambular, longe do que é nosso, onde se está «a céu aberto» com Deus, onde troará a voz do seu mensageiro (Isaías 40,3), de João Batista (Mateus 3,1-3), do próprio Messias segundo uma tradição judaica recolhida em Mateus 24,26. O deserto é o lugar onde se pode começar a ver a «obra» nova de Deus (Isaías 43,19). Mas é um lugar provisório, onde estamos de passagem, e não definitivo, para se habitar lá (à maneira dos Essénios). Sendo um lugar provisório e de passagem, aponta para o definitivo, que é a Terra Prometida, onde Deus fará habitar e descansar o seu povo fiel. Este deserto é uma metáfora da nossa vida, onde sabemos que estamos de passagem. O deserto é todo igual: não tem pontos de referência nem marcos de sinalização. Quer dizer que só podemos prosseguir rumo à Terra Prometida e à Vida verdadeira, se tivermos um bom guia. Aí está o deserto como lugar onde temos de saber escutar a «Voz do fino silêncio» de Deus e ler o mapa da sua Palavra.
Por 40 dias e 40 noites Jesus jejuou (Mateus 4,2). 40 é simbolicamente o tempo de uma geração, de uma vida. Jesus jejuou, portanto, a vida toda. Modelo para nós. E o que é que significa jejuar? Jejuar é fazer pausa e pôr bemol na nossa maneira habitual de viver, até compreender que tudo o que está na minha mesa, mãos, pés, inteligência, entranhas, coração, é dom de Deus, não apenas para mim, mas para nós, todos filhos de Deus e, portanto, todos irmãos. A alegria da partilha. Os dons são para partilhar, não para usurpar.
É assim que as tentações diabólicas pretendem atingir Jesus na sua condição filial batismal, separando-o de Deus e dos irmãos, não fosse o diabo, diá-bolos, o máximo «divisor» ou «separador» comum. É, portanto, na sua condição de batizado, isto é, de Filho de Deus, que Jesus é tentado. Na verdade, toda a tentação, a de Jesus Cristo como a nossa, começa sempre da mesma maneira: «Se és o Filho de Deus…». Atente-se em como se repete nos mesmos termos sob a Cruz (Mateus 27,39-44), também por três vezes, em três vagas, sendo aqui os tentadores os transeuntes, os chefes dos sacerdotes e os ladrões. Portanto, sempre. Do Batismo até à Morte, a tentação visa afastar-nos de Deus e dos seus dons, e pôr-nos ao serviço do «deus deste mundo» (2 Coríntios 4,4; cf. João 12,31). Veja-se a última oferta do Tentador do Evangelho de hoje: «todos os reinos deste mundo» em troca do afastamento de Deus (Mateus 4,8-9). E a resposta decidida de Jesus: «Vai-te, Satanás!» (Mateus 4,10).
Leem-se também hoje dois bocadinhos do Livro do Génesis 2,7-9 e 3,1-7. O homem de todos os tempos e de todos os lugares, nós também, modelado pelas mãos puras de Deus e acariciado com um «beijo de Deus» – é assim que os rabinos interpretam aquele sopro de Deus no rosto do homem (Génesis 2,7) –, cedeu à tentação, afastando-se do Bom Deus Criador e aderindo aos «deuses deste mundo», aqui simbolizados na cobra, animal que anda rente ou por dentro da terra, a grande deusa-mãe, comungando da sua vitalidade, e tornando-se, por isso, em símbolo do culto da fertilidade, fecundidade e vitalidade em todo o Médio Oriente Antigo e ainda hoje no nosso mundo: vejam-se os painéis que assinalam as portas das farmácias, ostentando uma cobra enrolada numa árvore verde! Está diante de nós o orgulho do homem de todos os tempos, que não quer ser dependente e contingente, que é a condição da criatura boa que se recebe sempre do Deus Criador, mas quer ser autónomo e independente, senhor tirânico e prepotente, como os deuses dos mitos mesopotâmicos ou gregos. Admirável contraponto do Evangelho de hoje.
No grande texto da Carta aos Romanos 5,12-19, S. Paulo repete que somos pecadores, pois todos nos podemos ver em Adão como em um espelho. Mas agora, insiste Paulo, é tempo de vermos a nossa vida à luz de Cristo, com Cristo, em Cristo, para Cristo. Fixamente, para não nos perdermos no caminho filial, fraternal, batismal. Onde abundou o pecado, superabundou a graça. É esta a Sabedoria que Paulo nos transmite.
Cantamos hoje o Salmo 51, a súplica penitencial por excelência, que constitui a ossatura espiritual de Agostinho, de Charles de Foucauld, de Joana D’Arc, que inspirou a pena de muitíssimos Padres da Igreja, e ecoa na música de Bach, Lulli, Donizetti, Honegger… Hoje é a nossa vez de nos sentarmos um pouco a trautear a música que nos atravessa e nos põe de pé. Está aqui a letra e a música do homem, de qualquer homem, de qualquer tempo, seja ele quem for, de que raça for, de que religião for. Deixo aqui, a fechar, as palavras altíssimas da grande mística muçulmana do século VIII, Rabiʽa, de seu nome: «Um homem disse a Rabiʽa: “Cometi muitos pecados e muitas transgressões; se me arrepender, Deus perdoar-me-á?”. Disse Rabiʽa: “Não. Tu arrepender-te-ás, se Ele te perdoar”» (I detti di Rabiʽa, XII, 2).
Ao entrarmos no tempo santo da Quaresma,
Devemos ter a coragem de atravessar a poeira dos caminhos
Intransitivos do nosso coração,
Isto é, de limpar as mentiras, ódios, raivas, violências, banalidades,
Que tantas vezes preenchem os nossos dias.
A Quaresma é tempo de nos expormos
Ao vendaval criador e purificador do Espírito,
Sem termos a pretensão de o querer transformar em ar condicionado.
Toma em tuas mãos, Senhor,
A nossa terra ardida.
Beija-a.
Sopra nela outra vez o teu alento,
A tua aragem,
E veremos nela outra vez impressa a tua imagem.
Tu sabes bem, Senhor, que somos frágeis.
Mas contigo por perto,
Seremos fortes e ágeis,
Capazes de abrir estradas no deserto,
A céu aberto.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo I da Quaresma – Ano A – 26.02.2023 (Gen 2, 7-9;3, 1-7)
- Leitura I – Domingo I da Quaresma (continuação)
- Leitura II – Domingo I da Quaresma – Ano A – 26.02.2023 (Rom 5,12.17-19)
- Leitura II – Domingo I da Quaresma (continuação)
- Domingo I da Quaresma – Ano A – Lecionário
- Domingo I da Quaresma – Ano A – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo VII do Tempo Comum – Ano A – 19.02.2023
43«Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. Mt 5, 43-44 ….. 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.» Mt 5, 48
Viver a Palavra
Quando se caminha sem uma meta, qualquer caminho serve e se não sabemos para onde ir, podemos tomar qualquer rumo, mas apenas andaremos a divagar na ausência de sentido, na busca de novas experiências e na procura insatisfeita de realização e felicidade. Zigmut Bauman, reconhecido sociólogo polaco, que apresenta uma interessante análise e interpretação do mundo em que vivemos, afirma que a nossa existência se pode inscrever sobre dois paradigmas: o turista ou o peregrino. O homem e a mulher contemporâneos, segundo ele, vivem muito mais a experiência do turista, na procura insatisfeita de tantos lugares a conhecer e explorar. Se a insatisfação, por um lado, oferece um estímulo a colocar-se a caminho, por outro lado, ela pode desembocar num caminho de frustração e angústia, porque somos incapazes de encontrar o nosso lugar e o nosso caminho.
A Liturgia da Palavra deste Domingo recorda-nos que como cristãos não caminhamos sem rumo, nem privados de uma meta a alcançar. Somos chamados à felicidade verdadeira que tem como nome a santidade: «sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo». Só Deus é santo, porque só Ele é perfeito no amor, mas na sua infinita misericórdia chama-nos a viver a comunhão com Ele, para que possamos saborear a alegria da santidade, a felicidade verdadeira que nasce do amor.
Ungidos pelo amor de Deus revelado em Jesus Cristo e derramado sobre nós pela força do Espírito Santo, somos chamados a percorrer com ousadia e perseverança a estrada da santidade e se vivemos como peregrinos rumo à perfeição não nos serve qualquer caminho. Assim, como qualquer sistema de navegação GPS configura a sua rota através de um ponto de partida e um ponto de chegada, também nós deveremos configurar a nossa vida caminhando entre aquilo que somos e o que o Senhor nos chama a ser.
Como cantamos no salmo deste Domingo, «o Senhor é clemente e cheio de compaixão». O Senhor conhece a nossa fragilidade e o nosso pecado, mas o seu nome é amor e misericórdia e, por isso, desafia-nos a ser mais e melhor a partir do Seu amor. Não caminhamos sozinhos a aventura da fé e a estrada da santidade não se constrói apenas confiados às nossas forças e capacidades. Como nos recorda S. Paulo, somos habitados pelo Espírito Santo que faz de nós verdadeiros templos e que nos assinala como pertença de Deus, em Jesus Cristo: «tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus».
Contudo, este caminho só será verdadeiramente cristão quando inscrevermos a nossa existência na radicalidade que Jesus nos propõe. As palavras de Jesus no Evangelho marcam uma ruptura com a nossa lógica humana de egoísmo e violência e abrem-nos à nova lógica do Reino: «ouvistes que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos». A radicalidade da proposta de Jesus aponta a medida alta da santidade como tarefa inacabada, como caminho dinâmico de crescimento e progresso. Neste itinerário, Deus não é um espectador que se limita a ver o nosso desempenho, mas precede-nos no caminho, espera-nos na meta e acompanha-nos na jornada.
Jesus aponta a radicalidade que deve ser marca característica da nossa vida cristã. Não basta uma justiça retributiva como a lei de talião, nem apenas não fazer o mal. É necessário responder ao mal e à violência com o amor que pode transformar o mundo e inaugurar uma etapa nova na espiral de violência e egoísmo onde tantas vezes se inscreve a existência humana. Amar os inimigos, fazer bem a quem nos faz mal, ser um rosto do amor e da misericórdia onde ela não existe e, por isso, é mais necessária, é o único caminho para sermos verdadeiramente filhos de Deus e viver com alegria e entusiasmo o convite à santidade. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No dia 22 de fevereiro, com a celebração da Quarta-Feira de Cinzas tem início o Tempo da Quaresma. Na nossa diocese, caminharemos com o tema: «Abraça o presente da Páscoa: é Cristo vivo. Agarrado a Ele, viverás.». Tal como afirma a introdução à caminhada quaresmal diocesana: «Pretende-se que esta proposta seja sobretudo mais um estímulo em ordem a fazer da reta final da preparação e da celebração da JMJ 2023 uma extraordinária oportunidade para o envolvimento e rejuvenescimento de toda a comunidade diocesana ousando novas propostas e respostas criativas às necessidades pastorais emergentes». As diversas propostas desta caminhada diocesana não devem ficar reduzidas ao contexto da celebração eucarística, mas ajudar os fiéis a redescobrir em Cristo Crucificado e Ressuscitado o nosso Presente pascal: Cristo vivo. Cada comunidade cristã deverá encontrar o modo de envolver todos os batizados nesta caminhada, criando dinamismos que não reduzam esta proposta ao ad intra da comunidade, mas que possa ser capaz de chegar aos que estão mais longe, ajudando-os a reavivar e a renovar a beleza do seu batismo e do seu compromisso cristão. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Lev 19,1-2.17-18
«Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo».
Ambiente
O Livro do Levítico (assim chamado porque trata de questões preferencialmente relacionadas com o culto, que era incumbência dos sacerdotes, considerados membros da tribo de Levi) apresenta-se como um discurso de Jahwéh, no qual este explica ao seu Povo o que deve fazer para viver sempre em comunhão com Deus. Apresenta um conjunto de leis, de preceitos, de ritos, quase sempre relacionados com o culto, que o Povo deve praticar, para viver como Povo de Deus. Fundamentalmente, o Levítico preocupa-se em instilar na consciência dos fiéis que a comunhão com o Deus vivo é a verdadeira vocação do homem.
O texto que nos é proposto pertence à quarta parte do Livro do Levítico (cf. Lv 17-26), conhecida como “lei da santidade”. O nome provém do refrão insistentemente repetido: “sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2; 20,7; 21,8; 22,16…).
Na teologia de Israel, Jahwéh é o Deus “santo”, quer dizer, transcendente, incomparável, inefável, inatingível, perfeito. Este Deus santo elegeu Israel, chamou-o, distinguiu-o entre todos os povos da terra, fez aliança com Ele. Introduzido na comunhão com Deus, Israel participa da santidade de Deus. É, portanto, um Povo à parte, separado dos outros, cuja vocação consiste na comunhão com o Deus santo.
Esta “eleição” conduz, necessariamente, à exigência de santidade: o Povo tem de viver de acordo com determinadas regras para manter esta comunhão de vida com Deus. Daí que o Levítico apresente as leis que devem orientar a vida do Povo, a fim de que ele possa manter-se na órbita do Deus santo e testemunhar a santidade de Deus no mundo.
Neste “código da santidade”, encontramos os temas mais diversos. Uma parte significativa das leis aqui propostas dizem respeito à vida cultual (cf. Lv 17-18; 21-22); mas outras dizem respeito à vida social (cf. Lv 19). in Dehonianos.
Para refletir:
“Sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou santo”. Porque é que o convite à santidade soa como algo de estranho para os homens de hoje? Porque uma certa mentalidade contemporânea vê os santos como extraterrestres, seres estranhos que pairam um pouco acima das nuvens sem se misturar com os outros seus irmãos e que passam ao lado dos prazeres da vida, ocupados em conquistar o céu a golpes de renúncia, de sacrifício e de longos trabalhos ascéticos… No entanto, a santidade não é uma anormalidade, mas uma exigência da comunhão com Deus. É o “estado normal” de quem se identifica com Cristo, assume a sua filiação divina e pretende caminhar ao encontro da vida plena, do Homem Novo. A santidade é algo que está no meu horizonte diário e que eu procuro construir, minuto a minuto, sem dramas nem exaltações, com simplicidade e naturalidade, na fidelidade aos meus compromissos?
Como o nosso texto deixa claro, ser santo não significa viver de olhos voltados para Deus esquecendo os homens; mas a santidade implica um real compromisso com o mundo. Passa pela construção de uma vida de verdadeira relação com os irmãos; e isso implica o banimento de qualquer tipo de agressividade, de vingança, de rancor; implica uma preocupação real com a felicidade e a realização do outro (“corrigirás o teu próximo”); implica amar o outro como a si mesmo. Tenho consciência de que não posso ser santo se o amor não se derramar dos meus gestos e das minhas palavras? Tenho consciência de que não posso ser santo se vivo fechado em mim mesmo, na indiferença para com os meus irmãos (ainda que reze muito)?
Para que a santidade não seja uma miragem, temos de ter o cuidado de viver num contínuo processo de conversão, que elimine do nosso coração as raízes do mal, responsáveis pelo egoísmo, pelo ódio, pela injustiça, pela exploração. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)
Refrão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.
LEITURA II – 1 Cor 3,16-23
«Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus».
Ambiente
Continuamos no contexto da comunidade cristã de Corinto. Depois de apresentar a “sabedoria de Deus”, revelada em Jesus Cristo (sobretudo através da “loucura da cruz”) e oferecida aos homens (cf. 1 Cor 1,18-2,16), Paulo constata que os coríntios ainda não acolheram essa sabedoria: mantêm-se na dimensão do homem carnal (isto é, do homem fraco, limitado, pecador, escravo das suas paixões e apetites), imaturos na fé; cultivam as divisões e os conflitos, em flagrante contradição com o que Jesus lhes ensinou; correm atrás de mestres humanos como se eles tivessem a chave da felicidade e da realização plena, esquecendo que, por detrás de Paulo ou de Apolo, está Deus (cf. 1 Cor 3,1-15). Ao viverem, ainda, de acordo com a “sabedoria do mundo”, os coríntios estão a ser infiéis à sua vocação: não dão testemunho de Deus e não o tornam presente no mundo. in Dehonianos.
Para refletir:
Os cristãos são Templo de Deus, onde reside o Espírito. Isso quer dizer, em concreto, que, animados pelo Espírito, eles têm de ser o sinal vivo de Deus e as testemunhas da sua salvação diante dos homens do nosso tempo. O testemunho que damos, pessoalmente, fala de um Deus cheio de amor e de misericórdia, que tem um projeto de salvação e libertação para oferecer – sobretudo aos pobres e marginalizados, aqueles que mais necessitam de salvação? No nosso ambiente familiar, no nosso espaço de trabalho, no nosso círculo de amigos, somos o rosto acolhedor e alegre de Deus, as mãos fraternas de Deus, o coração bondoso e terno de Deus?
A nossa comunidade paroquial ou religiosa é uma comunidade fraterna, solidária, e que dá testemunho da “loucura da cruz” com gestos concretos de amor, de partilha, de doação, de serviço, ou é uma comunidade fragmentada, dividida, cheia de contradições, onde cada membro puxa para o seu lado, ao sabor dos interesses pessoais?
O que é que preside à minha vida: a “sabedoria de Deus” que é amor e dom da vida, ou a “sabedoria do mundo”, que é luta sem regras pelo poder, pela influência, pelo reconhecimento social, pelo bem-estar económico, pelos bens perecíveis e secundários? in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 5,38-48
«Ouvistes que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos»
«Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus».
«sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito».
Ambiente
Continuamos com o “discurso da montanha” e com a apresentação da “nova Lei” que deve conduzir a caminhada cristã.
Vimos, no passado domingo, como Mateus estava preocupado em definir, para os cristãos vindos do judaísmo, a relação entre Cristo e a Lei de Moisés. Os cristãos continuam obrigados a cumprir a Lei de Moisés? Jesus não aboliu a Lei antiga? O que há de verdadeiramente novo na mensagem de Jesus?
A perspetiva de Mateus é que Jesus não veio abolir a Lei, mas levá-la à plenitude. No entanto, considera Mateus, a Lei tornou-se um conjunto de prescrições que são cumpridas mecanicamente, dentro de uma lógica casuística que, tantas vezes, não tem nada a ver com o coração e com a vida. É preciso que a Lei deixe de ser um conjunto de preceitos externos a cumprir para conquistar a salvação, para se tornar expressão de um verdadeiro compromisso com Deus e com o “Reino”.
Vimos como Mateus apresentava um conjunto de exemplos, destinados a tornar mais clara e concreta esta perspetiva. Dos seis exemplos apresentados por Mateus, quatro apareceram no Evangelho do passado domingo; para hoje, ficam os dois últimos exemplos dessa lista.in Dehonianos.
Para refletir:
Este Evangelho recorda-me que, ao aceitar o desafio de viver em comunhão com Deus, eu sou chamado a dar testemunho da vida de Deus diante de todos os meus irmãos e a ser um sinal vivo de Deus, do seu amor, da sua perfeição, da sua santidade, no meio do mundo. Aceito esse desafio e estou disposto a corresponder-lhe?
A leitura que nos foi proposta coloca, mais uma vez, como cenário de fundo, as exigências do compromisso com o “Reino”. Sugere que viver na dinâmica do “Reino” implica, não o cumprimento de ritos ou de leis, mas uma atitude nova, revolucionária, que resulta de um compromisso interior com Deus verdadeiramente assumido, e manifestado em atitudes concretas. Exige a superação de uma religião feita de leis, de códigos, de ritos, de gestos externos e o viver em comunhão com Deus, de tal forma que a vida de Deus encha o coração do crente e transborde em gestos de amor para com os irmãos. O que é que define a minha atitude religiosa: o cumprimento dos ritos, a letra da lei, ou a comunhão com Deus que enche o meu coração de vida nova e que depois se expressa em atitudes de amor radical para com os irmãos?
Jesus pede, aos que aceitaram embarcar na aventura do “Reino”, a superação de uma lógica de vingança, de responder na mesma moeda, e o assumir uma atitude pacífica de não resposta às provocações, que inverta a espiral de violência e que inaugure um novo espírito nas relações entre os homens. Não é, no entanto, esta a lógica do mundo, mesmo do mundo “cristão”: em nome do direito de legítima defesa ou do direito de resposta, as nações em geral e as pessoas em particular recusam enveredar por uma lógica de paz e respondem ao mal com um mal ainda maior. Como é que eu vejo a questão da violência, do terrorismo, da guerra? Tenho consciência de que a lógica da violência, da vingança, não tem nada a ver com os métodos do “Reino”? O que é que é mais questionante, interpelador e transformador: a violência das armas, ou a violência desarmada do amor?
Jesus pede, também, aos participantes do “Reino” o amor a todos, inclusive aos inimigos, subvertendo completamente a lógica do mundo. Como é que eu me situo face a isto? A minha atitude é a de quem não exclui nem discrimina ninguém, mesmo aqueles de quem não gosto, mesmo aqueles contra quem tenho razões de queixa, mesmo aqueles que não compreendo, mesmo aqueles que assumem atitudes opostas a tudo em que eu acredito?in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é marcada pelo tom exortativo com que Deus se dirige a Moisés para que ele seja portador de uma mensagem para todo o povo. Para uma mais eficaz proclamação da leitura deve ter-se em atenção as diversas formas verbais no imperativo retirando delas toda a sua força expressiva: «fala», «sede», «não odiarás», «não te vingarás», e «amarás».
A segunda leitura requer uma especial preparação: possui uma longa frase interrogativa, frases longas, citações e uma enumeração. Deste modo, é necessário preparar bem as pausas e respirações para uma articulada e eficaz proclamação do texto.
I Leitura
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
OH SUBLIME CIÊNCIA DAS ALTURAS!
Neste Domingo VII do Tempo Comum, continuamos a escutar nas alturas, em alta frequência e alta-fidelidade, o que não se pode escutar cá por baixo, em onda média, no meio do barulho e do entulho. E soam hoje, aos nossos ouvidos atónitos, no nosso coração atónito, as duas últimas das «seis antíteses» proferidas por Jesus no SERMÃO DA MONTANHA, e referentes à lei de talião e ao amor ao próximo (Mateus 5,38-48).
Diz a conhecida «Lei de talião» – do latim talio, talis [tal, igual] ou ius talionis [lei do corte ou contusão] –, assim formulada no Livro do Êxodo: «vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão» (Êxodo 21,24-25). Formulação semelhante desta Lei já se encontra, de resto, nos parágrafos 196 e 197 do famoso código de Hammurabi, que remonta mais ou menos a 1700 anos antes de Cristo. E, ao contrário do que se diz habitualmente, esta Lei não representa a barbaridade, mas um avanço civilizacional, pois assenta, não na multiplicação desenfreada da vingança e da violência, mas na sua contenção, pois condena o agressor a receber apenas a sanção igual àquela que ele provocou à vítima.
Bem diferente é a chamada Lei da vingança desenfreada, traduzida, por exemplo, no famoso «Cântico da espada» de Lamec, que se expressa assim no Livro do Génesis: «Eu matei um homem por uma ferida, uma criança por uma contusão. Sim, Caim é vingado sete vezes, mas Lamec setenta e sete vezes!» (Génesis 4,23-24). O que se vê aqui é que Lamec respira uma vingança irracional, um ódio irracional. O que ouvimos nas alturas da Montanha é que Jesus respira e ensina um amor irracional, até ao paroxismo, ao absurdo e à estupidez, dissolvendo completamente os ódios, vinganças e violências do «Cântico de Lamec», mas ultrapassando também a fria simetria da «Lei de talião». «Ouvistes o que foi dito: “Olho por olho, dente por dente”. Porém, eu digo-vos: “Não resistais ao homem mau. Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda; se alguém te levar ao tribunal para ficar com a tua túnica, oferece-lhe também o manto; se alguém te forçar a acompanhá-lo durante cinco km, acompanha-o durante dez!”» (Mateus 5,38-41). Oh sublime ciência das alturas!
E Jesus continua em alta sintonia, altíssima alegria, altíssimo amor, estendendo o amor para além dos círculos restritos das nossas simpatias, até aos nossos próprios inimigos! Amor assimétrico, que Jesus ensina agora nas alturas, mas que praticará e ensinará até à Cruz! Ele leva até ao alto do Monte das Bem-Aventuranças e até ao alto do Calvário os nossos ódios desenfreados e a nossa fria justiça distributiva, e restitui-nos em troca o perdão excessivo e o amor transbordante.
Ao tempo de Jesus, o panorama do judaísmo palestinense era dominado por duas escolas: a escola conservadora e rigorista de Shammai e a escola liberal de Hillel. Conta-se que, um dia, um homem se terá apresentado na escola de Shammai, e fez ao mestre um estranho pedido: «quero que», diz o homem, «enquanto eu me mantiver apenas com um pé no chão, tu me expliques toda a Lei». Diz-se que Shammai se limitou a pegar na sua vara de mestre e a correr o homem pela porta fora, pois era óbvio que o homem fazia um pedido impossível de cumprir, tal era a vastidão da Lei, e o pouco tempo concedido para a sua explicação. Mas o homem não desanimou e dirigiu-se à escola de Hillel, a quem formulou o mesmo pedido. E Hillel terá respondido de pronto: «Nada mais fácil: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti!”».
A esta sentença de Hillel, na sua formulação negativa, deu-se o nome de «regra de ouro». Em boa verdade, ela já aparece no Livro de Tobias 4,15. É, todavia, fácil de verificar, que esta sentença é de fácil cumprimento. Dado que o seu teor é negativo, para a cumprir, basta a alguém cruzar os braços e nada fazer. Procedendo assim, nada fará de inconveniente a ninguém, cumprindo assim escrupulosamente a sentença formulada.
Tentando talvez evitar a inação acoitada na formulação negativa anterior, os Evangelhos apresentam desta máxima uma formulação positiva: «Faz aos outros o que queres que te façam ti!» (Mateus 7,12; Lucas 6,31). Levando a sério esta formulação, já não é suficiente jogar à defesa e nada fazer, mas é, de facto, requerido fazer alguma coisa. Seja como for, as duas formulações apresentadas, quer a negativa quer a positiva, padecem do mesmo vício: sou eu o centro, é à minha volta que tudo roda, e o que eu faço ou deixo de fazer é com o objetivo claro de que me seja retribuído outro tanto!
O tom positivo da referida «regra de ouro» recebe ainda outra bem conhecida formulação: «Ama o teu próximo como a ti mesmo!», que atravessa a inteira Escritura: Levítico 19,18; Mateus 22,39; Romanos 13,9; Gálatas 5,14; Tiago 2,8. Mas também esta formulação é perigosa: primeiro, porque eu continuo o ser o centro, sendo eu a medida do amor devido aos outros; segundo, porque, se alguém não se ama a si mesmo (e são, infelizmente, cada vez mais os casos!), como poderá cumprir devidamente esta máxima?
É aqui que cai, como uma lâmina, a força do Evangelho que sai dos lábios de Jesus: «Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei!» (João 13,34; 15,12). Aqui, a medida não sou eu. Aqui, a medida é Jesus, o das alturas, o do alto das montanhas. Aqui, a medida é sem medida! Aqui, o amor não é interesseiro. Aqui, o amor é puro, radical, incondicional, assimétrico, sem retorno. Aqui, o amor é até ao fim! Oh sublime ciência das alturas!
- O texto do Antigo Testamento que faz hoje companhia ao Evangelho é retirado do Livro do Levítico 19,1-2.17-18, e nele fica desenhado o caminho e a fonte da santidade: «Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo» (Levítico 19,2); mas é também tirado a limpo que o nosso caminho, isto é, o nosso comportamento para com os nossos irmãos, não pode passar nunca pelo ódio nem pela vingança, mas apenas pelo amor (Levítico 19,18), ainda que numa formulação muito simétrica: «Ama o teu próximo como a ti mesmo», a única vez, de resto, que encontramos esta formulação no AT.
O Apóstolo Paulo continua a interpelar, com a força do Evangelho, a comunidade cristã de Corinto e as nossas comunidades cristãs de hoje (1 Coríntios 3,16-23). Sim, diz Paulo com extrema precisão: «O Espírito Santo habita em vós» (1 Coríntios 3,16). E acrescenta ainda: «Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Coríntios 3,22-23). Portanto, tudo e todos caminhamos para a casa do Pai; entretanto, é Cristo o único Senhor, o único caminho e o único companheiro da nossa vida.
O Salmo 103 é uma das joias do Antigo Testamento e constitui um grande canto ao amor de Deus, uma espécie de prelúdio ao «Deus é amor» (1 João 4,8). Desenrola-se em dois movimentos. O primeiro (vv. 1-9) trata o amor e o perdão de Deus com sucessivos particípios hínicos, que mostram um Deus que perdoa, cura, redime, coroa de amor e misericórdia, sacia de bem, e uma série de nomes (justiça, dá a conhecer, obras, misericordioso, gracioso). O segundo movimento (vv. 10-18) põe lado a lado o amor permanente de Deus e a nossa humana fraqueza. A linha vertical (céu-terra) serve para mostrar a imensidão do amor de Deus (v. 11), escrevendo-se na linha horizontal (oriente-ocidente) a grandeza sem medida do seu perdão (v. 12). O belíssimo v. 13 passa a imagem inultrapassável de Deus como um pai com ventre maternal (rehem). A fragilidade humana aparece traduzida nas imagens do pó (v. 14) e da erva (vv. 15-16), em contraponto com a estabilidade do amor de Deus (v. 17). Sem este amor, sem esta música, seríamos talvez levados melancolicamente a pensar que é o mesmo o destino das folhas outonais e dos homens! Deixemos ecoar em nós as belas notas deste grande Salmo 103, que alguns autores já chamaram o Te Deum do Antigo Testamento.
«A santidade é a medida alta da vida cristã ordinária».
Os santos vivem, portanto, nas alturas,
Sem, todavia, levantarem os pés da terra.
Também Jesus se sentou no alto do Monte,
Para aí declarar felizes, felizes, felizes
Os pobres, os mansos, os aflitos,
Os famintos, os sedentos, os misericordiosos,
Os pacificadores, os perseguidos.
E Jesus repete estas felicitações,
E por nove vezes as atira
Contra os vidros embaciados
Do nosso empedernido coração.
É do alto do monte que Jesus proclama estas maravilhas.
Há coisas que só se podem dizer nas alturas.
Senhor Jesus,
Mestre diferente dos escribas de todos os tempos,
Ensina-nos a descobrir a sabedoria que há nos pobres
Quando estendem para nós as suas mãos abertas e vazias,
A ternura que há nos pacificadores e misericordiosos
Quando se colocam diante das nossas armas,
A esperança que há nos perseguidos e refugiados
Quando batem às nossas portas fechadas.
Ensina-nos, Senhor, a compreender
Que sempre foram os santos e os justos
A abrir caminhos novos e belos
Onde os poderosos só sabem estender muros e arame farpado.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo VII do Tempo Comum – Ano A – 19.02.2023 (Lev 19, 1-2.17-18)
- Leitura II – Domingo VII do Tempo Comum – Ano A – 19.02.2023 (1 Cor 3, 16-23)
- Domingo VII do Tempo Comum – Ano A – 19.02.2023 – Lecionário
- Domingo VII do Tempo Comum – Ano A – 19.02.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo VI do Tempo Comum – Ano A – 12.02.2023
21«Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. 22Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal; quem lhe chamar ‘imbecil’ será réu diante do Conselho; e quem lhe chamar ‘louco’ será réu da Geena do fogo. Mt 5, 21-22
Viver a Palavra
Sobre o Monte, Jesus continua a falar ao coração dos Seus discípulos, apresentando as coordenadas fundamentais para O seguir e para colaborar na missão de estabelecer no mundo o Reino de Deus. Ser feliz, ser bem-aventurado, é partir na aventura de subir ao Monte com Jesus. É abraçar o desafio de caminhar rumo à medida alta da santidade. É ser luz e sal para que no mundo possa ecoar a mais bela melodia do amor e, assim, contemplando as nossas boas obras, cada homem e cada mulher eleve o seu olhar para Aquele que é a fonte de todo o amor.
Subir ao monte é uma experiência humana verdadeiramente marcante não só pela possibilidade de contemplar o mundo e a natureza de um modo novo, mas também porque exige esforço e determinação para atingir a meta. Sabemos como os nossos antepassados, desde os cultos mais primitivos até às capelas e santuários cristãos, escolheram o cimo do monte como lugar privilegiado para o encontro com Deus. Subir para descer, chegar mais alto para trilhar melhor os caminhos cá em baixo, aproximar-se de Deus para melhor nos aproximarmos dos irmãos. É esta a nova lógica do Reino que Jesus faz ecoar sobre o monte e que nos aponta a radicalidade do Seu Evangelho.
Jesus apresenta a novidade da sua mensagem, levando à plenitude a lei que outrora também sobre o monte foi dada ao povo por meio de Moisés. Esta lei nova, que Jesus não vem revogar, mas completar, deve ser inscrita não em tábuas de pedra, mas no coração dócil de cada homem e cada mulher. Esta é uma proposta livre que reclama do nosso coração uma adesão consciente e determinada: «se quiseres, guardarás os mandamentos: ser fiel depende da tua vontade. Deus pôs diante de ti o fogo e a água: estenderás a mão para o que desejares». Seguir Jesus Cristo, acolhendo a radicalidade do Seu Evangelho é um caminho de verdadeira liberdade e, por isso, tão exigente. Livremente eu aceito não viver uma lei de mínimos, livremente eu desejo ser mais e melhor a partir do amor de Jesus, livremente eu acolho o desafio de viver a permanente tensão entre aquilo que sou e aquilo que o Senhor me chama a ser.
Viver com radicalidade o que Jesus nos propõe no Evangelho deste Domingo pode ser frustrante e até desanimador e podemos até ser tentados a afirmar que esta proposta está para lá das nossas capacidades humanas. Na verdade, sozinhos nunca seremos capazes, mas conscientes de que Aquele que nos aponta o caminho também caminha connosco, poderemos avançar com renovada esperança e revigorada confiança. A exigência do caminho e a medida alta que está colocada diante de nós são a garantia de que estaremos permanentemente a caminhar, numa atitude de permanente conversão, superando os nossos limites, vencendo as nossas fragilidades e acolhendo o convite de Jesus para que a nossa linguagem seja sempre marcada pela determinação de quem sabe dizer sim ao amor e não a tudo o que nos afasta dele.
«Ouvistes que foi dito aos antigos… Eu, porém, digo-vos». Estas palavras estão entre as mais radicais do Evangelho, mas são também as mais humanas, porque nos indicam o caminho da verdadeira felicidade, a possibilidade de viver de modo novo a relação com os outros e realizar no tempo e na história o Reino de Deus que haveremos de experimentar em plenitude no Céu. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No dia 14 de fevereiro, comemora-se o Dia dos Namorados. A Pastoral Familiar da paróquia pode convidar os namorados a participar de modo especial na celebração deste Domingo ou noutro momento considerado mais oportuno e valorizar-se a sua presença com uma oração rezada em conjunto ou uma especial bênção para os namorados/noivos. Recordo que a Exortação Amoris Laetitia convida «as comunidades cristãs a reconhecerem que é um bem para elas mesmas acompanhar o caminho de amor dos noivos» (AL 207). Além disso, este momento torna-se uma oportunidade para os casais de namorados cristãos olharem o tempo de namoro como tempo feliz de preparação para o sacramento do matrimónio num caminho comunitário. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Sir 15,16-21 (15-20)
«Se quiseres, guardarás os mandamentos: ser fiel depende da tua vontade.».
Ambiente
O Livro de Ben Sira (designado na Bíblia Católica com o nome de “Eclesiástico”) é um livro “sapiencial” – isto é, um livro cujo objetivo é apresentar indicações de carácter prático, deduzidas da reflexão e da experiência, sobre a arte de viver bem, de ter êxito, de ser feliz (é essa a temática da reflexão sapiencial no Médio Oriente, em geral, e em Israel, em particular). O seu autor é um tal Jesus Ben Sira, um judeu tradicional, convencido que a Tora (a Lei) dada por Deus a Israel é a súmula da sabedoria.
Estamos no início do séc. II a.C.; a cultura grega (instalada na Palestina desde 333 a.C., quando Alexandre da Macedónia venceu Dario III, em Issos, e se apossou da Palestina e do Egipto) minava há já algum tempo, a cultura, a fé, os valores tradicionais de Israel. Os mais jovens abandonavam a fé dos pais, seduzidos pelo brilho superior dessa cultura universal, que era a cultura helénica…
Jesus Ben Sira escreve para ajudar os israelitas a perceber a singularidade da sua fé e da sua cultura, a fim de que não se perca a identidade do Povo de Deus. Apresenta, na sua obra, uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel, mostrando que a cultura judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega.
Nos capítulos 14 e 15 do Livro de Ben Sira, há uma reflexão sobre como encontrar a verdadeira felicidade. É nesse contexto que devemos situar o nosso texto: dirigindo-se aos seus concidadãos, seduzidos pela cultura grega, Jesus Ben Sira sugere-lhes o caminho da verdadeira felicidade e convida-os a percorrê-lo. in Dehonianos.
Para refletir:
A questão fundamental que aqui nos é posta é esta: existem caminhos diversos, opções várias, que dia a dia nos interpelam e desafiam. Em cada momento, corremos o risco da liberdade, assumimos o supremo desafio de escolher o nosso destino. Sentimos essa responsabilidade e procuramos responder ao desafio, ou passamos a vida a encolher os ombros e a deixar-nos ir na corrente, ao sabor das modas, do “politicamente correto”, aceitando que sejam os outros a impor-nos os seus esquemas, os seus valores, a sua visão das coisas?
Uma proposta leva à vida e à felicidade. Quem quiser ir por aí, tem de seguir os “sinais” (mandamentos) com que Deus delimita o caminho que leva à vida. Percorrer esse caminho implica, evidentemente, viver numa escuta permanente de Deus, num diálogo nunca acabado com Deus, numa descoberta contínua das suas propostas. Esforço-me por viver na escuta de Deus e por descobrir os “sinais” de que Ele me deixa?
A outra proposta leva à morte. É o caminho daqueles que escolhem o egoísmo, a autossuficiência, o orgulho, o isolamento em relação a Deus e às suas sugestões. Ao fechar-se em si e ao ignorar as propostas de Deus, o homem acaba por escolher os seus interesses e por manipular o mundo e os outros homens, introduzindo desequilíbrios que geram injustiça, miséria, exploração, sofrimento, morte. Talvez nenhum de nós escolha, conscientemente, este caminho; mas o orgulho, a ambição, a vontade de afirmar a nossa independência e liberdade, podem levar-nos (mesmo sem o notarmos) a passar ao lado dos “sinais” de Deus e a ignorá-los, resvalando por atalhos que vão dar ao egoísmo, ao fechamento em nós. Em cada dia que começa, é preciso fazer o balanço do caminho percorrido e renovar as nossas opções.
Este texto levanta, também, a questão da liberdade. A Palavra de Deus que aqui nos é proposta deixa claro que Deus nos criou livres e que respeita absolutamente as nossas opções e a nossa liberdade. Deus não é um empecilho à liberdade e à realização plena do homem. Ele coloca-nos diante das diferentes opções, diz-nos onde elas nos levam, aponta o caminho da verdadeira felicidade e da realização plena e… deixa-nos escolher.
Atenção: a morte e a desgraça nunca são um castigo de Deus por nos termos portado mal e por termos escolhido caminhos errados; mas é o resultado lógico de escolhas egoístas, que geram desequilíbrios e que destroem a paz, o equilíbrio, a harmonia do mundo, da família e de mim próprio. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 118 (119)
Refrão: Ditoso o que anda na lei do Senhor.
LEITURA II – 1 Cor 2,6-10
«Nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam».
Ambiente
Continuamos no ambiente da comunidade cristã de Corinto e à volta da discussão sobre a verdadeira sabedoria. Recordemos que o ponto de partida para a reflexão de Paulo é a pretensão dos coríntios em equiparar a fé cristã a um qualquer caminho filosófico, que devia ser percorrido sob a orientação de mestres humanos (para uns, Paulo, para outros Pedro, para outros Apolo), à maneira do que se fazia nas escolas filosóficas gregas. Os coríntios corriam, dessa forma, o risco de fazer da fé uma ideologia, mais ou menos brilhante conforme as qualidades pessoais ou a elegância do discurso dos mestres que defendiam as teses. Paulo está consciente, no entanto, que o único mestre é Cristo e que a verdadeira sabedoria não é a que resulta do brilho e da elegância das palavras ou da coerência dos sistemas filosóficos, mas é a que resulta da cruz.
Depois de denunciar a pretensão dos coríntios em encontrar nos homens a verdadeira proposta de sabedoria para chegar a uma vida plena, Paulo vai apresentar – de forma mais desenvolvida – a “sabedoria de Deus”. in Dehonianos.
Para refletir:
O projeto de salvação que Deus tem para os homens, e que resulta do seu imenso amor por nós, é um projeto que nos garante a vida definitiva, a realização plena, a chegada ao patamar do Homem Novo, a identificação final com Cristo. Os crentes são, em consequência deste dinamismo de esperança que o projeto de salvação de Deus introduz na nossa história, pessoas que olham a vida com os olhos cheios de confiança, que sabem enfrentar sem medo nem dramas as crises, as vicissitudes, os problemas que o dia-a-dia lhes apresenta, e que caminham cumprindo a sua missão no mundo, em direção à meta final que Deus tem reservada para aqueles que O amam.
No entanto, Deus não força ninguém: a opção pelo caminho que conduz à vida plena, ao Homem Novo, é uma escolha livre que cada homem e cada mulher devem fazer. O que Deus faz é ladear o nosso caminho de “sinais” (mandamentos) que indicam como chegar a essa meta final de vida definitiva. Como é que eu percorro esse caminho: na atenção constante aos “sinais” de Deus, ou na autossuficiência de quem quer ser o responsável único pela sua liberdade e não precisa de Deus para nada? in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 5, 17-37
«Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas completar».
«Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus».
«A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’».
Ambiente
Terminado o preâmbulo do “sermão da montanha” (que vimos nos dois anteriores domingos), entramos no corpo do discurso. Recordamos aquilo que dissemos nos domingos anteriores: o discurso de Jesus “no cimo de um monte” transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a Lei; agora, é Jesus que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus essa nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao “Reino”. Neste discurso (o primeiro dos cinco grandes discursos que Mateus apresenta), o evangelista agrupa um conjunto de “ditos” de Jesus e oferece à comunidade cristã um novo código ético, a nova Lei, que deve guiar os discípulos de Jesus na sua marcha pela história.
Para entendermos o “pano de fundo” do texto que nos é hoje proposto, convém que nos situemos no ambiente das comunidades cristãs primitivas e, de forma especial, no ambiente da comunidade mateana: trata-se de uma comunidade com fortes raízes judaicas, na qual preponderam os cristãos que vêm do judaísmo… As questões que a comunidade põe, na década de oitenta (quando este Evangelho aparece), são: continuamos obrigados a cumprir a Lei de Moisés? Jesus não aboliu a Lei antiga? O que é que há de verdadeiramente novo na mensagem de Jesus? in Dehonianos.
Para refletir:
Os discípulos de Jesus são convidados a viver na dinâmica do “Reino”, isto é, a acolher com alegria e entusiasmo o projeto de salvação que Deus quis oferecer aos homens e a percorrer, sem desfalecer, num espírito de total adesão, o caminho que conduz à vida plena.
Cumprir um conjunto de regras externas não assegura, automaticamente, a salvação, nem garante o acesso à vida eterna; mas, o acesso à vida em plenitude passa por uma adesão total (com a mente, com o coração, com a vida) às propostas de Deus. Os nossos comportamentos externos têm de resultar, não do medo ou do calculismo, mas de uma verdadeira atitude interior de adesão a Deus e às suas propostas. É isso que se passa na minha vida? Os “mandamentos” são, para mim, princípios sagrados que eu tenho de cumprir, mecanicamente, sob pena de receber castigos (o maior dos quais será o “inferno”), ou são indicações que me ajudam a potenciar a minha relação com Deus e a não me desviar do caminho que conduz à vida? O cumprimento das leis (de Deus ou da Igreja) é, para mim, uma obrigação que resulta do medo, ou o resultado lógico da opção que eu fiz por Deus e pelo “Reino”?
“Não matar”, é, segundo Jesus, evitar tudo aquilo que cause dano ao meu irmão. Tenho consciência de que posso “matar” com certas atitudes de egoísmo, de prepotência, de autoritarismo, de injustiça, de indiferença, de intolerância, de calúnia e má-língua que magoam o outro, que destroem a sua dignidade, o seu bem estar, as suas relações, a sua paz? Tenho consciência que brincar com a dignidade do meu irmão, ofendê-lo, inventar caminhos tortuosos para o desacreditar ou desmoralizar é um crime contra o irmão? Tenho consciência que ignorar o sofrimento de alguém, ficar indiferente a quem necessita de um gesto de bondade, de misericórdia, de reconciliação, é assassinar a vida?
Não podemos deixar, nunca, que as leis (mesmo que sejam leis muito “sagradas”) se transformem num absoluto ou que contribuam para escravizar o homem. As leis, os “mandamentos”, devem ser apenas “sinais” indicadores desse caminho que conduz à vida plena; mas o que é verdadeiramente importante, é o homem que caminha na história, com os seus defeitos e fracassos, em direção à felicidade e à vida definitiva. in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura pede-se a atenção para a frase condicional que abre a leitura, bem como para as duas frases seguintes cuja dinâmica em jeito de proposta alternativa deve ser sublinhada na proclamação da leitura.
A segunda leitura não apresenta nenhuma dificuldade aparente, contudo pede-se o especial cuidado a ter nas cartas de Paulo na atenção às frases longas com diversas orações e uma preparação que ajude a estabelecer os lugares de pausa e paragem para uma melhor articulação da leitura.
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
NÃO MATARÁS!
Continuamos a escutar, neste VI Domingo do Tempo Comum, o sublime Discurso da Montanha, hoje as quatro primeiras das famosas «seis antíteses» (Mateus 5,17-48), cujos temas são: o homicídio, o adultério, o divórcio, o perjúrio, a lei de talião, o amor ao próximo. Ouviremos então, neste VI Domingo do Tempo Comum, o sublime dizer de Jesus sobre os primeiros quatro temas: homicídio, adultério, divórcio e perjúrio (Mateus 5,17-37), enquanto nos preparamos para ouvir no próximo Domingo, VII do Tempo Comum, os últimos dois importantes temas: a lei de talião e o amor que a todos devemos (Mateus 5,38-48).~
Não nos esqueçamos que continuamos na Montanha, nas alturas, pois há certas maneiras de viver e de sentir que só podem ter o seu habitat nas alturas. O Papa S. João Paulo II escreveu na Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte [2001], n.º 31, que perguntar a um catecúmeno se ele quer receber o batismo é o mesmo que perguntar-lhe se ele quer ser santo, e fazer-lhe esta última pergunta é colocá-lo no caminho do Sermão da Montanha. E logo a seguir, na mesma Carta e no mesmo número, S. João Paulo II define a santidade como a «medida alta” da vida cristã ordinária». É, portanto, imperioso que o cristão aprenda a ganhar altura, não para se separar dos caminhos lamacentos do quotidiano, mas para os encher de um amor maior.~
Cada uma das «seis antíteses» abre com as palavras de Jesus: «Ouvistes o que foi dito […]; porém, eu digo-vos». Com esta técnica de contraponto, Jesus não quer que se desperdice nada do Antigo Testamento; quer antes enchê-lo, levar quanto aí é dito, que é Palavra de Deus, ao seu ponto mais fundo e mais alto. Por exemplo, quando ouvimos o que foi dito: «Não matarás!», não basta determo-nos no limiar do assassínio, como manda a letra, de acordo com uma leitura literalista e legalista da Palavra de Deus. É preciso ir mais fundo e mais alto: mondar todas as raízes da ira, do ciúme, da inveja, do ódio, desprezo e desamor, e encher todos os regos e cicatrizes de mais amor, mais amor, mais amor, só amor. Não se trata apenas de travar a fundo no último momento, evitando o acidente; trata-se de viver permanentemente a nova cultura do amor. Neste sentido, escreve S. João, com ponta fina de diamante, não na pedra ou no papiro ou no papel, mas no nosso coração meio embotado e engessado: «Quem não ama o seu irmão, é homicida» (1 João 3,15).
«Não matarás!». Palavra fortíssima e de extrema mansidão, inscrita no Rosto ou viso nu do Outro, de qualquer outro, pobre e nu e senhor, pobre porque nu, e senhor porque pobre e nu, que de improviso te visita e te elege, e te ordena, de forma imperativa e não optativa, entregando-te uma palavra que é um mandamento, que não te deixa em estado de decisão, que não se dirige, portanto, à tua liberdade de escolha, mas à tua responsabilidade, pois te manda responder por ele, pela sua vida, resposta que não podes adiar nem delegar. É a ti que ele elege, é a ti que ele dirige o mandamento: «Não matarás!», concedendo-te apenas responder, obedecendo, e não decidir o que fazer. Reclama a tua responsabilidade: por muito que te custe compreender, trata-se de uma responsabilidade anterior à liberdade! Coisa simples, que só não compreendes se não quiseres. É o “bom dia” antes do cogito. Atentos, porque o rosto pobre e nu do outro é o único soberano que existe. Pode estar em coma à beira da estrada, na soleira da tua porta, na cama de um hospital. Não tem nenhum poder (não te aponta uma arma, não tem dinheiro para te seduzir ou para te pagar…), e, todavia, obriga-te a debruçares-te sobre ele. Vês, então, como ele é soberano? É o único que te pode libertar dos cadeados da tua Sinngebung (da tua capacidade de produção de sentido preliminar e subjetivo). Os que têm pistolas e dinheiro, na verdade, pouco podem: apenas te podem escravizar! Não te podem libertar! São tiranos e prepotentes. Não são soberanos!
E assim também o adultério, o divórcio, o perjúrio. Qualquer destes pontos representa o fim de um amor, que é sempre um acontecimento dramático. Veja-se atentamente, neste mundo cinzento e insípido, sem sol e sem sal, em que vivemos, o drama imenso que cada divórcio comporta. Mas, para encher de sentido o «porém, eu digo-vos» de Jesus sobre estes pontos precisos, também não basta viver uma vida cinzenta e mentirosa e evitar em cima da linha chegar ao adultério, ao divórcio ou ao perjúrio. É necessário encher a vida inteira de amor, de mais amor, só de amor.
É preciso levantar a vida, o coração, até ao cimo do monte das Bem-Aventuranças, e deixar-se deslumbrar, como a multidão, com este novíssimo, em conteúdo e método, ensinamento de Jesus (Mateus 7,28-29).
O belo Livro de Jesus Ben-Sirá, de que hoje recebemos a deliciosa lição de 15,16-21, lembra-nos que os mandamentos de Deus estão sempre cheios apenas de bondade. Serve essa fortíssima afirmação para nos advertir que a nenhum de nós foi dada licença para pecar, nem sequer para produzirmos coisas vãs e ocas, sem ponta de sal ou de sentido. Vale ainda saber que este livro delicioso, de tom edificante, terá sido escrito por Jesus Ben-Sirá em hebraico no primeiro quartel do século II a. C., aí por volta dos anos 180-175, tendo sido depois lido e muito apreciado por um seu neto, no Egito, parece que no ano 132 a. C. Tanto o neto apreciou o texto do seu avô, que resolveu traduzi-lo para grego, para possibilitar que muitos outros o pudessem ler também com proveito. Bela também esta ligação entre as gerações.
S. Paulo fala-nos na lição de hoje da Primeira Carta aos Coríntios 2,6-10 da Sabedoria de Deus. E lembra-nos que a Sabedoria de Deus não está à venda em nenhum mercado deste mundo, nem está na posse dos senhores deste mundo. E precisa ainda que a sabedoria dos senhores deste mundo, que é sempre a sabedoria orgulhosa e arrogante que nos pode fazer senhores do mundo, mas nos conduz sempre fatalmente para a ruína. A verdadeira sabedoria, a de Deus, é depositada no nosso coração pelo Espírito de Deus, dando-nos assim acesso, por graça, às riquezas divinas que Deus, desde sempre, tem preparadas para nós. Em vez da ruína, fica aberta diante de nós uma maneira nova de viver e de morrer. Chama-se santidade, «medida alta» da vida cristã ordinária.
À nossa frente estão sempre os caminhos do Senhor, que devemos calcorrear com alegria e felicidade recebida e dada, enquanto cantamos a imensa partitura do Salmo 119, admirável composição de 1064 palavras hebraicas reunidas, repartidas, repetidas, entretecidas e entretidas à volta da Palavra de Deus que alumia a nossa vida. Blaise Pascal recitava este Salmo todos os dias.
Ensina-me, Senhor, a subir mais alto,
Como os lírios do campo,
Como os passarinhos.
Ensina-me a ser santo
Como os pequeninos.
Só sendo assim me posso sentar à tua mesa,
Onde se come e se reza,
E o ambiente é familiar e quente
Como uma lareira acesa.
Até as aves do céu vêm abrigar-se em tua casa,
Comer à tua mesa.
Aqui fazem os passarinhos os seus ninhos,
E até os bandos de estorninhos
Encontram aqui o seu descanso.
Dá-nos, Senhor,
Em cada dia
Da nossa vida
Às vezes escura,
A água pura da tua luz e alegria,
Que nos enche de paz e nos sacia.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo VI do Tempo Comum – Ano A – 12.02.2023 (Sir 15, 16-21 (15-20))
- Leitura II – Domingo VI do Tempo Comum – Ano A – 12.02.2023 (1 Cor 2, 6-10)
- Domingo VI do Tempo Comum – Ano A – 12.02.2023 – Lecionário
- Domingo VI do Tempo Comum – Ano A – 12.02.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo V do Tempo Comum – Ano A – 05.02.2023
Viver a Palavra
Como cristãos somos chamados a habitar o mundo em que vivemos, vencendo a globalização da indiferença, libertando-nos do nosso comodismo e testemunhando com ousadia a felicidade de viver com os olhos e o coração abertos sobre o mundo.
Dirigindo-se aos discípulos de outrora, Jesus interpela cada um de nós, discípulos de hoje, neste lugar e tempo concreto da história humana: «Vós sois o sal da terra! Vós sois a luz do mundo!». Jesus diz precisamente «vós sois» e não «vós deveis ser». Ser sal e ser luz fazem parte da nossa identidade cristã e devem moldar todo o nosso querer e agir. Bem sabemos que muitas vezes a nossa vida é insípida e opaca, mas no nosso coração Deus derramou o sal que transforma e dá sabor e a luz que dissipa as trevas e ilumina mesmo os recantos mais recônditos da nossa existência.
Somos chamados a ser sal que não perde a força e luz que não se esconde. Como discípulos missionários somos convocados para ser verdadeiros protagonistas na construção da civilização do amor, apontando sempre para Jesus Cristo, meta das nossas vidas e garante da eficácia da nossa missão, não obstante a nossa fragilidade e pecado. Como Paulo, diante da missão que nos é confiada, somos tentados a dizer: «apresentei-me diante de vós cheio de fraqueza e de temor e a tremer deveras». Contudo, devemos fixar o nosso olhar e a nossa atenção na confiança que Jesus deposita em cada um de nós: Ele conhecendo a nossa fragilidade e debilidade não hesita em fazer de nós sal e luz e faz das nossas vidas lugares luminosos e saborosos para que no mundo se possa saborear a misericórdia e a ternura de Deus e se possa contemplar a luz terna e suave do Seu amor. Não tenhamos medo da nossa fragilidade, nem tampouco deixemos que ela nos paralise. Escutemos o Papa Francisco: «prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças» (EG 49). Vencendo o comodismo, somos chamados a lançar-nos ao caminho, a ser sal e luz, a ser testemunhas criativas de que só o amor pode transformar o mundo num lugar melhor e mais feliz.
O sal é, antes de tudo, um elemento saído das águas do mar, respondendo ao luminoso apelo do sol. Assim, cada um de nós é chamado a ascender pela força atrativa da Luz divina. Mas como o sal que depois deve descer aos alimentos e dissolver-se neles para que discreta e humildemente possa dar sabor na medida certa e ajustada, também cada cristão é chamado a ser no mundo e para mundo um testemunho discreto mas eficaz do amor e da ternura de Deus.
A luz permite ver a realidade e os outros de um modo novo e diferente. Só Jesus é a Luz do Mundo, mas convocados pela sua palavra, somos chamados a irradiar no tempo e na história a luz terna e suave do Seu amor. Mas gosto de imaginar o nosso ser luz como um rasto luminoso que não encandeia aqueles com quem nos cruzamos mas que os conduz à fonte de toda a Luz que é Jesus Cristo. A primeira leitura que escutamos neste Domingo aponta de modo claro as condições necessárias para ser luz: abrir o nosso coração e a nossa vida aos que precisam de nós com gestos concretos de amor e misericórdia. Transportando na fragilidade do nosso barro o precioso tesouro que é «Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado», seremos um sinal saboroso e um rasto luminoso do amor de Deus, fazendo ecoar no tempo e na história a mais bela melodia da bondade e da ternura pela prática concreta e exigente das obras de misericórdia. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
No Evangelho escutado neste Quinto Domingo do Tempo Comum Jesus convida os seus ouvintes a serem verdadeiro sal e esplendorosa luz para que o mundo seja um verdadeiro lugar de louvor ao Pai pelas obras de bondade e misericórdia. Deste modo, este Domingo é uma oportunidade para convidar os cristãos a renovarem o seu compromisso de serem verdadeiros protagonistas da construção de um mundo mais justo e fraterno. Na celebração deste Domingo, na homilia ou até numa breve admonição antes do envio dos fiéis no final da celebração poderá recordar-se este compromisso cristão fundamental de nos nossos lugares de trabalho, nas nossas famílias e nos diversos ambientes onde somos enviados, sermos anunciadores do Evangelho de Jesus através de gestos concretos de amor e ternura. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Is 58,7-10
«A tua luz despontará como a aurora, e as tuas feridas não tardarão a sarar».
Ambiente
Os capítulos 56 a 66 do Livro de Isaías apresentam um conjunto heterodoxo de temas, de situações, de géneros e de estilos; por isso, a maior parte dos estudiosos recentes atribuem estes textos, não a um autor, mas a uma pluralidade de autores – embora continuem a catalogar estes capítulos sob o nome genérico de “Trito-Isaías”.
Embora se discuta também a época em que estes textos apareceram (as opiniões vão desde o séc. VII ao séc. II a.C.), a maioria dos estudiosos costuma situar estes textos na época pós-exílica, provavelmente dos últimos decénios do séc. VI, ou nos primeiros anos do séc. V. a.C. Estamos em Jerusalém; os repatriados da Babilónia chegaram cheios de entusiasmo, mas depressa conheceram a desilusão… A cidade está destruída; o domínio persa continua a recordar ao povo de Jerusalém que não é livre nem tem nas próprias mãos a chave do seu futuro; e, acima de tudo, as belas promessas de reconstrução, de libertação, parecem ter-se desvanecido e a intervenção definitiva de Deus tarda em chegar.
Alguns autores recentes falam (a propósito desta época) de uma forte tensão entre dois grupos que procuram impor-se em Jerusalém: de um lado, o sacerdócio sadoquita (de Sadoc, sacerdote do tempo de Salomão), que voltou do exílio na Babilónia convencido de que tinha sido provado e perdoado das suas faltas, que está em boas relações com o império persa, que domina a política, que está disposto a fazer valer os seus direitos e privilégios e que define as coordenadas do culto oficial; do outro, o partido levítico, que se manteve em Jerusalém durante o exílio, que dominou o culto durante essa época e que tem uma visão mais “democrática”, mais pragmática, menos “oficial” e legalista da fé. Os autores do nosso texto pertencem, provavelmente, a este último grupo.
O capítulo 58 (a que pertence o texto que nos é proposto) apresenta-se como uma reclamação de Deus contra o Povo. Nessa reclamação, há dois temas: a denúncia de um culto vazio e estéril, que cumpre as leis externas, mas que não sai do coração nem tem a necessária correspondência na vida (cf. Is 58,1-12); e um convite a que o Povo respeite a santidade do sábado (cf. Is 58,13-14).
No nosso texto, a palavra “jejum” (que, no contexto do capítulo, aparece sete vezes) é a palavra-chave. in Dehonianos.
A reflexão do texto pode fazer-se a partir dos seguintes dados:
A questão essencial é esta: como é que podemos ser uma luz que acende a esperança no mundo e aponta no sentido de uma nova terra, mais cheia de paz, de esperança, de felicidade? Esta leitura responde: não é com liturgias solenes ou com ritos litúrgicos espampanantes, muitas vezes estéreis e vazios; mas é com uma vida onde o amor a Deus se traduz no amor ao irmão e se manifesta em gestos de partilha, de fraternidade, de libertação.
Atenção: não se diz aqui que os momentos de oração e de encontro pessoal com Deus sejam supérfluos, inúteis, desnecessários; o que se diz aqui é que os ritos em si nada significam, se não correspondem a uma vivência interior que se traduz em gestos concretos de compromisso com Deus e com os seus valores. A multiplicidade de ritos, de orações solenes, de celebrações, por si só nada vale, se não tem a devida correspondência na vida de relação com os irmãos.
Sinto o imperativo de ser uma “luz” que se acende na noite do mundo e que dá testemunho do amor e da misericórdia de Deus? A minha fé e a minha relação com Deus têm tradução na luta pela libertação dos meus irmãos? O meu compromisso de crente leva-me a estar atento à partilha com os pobres, os débeis, os desfavorecidos? A minha vivência religiosa traduz-se no ser profeta do amor e servidor da reconciliação? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 111 (112)
Refrão – Para o homem reto nascerá uma luz no meio das trevas.
LEITURA II – 1 Cor 2,1-5
«Pensei que, entre vós, não devia saber nada senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado».
Ambiente
Já vimos, na passada semana, que um dos grandes problemas que a comunidade cristã de Corinto enfrentava tinha a ver com a propensão dos coríntios para a busca de uma sabedoria puramente humana, que os levava a apostar em pessoas (Pedro, Paulo, Cefas), em mestres humanos capazes de transportar os discípulos ao encontro da sua realização; mas, dessa forma, acabavam por esquecer Jesus Cristo e por passar ao lado da “sabedoria da cruz”.
Neste contexto, Paulo recorda aos coríntios que a “sabedoria humana” não salva nem realiza plenamente o homem. A realização plena do homem está em Jesus Cristo e na “loucura da cruz”.
Como é que a salvação e a realização plena do homem podem, no entanto, manifestar-se nesse facto paradoxal de um Deus condenado à fragilidade, que morre na cruz como um bandido?
Para que as coisas se tornem perfeitamente claras, Paulo apresenta dois exemplos. No primeiro (a segunda leitura do passado domingo), Paulo refere o caso da própria comunidade de Corinto: apesar da pobreza, debilidade e fragilidade dos membros da comunidade, Deus chamou-os a serem testemunhas da sua salvação no mundo. No segundo (e que é a leitura que nos é aqui proposta), Paulo apresenta com humildade o seu próprio caso. in Dehonianos.
Considerar as seguintes questões:
Após dois mil anos de Evangelho, a nossa civilização “cristã” ainda age como se a salvação do mundo e dos homens estivesse no poder das armas, na estabilidade da economia, no desenvolvimento sustentado, no controle do buraco do ozono, no pleno emprego, na paz social, na eliminação do terrorismo, na defesa da floresta amazónica, nas declarações de boas intenções feitas pelos senhores do mundo nos grandes areópagos internacionais… Mas Paulo diz, muito simplesmente, que a salvação está na “loucura da cruz” e que a vida em plenitude está no amor que se dá completamente. Quem tem razão: os nossos teóricos, formados pelas grandes universidades internacionais, ou o judeu Paulo, formado na universidade de Jesus?
A força e a “sabedoria de Deus” manifestam-se, tantas vezes, na fragilidade, na pequenez, na obscuridade, na pobreza (como o exemplo de Paulo o comprova). Sendo assim, não nos parecem ridículas e descabidas as nossas poses de importância, de autoridade, de protagonismo, de brilho intelectual?
Aqueles que têm responsabilidade no anúncio do Evangelho devem recordar sempre que a eficácia da Palavra que anunciam não depende deles e que o êxito da missão não resulta das suas qualidades pessoais ou das técnicas sofisticadas postas ao serviço da evangelização: somos todos instrumentos humildes, através dos quais Deus concretiza o seu projeto de salvação para o mundo… Para além do nosso esforço, da nossa entrega, da nossa doação, das nossas técnicas, está o Espírito de Deus que potencia e torna eficaz a Palavra que anunciamos. in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 5,13-16
«Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo».
«Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus».
Ambiente
Continuamos no contexto do “sermão da montanha” (cf. Mt 5-7). Jesus está (na versão de Mateus) no cimo de um monte, a apresentar a nova Lei que deve reger a caminhada do novo Povo de Deus na história (já vimos, no passado domingo, que a indicação geográfica – no cimo de um monte – nos transporta à montanha do Sinai, onde Jahwéh Se revelou ao seu Povo e lhe deu a sua Lei; aqui Jesus é, portanto, apresentado como o Deus que, no cimo de um monte, dá ao seu Povo os “mandamentos” da nova aliança).
Mateus agrupa, neste primeiro discurso, um conjunto de “ditos” de Jesus (provavelmente, pronunciados em contextos e ocasiões diversas), destinados a proporcionar à comunidade concreta a que o Evangelho se destinava, um conjunto de ensinamentos básicos para a vida cristã. in Dehonianos.
A reflexão pode considerar os seguintes aspetos:
A questão essencial que este trecho do Evangelho nos apresenta é esta: Deus propôs-nos um projeto de libertação e de salvação que conduzirá à inauguração de um mundo novo, de felicidade e de paz sem fim; e aqueles que aderiram a essa proposta têm de testemunhá-la diante do mundo e dos homens com palavras e com gestos concretos, a fim de que o “Reino” se torne uma realidade. Como é que me situo face a isto? Para mim, ser cristão é um compromisso sério, profético, exigente, que me obriga a testemunhar o “Reino”, mesmo em ambientes adversos, ou é um caminho “morno”, instalado, cómodo, de quem se sente em regra com Deus porque vai à missa ao domingo e cumpre alguns ritos que a Igreja sugere?
Eu sou, dia a dia, o sal que dá o sabor, que traz uma mais-valia de amor e de esperança à vida daqueles que caminham ao meu lado? Para aqueles com quem lido todos os dias, sou uma personagem insípida, incaracterística, instalada numa mediocridade cinzenta, ou sou uma nota de alegria, de entusiasmo, de otimismo, de esperança numa vida nova vivida ao jeito do Evangelho, ao jeito do “Reino”? No meio do egoísmo, do desespero, do sem sentido que caracteriza a vida de tantos dos meus irmãos, eu dou um testemunho de um mundo novo de amor e de esperança?
Ser cristão é também ser uma luz acesa na noite do mundo, apontando os caminhos da vida, da liberdade, do amor, da fraternidade… Eu sou essa luz que aponta no sentido das coisas importantes, impedindo que a vida dos meus irmãos se gaste em frivolidades e bagatelas? Para os que vivem no sofrimento, na dúvida, no erro, para os que vivem de olhos no chão, eu sou a luz que aponta para o mais além e para a realidade libertadora do “Reino”?
Atenção: eu não sou “a luz”, mas apenas um reflexo da “luz”… Quer dizer: as coisas bonitas que possam acontecer à minha volta não são o resultado do exercício das minhas brilhantes qualidades, mas o resultado da ação de Deus em mim. É Deus que é “a luz” e que, através da minha fragilidade, apresenta a sua proposta de libertação e de vida nova ao mundo. O discípulo não deve, pois, preocupar-se em atrair sobre si o olhar dos homens; mas deve preocupar-se em conduzir o olhar e o coração dos homens para Deus e para o “Reino”. in Dehonianos
Para os leitores:
A proclamação da primeira leitura deve ser marcada pelo tom exortativo que está presente em todo o texto. Na segunda parte do texto deve ter-se em atenção as diversas frases condicionais, aproveitando a expressividade que elas pretendem transmitir.
Na segunda leitura, deve ter-se em atenção as frases mais longas e com diversas orações respeitando as pausas e respirações, articulando bem as diversas frases para uma clara compreensão do texto.
I Leitura:
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
VÓS SOIS O SAL DA TERRA, A LUZ DO MUNDO!
Fortíssimos os sabores da Mesa da Palavra de Deus neste Domingo V do Tempo Comum. Comecemos por onde se deve sempre começar. Pelo Evangelho, hoje Mateus 5,13-16, que, dada a sua importância, sabor e sabedoria, aqui deixamos transcrito:
«Vós sois o sal da terra. Mas se o sal se tornar insípido, com que o salgaremos? Não serve para nada, senão para se deitar fora e ser calcado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. Não se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro para alumiar todos os que estão na casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos céus».
Acabámos de ouvir acordes como estes: «Vós sois o SAL da terra» (Mateus 5,13); «Vós sois a LUZ do mundo» (Mateus 5,14). O SAL dá sabor. A LUZ alumia. O mundo inteiro por horizonte. É, portanto, necessário abrir os horizontes. O mundo é a nossa casa. Compreenda-se já que o SAL e a LUZ são belíssimas metáforas das OBRAS que fazemos: «Assim brilhe a vossa LUZ diante dos homens, para que vejam as vossas BOAS OBRAS» (Mateus 5,16). Mas entenda-se também de imediato que «as nossas OBRAS BOAS» não são do domínio das nossas mãos (a LUZ escapa-nos das mãos), mas do domínio da Graça de Deus que, como em Maria, também em nós «faz grandes coisas» (Lucas 1,49). São mesmo as OBRAS que se devem ler no cone de luz da LUZ e do SAL. De resto, é sabido que, quimicamente falando, o SAL não pode perder o seu sabor. Mas um homem sem OBRAS BOAS é insípido e inútil.
É também urgente entender bem que aquele plural «Vós sois» se reveste seguramente de significado comunitário, como é usual em Mateus, que nunca perde de vista a comunidade eclesial. Assim, sois vós em comunidade que sois a Luz do mundo, que sois o Sal da terra, e não cada um por si. Assim também a lâmpada é para alumiar todos os que estão na casa, toda a comunidade da família de Deus. E o sal, o sal da aliança (Levítico 2,13), lá está também para dar o autêntico sabor da aliança a toda a oferta feita pela comunidade a Deus (Êxodo 30,25; Levítico 2,13), e a todo o recém-nascido a nós dado por Deus (Ezequiel 4,16).
Sim. O mundo é a nossa casa. E, neste vasto mundo que habitamos, são muitos os irmãos que passam fome, que não têm casa, que andam nus. Para nossa vergonha, cerca de um bilião e meio de irmãos nossos vivem abaixo do limiar da pobreza! Isaías 58,7-10 não nos deixa ficar insensíveis perante este triste panorama, mas mostra-nos, em contraponto, que muitas vezes nos blindamos dentro das portas e das janelas do nosso egoísmo e comodismo. É assim que nos tornamos insípidos e deixamos apagar a nossa luz.
O Livro do Deuteronómio atira-se contra a nossa tranquila indiferença: «Se houver no meio de ti qualquer irmão necessitado, não endureças o teu coração e não feches a tua mão» (Deuteronómio 15,7). Precisamos, hoje mais do que nunca, de viver ao estilo de Jesus, Bom Pastor, e ao estilo do Bom Samaritano, com «um coração que vê», para usar a expressão feliz de Bento XVI (Deus caritas est, 25 de dezembro de 2005, n.º 31
É assim que Isaías 58,10 nos desafia literalmente (aí está o sabor das traduções literais!) a «oferecer ao faminto a tua alma (nefesh),/ e saciar a alma (nefesh) do oprimido». Trata-se de muito mais do que uma simples ajuda material. É um abraço entre duas almas, entre duas vidas, entre dois intensos desejos de viver, entre dois alentos de vida! Portanto, com o Deus criador e providente sempre por detrás.
Só entende esta intensidade quem sabe que a sua LUZ é reflexa, porque a recebe de Deus. É assim, com «um coração que vê» à flor da pele ou da alma, que S. Paulo não se apresenta no meio de nós ou da comunidade de Corinto com fortes argumentos da sabedoria humana, conforme a sua lição de hoje (1 Coríntios 2,1-5). Ele quer que nós compreendamos bem que a nossa fé assenta em Cristo e no seu poder, e não em qualquer humano raciocínio e respetiva força. «A fraqueza de Deus é mais forte do que os homens» (1 Coríntios 1,25). E «quando eu sou fraco, então é que eu sou forte» (2 Coríntios 12,10). Portanto, Paulo não se apresentou em Corinto cheio de si, mas cheio de Deus. Não se anunciou (kêrýssô) a si mesmo, mas a Cristo Jesus (2 Coríntios 4,5). Sim, é a Luz que devemos saber levar em vasos de barro, para que se veja bem que esse tesouro e esse poder (dýnamis) vêm de Deus, e não de nós (2 Coríntios 4,7). É o poder (dýnamis) de Deus que move Paulo (1 Coríntios 2,5), e que nos deve mover também a nós.
Com tanta Luz a alumiar a nossa vida, e com tantos exemplos vindos da Escritura Santa, o nosso tempo é sempre tempo dado para nos questionarmos de verdade, pondo em causa os nossos egoísmos e as nossas portas fechadas à graça de Deus e aos irmãos que Ele nos deu: cheio de mim ou cheio de Ti? Estou no centro das atenções ou sei orientar todos os olhares para Ti? Conheço-Te e celebro-Te e dou testemunho da Tua Ressurreição? Os meus atos anunciam a tua Vinda, isto é, revelam e desvelam a tua presença permanente? Ou será que o meu olhar é mau porque Tu és Bom? (Mateus 20,15; cf. Ben-Sirá 14,9-10). Porque é que eu tenho tão poucos (ou nenhuns) encontros CONTIGO marcados na minha agenda? O que faço eu com o relógio na mão o dia inteiro? Por que corro tanto e para onde corro tanto? Debruço-me com amor, e com tempo, sobre os meus irmãos abandonados à beira do caminho ou postos ali mesmo à entrada da minha porta?
O Salmo 112 é irmão gémeo do Salmo 111. Neste é Deus o sujeito. Naquele o homem justo, «imitador de Deus». O Salmo de hoje tem apenas 77 palavras divididas por dez versículos, em nove dos quais se desenha o homem justo, de coração e mãos largas para dar com abundância. Ao ímpio é reservado apenas um versículo, e é retratado só para ver o sucesso do justo e para se roer de raiva e de inveja até se atolar na ruína. O justo é uma casa iluminada. O ímpio desaparece nas trevas.
Se o Senhor não construir a casa,
Em vão trabalham os que a constroem.
Se o Senhor não guardar a cidade,
Em vão vigiam as sentinelas.
Não se pode esconder uma cidade
Situada no cimo de um monte,
Ou sobre a linha do horizonte,
Porque alumia, alumia, alumia,
Irradia, irradia, irradia,
De noite e de dia.
Cidade de alto-a-baixo erguida,
Como um manto de orvalho caída,
Como uma ermida,
Uma jazida
De luz
E de Jesus.
Tudo ao contrário do que vem nos manuais ou nos jornais,
Lançai os fundamentos no céu,
Construí desde o cume,
Sobre o gume da Palavra
Que de Deus vem
Rasgar
E salgar os nossos destemperados corações.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo V do Tempo Comum – Ano A – 05.02.2023 (Is 58, 7-10)
- Leitura II – Domingo V do Tempo Comum – Ano A – 05.02.2023 (1 Cor 2, 1-5)
- Domingo V do Tempo Comum – Ano A – 05.02.2023 – Lecionário
- Domingo V do Tempo Comum – Ano A – 05.02.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo IV do Tempo Comum – Ano A – 29.01.2023
Viver a Palavra
Uma das imagens neotestamentárias que mais me impressiona é contemplar Jesus rodeado pelas multidões. Num contexto onde as notícias não tinham o suporte de comunicação que conhecemos hoje, ver como eram tantos os homens e mulheres que iam ao encontro de Jesus, diz-nos como a palavra e a ação de Jesus eram portadoras de uma força absolutamente transformadora. Com toda a certeza, naquelas imensas multidões estavam presentes as mais diversas motivações: os que se abeiravam movidos pela curiosidade dos milagres e feitos narrados, os doentes e fragilizados movidos pelo interesse nalguma cura ou milagre, os desanimados com tantas palavras banais que buscavam uma palavra de alento e de esperança doadora de sentido para a sua vida… Tantos homens e mulheres, portadores de tão díspares motivações. Dois mil anos volvidos, integramos esta multidão de homens e mulheres que se colocam em torno de Jesus e, por isso, devemos também interrogar-nos quais são as motivações que invadem o nosso coração: porque quero seguir Jesus? O que me move a escutar a Sua palavra? Quais as motivações e interrogações que habitam o meu coração e me fazem ir ao encontro de Jesus e da comunidade?
Como as multidões de outrora colocamo-nos em torno de Jesus e Ele conduz-nos ao cimo do monte. O ensino de Jesus conduz-nos ao centro da vida cristã: as bem-aventuranças. A palavra de Jesus fala-nos da felicidade plena e verdadeira que exige atravessar o limiar da frágil condição humana: a pobreza, a humildade, as lágrimas, a fome e a sede, a necessidade da misericórdia, a exigente tarefa da construção da paz, a perseguição e o insulto.
As bem-aventuranças são o como afirma o Papa Francisco: «o bilhete de identidade do cristão» e, por isso, continua o Santo Padre: «se um de nós se questionar sobre “como fazer para chegar a ser um bom cristão?”, a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida. A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-se sinónimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade» (GE 63-64).
Jesus é o Bem-aventurado por excelência: é o pobre em Espírito que inaugura no tempo e na história o Reino dos Céus. Ele é Manso e Humilde de coração e, assim, o Seu coração torna-se uma escola onde queremos aprender em cada dia. Ele assume sobre si as nossas dores e angústias e chorando connosco enxuga as nossas lágrimas e anuncia o mistério da consolação. Ele que teve fome no deserto e sede no alto da Cruz sacia a nossa fome e sede e oferece o Seu Corpo como alimento e o Seu Sangue como bebida verdadeira. Ele é o rosto da misericórdia do Pai e faz-nos alcançar a misericórdia que o Seu coração cheio de amor e ternura distribui sobre cada um de nós. Ele é o puro de coração que pelo Sangue da Sua Cruz nos purifica de toda a imundice. Ele é o Príncipe da Paz que nos convida a viver como construtores da paz nova que o Seu amor veio trazer. Ele que foi perseguido, maltratado e insultado por amor do Reino dos Céus fortalece a nossa caminhada na exigente tarefa de ser testemunha do Seu amor.
Movidos pela proposta exigente das bem-aventuranças, reconhecemos como «Deus escolheu o que é louco aos olhos do mundo, para confundir os sábios», reconhecemos como a nossa pequenez e fraqueza só pode ser testemunho de graça e misericórdia, quando se deixa conduzir por Jesus até ao cimo do monte e, guiado pelas suas palavras, olha o mundo e a história com esse horizonte de plenitude que o amor de Deus oferece à nossa vida. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
O Evangelho deste Domingo propõe à nossa reflexão um texto absolutamente decisivo para a construção da nossa identidade cristã. Na exortação apostólica Gaudete et Exsultate, o Papa Francisco oferece-nos uma belíssima meditação e interpelação acerca deste texto nos números 63 a 94. A leitura deste texto é um ótimo instrumento para o aprofundamento deste evangelho e pode ser um importante ponto de partida para um exercício de exame de consciência. Chamados à santidade, somos chamados ao caminho exigente das bem-aventuranças para que a nossa vida se conforme cada vez mais e melhor com a vontade de Deus. in Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Sof 2,3; 3,12-13
«Procurai o Senhor, vós todos os humildes da terra, que obedeceis aos seus mandamentos».
Ambiente
O profeta Sofonias pregou em Jerusalém na época do rei Josias (Josias reinou entre 639 e 609 a.C.). Os comentadores costumam situar a profecia de Sofonias durante o tempo de menoridade de Josias (que subiu ao trono aos oito anos); durante esse tempo, foi um Conselho real que presidiu aos destinos de Judá.
Trata-se de uma época difícil para o Povo de Deus. Judá está – há cerca de um século – submetida aos assírios (desde que Acaz pediu ajuda a Tiglat-Pileser III contra Damasco e a Samaria, no ano 734 a.C.); a influência estrangeira sente-se em todos os degraus da vida nacional e a nação sofre as consequências da invasão de costumes estranhos e de práticas pagãs. Por outro lado, o país acaba de sair do reinado do ímpio Manassés (698-643 a.C.), que reconstruiu os lugares de culto aos deuses estrangeiros, levantou altares a Baal, ofereceu o próprio filho em holocausto, dedicou-se à adivinhação e à magia, colocou no Templo de Jerusalém a imagem de Astarte (cf. 2 Re 21,3-9).
Aos pecados contra Jahwéh e contra a aliança, somam-se as injustiças que, todos os dias, atingem os mais pobres e desprotegidos. Os príncipes e ministros abusam da sua autoridade e cometem arbitrariedades, os juízes são corruptos e os comerciantes especulam com a miséria…
Sofonias está consciente de que Jahwéh não pode continuar a pactuar com o pecado do seu Povo; vai chegar o dia do Senhor, isto é, o dia da intervenção de Deus em que os maus serão castigados e a injustiça será banida da terra. Da ira do Senhor escaparão, contudo, os humildes e os pobres, os que se mantiveram fiéis à aliança. O fim da pregação de Sofonias não é, contudo, anunciar o castigo; mas é provocar a conversão, passo fundamental para chegar à salvação. in Dehonianos.
Considerar, para a reflexão, os seguintes pontos:
O Deus que Se revela na palavra e na interpelação de Sofonias é o Deus que não pactua com os orgulhosos e prepotentes que dominam o mundo e que pretendem moldar a história com a sua lógica. A primeira indicação que a Palavra de Deus hoje nos fornece é esta: o nosso Deus não está onde se cultiva a violência e a lei da força, nem apoia a política dos dominadores do mundo – mesmo que eles pretendam defender os valores de Deus e da civilização cristã. Os valores de Deus não se defendem com uma lógica de imposição, de violência, de apelo à força. Atenção à história e aos acontecimentos: sempre que alguém se apresenta em nome de Deus a impor ao mundo uma determinada lógica, temos de desconfiar; Deus nunca esteve desse lado e esses nunca foram os métodos de Deus. Sofonias garante: para os prepotentes e orgulhosos, chegará o dia da ira de Deus; e, nesse dia, serão os humildes e os pobres que se sentarão à mesa com Deus.
A nossa civilização ocidental diz-se cristã, mas está ainda longe de assimilar a lógica de Deus. A lógica da nossa sociedade exalta os que têm poder, os que triunfam por todos os meios, os poderosos, os que vergam a história e os homens a golpes de poder, de esperteza e de força… Hoje, como ontem, a sociedade exalta os que triunfam e marginaliza e rejeita os pobres, os débeis, os simples, os pacíficos, os que não se fazem ouvir nos areópagos do poder e dos mass-media, aqueles que recusam impor-se e mandar nos outros, aqueles que estão à margem dos acontecimentos sociais que reúnem a fina-flor do jet-set, aqueles que não aparecem nas páginas das revistas da moda. Podemos deixar que a sociedade se construa na base destes pressupostos? Que podemos fazer para que o nosso mundo se construa de acordo com os valores de Deus?
O apelo à conversão significa objetivamente, na perspetiva de Sofonias, a renúncia ao orgulho, à prepotência, ao egoísmo e um regresso à comunhão com Deus e com os irmãos. Estamos dispostos, pessoalmente, a este caminho de conversão? Estamos dispostos a renunciar a uma lógica de imposição, de prepotência, de orgulho, de autoritarismo, de autossuficiência, quer na nossa relação com Deus, quer na nossa relação com os outros homens? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)
Refrão: Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus
LEITURA II – 1 Cor 1,26-31
«Mas Deus escolheu o que é louco aos olhos do mundo para confundir os sábios».
Ambiente
Vimos, na passada semana, que um dos graves problemas da comunidade cristã de Corinto era a identificação da experiência cristã com uma escola de sabedoria: os cristãos de Corinto – na linha do que acontecia nas várias escolas de filosofia que infestavam a cidade – viam várias figuras proeminentes do cristianismo primitivo como mestres de uma doutrina e aderiam a essas figuras, esperando encontrar nelas uma proposta filosófica credível, que os conduzisse à plenitude da sabedoria e da realização humana. É de crer que os vários adeptos desses vários mestres se confrontassem na comunidade, procurando demonstrar a excelência e a superior sabedoria do mestre escolhido. Ao saber isto, Paulo ficou muito alarmado: esta perspetiva punha em causa o essencial da fé. Paulo vai esforçar-se, então, por demonstrar aos coríntios que entre os cristãos não há senão um mestre, que é Jesus Cristo; e a experiência cristã não é a busca de uma filosofia coerente, brilhante, elegante, que conduza à sabedoria, entendida à maneira dos gregos. Aliás, Cristo não foi um mestre que se distinguiu pela elegância das suas palavras, pela sua arte oratória ou pela lógica do seu discurso filosófico… Ele foi o Deus que, por amor, veio ao encontro dos homens e lhes ofereceu a salvação, não pela lógica do poder ou pela elegância das palavras, mas através do dom da vida.
O caminho cristão não é uma busca de sabedoria humana, mas uma adesão a Cristo crucificado – o Cristo do amor e do dom da vida. N’Ele manifesta-se, de forma humanamente desconcertante, mas plena e definitiva, a força salvadora de Deus. É aí e em mais nenhum lado que os coríntios devem procurar a verdadeira sabedoria que conduz à vida eterna.in Dehonianos.
A reflexão e a partilha podem considerar as seguintes questões:
Uma percentagem significativa dos homens do nosso tempo está convencida de que o segredo da realização plena do homem está em fatores humanos (preparação intelectual, êxito profissional, reconhecimento social, bem-estar económico, poder político, etc.); mas Paulo avisa que apostar tudo nesses elementos é jogar no “cavalo errado”: o homem só encontra a realização plena, quando descobre Cristo crucificado e aprende com Ele o amor total e o dom da vida. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido?
A teologia aqui apresentada por Paulo diz-nos que o Deus em quem acreditamos não é o Deus que só escolhe os ricos, os poderosos, os influentes, os de “sangue azul”, para realizar a sua obra no mundo; mas que o nosso Deus é o Deus que não faz aceção de pessoas e que, quase sempre, se serve da fraqueza, da fragilidade, da finitude para levar avante o seu projeto de salvação e libertação.
Não se trata, aqui, de valorizar romanticamente a pobreza, ou de apresentar Deus como o chefe de um sindicato da classe operária, a reivindicar o poder para as classes desfavorecidas; trata-se de revelar o verdadeiro rosto de um Deus que Se solidariza com os pobres, com os humilhados, com os ofendidos, com os explorados de todos os tempos e a todos oferece, sem distinção, a salvação. in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 5, 1-12a
«Naquele tempo, ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se».
«Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus».
«Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa».
Ambiente
Depois de dizer quem é Jesus (Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o “Reino”. Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o “Reino” e a sua lógica.
Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos “ditos” de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta “ditos” e ensinamentos provavelmente proferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
O primeiro discurso de Jesus – do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte – é conhecido como o “sermão da montanha” (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus colecionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus.
Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao “Reino”.
As “bem-aventuranças” que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças” propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”, enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”, que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para Mateus, os “pobres em espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado. in Dehonianos.
A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:
Jesus diz: “felizes os pobres em espírito”; o mundo diz: “felizes vós os que tendes dinheiro – muito dinheiro – e sabeis usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes”. Quem é, realmente, feliz?
Jesus diz: “felizes os mansos”; o mundo diz: “felizes vós os que respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a injustiça”. Quem tem razão?
Jesus diz: “felizes os que choram”; o mundo diz: “felizes vós os que não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro”. Onde está a verdadeira felicidade?
Jesus diz: “felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus”; o mundo diz: “felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais livres”. Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?
Jesus diz: “felizes os que tratam os outros com misericórdia”; o mundo diz: “felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo”. Qual é o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?
Jesus diz: “felizes os sinceros de coração”; o mundo diz: “felizes vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso”. Onde está a verdade?
Jesus diz: “felizes os que procuram construir a paz entre os homens”; o mundo diz: “felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso”. O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?
Jesus diz: “felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus”; o mundo diz: “felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira”. O que é que nos eleva à vida plena? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura exige uma acurada preparação das pausas e respirações, articulando as diferentes frases e orações para uma correta proclamação do texto.
Na segunda leitura, deve prestar-se atenção ao tom exortativo que Paulo emprega e ter especial cuidado na expressão «naturalmente falando» que indica o tom coloquial do discurso. A frase final que se encontra entre aspas marca o culminar do texto e deve ser pronunciada com especial cuidado
I Leitura:
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
FELIZES, FELIZES, FELIZES!
Neste Domingo IV do Tempo Comum, iniciamos a proclamação e a escuta qualificada do grande Discurso programático de Jesus, ou Discurso da Montanha, que nos ocupará durante seis Domingos, do IV ao IX. Hoje, Jesus sobe à MONTANHA para dizer a rapsódia mais bela e encantatória e revolucionária das «FELICITAÇÕES» ou «BEM-AVENTURANÇAS». É verdade. Há certas maravilhas que só se podem dizer nas alturas e compreender nas alturas, perto do céu, como que à altura e velocidade de cruzeiro. Destas FELICITAÇÕES envolve-nos, de facto, a sua cadência encantatória ainda antes dos seus conteúdos. Para entrar no coração destas fragrâncias, é preciso levantar o coração (sursum corda), e ir com os pássaros que Deus alimenta em pleno voo.
Só um Deus belo e bom pode e sabe felicitar os pobres. Com um tom carregado de felicidade, não restritivo, mas alargado a toda a humanidade, as «Felicitações» do Rei novo atingem todas as pessoas, chegando às franjas da sociedade, onde estão os pobres de verdade. No meio destas «Felicitações» – é por nove vezes que soa o termo «FELIZES –, note-se a centralidade da MISERICÓRDIA (5.ª felicitação) (5,7). Atente-se ainda na diferente formulação desta felicitação. Salta à vista que todas as outras se abrem a uma recompensa imediata ou futura. A MISERICÓRDIA, porém, roda sobre si mesma, retornando, por obra de Deus (passivo divino ou teológico) sobre os MISERICORDIOSOS. Notem-se igualmente as inclusões assentes na repetição da locução «reino dos céus» (1.ª e 8.ª) (5,3 e 10) e do termo «justiça» (4.ª e 8.ª) (5,6 e 10). Estas inclusões convidam-nos também ao reconhecimento de duas tábuas de felicitações, a primeira à volta da POBREZA EVANGÉLICA (5,3-6), e a segunda à volta da BONDADE DO CORAÇÃO (5,7-10).
«5,1Vendo as multidões, subiu à montanha.
Tendo-se sentado, vieram ter com ele os seus discípulos.
2Abrindo então a sua boca, ensinava-os dizendo:
3FELIZES (makárioi / ’ashrê) os pobres de espírito (ptôchoì tô pneúmati),
porque deles é o reino dos céus;
4FELIZES os aflitos,
porque serão consolados;
5FELIZES os mansos,
porque herdarão a terra;
6FELIZES os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados;
7FELIZES os misericordiosos (eleêmones),
porque lhes será feita misericórdia (eleêthêsontai);
8FELIZES os puros de coração,
porque verão a Deus;
9FELIZES os fazedores de paz,
porque serão chamados filhos de Deus;
10FELIZES os perseguidos por causa da justiça,
porque deles é o reino dos céus.
11FELIZES sois vós, quando vos ultrajarem e perseguirem,
e, mentindo, disserem contra vós toda a espécie de mal
por causa de mim (éneken emoû)» (Mateus 5,1-11).
Os «pobres de espírito», aqui referidos, não são pobres de Espírito Santo nem de inteligência, mas pessoas humildes, no sentido em que uma pessoa humilde é «baixa de rûah» (shephal rûah) (Provérbios 16,19; 29,23), isto é, sem espaço físico, económico, social, cultural ou psicológico. Não precisam de se afirmar. São claramente os últimos da sociedade, mas que, na sua humildade e pobreza, desafiam a sociedade, pois os ptochoí são pobres ao lado de gente rica, acomodada, que estendem a mão para nós, apontando o dedo ao nosso egoísmo, afirmação, instalação e comodidade. Situação que, seguramente, não nos deixa de boa consciência, encarregando-se a Constituição Dogmática Lumen Gentium, n.º 9, de nos lembrar que «Apouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo». O Povo de Deus, a Igreja de Deus, não são alguns tranquilamente instalados entre paredes douradas, num círculo restrito, mas uma imensa comunhão de irmãos sem paredes nem barreiras de qualquer espécie.
Note-se ainda que, na mentalidade e na língua hebraica, «FELIZES» ou «BEM-AVENTURADOS» diz-se ’ashrê, termo que qualifica os pioneiros, aqueles que abrem caminhos novos e bons e belos e de vida nova e boa e bela para o mundo. E é verdade, por paradoxal que pareça. Foram e continuam a ser os Santos e os Pobres os que verdadeiramente abrem caminhos novos e belos neste mundo enlatado, saciado, enjoado, dormente e anestesiado em que vivemos.
Aos misericordiosos será feita (por Deus) misericórdia. Belíssimo círculo bem no centro das Bem-Aventuranças.
A profecia de Sofonias (2,3; 3,12-13) faz ressonância desta nova e bela maneira de viver, trazendo para primeiro plano aqueles que dão lugar a Deus, que estão abertos à ação de Deus, os pobres e os humildes, que tudo recebem de Deus, e em Deus encontram refúgio, sossego e felicidade, entrando assim na rota de cruzeiro das FELICITAÇÕES!
E São Paulo, na lição de hoje da I Carta aos Coríntios (1,26-31), faz-nos voltar completamente para Deus, para sabermos quem somos: «Vede, pois, quem sois, irmãos, vós que fostes chamados por Deus» (1 Coríntios 1,26). Se não ouvirmos Deus a chamar por nós, se não ouvirmos Deus a dizer o nosso nome, isto é, a criar-nos e a cuidar de nós, é certo que não sabemos quem somos, não sabemos qual é a nossa identidade!
É assim que o Salmo 146, que é uma espécie de carrilhão musical, nos convida a cantar os «doze belíssimos nomes» de Deus, decalcando aqui a expressão muçulmana que exalta os «99 belíssimos nomes» de Allah. É claro que os doze nomes que passaremos em revista não celebram tanto a essência divina, mas a sua ação em favor das suas criaturas, sobretudo dos mais pobres e desfavorecidos. É assim que o Salmo evoca o Deus que fez o céu, a terra, o mar, o Deus Criador (1), o Deus da verdade (ʼemet) (2), o Deus que faz justiça aos oprimidos, defensor dos últimos (3), que dá pão aos famintos (4), que liberta os prisioneiros (5), que abre os olhos aos cegos (6), que levanta os abatidos (7), que ama os justos (8), que protege os estrangeiros (9), que sustenta o órfão e a viúva (10), que entrava o caminho dos ímpios (11), o Deus que reina eternamente (12). Este maravilhoso Salmo ajuda-nos a saborear musicalmente toda a liturgia de hoje.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo IV do Tempo Comum – Ano A – 29.01.2023 (Sof 2, 3; 3, 12-13)
- Leitura II – Domingo IV do Tempo Comum – Ano A – 29.01.2023 (1 Cor 1, 23-31)
- Domingo IV do Tempo Comum – Ano A – 29.01.2023 – Lecionário
- Domingo IV do Tempo Comum – Ano A – 29.01.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Domingo III do Tempo Comum – Domingo da Palavra – Ano A – 22.01.2023
Viver a Palavra
A Liturgia da Palavra deste Domingo convida-nos a olhar a nossa vida como um lugar dinâmico, onde seguir Jesus implica uma permanente conversão que abre a nossa vida ao desígnio de salvação que Deus nos oferece em Cristo.
As trevas são vencidas pela luz esplendorosa que brota do Coração de Deus: «o povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz se levantou». Na verdade, peregrinando os trilhos da história são muitas as sombras que nos assaltam no caminho, contudo, elas não têm a última palavra. No provisório da dor e do sofrimento, irrompe a certeza incorruptível de que o amor de Jesus e a Sua luz são mais fortes que as trevas e sombras que nos envolvem. Uma doença, a partida de alguém que amamos, a falta de esperança diante das dificuldades e tantos outros desafios e obstáculos fazem parte da nossa condição humana e esta difícil e exigente condição seriam catastróficas se estivéssemos abandonados unicamente à nossa capacidade humana. Somos obra das mãos de Deus, salvos e redimidos pelo amor de Jesus Cristo e olhamos a nossa existência e as vicissitudes da história com o olhar amoroso Daquele que por nós morreu e ressuscitou.
Como outrora Simão e André, Tiago e João também nós contemplamos Jesus que atravessa o nosso quotidiano, vem ao nosso encontro, às fadigas e canseiras das nossas redes tantas vezes vazias. Irrompendo no concreto da nossa história, Jesus propõem-nos um novo rumo e um novo sentido: «Vinde e segui-Me».
Parece tão vaga a proposta. Contudo, seguir Jesus é a escolha decisiva que inaugura um tempo novo na nossa existência. Não quer dizer que por seguirmos Jesus as dificuldades deixarão de fazer parte da nossa vida. Contudo, elas ganharão uma forma diferente, pois diante das contingências da nossa história, está Jesus, Aquele que quando nos toma pela mão nunca nos abandona.
No texto do Evangelho que escutamos neste Domingo estão intrinsecamente unidos o seguimento e a conversão. Seguir Jesus implica entrar num processo de permanente conversão e, por isso, sentimos ecoar no nosso coração as primeiras palavras de Jesus dirigidas à humanidade no Evangelho de S. Mateus: «Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos Céus».
A proximidade de Deus revelada em Jesus Cristo impele-nos a uma permanente revisão de vida, onde o reconhecimento da nossa condição frágil e pecadora em nada nos inferioriza, mas se torna precisamente a oportunidade de crescimento e amadurecimento rumo à santidade, ao cumprimento das promessas do Reino que já está no meio de nós, mas que ainda não se realizou em plenitude.
Sem qualquer complexo de inferioridade reconhecemos que não somos perfeitos e tomamos consciência que esta fragilidade e debilidade são um caminho e um lugar constante de mudança e de aperfeiçoamento. Por isso, a conversão e o arrependimento dão lugar à salvação. A conversão é a arte de afinar o coração com a vontade de Deus e, neste permanente afinar do coração, encontramos o caminho da verdadeira felicidade.
Contudo, a tarefa da conversão e do seguimento de Jesus não é uma aventura isolada. Jesus convoca estes primeiros discípulos dois a dois, recordando que não partimos sozinhos, mas partilhando a aventura da fé com tantos outros homens e mulheres que partilhando a mesma condição frágil e pecadora, partilham também a certeza de terem encontrado em Jesus Cristo Aquele que dando um sentido novo à sua vida, os impele a deixar tudo, para abrirem o coração à novidade do Seu Evangelho. Por isso, Paulo escrevendo à comunidade de Corinto recorda que a comunhão e unidade devem ser a marca distintiva daqueles que querem seguir Jesus. Convocados pelo Seu amor, partimos unidos para que a nossa fraternidade seja o mais belo anúncio de que a Luz que despontou nas trevas nos aponta o horizonte luminoso da salvação que nos é oferecido em Jesus Cristo. In Voz Portucalense
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Com a Carta apostólica sob forma de Motu Próprio Aperuit Illis, – 30-09-2019 – o Papa Francisco instituiu o Domingo da Palavra de Deus que deve celebrar-se no III Domingo do Tempo Comum como uma jornada de «celebração, reflexão e divulgação da Palavra de Deus». O Santo Padre afirma que cada comunidade com criatividade pastoral e atenta às diversas exigências e realidades de cada comunidade encontrará a forma de viver este Domingo como um dia solene. Deste modo, cada comunidade poderá valorizar este dia na celebração litúrgica de diversos modos, contudo, poderá ser importante encontrar momentos de preparação e celebração deste dia fora da celebração eucarística com um momento de formação sobre a Palavra de Deus ou a Lectio Divina comunitária. No início do Tempo Comum poderia ser também oportuna uma reflexão bíblica acerca do evangelista deste ano litúrgico.
+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +
Percorremos liturgicamente a 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Is 8,23b – 9, 3 (9, 1-4)
«O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz se levantou».
Ambiente
O Livro do profeta Isaías propõe-nos um conjunto de oráculos ditos “messiânicos”, que alimentam a esperança do Povo nesse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer aos seus. Há quem defenda, no entanto, que esses textos messiânicos não provêm de Isaías, mas são oráculos posteriores, enxertados no texto original do profeta pelo editor final da obra isaiana.
O nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta. Estamos no final do séc. VIII a.C. Os assírios (que em 721 a.C. conquistaram Samaria, a antiga capital do reino de Israel) oprimem e humilham as tribos do Povo de Deus instaladas na região norte do país (Zabulão e Neftali); as trevas da desolação e da morte cobrem toda a região setentrional da Palestina.
No Sul, em Jerusalém, reina Ezequias. O rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças políticas com os povos estrangeiros são sintoma de grave infidelidade para com Jahwéh, pois significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, procurando consolidar uma frente contra a maior e mais ameaçadora potência da época – a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não se faz esperar: tendo vencido sucessivamente os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.
Por essa época, desiludido com os reis e com a política, o profeta teria começado a sonhar com uma intervenção de Deus para oferecer ao seu Povo um mundo novo, de liberdade e de paz sem fim. Este texto pode ser dessa época. in Dehonianos.
A reflexão e a partilha da Palavra podem fazer-se a partir dos seguintes elementos:
É Jesus, a luz que ilumina o mundo com uma aurora de esperança, que dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele é “Aquele que veio de Deus” para vencer as trevas e as sombras da morte que ocultavam a esperança e instaurar o mundo novo da justiça, da paz, da felicidade. No entanto, a luz de Jesus é, hoje, uma realidade instituída, viva, atuante na história humana? Porquê?
Acolher Jesus é aceitar esse projeto de justiça e de paz que Ele veio propor aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o “Reino de Deus”? Como lidamos com as situações de injustiça, de opressão, de conflito, de violência: com a indiferença de quem sente que não tem nada a ver com isso enquanto essas realidades não nos atingem diretamente, ou com a inquietação de quem se sente responsável pela instauração do “Reino de Deus” entre os homens?
Em que, ou em quem, coloco eu a minha esperança e a minha segurança: nos políticos que me prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que se desvaloriza e que não
serve para comprar a paz do meu coração? Na situação sólida da minha empresa, que pode desfazer-se diante das próximas convulsões sociais ou durante a próxima crise energética? Isaías sugere que só podemos confiar em Deus e na sua decisão de vir ao nosso encontro para nos apresentar uma proposta de vida e de paz. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 26 (27)
Refrão: O Senhor é minha luz e salvação.
LEITURA II – 1 Cor 1,10-13.17
«Rogo-vos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma linguagem e que não haja divisões entre vós».
Ambiente
Após ter abandonado a cidade de Corinto, Paulo continuou em contacto com a comunidade cristã. Mesmo distante, continuava a acompanhar a vida da comunidade e inteirava-se regularmente das dificuldades e problemas que os seus queridos filhos de Corinto tinham de enfrentar.
Quando escreveu a primeira carta aos Coríntios, Paulo estava em Éfeso. De Corinto haviam chegado, entretanto, notícias alarmantes. Após a partida de Paulo, tinha aparecido na cidade um pregador cristão – um tal Apolo, judeu de Antioquia, convertido ao cristianismo. Era eloquente, versado nas Escrituras e foi de grande utilidade para a comunidade na polémica com os judeus. Era mais brilhante do que Paulo – conhecido pela sua falta de eloquência (cf. 2 Cor 10,10). Formaram-se partidos na comunidade (embora Apolo não favorecesse essa divisão, segundo parece): uns admiravam Paulo, outros Cefas (Pedro), outros Apolo (cf. 1 Cor 1,12). Formaram-se “partidos”, à imagem do que acontecia nas escolas filosóficas da cidade, que tinham os seus mestres, à volta dos quais circulavam os adeptos ou simpatizantes: o cristianismo tornava-se, dessa forma, mais uma escola de sabedoria, na qual era possível optar por mestres distintos.
A situação preocupou enormemente Paulo: além dos conflitos e rivalidades que a divisão provocava, estava em causa a essência da fé. O cristianismo corria, dessa forma, o perigo de se tornar mais uma escola de sabedoria, cuja validade dependia do brilho dos mestres que apresentavam a ideologia e do seu poder de convicção. in Dehonianos.
Para refletir, considerar os seguintes dados:
O texto recorda que a experiência cristã é, fundamentalmente, um encontro com Cristo; é d’Ele e só d’Ele que brota a salvação. A vivência da nossa fé não pode, portanto, depender do carisma da pessoa tal, ou estar ligada à personalidade brilhante deste ou daquele indivíduo que preside à comunidade. Para além da forma mais ou menos brilhante, mais ou menos coerente como tal pessoa anuncia ou testemunha o Evangelho, tem de estar a nossa aposta em Cristo; é n’Ele e só n’Ele que bebemos a salvação; é a Ele e só a Ele que o nosso compromisso batismal nos liga. Cristo é, de facto, a minha referência fundamental? É à volta d’Ele e da sua proposta de vida que a minha experiência de fé se constrói? Em concreto: que sentido é que faz, neste contexto, dizer que só se vai à missa se for tal padre a presidir? Que sentido é que faz afastar-se da comunidade porque não gostamos da atitude ou do jeito de ser deste ou daquele animador?
Neste contexto, ainda, que sentido fazem os ciúmes, os conflitos, os partidos, que existem, com frequência, nas nossas comunidades cristãs? Cristo pode estar dividido? Os conflitos e as divisões não serão um sinal claro de que, algures durante a caminhada, os membros da comunidade perderam Cristo? As guerras e rivalidades dentro de uma comunidade não serão um sinal evidente de que o que nos move não é Cristo, mas os nossos interesses, o nosso orgulho, o nosso egoísmo?
Há casos em que as pessoas com responsabilidade de animação nas comunidades cristãs favorecem, consciente ou inconscientemente, o culto da personalidade. Não se preocupam em levar as pessoas a descobrir Cristo, mas em conduzir o olhar e o coração dos fiéis para a sua própria e brilhante personalidade. Tornam-se imprescindíveis e inamovíveis, são incensadas e endeusadas e potenciam grupos de pressão que as admiram, que as apoiam e que as seguem de olhos fechados. Que sentido é que isto faz, à luz daquilo que Paulo nos diz, neste texto? in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 4,12-23
«Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos Céus».
«Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens».
«Depois começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do reino e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo».
Ambiente
O texto que nos é proposto como Evangelho funciona um pouco como texto-charneira, que encerra a etapa da preparação de Jesus para a missão (cf. Mt 3,1-4,16) e que lança a etapa do anúncio do Reino.
O texto situa-nos na Galileia, a região setentrional da Palestina, zona de população mesclada e ponto de encontro de muitos povos. Refere, ainda, a cidade de Cafarnaum: situada no limite do território de Zabulão e de Neftali, na margem noroeste do lago de Genezaré, no enfiamento do “caminho do mar” (que ligava o Egipto e a Mesopotâmia), era considerada a capital judaica da Galileia (Tiberíades, a capital política da região, por causa dos seus costumes gentílicos e por estar construída sobre um cemitério, era evitada pelos judeus). A sua situação geográfica abria-lhe, também, as portas dos territórios dos povos pagãos da margem oriental do lago. in Dehonianos.
A reflexão e a partilha da Palavra que nos é proposta podem partir dos seguintes dados:
Jesus é o Deus que vem ao nosso encontro para realizar os nossos sonhos de felicidade sem limites e de paz sem fim. N’Ele e através d’Ele (das suas palavras, dos seus gestos), o “Reino” aproximou-se dos homens e deixou de ser uma quimera, para se tornar numa realidade em construção no mundo. Contemplar o anúncio de Jesus é abismar-se na contemplação de uma incrível história de amor, protagonizada por um Deus que não cessa de nos oferecer oportunidades de realização e de vida plena. Sobretudo, o anúncio de Jesus toca e enche de júbilo o coração dos pobres e humilhados, daqueles cuja voz não chega ao trono dos poderosos, nem encontram lugar à mesa farta do consumismo, nem protagonizam as histórias balofas das colunas sociais. Para eles, ouvir dizer que “o Reino chegou” significa que Deus quer oferecer-lhes essa vida plena e feliz que os grandes e poderosos insistem em negar-lhes.
Para que o “Reino” seja possível, Jesus pede a “conversão”. Ela é, antes de mais, um refazer a existência, de forma que só Deus ocupe o primeiro lugar na vida do homem. Implica, portanto, despir-se do egoísmo que impede de estar atento às necessidades dos irmãos; implica a renúncia ao comodismo, que impede o compromisso com os valores do Evangelho; implica o sair do isolamento e da autossuficiência, para estabelecer relação e para fazer da vida um dom e um serviço aos outros… O que é que nas estruturas da sociedade ainda impede a efetivação do “Reino”? O que é que na minha vida, nas minhas opções, nos meus comportamentos constitui um obstáculo à chegada do “Reino”?
A história do compromisso de Pedro e André, Tiago e João com Jesus e com o “Reino” é uma história que define os traços essenciais da caminhada de qualquer discípulo… Em primeiro lugar, é preciso ter consciência de que é Jesus que chama e que propõe o Reino; em segundo lugar, é preciso ter a coragem de aceitar o chamamento e fazer do “Reino” a prioridade essencial (o que pode implicar, até, deixar para segundo plano os afetos, as seguranças, os valores humanos); em terceiro lugar, é preciso acolher a missão que Jesus confia e comprometer-se corajosamente na construção do “Reino” no mundo. É este o caminho que eu tenho vindo a percorrer?
A missão dos que escutaram o apelo do “Reino” passa por testemunhar a salvação que Deus tem para oferecer a todos os homens, sem exceção. Nós, discípulos de Jesus, comprometidos com a construção do “Reino”, somos testemunhas da libertação e levamos a Boa Nova da salvação aos homens de toda a terra? Aqueles que vivem condenados à marginalização (por causa do fraco poder económico, por causa da doença, por causa da solidão, por causa do seu inexistente poder de reivindicação), já receberam, através do nosso testemunho, a Boa Nova do “Reino”?
Em certos momentos da história, procura vender-se a ideia de que o mundo novo da justiça e da paz se constrói a golpes de poder militar, de mísseis, de armas sofisticadas, de instrumentos de morte… Atenção: a lógica do “Reino” não é uma lógica de violência, de vingança, de destruição; mas é uma lógica de amor, de doação da vida, de comunhão fraterna, de tolerância, de respeito pelos outros. A tentação da violência é uma tentação diabólica, que só gera sofrimento e escravidão: aí, o “Reino” não está. in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, deve ter-se em atenção a pronunciação dos nomes das regiões «Zabulão», «Neftali» e «Madiã». Além disso, a proclamação desta leitura deve ser marcada pela alegria e esperança da luz que desponta nas trevas que submergem todos aqueles que estão prisioneiros da morte, da injustiça, do sofrimento, do desespero.
Na segunda leitura, deve ter-se em atenção as frases longas e com diversas orações que requerem um especial cuidado nas pausas e respirações para uma leitura mais articulada do texto. Devem ter presente o tom exortativo que marca todo o texto e uma correta pronunciação das frases interrogativas, evitando a acentuação interrogativa das frases apenas no final de cada oração.
I Leitura:
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
DEUS ANDA POR AÍ À PROCURA DE TI
Domingo III do Tempo Comum. Cruzamento de textos num facho de intensa luz, vinda de fora, como a aurora. É o Evangelho de Mateus 4,15-16 que recolhe Isaías 8,23-9,1. No Evangelho de Mateus, esta luz que alumia a sombria Galileia é Jesus. Ventos de morte tinham varrido a Galileia no ano 732 a. C., quando o imperador assírio Tiglat-Pilezer III, na sua expansão para ocidente, invadiu e reduziu estes territórios a três províncias assírias: Galaad, Meguido e Dor, levando para o exílio os seus habitantes judeus e transferindo para ali povos pagãos de outros credos e culturas, para impedir a todo o custo que o judaísmo pudesse ainda prosperar.
O Evangelho de hoje (Mateus 4,12-23) refere com precisão que, «quando Jesus soube que João Batista tinha sido preso, retirou-se para a Galileia» (Mateus 4,12), e, «desde então, começou a pregar» (Mateus 4,17a). Uma prolepse e uma surpresa, podemos dizer mesmo um escândalo. A prolepse: ao anotar a prisão de João Batista, o narrador não está tanto a registar um facto histórico, mas mais a desvendar já aquilo que um dia acontecerá também a Jesus. A surpresa e o escândalo: era do sentir comum que o anúncio messiânico fosse feito no coração do judaísmo, em Jerusalém, e não numa região periférica, desprezada e contaminada pelo paganismo, como era esta «Galileia dos pagãos» (Mateus 4,15). É para justificar e iluminar este estranho e inesperado começo, que Mateus se vê como que obrigado a citar por inteiro a passagem apropriada de Isaías 8,23-9,1.
Luz de Jesus a iluminar a noite da Galileia. Voz de Jesus a romper aquele espesso manto de silêncio: «Convertei-vos, porque está próximo de vós o Reino dos Céus!» (Mateus 4,17b). Esplêndida Luz, esplêndida Voz, esplêndido Amor de Deus, esplêndida surpresa divina! Ainda antes de nos convidar a que nos interessemos por Deus, a Bíblia mostra que é Deus que se interessa primeiro por nós, tomando a iniciativa de percorrer as nossas estradas poeirentas para nos vir visitar a nossas casas! É esta a maravilha desconcertante do Evangelho!
E assim continua no velho texto de Mateus e nas nossas estradas de hoje. Verificação: Jesus caminha ao longo das praias do Mar da Galileia, e vê dois irmãos, Simão e André, ocupados nos trabalhos da pesca, e diz-lhes: «Vinde atrás de mim (deûte opísô mou)!» (Mateus 4,19). A resposta é imediata: «Deixaram logo (euthéôs) as redes, e seguiram-no!» (Mateus 4,20). E andando um pouco mais, viu outros dois irmãos, Tiago e João, que, com o pai, Zebedeu, remendavam (katartízontas) as redes na barca. Também os chamou. E também eles deixaram logo (euthéôs) a barca e o pai, e seguiram-no (Mt 4,21-22).
Note-se bem que Jesus desce ao nosso mundo, caminha pelas nossas estradas e vem ter connosco aos nossos lugares de trabalho. E é aí que nos chama. Não espera por nós no cenário sagrado das nossas Igrejas! Não nos obriga a fazer uma inscrição, a preencher uma ficha, a aprender uma doutrina, nem sequer nos entrega um projeto de vida, um guião, uma regra, mas chama-nos a segui-lo («vinde atrás de mim»), e partilha connosco a sua vida, como o Mestre faz com os seus discípulos. Não nos põe a fazer uma espécie de estágio, para que um dia nos tornemos Mestres. Nós permanecemos sempre discípulos, e um só é o nosso Mestre (cf. Mateus 23,8). Não nos coloca num estágio, num estado, num estrado, numa estante, mas num caminho! E um dia mais tarde, ouvi-lo-emos ainda dizer: «Ide!». É sempre no caminho que nos deixa.
Mas voltemos a Isaías 8,23-9,3, hoje, como já vimos, entrançado com o sublime Evangelho de Mateus 4,12-23. Visita de Deus. Luz grande para os abandonados. Vida a borbotar das feridas das espadas. Alegria a desenhar a estação das ceifas. As nossas mãos em concha a recolher os dias dados. Deus primeiro e antes. Deus basta. O dia de Madiã é o dia em que Gedeão enfrenta e desbarata as tropas de Madiã com trezentos homens que sabem que a água é um dom de Deus (Juízes 7). E estiveram lá junto da fonte mais trinta e um mil e setecentos candidatos que apenas exibiam a própria força e que pensavam que estavam ali por acaso! Estavam a mais. Foram naturalmente mandados embora.
Carl Gustav Jung (1875-1961), um dos pais da psicanálise, mandou esculpir sobre a porta da sua casa, em Küsnacht, na Suíça, esta frase: «Chamado ou não chamado, Deus estará sempre presente». Nunca se vai embora. Fica sempre por perto, à espera de nos abraçar».
Continuamos a saborear (durante 6 Domingos iniciado no passado dia 15.01.2023) a Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios, servida hoje no extrato entrecortado de 1,10-13.17. Sem cedências de qualquer espécie, Paulo aponta à comunidade cristã de Corinto as divisões e rixas que nela se instalaram, e os grupinhos de pertença em que as pessoas se agrupam e reveem. E Paulo propõe aos Coríntios e a nós que, em vez de nos ocuparmos com divisões ou cismas (schísmata), nos tornemos «remendadores» (katêrtisménoi: part. perf. pass. de katartízô) (1,10), que é sintomaticamente o mesmo verbo em que se ocupavam os discípulos hoje chamados, que estavam a remendar (katartízontas: part. presente de katartízô) as redes (Mateus 4,21). Aí está um novo e belo ministério: «remendadores» da comunidade, isto é, fazedores de pontes, estradas, braços e abraços, para que as pessoas, em vez de se separarem e dividirem, se unam e reúnam. E porque circulava também em Corinto uma certa conceção de batismo que criava especiais laços de pertença do batizando em relação a quem o batiza, Paulo adianta bem que a sua missão não é batizar, mas evangelizar!
O Salmo 27 pode deixar-nos nos braços de Deus, cantando e decantando a luz e a confiança que de Deus recebemos. Mas também a suavidade, a bondade e a beleza nos encantam. Corolário normal, ainda que sempre de excecional elevação, para este dia e para esta liturgia, que nos deixa sempre tranquilos a brincar à porta da Casa de Deus, sob o olhar atento e carinhoso de Deus.
Este Domingo é também, por vontade do Papa Francisco, o Domingo da Palavra de Deus. Portanto, deixemo-nos invadir performativamente, e não apenas informativamente, pela torrente da Palavra de Deus. E deixemos que rasgue em nós novas avenidas férteis e floridas, onde despontem novos e adequados comportamentos. Veja-se a força da Palavra de Deus e a sua ação nos discípulos hoje chamados por Jesus.
Jesus é Deus que desce ao nosso mundo,
Caminha pelas nossas estradas,
Percorre as nossas praias,
Visita as nossas casas,
Vem ter connosco aos nossos lugares de trabalho.
Jesus é Deus que passa, ama e chama.
Mas não nos chama a responder a um inquérito,
A preencher uma ficha,
Responder a uma entrevista,
Fazer uma inscrição,
Pagar a matrícula,
Aprender uma doutrina.
Não é como os escribas que Jesus ensina ou examina.
Nem sequer nos entrega um projeto de vida,
Uns apontamentos, um guião, caneta, tinta, mata-borrão.
Chama-nos apenas a segui-lo no caminho:
«Vinde atrás de Mim!», é o desafio,
E partilha logo ali connosco a sua vida toda,
Como uma dança de roda,
Como uma boda.
Não nos põe primeiro a fazer um teste,
Não nos ama nem chama à condição,
Não tem lista de espera,
Não nos põe num estágio,
Num estado,
Num estrado,
Numa estante,
Mas num caminho!
E um dia mais tarde,
Ouvi-lo-emos dizer ainda: «Ide!»,
Novo e imenso desafio.
É sempre no caminho que nos deixa,
Mas não nos deixa sós,
Vai sempre connosco,
Acompanha-nos,
Não apresenta queixa,
Não paga ao fim do mês,
Pede e dá tudo de uma vez.
Vem, Senhor Jesus!
Vem e ama!
Vem e chama por mim outra vez!
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Domingo III do Tempo Comum – Ano A – 22.01.2023 (Is 8, 23b-9, 3(9,1-4))
- Leitura II – Domingo III do Tempo Comum – Ano A – 22.01.2023 (1 Cor 1,10-13.17)
- Domingo III do Tempo Comum – Domingo da Palavra – Ano A – 22.01.2023 – Lecionário
- Domingo III do Tempo Comum – Domingo da Palavra – Ano A – 22.01.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
- Subsídio Litúrgico – Pastoral 2023 PT
- Domingo da Palavra do Senhor – Carta Apostólica do Papa Francisco
Domingo II do Tempo Comum – Ano A – 15.01.2023
Viver a Palavra
A Liturgia da Palavra deste Domingo conduz-nos ao cerne da nossa vida cristã: sonhados e amados por Deus desde o seio materno, somos chamados a viver a experiência única e pessoal do encontro com Jesus Cristo que nos desafia a encontrar na Sua vontade um caminho de realização e felicidade que nos constitui como apóstolos da alegria do Evangelho, para que a Igreja seja um rasto de luz para todos os povos e nações. Deste modo, os diversos textos proclamados neste Domingo apresentam-nos a dinâmica da nossa vida cristã, num horizonte responsorial, isto é, chamados e convocados pela misericórdia de Deus que nos precede sempre, somos convidados a responder generosamente ao seu projeto de amor.
A disponibilidade para o acontecer de Deus nas nossas vidas nasce da certeza de que o Seu amor nos precede, acompanha e aponta um horizonte de realização e felicidade absolutamente novo. Por isso, podemos cantar com as palavras do salmista: «eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade». A vontade de Deus a nosso respeito é algo de bom e de belo como nos testemunha S. Paulo quando afirma que Deus «quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade» (1 Tm 2,4). Quantas vezes na procura de uma razão diante de uma desgraça, já ouvimos dizer: «foi a vontade de Deus». Na verdade, a vontade de Deus não pode ser a justificação para aquilo que não conseguimos responder. A vontade de Deus é um desígnio amoroso de salvação e, por isso, responder com generosidade e disponibilidade à Sua vontade é caminhar pela estrada da felicidade verdadeira que tem como nome a santidade.
O caminho de descoberta da vontade de Deus a nosso respeito brota da experiência que João Baptista nos testemunha no Evangelho: «eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus». João Baptista testemunha aquilo que viu e experimentou e não apenas uma noção teórica e abstrata. Seguir Jesus Cristo implica necessariamente fazer esta experiência do Seu amor, tal como afirma o Papa Bento XVI na Carta Encíclica Deus caristas est: «ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (DCE 1).
Este encontro decisivo transforma a vida e o coração de tal modo que toda a nossa vida se molda a partir desta experiência. É assim que aparece João Baptista como figura de charneira, apontando o «Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo», testemunhando a presença Daquele que os profetas anunciaram e que a humanidade esperava. João Baptista está do outro lado do Jordão, no lugar onde o Povo de Israel se deteve para preparar a entrada na Terra Prometida. Ele é referência fundamental do nosso ser cristão porque nos ensina a arte de apontar para Jesus, de se saber retirar para que Ele tenha lugar, de proporcionar aos outros a experiência do encontro com Aquele que dá sentido à nossa vida.
Com toda a certeza, lendo a nossa história, encontramos pessoas que foram para nós lugares de encontro com Jesus, pessoas capazes de sair de si mesmas para apontar esse horizonte de realização e felicidade que só em Cristo se pode encontrar. Louvando o Senhor pela vida de tantos e tantas que nos mostraram o rosto de Jesus, comprometemo-nos em ser também nós testemunhas de Jesus com a humildade e a ousadia de João Baptista, anunciando ao mundo que não há aventura mais bela do que fazer das nossas vidas lugares de beleza que testemunham a presença Daquele que dá sentido às nossas vidas. In Voz Portucalense
++++++++++++++++++++++
Entramos na 1ª parte do Tempo Comum que nos levará até à Quaresma. Estamos num novo ano litúrgico – 2022/2023, o Ano A – em que iremos ter a companhia do evangelista S. Mateus em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Is 49, 3.5-6
«Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra»
Ambiente
O Deutero-Isaías (o autor do texto que nos é hoje proposto e que mais uma vez nos aparece como veículo da Palavra de Deus) é um profeta da época do exílio, que desenvolveu o seu ministério na Babilónia, entre os exilados (como, aliás, já dissemos no passado domingo). A sua mensagem – de consolação e de esperança – aparece nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías.
Contudo, há nesses capítulos quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se distinguem – quer em termos literários, quer em termos temáticos – do resto da mensagem… São os quatro cânticos do Servo de Jahwéh. Apresentam um misterioso servo de Deus, a quem Jahwéh confiou uma missão. A missão do Servo cumpre-se no sofrimento e no meio das perseguições; mas do sofrimento do Servo resultará a redenção para o Povo. No fim, o Servo será recompensado por Jahwéh e será exaltado.
A primeira leitura de hoje propõe-nos parte do segundo cântico do Servo de Jahwéh. Aqui, esse Servo é explicitamente identificado com Israel (embora alguns autores suponham que a determinação “Israel” não é original no texto e que foi aqui acrescentada como uma interpretação): seria a figura do Povo de Deus, chamado a ser testemunha de Jahwéh no meio dos outros povos. in Dehonianos.
Para a reflexão e partilha, podem ser considerados os seguintes elementos:
A leitura propõe à nossa reflexão esse tema sempre pessoal, mas sempre enigmático que é a vocação. Somos convidados, na sequência, a tomar consciência da vocação a que somos chamados e das suas implicações. Não se trata de uma questão que apenas atinge e empenha algumas pessoas especiais, com um lugar à parte na comunidade eclesial (os padres, as freiras…); mas trata-se de um desafio que Deus faz a cada um dos seus filhos, que a todos implica e que a todos empenha.
A figura do Servo de Jahwéh convida-nos, em primeiro lugar, a tomar consciência de que na origem da vocação está Deus: é Ele que elege, que chama e que confia a cada um uma missão. A nossa vocação é sempre algo que tem origem em Deus e que só se entende à luz de Deus. Temos consciência de que somos escolhidos por Deus desde o seio materno, isto é, desde o primeiro instante da nossa existência? Temos consciência de que é Deus que alimenta a nossa vocação e o nosso compromisso no mundo? Temos consciência de que só a partir de Deus a nossa vocação faz sentido e o nosso empenhamento se entende? Temos consciência de que a vocação implica uma relação de comunhão, de intimidade, de proximidade com Deus?
A vocação não se esgota, contudo, na aproximação do homem a Deus, mas é sempre em ordem a um testemunho e a uma intervenção no mundo (mesmo que se trate de uma vocação contemplativa). O homem chamado por Deus é sempre um homem que testemunha e que é um sinal vivo de Deus, dos seus valores e das suas propostas diante dos outros homens. Sinto que a minha vocação se realiza no testemunho da salvação e da libertação de Deus aos meus irmãos? A vocação a que Deus me chama leva-me a ser uma luz de esperança no mundo? A salvação de Deus atinge o mundo e torna-se uma realidade concreta no meu testemunho e no meu ministério?
Ao refletirmos na lógica da vocação, é preciso estarmos cientes de que toda a vocação tem origem em Deus, é alimentada por Deus, e de que Deus se serve, muitas vezes, da nossa fragilidade, caducidade e indignidade para atuar no mundo. Aquilo que fazemos de bom e de bonito não resulta, portanto, das nossas forças ou das nossas qualidades, mas de Deus. O coração do profeta não tem, portanto, qualquer razão para se encher de orgulho, de vaidade e de autossuficiência: convém ter consciência de que por detrás de tudo está Deus, e que só Deus é capaz de transformar o mundo, a partir dos nossos pobres gestos e das nossas frágeis forças. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 39 (40)
Refrão: Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.
LEITURA II – 1 Cor l,1-3
«A graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco».
Ambiente
Nos próximos seis domingos, a liturgia vai propor-nos a leitura da primeira carta de Paulo aos cristãos da comunidade de Corinto. Para entendermos cabalmente a mensagem, convém determo-nos um pouco sobre o ambiente em que o texto nos situa.
No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com Act 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; Act 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com os judeus e foi expulso da sinagoga. Corinto era uma cidade nova e muito próspera. Servida por dois portos de mar, possuía as características típicas das cidades marítimas: população de todas as raças e de todas as religiões. Era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo, ávidos de prazer, após meses de navegação. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.
Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos membros da comunidade eram de origem grega, embora em geral, de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. Act 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).
De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).
Tratava-se de uma comunidade forte e vigorosa, mas que mergulhava as suas raízes em terreno adverso. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica. in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes dados:
Deus chama os homens e as mulheres à santidade. Tenho consciência do apelo que Deus, nesta linha, me faz também a mim? Estou disponível e bem-disposto para aceitar esse desafio?
Realizar a vocação à santidade não implica seguir caminhos impossíveis de ascese, de privação, de sacrifício; mas significa, sobretudo, acolher a proposta libertadora que Deus oferece em Jesus e viver d
e acordo com os valores do Reino. É dessa forma que concretizo a minha vocação à santidade? Tenho a coragem de viver e de testemunhar, com radicalidade, os valores do Evangelho, mesmo quando a moda, o orgulho, a preguiça, os interesses financeiros, o “politicamente correto”, as opiniões dominantes me impõem outras perspetivas?
Convém ter sempre presente que a Igreja, a comunidade dos “chamados à santidade”, é constituída por “todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo”. É importante termos consciência de que, para além da cor da pele, das diferenças sociais, das distâncias sociais ou culturais, das perspetivas diferentes sobre as questões secundárias da vivência da religião, o essencial é aquilo que nos une e nos faz irmãos: Jesus Cristo e o reconhecimento de que Ele é o Senhor que nos conduz pela história e nos oferece a salvação. in Dehonianos
EVANGELHO – Jo 1,29-34
«Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo».
«Depois de mim vem um homem, que passou à minha frente, porque era antes de mim».
«Eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus»
Ambiente
A perícope que nos é proposta integra a secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo 1,19-3,36). Aí o autor, com consumada mestria, procura responder à questão: “quem é Jesus?”
João dispõe as peças num enquadramento cénico. As diversas personagens que vão entrando no palco procuram apresentar Jesus. Um a um, os atores chamados ao palco por João vão fazendo afirmações carregadas de significado teológico sobre Jesus. O quadro final que resulta destas diversas intervenções apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, que possui o Espírito e que veio ao encontro dos homens para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do Espírito.
João Baptista, o profeta/precursor do Messias, desempenha aqui um papel especial na apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim da secção – cf. Jo 1,19-37; 3,22-36). Ele vai definir aquele que chega e apresentá-lo aos homens. Ao não se assinalar o auditório, sugere-se que o testemunho de João é perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco permanente na comunidade cristã. in Dehonianos.
A reflexão pessoal e comunitária pode tocar os seguintes pontos:
Em primeiro lugar, importa termos consciência de que Deus tem um projeto de salvação para o mundo e para os homens. A história humana não é, portanto, uma história de fracasso, de caminhada sem sentido para um beco sem saída; mas é uma história onde é preciso ver Deus a conduzir o homem pela mão e a apontar-lhe, em cada curva do caminho, a realidade feliz do novo céu e da nova terra. É verdade que, em certos momentos da história, parecem erguer-se muros intransponíveis que nos impedem de contemplar com esperança os horizontes finais da caminhada humana; mas a consciência da presença salvadora e amorosa de Deus na história deve animar-nos, dar-nos confiança e acender nos nossos olhos e no nosso coração a certeza da vida plena e da vitória final de Deus.
Jesus não foi mais um “homem bom”, que coloriu a história com o sonho ingénuo de um mundo melhor e desapareceu do nosso horizonte (como os líderes do Maio de 68 ou os fazedores de revoluções políticas que a história absorveu e digeriu); mas Jesus é o Deus que Se fez pessoa, que assumiu a nossa humanidade, que trouxe até nós uma proposta objetiva e válida de salvação e que hoje continua presente e ativo na nossa caminhada, concretizando o plano libertador do Pai e oferecendo-nos a vida plena e definitiva. Ele é, agora e sempre, a verdadeira fonte da vida e da liberdade. Onde é que eu mato a minha sede de liberdade e de vida plena: em Jesus e no projeto do Reino ou em pseudomnesias e miragens ilusórias de felicidade que só me afastam do essencial?
O Pai investiu Jesus de uma missão: eliminar o pecado do mundo. No entanto, o “pecado” continua a enegrecer o nosso horizonte diário, traduzido em guerras, vinganças, terrorismo, exploração, egoísmo, corrupção, injustiça… Jesus falhou? É o nosso testemunho que está a falhar? Deus propõe ao homem o seu projeto de salvação, mas não impõe nada e respeita absolutamente a liberdade das nossas opções. Ora, muitas vezes, os homens pretendem descobrir a felicidade em caminhos onde ela não está. De resto, é preciso termos consciência de que a nossa humanidade implica um quadro de fragilidade e de limitação e que, portanto, o pecado vai fazer sempre parte da nossa experiência histórica. A libertação plena e definitiva do “pecado” acontecerá só nesse novo céu e nova terra que nos espera para além da nossa caminhada terrena.
Isso não significa, no entanto, pactuar com o pecado, ou assumir uma atitude passiva diante do pecado. A nossa missão – na sequência da de Jesus – consiste em lutar objetivamente contra “o pecado” instalado no coração de cada um de nós e instalado em cada degrau da nossa vida coletiva. A missão dos seguidores de Jesus consiste em anunciar a vida plena e em lutar contra tudo aquilo que impede a sua concretização na história. in Dehonianos
Para os leitores:
A proclamação da primeira leitura deve ter em atenção o discurso direto presente no texto. A frase final – «Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra» – deve ser sublinhada como conclusão de todo o texto.
A segunda leitura é constituída por um único parágrafo com longas frases e orações. Deste modo, é necessária uma acurada preparação nas pausas e respirações para uma correta articulação do texto.
I Leitura:
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Aí está, já no Domingo II do Tempo Comum, outra vez João Batista, a figura do umbral ou do limiar, que está sempre ali, à porta, para acolher e fazer as apresentações. Ele está em Betânia [= «Casa do pobre»] ou Bethabara [= «Casa da passagem»] – consoante as versões –, sempre do outro lado do Jordão, como refere bem João 1,28. João coloca-se estrategicamente do outro lado do Jordão, onde um dia o povo do Êxodo parou também, para preparar a entrada na Terra Prometida, atravessando o Jordão (Josué 3).
Este início do Evangelho de João (1,19-2,12) distribui as ações por dias, organizados em dois blocos de 4 + 3. No primeiro dia (João 1,19-28), João Batista, postado no umbral de Bethabara, é interrogado pelas autoridades acerca da sua identidade. No segundo dia (1,29-34), João Batista acolhe Jesus e apresenta-o a nós. No terceiro dia (1,35-42), alguns discípulos de João Batista seguem Jesus, e Simão recebe o nome de Cefas, única vez nos Evangelhos, que significa Pedra esburacada, acolhedora e protetora. No quarto dia (1,43-51), Jesus chama Filipe e revela-se a Natanael e aos outros discípulos. Estes quatro dias representam em crescendo a preparação remota para a manifestação da Glória de Jesus. Correspondem à primeira parte da preparação para a festa do Dom da Lei, que os judeus celebravam no Pentecostes. Depois destes quatro dias, passa-se logo para o «3.º Dia» (2,1-12), que é o 7.º [= 4+3], e que tem a ver com a manifestação da Glória de Jesus (2,11), que corresponde ao 3.º Dia da manifestação da Glória de Deus no Sinai (Êxodo 19,10-20), para o qual se requerem dois dias de intensa preparação (Êxodo 19,10-11). Se os quatro primeiros dias constituem a preparação remota, os dois seguintes são a preparação próxima para este 3.º Dia! Este era o esquema da preparação do povo para a Festa do Dom da Lei de Deus que se celebrava no Pentecostes.
O Evangelho deste Domingo II do Tempo Comum (João 1,29-34) mostra-nos o 2.º dia dos primeiros quatro de preparação. João Batista permanece parado em Bethabara [= «Casa da passagem»], desde João 1,28, imóvel e sereno e atento. O lugar em que permanece parado, define-o e define-nos: é um umbral ou limiar. Todo o umbral ou limiar é um lugar de passagem. Estamos de passagem. João Batista ocupa, portanto, o seu lugar estreito e aberto entre o des-lugar e a casa, o deserto e a Terra Prometida, entre o Antigo e o Novo Testamento. É desse lugar de passagem, mas em que está parado como um guarda ou sentinela vigilante, a observar, que João vê bem (emblépô) Jesus a passar (peripatoûnti) (João 1,36) e a VIR ao seu encontro (João 1,29). Como Deus que VEM sempre ao nosso encontro. E apresenta-o como o CORDEIRO DE DEUS, que tira o pecado do mundo. Apresenta-o a nós, pois não é dito que esteja lá mais alguém. Riquíssima apresentação de Jesus. Na verdade, Cordeiro diz-se na língua aramaica, língua comum então falada, talya’. Mas talya’ significa, não só «cordeiro», mas também «servo», «filho» e «pão». Aí está traçada a identidade de Jesus.
O Espírito de Deus entra na nossa história, descendo e permanecendo na humanidade de Jesus. A humanidade de Jesus é a porta por onde entra em nossa casa o Espírito de Deus. É esta novidade que, do seu posto de sentinela, João Batista está a ver (verbo no perfeito grego), e dela dá testemunho (verbo no perfeito grego). Entenda-se bem: João Batista dá testemunho, não porque viu e já não vê, mas porque viu e continua a ver, exatamente como as testemunhas de Jesus Ressuscitado (João 20). O Filho de Deus feito Homem, sobre quem desce e permanece o Espírito de Deus, Vem ao nosso encontro em Bethabara, para nos fazer entrar em Casa, na Terra Prometida.
Cordeiro, Servo, Filho, Pão: eis Jesus, manso e dócil, nosso irmão e nosso alimento. O «Segundo Canto do Servo do Senhor» (Isaías 49,1-6), em que Hoje se espelha o Evangelho, já mostra este Servo de Deus, libertado do serviço entre os povos estrangeiros, para se colocar exclusivamente ao serviço do Senhor, que, por isso e para isso, o pode chamar «meu Servo» (Isaías 49,3 e 6). A sua missão será reconduzir Israel para Deus, de quem se tinha afastado física, moral e espiritualmente (Isaías 49,5). Fica, todavia, logo claro que não é suficiente proceder à reunião dos filhos de Abraão. É necessário ir mais longe e refazer o mundo dos filhos de Adam. É necessário ser a Luz das nações, como Jesus (Lucas 2,32) e todos os seus escolhidos e enviados.
- Veja-se Paulo, que faz sua a missão do Servo Israel de ser Luz das nações até aos confins da terra (Atos 13,47). É nesse rastro de Luz que chega um dia a Corinto para lá acender a Luz de Cristo, Senhor Nosso, e velar por essa Luz que arde nas entranhas. É por isso que hoje escutamos também o princípio da correspondência que Paulo estabelece com a comunidade de Corinto (1 Coríntios 1,1-3).
Cantamos hoje o primeiro andamento do Salmo 40, repetindo o refrão: «Eu venho, Senhor, para fazer a vossa vontade!» (v. 7-8). É o cântico novo que ecoa hoje na nossa boca (v. 4), e que se vai ouvindo já por toda a terra. O Salmo 40 apresenta um primeiro andamento de ação de graças (vv. 1-10), seguido logo por um movimento de súplica e lamentação (vv. 11-18). Parece, pois, haver no corpo do Salmo uma estranha divisão. Quem é o «eu» que constata e agradece os benefícios de Deus no v. 1, e quem é o «eu» que, no v. 14, implora ainda com veemência o auxílio de Deus? Esta notória divisão no corpo do Salmo não é ilógica, como muitas vezes tem sido vista. É humana, dado ser também a nossa vida tecida por momentos de sonho e de outros tempos de maior ou menor dificuldade. Em sintonia com o Evangelho de hoje, que põe em cena João Batista, o grande indicador de caminhos, e, sobretudo, do Caminho, que é Jesus, e em sintonia também com a lição do Servo de Deus de Isaías 49, que vem para levar Deus e a sua Luz às nações e aos corações. Como Paulo faz desde Damasco até Corinto, até Roma. Para tanto, todo o Servo de Deus tem de ter os ouvidos escavados (v. 7) e o coração incendiado.
Deus fiel,
Fiável,
Sim irrevogável.
Matriz fidedigna,
Maternal amor preveniente,
Permanente,
Paciente.
Palavra primeira e confidente,
Providente,
Eficiente,
A dizer-se sempre
E para sempre dita.
Rochedo firme,
Abrigo seguro,
Alcofa para o nascituro,
Luz no escuro,
Amor forte,
Sem medo da morte e do futuro.
Deus fiel e confidente,
Fala,
Que o teu servo escuta atentamente.
Nada do que dizes cairá por terra.
A tua palavra à minha mesa,
Minha habitação,
Minha alegria,
Minha exultação,
Energia do meu coração,
Luz que me guia e que me alumia.
A minha luz é reflexa,
A minha palavra é lalação,
De ti decorre,
Para ti corre a minha vida,
Dita,
Dada,
Recebida
E oferecida.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo II do Tempo Comum – Ano A – 15.01.2023 (Is 49, 3.5-6)
- Leitura II do Domingo II do Tempo Comum – Ano A – 15.01.2023 (1Cor 1, 1-3)
- Domingo II do Tempo Comum – Ano A – 15.01.2023 – Lecionário
- Domingo II do Tempo Comum – Ano A – 15.01.2023 – Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Solenidade da Epifania do Senhor – Ano A – 08.01.2023
Viver a Palavra
A liturgia deste domingo celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projecto libertador que o Pai nos queria oferecer, essa “luz” incarnou na nossa história, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação, da vida definitiva.in Dehonianos
++++++++++++++++++++++
Estamos a concluir o tempo de Natal. Estamos num novo ano litúrgico – neste 2022/2023, o Ano A – em que seremos acompanhados pelo evangelista S. Mateus. Deste modo, como preparação para este ano litúrgico poderia ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Is 60,1-6
Ambiente
Aos capítulos 56-66 do Livro de Isaías, convencionou-se chamar “Trito-Isaías. Trata-se de um conjunto de textos cuja proveniência não é totalmente consensual… Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílio, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílios e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.). De qualquer forma, estamos na época a seguir ao Exílio e numa Jerusalém em reconstrução… As marcas do passado ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os judeus que se estabeleceram na cidade são ainda poucos; a pobreza dos exilados faz com que a reconstrução seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada… Sonha-se, no entanto, com esse dia futuro em que vai chegar Deus para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.
O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis” (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, a cidade é iluminada desde o nascer do dia até ao pôr do sol). in Dehonianos.
A reflexão pode fazer-se a partir das seguintes linhas:
Como pano de fundo deste texto (e da liturgia deste dia) está a afirmação da eterna preocupação de Deus com a vida e a felicidade desses homens e mulheres a quem Ele criou. Sejam quais forem as voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e presente, acompanhando a caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida definitiva. Esta “fidelidade” de Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança… Caminhamos pela vida de cabeça levantada, confiando no amor infinito de Deus e na sua vontade de salvar e libertar o homem.
É preciso, sem dúvida, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será que, através de nós, essa “luz” atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e transforma tudo numa nova realidade?
Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas comunidades cristãs e nas comunidades religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
Será que na nossa Igreja há espaço para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos que têm a vida destroçada, ou que não se comportam de acordo com as regras da Igreja, são acolhidos, respeitado
s e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade? in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)
Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra.
LEITURA II – Ef 3,2-3a.5-6
Ambiente
A Carta aos Efésios (cuja autoria paulina alguns discutem por questões de linguagem, de estilo e de teologia) apresenta-se como uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61/63).
É, de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta (talvez uma “carta circular”, enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor) parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento Paulino
O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
Na parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese sobre “o mistério”: depois de um hino que põe em relevo a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel de cabeça da Igreja (cf. Ef 1,15-23); depois, reflete sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef 2,1-10); expõe, ainda, como é que Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. 2,11-22)… O texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef 3,1-13).in Dehonianos.
A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:
A perspetiva de que Deus tem um projeto de salvação para oferecer ao seu Povo – já enunciada na primeira leitura – tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse projeto. A segunda novidade é que esse projeto não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para ser oferecido a todos os povos, sem exceção.
A Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Nela, brancos e negros, pobres e ricos, ucranianos ou moldavos – beneficiários todos da ação salvadora e libertadora de Deus – têm lugar em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente, consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje no mundo o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens? Na vida das nossas comunidades transparece, realmente, o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor ou de estatuto social?
Destinatários, todos, do mistério, somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Essa fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade…. Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham connosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças? in Dehonianos
EVANGELHO – Mt 2,1-12
Ambiente
O episódio da visita dos magos ao menino de Belém é um episódio simpático e terno que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos… No entanto, convém recordar que estamos, ainda, no âmbito do “Evangelho da Infância”; e que os factos narrados nesta secção não são a descrição exata de acontecimentos históricos, mas uma catequese sobre Jesus e a sua missão… Por outras palavras: Mateus não está, aqui, interessado em apresentar uma reportagem jornalística que conte a visita oficial de três chefes de estado estrangeiros à gruta de Belém; mas está interessado, recorrendo a símbolos e imagens bem expressivos para os primeiros cristãos, em apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra. in Dehonianos.
Considerar as seguintes questões:
Em primeiro lugar, meditemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, o libertador enviado por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Identificamo-nos com algum destes grupos? Não é fácil “conhecer as Escrituras”, como profissionais da religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de Jesus nos passem ao lado?
Os “magos” são apresentados como os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” – isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus? Procuramos perceber nos “sinais” que aparecem no nosso ca-
minho a vontade de Deus?
47Impressiona também, no relato de Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”, deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos irmãos?
Os “magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor. in Dehonianos
Para os leitores:
I Leitura:
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
«Eu o vejo, mas não agora, / eu o contemplo, mas não de perto:/ uma estrela desponta (anateleî) de Jacob, / um cetro se levanta de Israel» (Números 24,17). Assim fala, com uns olhos muito claros postos no futuro, um profeta de nome Balaão, que o Livro dos Números diz ser oriundo das margens do rio Eufrates (Números 22,5), uma vasta região conhecida pelo nome de «montes do Oriente» (Números 23,7).
Do Oriente são também os Magos, que enchem o Evangelho deste Dia (Mateus 2,1-12), e que representam a humanidade de coração puro e de olhar puro que, agora e de perto, sabe ler os sinais de Deus, sejam eles a estrela que desponta (anateleî) (2,2 e 9) ou o sonho (2,12), uma e outro indicador de caminhos novos, insuspeitados. Surpresa das surpresas: até para casa precisamos de aprender o caminho, pois é, na verdade, um caminho novo! (2,12). Excelente, inteligente, o grande texto bíblico: Balaão vem do Oriente, e os Magos também. O texto grego diz bem, no plural, «dos Orientes» (ap’anatolôn). Só a estrela que desponta (anatolê / anatoleî), no singular, pode orientar a nossa humanidade perdida no meio da confusão do plural.
De resto, já sabemos que, na Escritura Santa, a Luz nova que no céu desponta (Lucas 1,78; 2,2 e 9; cf. Números 24,17; Isaías 60,1-2; Malaquias 3,20) e o Rebento tenro que entre nós germina (Jeremias 23,5; 33,15; Zacarias 3,8; 6,12) apontam e são figura do Messias e dizem-se com o mesmo nome grego anatolê (tsemah TM) ou forma verbal anatéllô. Esta estrela (anatolê) que arde nos olhos e no coração dos Magos está, portanto, longe de ser uma história infantil. Orienta os passos dos Magos e, neles, os de toda humanidade para a verdadeira ESTRELA que desponta e para o REBENTO que germina, que é o MENINO. E os Magos e, com eles, a inteira humanidade orientam para aquele MENINO toda a sua vida, que é o que significa o verbo «ADORAR» (proskynéô). Esta «adoração» pessoal é o verdadeiro presente a oferecer ao MENINO.
Note-se a expressão recorrente «o Menino e sua Mãe» (Mateus 2,11.13.14.20.21) e o contraponto bem vincado com «o rei Herodes perturbado e toda a Jerusalém com ele» (Mateus 2,3), que abre já para a rejeição final de Jesus. Veja-se também a alegria que invade os magos à vista da sua estrela, ainda antes de verem o Menino (Mateus 2,10), que evoca já a alegria das mulheres, ainda antes de verem o Senhor Ressuscitado (Mateus 28,8). Veja-se ainda o inútil controlo das Escrituras por parte de «todos os sacerdotes e escribas do povo», que sabem a verdade acerca do Messias, mas não sabem reconhecer o Messias (Mateus 2,4-6).
Mas, para juntar aqui outra vez os fios de ouro da Escritura Santa, nomeadamente 1 Reis 10,1-10 (Rainha de Sabá), Isaías 60 e o Salmo 72, diz o belo texto de Mateus que os Magos ofereceram ao MENINO ouro, incenso e mirra. Já sabemos que, desde Ireneu de Lião (130-203), mas entenda-se bem que isto é secundário, o ouro simboliza a realeza, o incenso a divindade, e a mirra a morte e o sepultamento.
Pode acrescentar-se ainda, mas também isto é claramente secundário, que muitos astrónomos, historiadores e curiosos se têm esforçado por identificar aquela estrela que despontou e guiou os Magos, apresentando como hipóteses mais viáveis: a) o cometa Halley, que se fez ver em 12-11 a. C.; b) a tríplice conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes, ocorrida em 7 a. C.; c) uma nova ou supernova, visível em 5-4 a. C. Esta última está registada nos observatórios astronómicos chineses. A conjunção de Júpiter e Saturno na constelação de Peixes está registada nos observatórios da Babilónia e do Egipto. Johannes Kepler (1571-1630), que estudou este assunto em pormenor, dedica particular atenção aos fenómenos registados em b) e c). Note-se, porém, que a estrela dos Magos é só vista por eles, estrangeiros como Balaão, que também vê de modo diferente dos outros. Rir-se-iam, certamente, se soubessem que nós indagamos os céus com instrumentos científicos à procura da estrela que alumiava o seu coração. É assim que «muitos virão do oriente e do ocidente, isto é, de fora, e sentar-se-ão à mesa no Reino dos Céus» (Mateus 8,11). E nós, que também indagamos as Escrituras sem lhes descobrirmos o verdadeiro fio de ouro (Mateus 2,4-6), poderemos ficar tragicamente fora da porta e do sentido (Mateus 8,12). Que os de fora passem à frente dos de dentro é a surpresa de Deus, e, portanto, uma constante no Evangelho (Mateus 21,33-43; 22,1-13; Lucas 13,22-29).
Está também a transbordar de sentido aquela última anotação: «Por outra estrada regressaram à sua terra» (Mateus 2,12). Sim, quem viu o que os Magos viram, quem encontrou o que eles encontraram, quem experimentou o que eles experimentaram, não pode mais limitar-se a continuar seja o que for. Tudo tem mesmo de ser novo. A estrada tem de ser outra.
Ilustra bem o grandioso texto do Evangelho de Mateus o soberbo texto de Isaías 60,1-6, que canta Jerusalém personificada como mãe extremosa que vê chegar dos quatro pontos cardeais os seus filhos e filhas perdidos nos exílios de todos os tempos e lugares. Também não falta a luz que desponta (anateleî) (Isaías 60,1) e os muitos presentes, os tais fios que se vão juntar no Evangelho de hoje, de Mateus.
4Também os versos sublimes do Salmo Real 72 cantam a mesma melodia de alegria que se insinua nas pregas do coração da inteira humanidade maravilhada com a presença de Rei tão carinhoso. Também aqui encontramos a hiperbólica «idade do ouro», o grão que cresce mesmo no cimo das colinas, e a felicidade dos pobres, que serão sempre os melhores «clientes» de Deus. Extraordinária condensação da esperança da nossa humanidade à deriva.
E o Apóstolo Paulo (Efésios 3,2-3 e 5-6) faz saber, para espanto, maravilha e alegria nossa, que os pagãos são co-herdeiros e comparticipantes da Promessa de Deus em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.
Sim. Falta dizer que, no meio de tanta Luz, Presentes e Alegria para todos, vindos da Epifania, que significa manifestação de Deus entre nós e para nós, não podemos hoje esquecer as crianças e a missão. Hoje celebra-se o dia da «Infância Missionária», que gosto de ver sempre envolta no belo lema: «O Evangelho viaja sem passaporte». Para significar que o Evangelho nos faz verdadeiramente filhos e irmãos. E entre filhos e irmãos não há fronteiras nem barreiras nem muros ou qualquer separação.
Sonho um mundo assim. E parece-me que só as crianças nos podem ensinar esta lição maravilhosa.
Do Oriente veio em procissão de esperança
O melhor da nossa humanidade.
Os três magos caminharam à luz de uma estrela nova,
Recém-nascida,
Mansa,
Como uma criança.
A procissão faz-se em passos de dança,
E a estrela só pode ser olhada com olhos puros,
De cristal,
Com alma enternecida,
E coração de Natal.
Por isso,
Não a viu Herodes,
Não a viram os guardas,
Não a viram os sábios,
Que arrastavam os olhos por velhos alfarrábios.
Viram-na os magos,
Pegaram nela à mão,
Levaram-na aos lábios,
Deitaram-na no coração.
Vem, Senhor Jesus.
O mundo precisa tanto da tua Luz.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Solenidade da Epifania do Senhor – Ano A – 08.01.2023 (Is 60, 1-6)
- Leitura II – Solenidade da Epifania do Senhor – Ano A – 08.01.2023 (Ef 3, 2-3a.5-6)
- Solenidade da Epifania do Senhor – Ano A – 08.01.2023-Lecionário
- Solenidade da Epifania do Senhor – Ano A – 08.01.2023-Oração Universal
- ANO A – O ano do evangelista Mateus
Santa Maria Mãe de Deus – Ano A – 01.01.2023
Viver a Palavra
«O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz». Com estas palavras era abençoado o Povo de Israel, antes de partir para suas casas, no final das celebrações litúrgicas no Templo de Jerusalém e com estas palavras invocamos a bênção de Deus no primeiro dia do ano civil. Cada Ano Novo é como uma página em branco que se coloca diante de nós para que a possamos pintar com a mais belas cores da bondade, da ternura e da misericórdia. Desejamos votos de um ano bom e próspero aos amigos e familiares e até aos desconhecidos, augurando os melhores êxitos neste ano que começa. Queremos que seja um ano melhor e, para isso, tomamos consciência que só será um ano melhor, se em cada dia, cada um de nós, procurar ser melhor. A bênção de Deus é um dom, mas também o compromisso de sermos bênção uns para os outros, no compromisso de uma fraternidade cada vez mais verdadeira e autêntica, que seja promotora de comunhão e unidade. No início deste novo ano, damos graças ao Senhor por tudo o que foi o ano de 2022, por todos os dons que o Senhor nos concedeu, por todas as oportunidades que nos foram dadas viver. Somos convidados a dar graças até pelos momentos mais difíceis e exigentes e que foram para nós oportunidade de crescimento.
Estamos no último dia da oitava do Natal do Senhor, por isso, como os pastores acorremos apressadamente ao Presépio de Belém. Ao verem o Menino deitado na manjedoura, os pastores «começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino», testemunhando a alegria de verem cumpridas as promessas que Deus fizera outrora, pela boca dos profetas. Como eles, também nós queremos aprender a arte de contemplar as maravilhas do amor e de as comunicar com alegria e entusiasmo. Somos filhos muito amados de Deus e na contemplação do recém-nascido de Belém contemplamos como a carne humana é lugar habitado pela divindade.
A nossa frágil natureza é lugar escolhido e amado por Deus para fazer sua morada e, montando a Sua tenda no meio da humanidade Deus revela-Se e revela que a nossa carne humana, não só pode, como deve ser lugar da manifestação do amor e da misericórdia de Deus.
Contemplamos o Menino que, para nós, nasceu e, evidentemente, que a contemplação da figura de um recém-nascido é inseparável da contemplação do regaço de Sua Mãe que o acalenta e sustenta. Por isso, neste primeiro dia do ano, invocamos a figura maternal de Maria e invocámo-la como Santa Maria, Mãe de Deus, Theotokos, pois assim a invoca a Igreja desde 431. Maria é Mãe de Deus, porque acolheu o Verbo Divino no Seu seio, gerando com admiração da natureza no seu ventre Aquele, por meio do qual, tudo foi criado. Mas a grandeza de Maria, como atesta o próprio Jesus, não foi transportar no seu ventre o Verbo Incarnado ou amamentar Aquele que governa os céus e a terra, mas confiar na Palavra de Deus e fazer da vontade de Deus a sua própria vontade.
Maria disponibiliza a sua vida para o acontecer de Deus, mesmo quando sente dificuldade em compreender e acolher quanto acontece nela e através dela, por isso, nos testemunha o evangelista: «Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração».
Maria ensina-nos o segredo para acolher tantas situações e circunstâncias da nossa vida que temos dificuldade em compreender e aceitar: guardar no coração e confiar na mão carinhosa de Deus que conduz a história e que guiará a nossa vida para o seu pleno cumprimento. No regaço terno e materno de Maria, saboreamos o dom da filiação divina e, na força do Espírito, podemos clamar com toda a verdade: «Abá! Pai!». in Voz Portucalense
+++++++++++++++++++
O dia 1 de janeiro, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, é também Dia Mundial da Paz. No dia Dezembro de 1967, o Papa Paulo VI escreveu uma mensagem a todos os homens e e mulheres de boa vontade, propondo a criação do Dia Mundial da Paz, a ser festejado no dia 1 de Janeiro de cada ano, desejando que este dia fosse celebrado para lá das fronteiras da Igreja e fosse fermento de paz e unidade. Este ano assinala-se o 56.º Dia Mundial da Paz e o Papa Francisco escolheu como tema para este ano «Ninguém pode salvar-se sozinho. Juntos, recomecemos a partir de covid-19 para traçar sendas de paz». A distribuição desta mensagem pelos fiéis, bem como o convite a rezar de modo insistente pela paz tão necessária e urgente, são algumas das sugestões para assinalar esta data.
++++++++++++++++++++++
Continuamos em tempo de Natal. Estamos num novo ano litúrgico – neste 2022/2023, o Ano A – em que seremos acompanhados pelo evangelista S. Mateus. Deste modo, como preparação para este ano litúrgico poderia ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Mateus.
E faremos isso (acompanhe-nos em: Abordagens VIII e seguintes – https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/). Será uma catequese bíblica que ajudará a entrar na estrutura e mensagem deste Evangelho, proporcionando a todos os fiéis um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Num 6,22-27
«Assim invocarão o meu nome sobre os filhos de Israel, e Eu os abençoarei».
Ambiente
O nosso texto situa-nos no Sinai, frente à montanha onde se celebrou a aliança entre Deus e o seu Povo… No contexto das últimas instruções de Jahwéh a Moisés, antes de Israel levantar o acampamento e iniciar a caminhada em direção à Terra Prometida, é apresentada uma fórmula de bênção, que os “filhos de Aarão” (sacerdotes) deviam pronunciar sobre a comunidade.
Provavelmente, trata-se de uma fórmula litúrgica utilizada no Templo de Jerusalém para abençoar a comunidade, no final das celebrações litúrgicas, antes de o Povo regressar a suas casas… Essa bênção é aqui apresentada como um dom de Deus, no Sinai.
A “bênção” (“beraka”) é concebida, no universo dos povos semitas, como uma comunicação de vida, real e eficaz, que atinge o “abençoado” e que lhe transmite vigor, força, êxito, felicidade. É um dom que, uma vez pronunciado, não pode ser retirado nem anulado. Aqui, essa comunicação de vida – fruto da generosidade e do amor de Deus – derrama-se sobre os membros da comunidade por intermédio dos sacerdotes (no Antigo Testamento, os intermediários entre o mundo de Jahwéh e a comunidade israelita). in Dehonianos.
A reflexão pode fazer-se a partir dos seguintes dados:
Em primeiro lugar, somos convidados a tomar consciência da generosidade do nosso Deus, que nunca nos abandona, mas que continua a sua tarefa criadora derramando sobre nós, continuamente, a vida em plenitude.
É de Deus que tudo recebemos: vida, saúde, força, amor e aquelas mil e uma pequeninas coisas que enchem a nossa vida e que nos dão instantes plenos. Tendo consciência dessa presença contínua de Deus ao nosso lado, do seu amor e do seu cuidado, somos gratos por isso? No nosso diálogo com Ele, sentimos a necessidade de O louvar e de Lhe agradecer por tudo o que Ele nos oferece? Agradecemos todos os dons que Ele derramou sobre nós no ano que acaba de terminar?
É preciso ter consciência de que a “bênção” de Deus não cai do céu como uma chuva mágica que nos molha, quer queiramos, quer não (magia e Deus não combinam); mas a vida de Deus, derramada sobre nós continuamente, tem de ser acolhida com amor e gratidão e, depois, transformada em gestos concretos de amor e de paz. É preciso que o nosso coração diga “sim”, para que a vida de Deus nos atinja e nos transforme. in Dehonianos
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 66 (67)
Refrão: Deus Se compadeça de nós e nos dê a sua bênção.
LEITURA II – Gal 4,4-7
«Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher».
Ambiente
Entre as comunidades cristãs do norte da Galácia manifestou-se, pelos anos 55/56, uma grave crise… À região gálata chegaram pregadores cristãos de origem judaica, que punham em causa a validade e a legitimidade do Evangelho anunciado por Paulo. Este era acusado de pregar um Evangelho mutilado, distante do Evangelho pregado pelos apóstolos de Jerusalém… Para estes pregadores (“judaizantes”), a fé em Cristo devia ser complementada pelo cumprimento rigoroso da Lei de Moisés, nomeadamente pelo rito da circuncisão.
Paulo foi avisado da situação quando estava em Éfeso. Não o preocupava que a sua pessoa fosse posta em causa; preocupava-o o dano que este tipo de discurso podia trazer às comunidades cristãs… Paulo estava convencido que o movimento religioso iniciado por Jesus de Nazaré não era uma religião formalista e ritual, uma religião de práticas exteriores, como o judaísmo farisaico do seu tempo, que se preocupava com questões formais e secundárias; além disso, estava convencido de que a salvação não tinha a ver com conquistas humanas (como se a salvação fosse conseguida à custa dos atos heroicos do homem), mas era um dom de Deus.
Alarmado pela gravidade da situação, Paulo escreveu aos gálatas. Com alguma dureza (justificada pela gravidade do problema), Paulo diz aos gálatas que o cristianismo é liberdade e que a ação de Cristo libertou os homens da escravidão da Lei… Os gálatas devem, portanto, fazer a sua escolha: pela escravidão, ou pela liberdade; no entanto – não deixa de observar Paulo – é uma estupidez ter experimentado a liberdade e querer voltar à escravidão…
No texto que nos é proposto, Paulo recorda aos gálatas a incarnação de Cristo e o objetivo da sua vinda ao mundo: fazer dos que a Ele aderem “filhos de Deus” livres. in Dehonianos.
Considerar, na reflexão, as seguintes questões:
A experiência cristã é, fundamentalmente, uma experiência de encontro com um Deus que é “abbá” – isto é, que é um “papá” muito próximo, com quem nos identificamos, a quem amamos, a quem nos entregamos e em quem confiamos plenamente. É esta proximidade libertadora e confiante que temos com o nosso Deus?
A nossa experiência cristã leva-nos a sentirmo-nos “filhos” amados, ou ao cumprimento de regras e de obrigações? Na Igreja não se põe, às vezes, a ênfase em cumprir leis e ritos externos, esquecendo o essencial – a experiência de “filhos” livres e amados de Deus?
A importante constatação de que somos “filhos” de Deus leva-nos a uma descoberta fundamental: estamos unidos a todos os outros homens – “filhos” de Deus como nós – por laços fraternos. É a mesma vida de Deus que circula em todos nós… O que é que esta constatação implica, em termos concretos? A que é que ela nos obriga? Faz algum sentido marginalizar alguém por causa da sua raça ou estatuto social? Aquilo que acontece aos outros – de bom e de mau – não nos diz respeito? in Dehonianos
EVANGELHO – Lc 2,16-21
«Os pastores dirigiram-se apressadamente para Belém e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura».
«Maria conservava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração».
Ambiente
O texto do Evangelho de hoje é a continuação daquele que foi lido na noite de Natal: após o anúncio do “anjo do Senhor”, os pastores (destinatários desse anúncio) dirigiram-se a Belém e encontraram o menino, deitado numa manjedoura de uma gruta de animais. Mais uma vez, Lucas não está interessado em fazer a reportagem do nascimento de Jesus, ou a crónica social das “visitas” que, então, o menino de Belém recebeu; mas está, sobretudo, interessado em apresentar uma catequese que dê a entender (aos cristãos a quem o texto se destina) quem é esse menino e qual a missão de que ele foi investido por Deus. Nesta catequese fica bem claro que Jesus é o Messias libertador, enviado a trazer a paz; e há, também, uma reflexão sobre a resposta que Deus espera do homem. in Dehonianos.
A reflexão pode partir dos seguintes elementos:
No Evangelho que, hoje, nos é proposto fica claro o fio condutor da história da salvação: Deus ama-nos, quer a nossa plena felicidade e, por isso, tem um projeto de salvação para levar-nos a superar a nossa fragilidade e debilidade; e esse projeto foi-nos apresentado na pessoa, nas palavras e nos gestos de Jesus. Temos consciência de que a verdadeira libertação está na proposta que Deus nos apresentou em Jesus e não nas ideologias, ou no poder do dinheiro, ou na posição que ocupamos na escala social? Porque é que tantos dos nossos irmãos vivem afogados no desespero e na frustração? Porque é que tanta gente procura “salvar-se” em programas de televisão que lhes dê uns minutos de fama, ou num consumismo alienante? Não será porque não fomos capazes de lhes apresentar a proposta libertadora de Jesus?
Diante da “boa nova” da libertação, reagimos – como os pastores – com o louvor e a ação de graças? Sabemos ser gratos ao nosso Deus pelo seu amor e pelo seu empenho em nos libertar da escravidão?
Os pastores, após terem tomado contacto com o projeto libertador de Deus, fizeram-se “testemunhas” desse projeto. Sentimos, também, o imperativo do testemunho? Temos consciência de que a experiência da libertação é para ser passada aos nossos irmãos que ainda a desconhecem?
Maria “conservava todas estas palavras e meditava-as no seu coração”. Quer dizer: ela era capaz de perceber os sinais do Deus libertador no acontecer da vida. Temos, como ela, a sensibilidade de estar atentos à vida e de perceber a presença – discreta, mas significativa, atuante e transformadora – de Deus, nos acontecimentos mais ou menos banais do nosso dia a dia? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura apresenta uma fórmula litúrgica utilizada no Templo de Jerusalém para abençoar a comunidade, no final das celebrações litúrgicas, antes do Povo regressar a suas casas, por isso, pede-se atenção ao tom a utilizar e ao discurso direto presente no texto.
Na segunda leitura, é necessário ter em atenção as diferentes pausas e respirações nas frases mais longos e com diversas orações, com um especial cuidado na expressão «Abá! Pai!», que deve ser bem integrada na frase. A palavra «Abá» deve pronunciar-se «Ábá».
I Leitura:
(ver anexo)
II Leitura:
(ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
SANTA MARIA, MÃE DE DEUS, RAINHA DA PAZ
Oito dias depois da Solenidade do Natal do Senhor, que a liturgia oriental designa significativamente por «a Páscoa do Natal», eis-nos no Primeiro Dia do Ano Civil de 2023, tradicionalmente designado como Dia de «Ano Bom», a celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.
A figura que enche este Dia, e que motiva a nossa Alegria, é, portanto, a figura de Maria, na sua fisionomia mais alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso, em 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.
É assim que a encontramos no Lecionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria, e ousamos mesmo dizer pobre, pobre, mas nobre, com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus mandou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei» (Gálatas 4,4). Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Encarnação, enquanto se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na sua condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça, bem-aventurada e bem-aventurança, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma; vem-lhe de Deus essa grandeza.
O Evangelho deste Dia de Maria (Lucas 2,16-21) guarda também uma preciosidade, quando Lucas nos diz que «todos os que tinham escutado as coisas faladas pelos pastores ficaram maravilhados, mas Maria guardava (synetêrei) todas estas Palavras que aconteceram (tà rhêmata), compondo-as (symbállousa) no seu coração» (Lucas 2,18-19). Em contraponto com o espanto de todos os que ouviram as palavras dos pastores, Lucas pinta um quadro mariano de extraordinária beleza: «Maria, ao contrário, guardava todas estas Palavras que aconteceram, compondo-as no seu coração». Há o espanto e a maravilha que se exprimem no louvor e no canto, e há o espanto e a maravilha que se exprimem no silêncio e na escuta. Maria, a Senhora deste Dia, aparece a guardar com ternura todas estas Palavras que acontecem, todos estes acontecimentos que falam e não esquecem. O verbo guardar implica atenção cheia de ternura, como quem leva nas suas mãos uma coisa preciosa. Este guardar atencioso e carinhoso não é um ato de um momento, mas a atitude de uma vida, uma vez que o verbo grego está no imperfeito, que implica duração. Como quando o povo de Deus reza confiante: «Guardai-nos e defendei-nos com coisa própria vossa».
O outro verbo belo mostra-nos Maria como que a compor, isto é, a «pôr em conjunto» (symbállô), a organizar, para melhor entender. É como quem, com aquelas Palavras, compõe um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa melodia e a conjugar novos acordes de alegria. E é dito ainda, num pleonasmo único na Escritura Santa, que Maria «concebeu no ventre (syllambánô en tê koilía)» (Lucas 2,21). Redundância. Música divina. O ventre de Maria em consonância com o «ventre de misericórdia do nosso Deus» (Lucas 1,78), causa da Luz que nas alturas se levanta e visita toda a gente, causa do Rebento que na nossa terra germina, que a nossa terra aquece e alumia, Jesus, filho de Deus e de Maria, a quem neste oitavo Dia é posto o Nome.
Esta solicitude maternal de Maria, habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus, levou o Papa Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz. Hoje é já o 56.º Dia Mundial da Paz que se celebra, e o Papa Francisco apôs-lhe o tema «Ninguém pode salvar-se sozinho. Juntos, recomecemos a partir de covid-19 para traçar sendas de paz».
De Deus vem sempre um mundo novo, belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te guarde. / O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. / O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Números 6,24-26).
O Salmo 67 é uma oração de bênção em forma de petição. Em termos técnicos, equivale a uma epiclese: não «eu te bendigo», mas «Deus nos bendiga». O nosso Salmo recolhe os temas da bênção sacerdotal de Números 6,24-26, como a graça, a luz, a benevolência, a paz, pondo o plural onde estava o singular, por assim dizer, «democratizando» a bênção, agora dirigida a todos, onde, na bênção sacerdotal do Livro dos Números, se dirigia apenas a Israel.
Olhada por Deus com singular olhar de Graça foi Maria, também Pobre, também Feliz, Bem-aventurada, Santa Maria, Mãe de Deus, que hoje celebramos em uníssono com a Igreja inteira. Para ela elevamos hoje os nossos olhos de filhos enlevados.
Mãe de Deus, Senhora da Alegria, Mãe igual ao Dia, Maria. A primeira página do ano é toda tua, Mulher do sol, das estrelas e da lua, Rainha da Paz, Aurora de Luz, Estrela matutina, Mãe de Jesus e também minha, Senhora de janeiro, do Dia primeiro e do Ano inteiro.
Abençoa, Mãe, os nossos dias breves. Ensina-nos a vivê-los todos como tu viveste os teus, sempre sob o olhar de Deus, sempre a olhar por Deus. É verdade. A grande verdade da tua vida, o teu segredo de ouro. Tu soubeste sempre que Deus velava por ti, enchendo-te de graça. Mas tu soubeste sempre olhar por Deus, porque tu soubeste bem que Deus também é pequenino. Acariciada por Deus, viveste acariciando Deus. Por isso, todas as gerações te proclamam «Bem-aventurada»! Por isso, nós te proclamamos «Bem-aventurada»!
Senhora e Mãe de janeiro, do Dia Primeiro e do Ano inteiro. Acaricia-nos. Senta-nos em casa ao redor do amor, do coração. Somos tão modernos e tão cheios de coisas estes teus filhos de hoje! Tão cheios de coisas e tão vazios de nós mesmos e de humanidade e divindade! Temos tudo. Mas falta-nos, se calhar, o essencial: a tua simplicidade e alegria. Faz-nos sentir, Mãe, o calor da tua mão no nosso rosto frio, insensível, enrugado, e faz-nos correr, com alegria, ao encontro dos pobres e necessitados.
Que seja, e pode ser, Deus o quer, e nós também podemos querer, um Ano Bom, cheio de Paz, Pão e Amor, para todos os irmãos que Deus nos deu! E que Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe nos abençoe também. Ámen!
Que Deus nos abençoe e nos guarde,
Que nos acompanhe, nos acorde e nos incomode,
Que os nossos pés calcorreiem as montanhas,
Cheios de amor, de paz e de alegria,
Que a tua Palavra nos arda nas entranhas,
E nos ponha no caminho de Maria.
O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.
O fiat que disseste, Maria, é de quem se fia
Num amor maior do que um letreiro.
Vela por nós, Maria, em cada dia
Deste ano inteiro,
Para que levemos a cada enfermaria,
A cada periferia,
Um amor como o teu, primeiro e verdadeiro.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I – Santa Maria Mãe de Deus – 01 Janeiro 2023 – Ano A (Num 6, 22-27)
- Leitura II -Santa Maria Mãe de Deus – 01 Janeiro 2023 – Ano A (Gal 4, 4-7)
- Santa Maria Mãe de Deus – 01 Janeiro 2023 – Ano A – Lecionário
- Santa Maria Mãe de Deus – 01 Janeiro 2023 – Ano A – Oração Universal
- Mensagem do Papa Francisco – 56º Dia Mundial da Paz – 01 janeiro 2023
- ANO A – O ano do evangelista Mateus