Sínodo 2021-2024
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- CEP – 11.01.2025 – Encontro Sinodal
- Paróquias sinodais. Artigo de Andrea Lebra
- Discernimento comunitário nas dioceses para aplicar as conclusões do Sínodo
- Uma visão relevante sobre o Sínodo 2021-2024 – Editorial da Revista Brotéria
- Votações do Documento Final- Sinodo 2021-2024
- Documento Final do Sínodo 2021-2024 em Português POR
- Resumo Documento Final Sínodo 2021-2024 – 27.10.2024
- Um processo imparável
- O grande perigo do Sínodo
- XVI Assembleia Geral dos Bispos – Sinodo 2021-2024 – 02.outubro.2024 – Intervenções Papa Francisco
- Instrumentum laboris – outubro 2024
- Atualizando – Sinodo 2021-2024 – a caminho de Outubro 2024 – Diocese do Porto
- CEP – Sinodo 2021-2024
- Texto da Diocese do Porto enviado para a Conferência Episcopal Portuguesa – abril 2024
- E agora, o que fazer com este sínodo?
- Já disponível vídeo do debate sobre o Sínodo que contou com o testemunho do cardeal Tolentino
- Igreja: «Rede Sinodal em Portugal» pretende abrir espaço de informação sobre processo lançado pelo Papa
- Sínodo – até outubro de 2024
- Relatório-sintese da XVI Assembleia Geral do Sínodo – 4 a 29.10.2023
- Sínodo 2021-2024 -Um mês de trabalho da Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos – Testemunhos
- O Relatório de Síntese: uma Igreja que envolve todos e está próxima das feridas do mundo
- Entrevista-Subsecretária do Sínodo dos Bispos, aborda primeira sessão da Assembleia Sinodal e projeta encontro de 2024
- Carta da 16a Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos ao Povo de Deus
- O Sínodo – Ponto SJ
- Timothy Radcliffe, OP
- Entrevista a Cristina Inogés Sanz – O Sínodo e as mulheres
- No final de uma semana de Sínodo
- Saudação do Papa Francisco – Abertura Sínodo 2021-2024 – 04.10.2023
- O vídeo do Papa pelo Sínodo – Outubro 2023
- Entrevista ao Teólogo José Eduardo Borges de Pinho
- Entrevista exclusiva com o Cardeal Hollerich, relator-geral do Sínodo
- Os mais de 260 participantes no Sínodo dos Bispos já têm rosto… e destacam-se as mulheres
- Sinodo 2021-2024 – “Instrumentum Laboris” apresentado
- Sínodo 2021-2024: Síntese da CEP para Assembleia Continental em Praga
- Entrevista da Teóloga Cristina Inogés Sanz
- Assembleia Continental do Sínodo – Praga – 06.02.2023
- Comunicado da Secretaria Geral do Sínodo
Liturgia da Palavra
Domingo da Sagrada Família de Jesus, Maria e José
Ano C – 29 dezembro 2024
Viver a Palavra
A celebração do Natal do Senhor coloca-nos de olhos postos no Presépio de Belém contemplando Deus que se faz homem na fragilidade e na debilidade da nossa natureza, mas também na beleza e na ternura de um recém-nascido que se faz sinal e presença do amor de Deus no coração da humanidade.
Contemplando este Menino que nasce para nós, contemplamos Maria e José. Maria que no Seu sim total e disponível acolheu o projeto do Altíssimo e José que com total confiança acolheu o sonho de Deus e aceitou ser guarda e protetor do Menino e de Sua Mãe. Deste modo, no Domingo dentro da Oitava do Natal somos convidados a dar graças pelo dom da família de Nazaré como modelo de vida familiar. Queremos aprender com Maria, José e o Menino, para que também cada um de nós e cada família se tornem um lugar de acolhimento dos projetos e sonhos de Deus.
Apontar a Família de Nazaré como modelo de vida familiar não pode ser de modo nenhum a apresentação de um modelo idílico e inalcançável de vida conjugal, pois como recorda o Papa Francisco na sua exortação apostólica sobre a família, muitas vezes «apresentámos um ideal teológico do matrimónio demasiado abstrato, construído quase artificialmente, distante da situação concreta e das possibilidades efetivas das famílias tais como são. Esta excessiva idealização, sobretudo quando não despertámos a confiança na graça, não fez com que o matrimónio fosse mais desejável e atraente; muito pelo contrário» (AL 36). Deste modo, eliminando qualquer visão idílica da Família de Nazaré, devemos tomar consciência que através de uma história humaníssima, marcada também por sofrimentos e cansaços, se desenvolve a humanidade livre e libertadora do amor de Jesus.
Tal como nos recorda a Liturgia da Palavra deste Domingo e, de modo particular o texto evangélico, a Família de Nazaré não é para nós um modelo de vida familiar porque a sua vida foi isenta de dificuldades e desafios, mas porque, não obstante todos os desafios e dificuldades, foram fiéis ao desígnio de Deus. Por isso, celebrar a festa da Sagrada Família é a ocasião privilegiada para agradecer a Deus o dom da vida familiar como lugar quotidiano da procura da vontade de Deus.
A família cristã, enquanto Igreja Doméstica, é lugar privilegiado para o encontro com Deus e os irmãos, lugar onde aprendemos a amar e a cuidar, a acolher Jesus e a levá-Lo aos outros. Por isso, no coração da vida familiar deve estar presente o gesto agradecido de Ana que tendo concebido e dado à luz o seu filho Samuel o confia ao Senhor: «eu o ofereço para que seja consagrado ao Senhor todos os dias da sua vida». Na verdade, a vida é um dom a agradecer e a consagrar ao Senhor como lugar de serviço a Deus e aos irmãos.
Este mesmo dinamismo que deve caracterizar a família cristã está presente no Evangelho na peregrinação anual a Jerusalém pela festa da Páscoa. Esta imagem da família peregrina recorda-nos que a família é um lugar permanente de peregrinação em duas direções: rumo a Jerusalém, isto é, para as coisas de Deus e, em seguida, rumo a Nazaré, símbolo da vida quotidiana e da atenção aos outros.
Deste modo, a Igreja, Família de famílias, tem a exigente tarefa de ser Mãe e Mestra. Mãe que a todos acompanha, integra e acolhe e Mestra exigente que aponta o caminho da vida familiar como lugar de realização e felicidade contemplando o modelo do lar de Nazaré. in Voz Portucalense.
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«Nós, pastores, devemos animar as famílias a crescerem na fé. Para isso, é bom incentivar a confissão frequente, a direção espiritual, a participação em retiros. Mas há que convidar também a criar espaços semanais de oração familiar, porque «a família que reza unida permanece unida» (AL 227). A celebração da Festa da Sagrada Família é uma oportunidade para os pastores, juntamente com os agentes pastorais ligados à família, acolherem este desafio do Papa Francisco de animarem as famílias a crescer na fé. Nesta celebração pode fazer-se a bênção das famílias, rezarem uma oração por todas as famílias ou, porventura, uma consagração de todas as famílias à Sagrada Família de Nazaré. A criatividade pastoral deverá ajudar a fazer deste momento um lugar de acolhimento para a todos, cumprindo o desafio de acompanhar, discernir e integrar as situações fragilidade. in Voz Portucalense.
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Com o Tempo de Natal continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.
Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Ben Sirá 3,3-7.14-17a [versão grega: 3,2-6.12-14]
Deus quis honrar os pais nos filhos
e firmou sobre eles a autoridade da mãe.
Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados,
e acumula um tesouro quem honra sua mãe.
Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos
e será atendido na sua oração.
Quem honra seu pai terá longa vida,
e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe.
Filho, ampara a velhice do teu pai
e não o desgostes durante a sua vida.
Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele
e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida,
porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida
e converter-se-á em desconto dos teus pecados.
CONTEXTO
O Livro de Ben Sirá (chamado, na sua versão grega, “Eclesiástico”) é um livro de carácter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos aspirantes a “sábios” indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor é um tal Jesus Ben Sirá, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C.
A época de Jesus Ben Sirá é uma época conturbada para o Povo de Deus. Os selêucidas (uma família descendente de Seleuco Nicator, general de Alexandre Magno, que herdou parte do império de Alexandre, o Grande, quando este morreu, em 323 a.C.) dominavam a Palestina e procuravam impor aos judeus, mesmo pela força, a cultura helénica. Muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade”. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Neste contexto, Jesus Ben Sirá, um “sábio” judeu apegado às tradições dos seus antepassados, escreve para preservar as raízes do seu Povo. No seu livro, apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para serem um Povo livre e feliz. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Os nossos pais foram, em nosso favor, instrumentos do Deus criador. Através deles, Deus chamou-nos à vida. Sentimo-nos gratos aos nossos pais por eles terem aceitado colaborar com Deus, dando-nos vida e cuidando de nós ao longo do caminho que temos vindo a percorrer? Lembramo-nos de lhes demonstrar, com ternura e amor, a nossa gratidão?
- Apesar da sensibilidade moderna aos direitos humanos e à dignidade das pessoas, a nossa civilização cria, com frequência, situações de abandono, de marginalização, de solidão, cujas vítimas são, muitas vezes, aqueles que já não têm uma vida considerada produtiva, ou aqueles a quem a idade ou a doença trouxeram limitações. No entanto, do ponto de vista de Deus, nenhum ser humano é “descartável”, ou estará alguma vez fora do prazo de validade. Não podemos admitir – com a nossa indiferença ou com o nosso silêncio cúmplice – que as pessoas em situação de fragilidade sejam abandonadas na berma da estrada, sempre que o mundo caminha a um ritmo que elas não podem acompanhar. Temos consciência disto?
- É verdade que a vida de hoje é muito exigente a nível profissional e que nem sempre é possível a um filho estar presente ao lado de um pai que precisa de cuidados continuados ou de acompanhamento especializado. No entanto, se alguma vez as circunstâncias impuserem a necessidade de afastamento de um pai idoso ou descapacitado do ambiente familiar, isso não pode significar abandono e condenação à solidão. Seremos sempre responsáveis por aqueles que cativamos, e ainda mais por aqueles que foram, para nós, instrumentos do Deus criador e fonte de vida. Sentimo-nos responsáveis pelo bem-estar dos nossos pais, dos nossos avós, das pessoas idosas ou doentes que fazem parte da nossa história de vida?
- O capital de maturidade e de sabedoria de vida que os mais idosos possuem é considerado por nós uma riqueza ou um desafio ridículo à nossa modernidade e às nossas certezas?
- Face à invasão contínua de valores estranhos que, tantas vezes, põem em causa a nossa identidade cultural e religiosa (quando não a nossa humanidade), o que significam os valores que recebemos dos nossos pais? Avaliamos com maturidade a perenidade desses valores, ou estamos dispostos a renegá-los ao primeiro aceno dos “valores da moda”? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)
Refrão 1: Felizes os que esperam no Senhor,
e seguem os seus caminhos.
Refrão 2: Ditosos os que temem o Senhor,
ditosos os que seguem os seus caminhos.
Feliz de ti, que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.
Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos serão como ramos de oliveira
ao redor da tua mesa.
Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião te abençoe o Senhor:
vejas a prosperidade de Jerusalém
todos os dias da tua vida.
LEITURA II – Colossenses 3,12-21
Irmãos:
Como eleitos de Deus, santos e prediletos,
revesti-vos de sentimentos de misericórdia,
de bondade, humildade, mansidão e paciência.
Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente,
se algum tiver razão de queixa contra outro.
Tal como o Senhor vos perdoou,
assim deveis fazer vós também.
Acima de tudo, revesti-vos da caridade,
que é o vínculo da perfeição.
Reine em vossos corações a paz de Cristo,
à qual fostes chamados para formar um só corpo.
E vivei em ação de graças.
Habite em vós com abundância a palavra de Cristo,
para vos instruirdes e aconselhardes uns aos outros
com toda a sabedoria;
e com salmos, hinos e cânticos inspirados,
cantai de todo o coração a Deus a vossa gratidão.
E tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras,
seja tudo em nome do Senhor Jesus,
dando graças, por Ele, a Deus Pai.
Esposas, sede submissas aos vossos maridos,
como convém no Senhor.
Maridos, amai as vossas esposas
e não as trateis com aspereza.
Filhos, obedecei em tudo a vossos pais,
porque isto agrada ao Senhor.
Pais, não exaspereis os vossos filhos,
para que não caiam em desânimo.
CONTEXTO
A Igreja de Colossos, destinatária desta carta, foi fundada por Epafras, um amigo de Paulo, pelos anos 56/57. Tanto quanto sabemos, Paulo nunca visitou a comunidade…
Hoje, não é claro para todos que Paulo tenha escrito esta carta (o vocabulário utilizado e o estilo do autor estão longe das cartas indiscutivelmente paulinas; também a teologia apresenta elementos novos, nunca usados nas outras cartas atribuídas a Paulo); por isso, é um pouco difícil definirmos o ambiente em que este texto apareceu…
Para os defensores da autoria paulina, contudo, a carta foi escrita quando Paulo estava prisioneiro, possivelmente em Roma (anos 61/63). Epafras teria visitado o apóstolo na prisão e deixado notícias alarmantes: os Colossenses corriam o risco de se afastar da verdade do Evangelho, por causa das doutrinas ensinadas por certos doutores de Colossos. Essas doutrinas misturavam práticas legalistas (o que parece indicar tendências judaizantes) com especulações acerca do culto dos anjos e do seu papel na salvação; exigiam um ascetismo rígido e o cumprimento de certos ritos de iniciação, destinados a comunicar aos crentes um conhecimento mais adequado dos mistérios ocultos e levá-los, através dos vários graus de iniciação, à vivência de uma vida religiosa mais autêntica.
Sem refutar essas doutrinas de modo direto, o autor da carta afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
O texto que nos é hoje proposto pertence à segunda parte da carta. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção (primeira parte), o autor avisa os Colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível de vivência prática (segunda parte): implica a renúncia ao “homem velho” do egoísmo e do pecado e o “revestir-se do Homem Novo” (Cl 3,9-11 in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A nossa vida de todos os dias é, a cada instante, marcada por tensões, ansiedades, conflitos e problemas que mexem com o nosso equilíbrio e a nossa harmonia. Perdemos o controlo, tornamo-nos quezilentos e conflituosos, criticamos os outros com palavras que magoam, assumimos poses de arrogância e de superioridade, enchemos as redes sociais com comentários infelizes… Talvez nos faça bem cada dia, em jeito de exame de consciência, reservar um momento para olhar para Jesus e para confrontar os nossos gestos, as nossas palavras, as nossas escolhas com os gestos, as palavras e as suas opções. Admitimos que esse “confronto” pode ajudar-nos a situar as perspetivas e a recentrar a nossa vida “em Cristo”?
- A nossa primeira responsabilidade vai, evidentemente, para aqueles que connosco partilham, de forma mais chegada, a vida do dia a dia (a nossa família). Esse amor, que deve revestir-nos sempre, traduz-se numa atenção contínua àquele que está ao nosso lado, às suas necessidades e preocupações, às suas alegrias e tristezas, aos seus sorrisos e às suas lágrimas? Traduz-se em gestos sentidos e partilhados de carinho e de ternura? Traduz-se num respeito absoluto pela liberdade e pelo espaço do outro, por deixar o outro crescer sem o sufocar? Traduz-se na vontade de servir o outro, sem nos servirmos dele?
- A expressão “esposas, sede submissas aos vossos maridos” é, evidentemente, uma expressão anacrónica, que deve ser devidamente contextualizada no universo cultural e social do séc. I, mas que hoje não faz sentido. Para os que vivem “em Cristo”, o valor que preside às relações é o amor… E o amor não comporta submissão ou superioridade, mas igualdade fundamental em dignidade e direitos. O mesmo Paulo dirá, noutras circunstâncias, que para os que vivem “em Cristo” “não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher”, porque todos são um só em Cristo Jesus (Gl 3,28). É este o horizonte em que vivemos e caminhamos? Alguma vez tratamos com sobranceria e superioridade as pessoas que caminham ao nosso lado? in Dehonianos.
EVANGELHO – Lucas 2,41-52
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém,
pela festa da Páscoa.
Quando Ele fez doze anos,
subiram até lá, como era costume nessa festa.
Quando eles regressavam, passados os dias festivos,
o Menino Jesus ficou em Jerusalém,
sem que seus pais o soubessem.
Julgando que Ele vinha na caravana,
fizeram um dia de viagem
e começaram a procurá-l’O entre os parentes e conhecidos.
Não O encontrando,
voltaram a Jerusalém, à sua procura.
Passados três dias,
encontraram-n’O no templo,
sentado no meio dos doutores,
a ouvi-los e a fazer-lhes perguntas.
Todos aqueles que O ouviam
estavam surpreendidos com a sua inteligência e as suas respostas.
Quando viram Jesus, seus pais ficaram admirados;
e sua Mãe disse-Lhe:
«Filho, porque procedeste assim connosco?
Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura».
Jesus respondeu-lhes:
«Porque Me procuráveis?
Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?»
Mas eles não entenderam as palavras que Jesus lhes disse.
Jesus desceu então com eles para Nazaré
e era-lhes submisso.
Sua Mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração.
E Jesus ia crescendo em sabedoria, em estatura e em graça,
diante de Deus e dos homens.
CONTEXTO
O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso, a catequese cristã dos primeiros tempos interessou-se, de forma especial, por conservar as memórias da vida pública e da paixão do Senhor.
Só num estádio posterior houve uma certa curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, algumas informações históricas sobre a infância de Jesus; e esse material foi, depois, amassado e trabalhado, de forma a transmitir aquilo que a catequese primitiva ensinava sobre Jesus e o seu mistério. O chamado “Evangelho da Infância” (o texto evangélico que a liturgia nos propõe na Festa da Sagrada Família é precisamente o final do “Evangelho da Infância) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do Evangelho, Lucas está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em contar-nos factos memoráveis da sua infância.
O nosso texto começa por referir uma peregrinação que Maria, José e Jesus fizeram a Jerusalém, por altura da celebração da festa da Páscoa, quando Jesus tinha doze anos. A Lei judaica pedia que os homens de Israel fossem três vezes por ano a Jerusalém, por alturas das três grandes festas de peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Festa das Cabanas – cf. Ex 23,14-17; 34,22-23; Dt 16,16). A legislação posterior, apresentada na Mishná (o texto que recolhe a tradição oral judaica), considerava que os homens judeus estavam obrigados à observância da Tora a partir dos treze anos (altura em que celebravam o “bar mitzvá”, a cerimónia que os define como adultos, capazes de assumir a sua responsabilidade na comunidade do Povo de Deus). Há razões para pensarmos que alguns aspetos dessa regulamentação eram já aplicados na época de Jesus. Não sabemos, no entanto, se a vinda de Jesus a Jerusalém, com Maria e com José, está relacionada com essa obrigação ou, simplesmente, com o costume seguido por certas famílias muito religiosas, que envolviam os seus filhos, desde tenra idade, nas celebrações mais importantes da fé judaica.
As festas da Páscoa prolongavam-se habitualmente por oito dias. É de crer que, durante esses dias, Jesus e a sua família tivessem passado longas horas no Templo, o verdadeiro centro da vivência religiosa judaica. Nos pórticos do Templo, os rabis e os escribas discutiam e explicavam as Escrituras, recitavam orações, e davam aos peregrinos piedosos conselhos.
É no cenário de Jerusalém e do Templo que Lucas situa as primeiras palavras pronunciadas por Jesus no seu Evangelho: “porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?”. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A “fuga” de Jesus ao controle de Maria e de José para ficar em Jerusalém a escutar os mestres da Lei que ensinavam nos átrios do Templo parece-nos desconcertante, no contexto de um projeto familiar maduro, responsável e harmonioso. Configura uma “crise” familiar? Não. Mas revela uma realidade: na Sagrada Família de Nazaré, Deus é a prioridade. Jesus, pelos doze anos, já estava bem ciente disso. Foi algo que, com toda a certeza, Maria e José ensinaram ao jovem Jesus. Por isso em Jerusalém, “encantado” com a possibilidade de aprofundar os seus conhecimentos sobre a Palavra de Deus, Jesus deixou-se ficar no Templo. Deus tem um lugar central no projeto de vida da Família de Nazaré. Que importância é que Deus assume na vida das nossas famílias? Deus é a prioridade, a referência suprema? Nas nossas famílias cuida-se da fé e da sua vivência? Aprende-se a rezar? Procura-se que cada pessoa cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos desafios de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de Deus e para partilhar, em família, a Palavra de Deus?
- Jesus tinha doze anos quando foi a Jerusalém em peregrinação para celebrar a Páscoa. Maria e José quiseram que Jesus, desde muito novo, participasse nos grandes momentos da celebração da fé do seu Povo. Consideraram que isso fazia parte da sua responsabilidade enquanto pais profundamente crentes. Nas nossas famílias cristãs há normalmente uma legítima preocupação com o proporcionar a cada criança condições ótimas de vida, de educação, de acesso à instrução e aos cuidados essenciais…. Haverá sempre uma preocupação semelhante no que diz respeito à formação para a fé e em proporcionar aos filhos uma verdadeira educação para a vida cristã e para os valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos preocupam-se sempre em proporcionar aos seus filhos um exemplo de coerência com os compromissos assumidos no dia do Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros catequistas dos próprios filhos, transmitindo-lhes os valores do Evangelho? Preocupam-se em acompanhar e em potenciar a formação e a caminhada catequética dos próprios filhos, em inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na família de Jesus?
- Quando numa família Deus “conta”, os valores de Deus passam a ser, para todos os membros daquela comunidade familiar, as marcas que definem o sentido da existência. O espaço familiar torna-se, então, a escola onde se aprende o amor, a solidariedade, a partilha, o serviço, o diálogo, o respeito, o perdão, a fraternidade universal, o cuidado da criação, a atenção aos mais frágeis, o sentido do compromisso, do sacrifício, da entrega e da doação… Procuramos que a nossa comunidade familiar seja uma “escola de valores” onde todos possam aprender os valores que dão sentido à existência? Procuramos, no contexto da nossa comunidade familiar, preparar cada um dos seus membros para ser um cidadão responsável e consciente, capaz de se comprometer na construção de um mundo mais justo, mais verdadeiro, mais humano?
- Maria e José “não entenderam as palavras que Jesus lhes disse” quando o questionaram em Jerusalém. Provavelmente só as entenderam mais tarde, depois de terem percebido que Jesus tinha agido de acordo com os princípios religiosos que Lhe transmitiram. No entanto, apesar de não terem percebido, não fizeram “cenas” nem assumiram qualquer atitude drástica de condenação do comportamento do jovem Jesus. Como é que os pais reagem quando os seus filhos começam a dar sinais de uma identidade própria e de um projeto de vida que não coincide exatamente com aquilo com que os pais pensam e sonham? Com intransigência, crítica e condenação, ou com compreensão, com respeito e com amor? A comunidade familiar potencia o nosso crescimento, abrindo-nos horizontes e levando-nos ao encontro do mundo, ou fecha-nos num espaço cómodo mas limitado, onde nos mantemos eternamente dependentes?
- Jesus, depois daquela “aventura” em Jerusalém, veio com Maria e José para a casa da família em Nazaré e “era-lhes submisso”. Isso significa que respeitava os pais, acolhia os seus ensinamentos, ajudava-os, obedecia-lhes, acompanhava-os com o seu afeto e com a solicitude que os filhos devem aos pais. É dessa forma que tratamos os nossos pais, mesmo quando eles têm dificuldade em aceitar a nossa visão da vida e do mundo, ou quando eles já não podem trabalhar e precisam de cuidados e de atenção especial?
- Maria “guardava todos estes acontecimentos em seu coração”. De certeza que pensava longamente nos “acidentes” da vida, procurando entender o significado das coisas à luz de Deus e do seu projeto. Aos poucos, meditando sobre as coisas, ia entendendo o projeto de Deus e preparando o seu coração para o acolher e para viver de acordo com ele. É assim que vivemos, refletindo sobre as coisas, “amadurecendo-as” no coração, confrontando-as com a Palavra de Deus, procurando encontrar o sentido daquilo que a vida nos traz?
- Vivemos num tempo difícil, que não favorece a construção de um projeto familiar coerente com os valores de Deus. Muitos pais, afundados em mil dificuldades, ultrapassados por uma sociedade de egoísmo, de bem-estar, de indiferença, de incredulidade, não sabem como agir no sentido de oferecer aos filhos uma educação responsável, sã, solidária, coerente com a fé cristã. Não poderiam e não deveriam receber, no exercício da sua missão de educadores, uma ajuda mais concreta e eficaz a partir das comunidades cristãs? Que apoio é que a comunidade cristã poderá dar aos pais crentes que encontram dificuldades no projeto de educar responsavelmente os seus filhos? in Dehonianos
Papa Francisco (Angelus de 26 de dezembro de 2021)
No Evangelho vemos que até na Sagrada Família nem tudo corre bem: há problemas inesperados, angústias, sofrimentos. Não existe a Sagrada Família dos santinhos. Maria e José perdem Jesus, procuram-no ansiosamente, e encontram-no depois de três dias. E quando, sentado entre os mestres no Templo, responde que deve cuidar das coisas do seu Pai, não o compreendem. Precisam de tempo para aprender a conhecer o seu filho. Assim também para nós: todos os dias, em família, é preciso aprender a ouvir-se e a compreender-se, a caminhar juntos, a enfrentar conflitos e dificuldades. É o desafio diário, que se vence com a atitude certa, com pequenas atenções, com gestos simples, cuidando dos detalhes das nossas relações. […] Quantas vezes, infelizmente, dentro de casa nascem e crescem conflitos de silêncios demasiado longos e de egoísmos descuidados! Às vezes chega-se até a violências físicas e morais. Isto dilacera a harmonia e mata a família. Passemos do eu para o tu. O que deve ser mais importante na família, é o tu. E todos os dias, por favor, rezai um pouco juntos, se puderdes fazer o esforço, para pedir a Deus o dom da paz na família. E comprometamo-nos todos – pais, filhos, Igreja, sociedade civil – a apoiar, defender e preservar a família, que é o nosso tesouro! Que a Virgem Maria, esposa de José e mãe de Jesus, ampare as nossas famílias. (Angelus de 26 de dezembro de 2021)
Para os leitores:
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
- Leitura I do Dia de Natal – Missa da Meia Noite – Ano C – 25.12.2024 (Is 9, 1-6)
- Leitura II do Dia de Natal – Missa da Meia Noite – Ano C – 25.12.2024 (Tito 2, 11-14)
- Leitura I do Dia de Natal – Missa do Dia – Ano C – 25.12.2024 (Is 52, 7-10)
- Leitura II do Dia de Natal – Missa do Dia – Ano C – 25.12.2024 (Heb 1, 1-6)
- Natal do Senhor e Festa da Sagrada Familia – Ano C – 25.12.2024 e 29.12.2024 – Lecionário
- Natal do Senhor e Festa da Sagrada Familia – Ano C – 25.12.2024 e 29.12.2024 – Oração Universal
- Leitura I do Domingo da Sagrada Familia – Ano C – 29.12.2024 (Sir 3, 3-7.14-17a)
- Leitura II do Domingo da Sagrada Familia – Ano C – 29.12.2024 (Col 3, 12-21)
- Domingo da Sagrada Família de Jesus, Maria e José – Ano C – 29.12.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo da Sagrada Família
- ANO C – Ano de Lucas- 2024-2025
Domingo IV do Tempo do Advento – Ano C – 22 dezembro 2024
Viver a Palavra
Deus Criador e Senhor de todas as coisas, que em Cristo se faz homem, escolhendo a nossa humanidade frágil e limitada como lugar da revelação do Seu amor infinito, revela-nos a nova lógica do Reino, onde aquilo que é pequeno, que é pobre e que não se impõe se torna lugar de anúncio alegre e feliz da força de Deus. A Liturgia da Palavra deste IV Domingo do Tempo de Advento constitui-se como um belo testemunho desta certeza e, assim, a pequena aldeia de Belém é o lugar escolhido para o nascimento do Messias (Profecia de Miqueias), o seio da Virgem Maria torna-se morada e habitação do Filho do Altíssimo (Evangelho de S. Lucas) e o corpo humano é o lugar de manifestação de Deus entre os homens (Epístola aos Hebreus).
Como nos recorda S. Paulo no seu epistolário, Deus escolhe os pequenos e o que é fraco aos olhos do mundo, para precisamente aí manifestar a Sua grandeza. Deste modo, também nós próprios, não obstante as nossas limitações e fragilidades, sentimo-nos incluídos no grande projeto de amor e felicidade que Deus tem para a humanidade.
Em Jesus Cristo e na força reveladora da Sua Incarnação não podemos olhar para a nossa condição humana limitada e frágil como um impedimento para nos aproximarmos de Deus e dos irmãos. Quando assumida e integrada, a nossa pequenez e debilidade tornam-se lugar permanente de apelo à conversão, um desafio para em cada dia ser mais e melhor, um convite a crescer e progredir na santidade que faz das nossas vidas irradiação da beleza, da bondade e da ternura de Deus.
Olhar assim a nossa fragilidade e pequenez é também um apelo a perceber como Deus se revela no nosso quotidiano, na simplicidade dos gestos e na descrição de tantas vidas disponíveis para o serviço do Evangelho. Por isso, exercitemos o nosso olhar e aprendamos a olhar para o mundo e para os homens e mulheres que connosco se cruzam nos trilhos do tempo e da história e saibamos encontrar no quotidiano da nossa vida a presença terna e próxima de Deus que cuida de nós, que nos toma pela mão e nos aponta o caminho da santidade.
Vencendo a nossa tentação tão humana de olhar apenas para aquilo que os outros fazem de mal, procuremos como Isabel louvar o Senhor por tudo aquilo que Ele faz de bom e de belo através daqueles que se cruzam connosco. Ao ver Maria, Isabel exclamou: «Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre» e nestas palavras Isabel manifesta como quando nos abrimos à presença do Espírito Santo podemos contemplar as maravilhas que Deus opera no coração da história.
Como Maria, que habitada pelo Verbo de Deus, não fica indiferente ao mundo à sua volta e sabendo que a sua parenta Isabel que é de idade avançada se encontra grávida, coloca-se «apressadamente» a caminho, também nós devemos aprender esta arte de ir apressadamente ao encontro de quem precisa da nossa ajuda, da nossa presença e da nossa solicitude. Como recordava o Papa Francisco aos jovens, comentando este texto evangélico, muitas vezes, na vida, perdemos muito tempo a questionar-nos «quem sou eu?» sem colocarmos aquela que é a pergunta mais decisiva para a descoberta da nossa identidade: «para quem sou eu?». A resposta a esta pergunta há-de ajudar-nos a descobrir a nossa verdadeira identidade, pois no serviço aos irmãos, concretizamos a graça da nossa filiação divina e proclamamos, com a vida, as palavras da epístola aos Hebreus: «Eis-Me aqui: Eu venho para fazer a tua vontade». in Voz Portucalense.
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No IV Domingo do Tempo de Advento estamos já na iminência da celebração do Natal do Senhor e são muitas as coisas a preparar e ultimar para a celebração familiar desta quadra natalícia. Este Domingo é uma oportunidade para convidar cada família a fazer da Ceia de Natal um verdadeiro lugar de vivência cristã, de modo particular pela oração em família. Por isso, deve convidar-se cada família a valorizar este momento de oração, no início da Ceia Natalícia, acendendo uma vela ou valorizando as figuras do Presépio. Cada comunidade pode preparar uma proposta de oração para ser distribuída nas celebrações deste Domingo. in Voz Portucalense.
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Com o Tempo de Advento damos início a um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, integrados na dinâmica de Advento, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.
Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Miqueias 5,1-4a
Eis o que diz o Senhor:
«De ti, Belém-Efratá,
pequena entre as cidades de Judá,
de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel.
As suas origens remontam aos tempos de outrora,
aos dias mais antigos.
Por isso Deus os abandonará
até à altura em que der à luz
aquela que há de ser mãe.
Então voltará para os filhos de Israel
o resto dos seus irmãos.
Ele se levantará para apascentar o seu rebanho
pelo poder do Senhor,
pelo nome glorioso do Senhor, seu Deus.
Viver-se-á em segurança,
porque ele será exaltado até aos confins da terra.
Ele será a paz».
CONTEXTO
Miqueias nasceu em Moreset Gat, uma aldeia de Judá, a cerca de 35 quilómetros a sudoeste de Jerusalém. Moreset Gat situa-nos num ambiente rural, onde abundavam os pequenos agricultores vítimas dos abusos dos grandes latifundiários. Por outro lado, a existência, nessa zona, de diversas fortalezas militares (Azeqa, Soco, Adulán, Maresa, Laquis) trazia aos habitantes da região um problema acrescido: os militares e funcionários reais que por lá se aquartelavam cometiam todo o género de arbitrariedades contra os camponeses pobres. Impostos excessivos, roubos à mão armada, obrigatoriedade de trabalhos forçados, prepotências e injustiças de todo o tipo amarguravam o dia a dia do povo simples da região.
De acordo com o livro (cf. Mq 1,1), o ministério profético de Miqueias prolongou-se pelos reinados de Jotam (739-734 a.C.), Acaz (734-727 a.C.) e Ezequias (727-698 a.C.). Para Judá, foi uma fase histórica difícil, marcada pela hegemonia da Assíria na região. Em 722 a.C., o rei assírio Salamanasar V conquistou a Samaria e, paralelamente, converteu Judá em vassalo da Assíria. Ezequias, rei de Judá, teve de submeter-se ao poderio assírio. Depois de alguns anos de relativa calma, aproveitando a morte do rei Sargão II (705 a.C.), Ezequias aderiu a uma coligação anti assíria; mas Senaquerib, sucessor de Sargão II, invadiu Judá, conquistou diversas cidades e cercou Jerusalém. Para evitar males maiores, Ezequias submeteu-se e comprometeu-se a pagar aos assírios um pesado tributo. Foi esse o cenário histórico que marcou os últimos anos do reinado de Ezequias.
Miqueias conhecia bem a situação dos camponeses de Judá. A sua mensagem denuncia as injustiças praticadas pelos grandes latifundiários, a venalidade dos juízes, as violências praticadas pelos militares e pela classe dirigente contra o povo simples, as mensagens mentirosas dos falsos profetas, a religião cúmplice dos injustos e prepotentes, a infidelidade a Deus manifestada no culto aos deuses estrangeiros… Miqueias considera que Deus está farto de tanto pecado e que se prepara para castigar Judá. Esta denúncia aparece sobretudo nos capítulos 1 a 3 do livro de Miqueias.
No entanto, o profeta deixa a porta aberta à esperança. Nos capítulos 4 e 5 do livro de Miqueias aparecem diversos oráculos de salvação que falam de um tempo novo que Deus prepara para o seu Povo: um resto de Judá será o viveiro de reflorescimento da nação; Jerusalém será um centro para onde acorrerão povos de toda a terra, a fim de se encontrarem com Deus; aparecerá um rei, da descendência de David, que apascentará Judá e inaugurará um tempo novo de tranquilidade, de paz e de abundância de vida. Alguns biblistas pensam que estes capítulos não foram redigidos por Miqueias, mas sim por um profeta anónimo, na época do Exílio na Babilónia.
O texto que a liturgia deste quarto domingo do advento nos propõe como primeira leitura pertence a este lote de “oráculos de salvação”.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A profecia de Miqueias evidencia uma constante que se repete ao longo de toda a história da salvação: os homens, com ridícula teimosia, insistem em trilhar caminhos de egoísmo, de orgulho, de ambição, de injustiça, de violência, de destruição, de morte; e Deus, com amor infinito, insiste em apontar-lhes os caminhos que conduzem à vida, à paz, à realização plena, à felicidade sem fim. Teremos razão quando acusamos Deus por permitir o mal e a violência que ensombram o mundo e a história dos homens? Depois de tudo o que Deus tem feito para abrir portas de esperança nos muros sem saída que levantamos, podemos culpá-lo pelo estado atual do nosso mundo? Será Deus que não quer saber de nós, ou seremos nós que não queremos saber de Deus, das suas indicações e do seu amor?
- Nós, cristãos, ligamos a profecia de Miqueias – sobre esse rei humilde que virá ao encontro dos homens e que será “a paz” – com a vinda de Jesus. Jesus, nascido da família de David, veio ao nosso encontro vestido de humildade e convidou-nos a colaborar com Ele na construção de um mundo de paz, de justiça, de entendimento, de amor. Jesus chamava, a esse “projeto”, o “reino de Deus”. Nós, encantados com Jesus, decidimos embarcar com Ele na bela aventura de construir o reino de Deus. Estamos verdadeiramente comprometidos com este projeto? Esforçamo-nos por eliminar tudo aquilo que, à nossa volta, é fonte de conflito, de injustiça, de opressão, de sofrimento, de morte? Procuramos dar testemunho de bondade, de amor, de misericórdia, de compreensão, de perdão, de serviço? O nosso objetivo é, como era o de Jesus, construir um mundo de paz? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 79 (80)
Refrão 1: Senhor nosso Deus, fazei-nos voltar,
mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, o vosso rosto
e seremos salvos.
Pastor de Israel, escutai,
Vós estais sobre os Querubins, aparecei.
Despertai o vosso poder
e vinde em nosso auxílio.
Deus dos Exércitos, vinde de novo,
olhai dos céus e vede, visitai esta vinha;
protegei a cepa que a vossa mão direita plantou,
o rebento que fortalecestes para Vós.
Estendei a mão sobre o homem que escolhestes,
sobre o filho do homem que para Vós criastes.
Nunca mais nos apartaremos de Vós,
fazei-nos viver e invocaremos o vosso
LEITURA II – Hebreus 10,5-10
Irmãos:
Ao entrar no mundo, Cristo disse:
«Não quiseste sacrifício nem oblações,
mas formaste-Me um corpo.
Não Te agradaram holocaustos nem imolações pelo pecado.
Então Eu disse: ‘Eis-Me aqui;
no livro sagrado está escrito a meu respeito:
Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade’».
Primeiro disse: «Não quiseste sacrifícios nem oblações,
não Te agradaram holocaustos nem imolações pelo pecado».
E no entanto, eles são oferecidos segundo a Lei.
Depois acrescenta: «Eis-Me aqui:
Eu venho para fazer a tua vontade».
Assim aboliu o primeiro culto
para estabelecer o segundo.
É em virtude dessa vontade
que nós fomos santificados
pela oblação do corpo de Jesus Cristo,
feita de uma vez para sempre.
CONTEXTO
Não sabemos quem foi o autor do escrito a que se deu o nome de “Carta aos Hebreus”. A tradição oriental atribui-o a São Paulo; mas no ocidente há muito que este texto é considerado não paulino. Surgido na segunda metade da década de sessenta do primeiro século (antes da destruição de Jerusalém, no ano 70, pois fala da liturgia do Templo como uma realidade atual), poderá ser obra de um discípulo de Paulo, empenhado em estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé.
Embora a tradição tenha considerado como destinatários deste escrito os “hebreus”, isso não significa, efetivamente, que o seu autor o destinasse exclusivamente a cristãos oriundos do mundo judaico. É verdade que nele se referem continuamente factos e figuras do Antigo Testamento; mas, por essa altura, o Antigo Testamento era já património comum de todos os cristãos, mesmo dos que provinham do mundo greco-romano. Tratava-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que viviam num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades tinham já perdido o fervor inicial pelo Evangelho e começavam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos…
A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para refletir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
O texto que nos é proposto como segunda leitura neste quarto domingo do advento pertence à terceira parte da carta (Heb 5,11-10,39). Aí, o autor da Carta apresenta Cristo como o sumo-sacerdote. Mas, enquanto sumo-sacerdote que faz a mediação entre Deus e os homens, Cristo é bem superior aos sacerdotes véterotestamentários. Ele, o sumo-sacerdote da nova Aliança, inaugura um novo culto, oferecendo-se a si mesmo ao Pai, num sacrifício perfeito e eficaz. O seu sacrifício obtém a salvação eterna para todos os homens. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O autor da Carta aos Hebreus oferece-nos uma boa chave de leitura para entender a vida de Jesus: desde que Ele “entrou” no mundo, dispôs-se a pôr a sua vida ao serviço do plano de Deus, numa obediência total e numa entrega absoluta à vontade do Pai. Jesus não privilegiou projetos pessoais, nem buscou em primeiro lugar a própria realização; não procurou a riqueza, o reconhecimento, as glórias humanas, o aplauso das multidões, a segurança ou o bem-estar. Uma vez disse aos discípulos: “o meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra” (Jo 4,34). Desceu ao encontro dos homens, vestiu a nossa fragilidade, experimentou a fome, a sede, o cansaço, o medo, enfrentou os donos do mundo, combateu as injustiças, correu todos os riscos, foi condenado a uma morte infame, para concretizar o projeto do Pai. Qual o lugar que o projeto de Deus assume na nossa vida e nas nossas prioridades? O que é que nos move, nos faz todos os dias levantar da cama e enfrentar o mundo: os nossos interesses pessoais, as nossas realizações humanas, ou a concretização do projeto de Deus?
- O autor da Carta aos Hebreus sugere que os sacrifícios, os holocaustos, os rituais externos que nada mudam, a religião de fachada, não são o culto que Deus espera. A Deus de nada servem as nossas liturgias solenes, os nossos cânticos religiosos polifónicos, as nossas procissões, as nossas orações mil vezes repetidas, os paramentos sumptuosos que usamos nas nossas liturgias, as nossas procissões cheias de andores, as nossas práticas de piedade, as nossas festas religiosas meio cristãs e meio pagãs, se não estivermos disponíveis para escutar e para acolher a sua vontade, o projeto que Ele tem para os homens e para o mundo. Como é o culto que prestamos a Deus? A vivência da nossa fé vai além de uma religião de gestos externos, de práticas piedosas, de rituais litúrgicos rotineiros? A nossa grande prática religiosa é a obediência à vontade de Deus?
- Para conhecermos o projeto de Deus e para obedecermos à sua vontade, precisamos de passar tempo com Ele. Jesus sempre reservou tempo para o diálogo com Deus. Cada dia, depois do encontro com as multidões, retirava-se para um lugar isolado e falava com o Pai. Nesse diálogo, tomava consciência do amor que o Pai lhe tinha, descobria a vontade do Pai e ganhava força para cumprir a missão. Jesus saía desses momentos fortalecido na sua decisão de obedecer incondicionalmente ao Pai. O tempo de advento é um tempo favorável para revitalizarmos a nossa intimidade com Deus, para falarmos mais com Deus, para escutarmos e acolhermos a sua Palavra. Dispomo-nos a isso, enquanto esperamos o Senhor que vem? in Dehonianos.
EVANGELHO – Lucas 1,39-45
Naqueles dias,
Maria pôs-se a caminho
e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
em direção a uma cidade de Judá.
Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
o menino exultou-lhe no seio.
Isabel ficou cheia do Espírito Santo
e exclamou em alta voz:
«Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre.
Donde me é dado
que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
a voz da tua saudação,
o menino exultou de alegria no meu seio.
Bem-aventurada aquela que acreditou
no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
da parte do Senhor».
CONTEXTO
O texto de Lucas que nos é proposto neste quarto domingo do advento pertence ao chamado “Evangelho da Infância”. Ora, os “Evangelhos da Infância de Jesus” (quer o de Mateus, quer o de Lucas) enquadram-se num género literário próprio, que recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabis judeus) para nos apresentar o mistério de Jesus. A preocupação dos evangelistas que nos legaram os “Evangelhos da Infância” não é apresentar um relato factual dos acontecimentos dos primeiros anos de Jesus, mas sim oferecer às suas comunidades uma catequese que proclame determinadas realidades salvíficas (que Jesus é o Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o “Deus connosco”). Com recurso a tipologias (correspondência entre certos factos e pessoas do Antigo Testamento e outros factos e pessoas do Novo Testamento), a manifestações apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) e a outros recursos literários, Mateus e Lucas tecem as suas catequeses sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz e neste enquadramento.
Antes da cena que nos descreve no Evangelho deste domingo, Lucas tinha-nos contado a visita do anjo Gabriel a Maria e o anúncio de que ela seria a mãe de Jesus, o “Filho do Altíssimo”. O anjo tinha também dito a Maria que a sua parente Isabel estava no sexto mês de gravidez e ia dar à luz uma criança (cf. Lc 1,26-38). Na sequência, Lucas põe Maria a deixar Nazaré e a dirigir-se “apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá” (Lc 1,39). O seu objetivo é ir ao encontro de Isabel. A tradição cristã identifica essa “cidade de Judá” com a atual Ain Karim, a seis quilómetros a oeste de Jerusalém. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Estamos na última etapa do “caminho do advento”. Nestes dias que antecedem a celebração do Natal tendemos a ser apanhados pela azáfama dos preparativos para a festa, pela corrida às “prendas”, pelo protocolo dos desejos de boas festas, pelo “ruído de fundo” das luzes, dos spots comerciais, das músicas natalícias; e, no meio dessa onda de futilidade que nos submerge e que nos arrasta, podemos perder de vista o Deus que vem ter connosco. Ora, aquelas duas mulheres grávidas de esperanças – Maria e Isabel – que Lucas coloca no centro do Evangelho deste domingo convidam-nos a centrar a nossa atenção no menino que está para chegar e a acolhê-lo convenientemente: com o amor, com a alegria, com a gratidão, com o espanto que elas sentiram diante da visita de Jesus. Jesus é o centro da história da salvação, a realização plena das promessas de Deus, o “Senhor” da história (o “Kyrios”) que vestiu a nossa humanidade para nos trazer a paz. Estamos focados n’Ele? No nosso coração e na nossa vida há lugar para Ele?
- Maria, depois de receber o chamamento de Deus e de aceitar ser a mãe do “Filho do Altíssimo”, pôs-se a caminho. Não fica fechada na sua casa, mergulhada na contemplação do seu estatuto de mãe de um menino que vai herdar “o trono de seu pai David” e que “reinará eternamente sobre a casa de Jacob” (Lc 1,32-33), como lhe disse o mensageiro de Deus. Transportando o Messias prometido, ela torna-se mensageira da paz. Habitada por notícias felizes, Maria faz-se “evangelizadora”. Ela leva o “Evangelho” ao encontro daqueles que esperam ansiosamente a Boa notícia da chegada libertadora de Deus. É assim que ela prepara o nascimento daquele menino que vem mudar o curso da história dos homens. Nestes dias que antecedem a celebração do nascimento de Jesus, temos sido mensageiros da paz que Jesus veio oferecer ao mundo e aos homens? Temos sido arautos da Boa notícia da chegada da salvação?
- Quando Maria chegou junto de Isabel e a saudou, o bebé de Isabel estremeceu de alegria no seio da mãe. Isabel também reagiu à chegada e à saudação de Maria com um grito irreprimível de alegria. É a alegria de quem se sente visitado por Deus; é a alegria de quem reconhece a chegada da salvação; é a alegria de quem percebe que chegou o tempo novo da paz verdadeira, da libertação definitiva, da felicidade sem fim. Os homens e mulheres que todos os dias se cruzam connosco nos caminhos da vida estremecem de alegria com as notícias que lhes damos? Sentem, através do nosso testemunho, que Deus chegou para os fazer avançar por um caminho novo e feliz? Aqueles que a vida magoou, os que ficam caídos nas bermas da estrada por onde a humanidade vai avançando, os que não têm voz nem vez, os que choram lágrimas amargas de revolta e de arrependimento sentem, a partir do nosso testemunho, que Deus veio ao encontro deles para lhes curar as feridas e para lhes dar uma nova esperança?
- Maria de Nazaré é uma jovem humilde de uma aldeia que não vem no mapa, noiva de um pobre artesão de Nazaré; Isabel é uma mulher já com alguma idade, dona de casa, que vive numa pequena povoação de Judá, ao lado de um marido igualmente idoso. Nenhuma delas aparece na lista das mulheres importantes da Palestina daquela época. Maria foi escolhida para trazer ao mundo Jesus, o salvador prometido por Deus aos homens; Isabel foi visitada pelo menino que veio trazer a esperança a Israel e ao mundo. Elas são “benditas”, apesar da humildade e simplicidade das suas vidas. Deus, quando entra no mundo, escolhe sempre a porta da simplicidade, da humildade, da pequenez. Estamos conscientes disto? Quem são hoje, para nós, aqueles e aquelas que são “benditos”? Quem são hoje aqueles e aquelas através dos quais Deus oferece ao mundo e salvação e a paz?
- Isabel proclama Maria “bem-aventurada” porque “acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor”. De facto, Maria não precisou de grandes explicações quando lhe foi pedido que colaborasse no projeto de Deus. Não hesitou, não pediu garantias, não procurou salvaguardar os seus projetos pessoais, não pôs em causa a lógica de Deus… Confiou simplesmente na Palavra de Deus e entregou-se confiadamente nas mãos de Deus. Maria é a mulher da fé autêntica, o modelo do crente verdadeiro. É dessa forma que nós “acreditamos”? Quando Deus nos pede que vamos contra o bem senso, ou contra a corrente, ou contra os “fazedores de opinião” do nosso tempo, aceitamos a Palavra de Deus e reagimos com a mesma confiança incondicional de Maria?
- Embora o nosso texto não fale disso, é possível ver, na visita de Maria a Isabel, um gesto de solidariedade para com aquela parente idosa que ia ter um bebé e que precisava de apoio e de ajuda. Temos consciência de que acolher Jesus é estar atento às necessidades dos irmãos, partir ao seu encontro, partilhar com eles a nossa amizade e ser solidário com as suas necessidades? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é constituída essencialmente pela palavra dirigida pelo Senhor ao Povo de Israel. Deste modo, deve ter-se em atenção a introdução ao discurso direto do Senhor Deus, que deve ser lido com o tom adequado de quem anuncia uma mensagem de esperança e salvação.
Na segunda leitura, deve haver um especial cuidado com as introduções ao discurso direto: «eu disse»; «primeiro disse» e «depois acrescenta».
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo IV do Tempo do Advento – Ano C – 22.12.2024 (Miq 5, 1-4a)
- Leitura II do Domingo IV do Tempo do Advento – Ano C – 22.12.2024 (Heb 10,5-10)
- Domingo IV do Tempo do Advento – Ano C – 22.12.2024 – Lecionário
- Domingo IV do Tempo do Advento – Ano C – 22.12.2024 – Oração Universal
- Domingo IV do Tempo do Advento – Ano C – 22.12.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo IV Advento
- ANO C – Ano de Lucas- 2024-2025
Domingo III do Tempo do Advento – Ano C – 15 dezembro 2024
Viver a Palavra
A alegria cristã nasce do encontro íntimo e pessoal com Jesus Cristo, o Salvador e Redentor da humanidade, Aquele que oferece um sentido para a vida e desafia a percorrer com esperança e confiança o caminho da santidade. Na Liturgia da Palavra deste Domingo, o convite à alegria está estritamente ligado com o permanente desafio à conversão e à mudança de vida: «Que devemos fazer?». Por isso, alegria e conversão são palavras que caminham de mãos dadas na nossa vocação batismal porque nos recordam que a verdadeira alegria nasce de um coração que dia após dia se renova pela força transformadora do amor de Deus.
O tempo de Advento está revestido da jubilosa esperança de um Deus tão próximo de nós que assume a nossa natureza humana, para nos ensinar a verdadeira arte de nos fazermos próximos uns dos outros. «O Senhor está próximo» e esta certeza da proximidade de Deus, como nos recorda S. Paulo traduz-se num insistente convite à alegria: «Alegrai-vos sempre no Senhor. Novamente vos digo: alegrai-vos». Inspirados por estas palavras que compõe a antífona de entrada deste dia, este Domingo é designado como Domingo Gaudete, isto é, Domingo da Alegria e, assim, a Liturgia da Palavra, as orações e a simbologia deste Domingo estão repletas de um convite à alegria e à esperança. A palavra alegria aparece 16 vezes na Liturgia da Palavra e nas orações da missa deste dia. E se contarmos palavras relacionadas com o convite à alegria como rejubilai e exultai, então o número sobre para 24 ocorrências. Mas esta alegria não é apenas um mero contentamento, nem um sentimento fugaz e efémero de bem-estar e bom humor. É alegria que nasce do Evangelho, a alegria dos que reconhecem que a sua vida se abre a um bem maior e que não se contentam com menos que Deus e o Seu amor, revelado em Jesus Cristo como um serviço concreto aos irmãos.
Deste modo, acolhemos o convite de Sofonias e a exortação de Paulo aos Filipenses, conscientes que alegria cristã é a alegria daqueles que querem ver realizada na terra a verdade e a justiça, a alegria daqueles que não se deixam diminuir no seu desejo, nem deixam este desejo divergir e dissipar-se em alegrias fugazes que acabam por ser fontes de descontentamento próprios e alheios mas que procuram a satisfação plena que só em Deus se pode encontrar, pois é Deus o autor das mais profundas aspirações do nosso coração.
Esta alegria que se renova no encontro com Jesus Cristo reclama a disponibilidade de coração que João Baptista anuncia com o seu batismo de penitência. Por isso, também nós, interpelados pela presença e pela palavra do percursor, perguntamos como as multidões, os publicanos e os soldados: «que devemos fazer?». Para cada um, João tem uma palavra concreta e um desafio preciso. A escuta da Palavra não nos pode deixar indiferentes e o convite à alegria reclama movimentos concretos de conversão, pois um coração que em cada dia cresce na fidelidade ao Evangelho frutifica saboreando a alegria nova que brota do coração de Deus.
Os frutos da conversão que João Baptista aponta e reclama referem-se sempre ao nosso comportamento com o próximo. Fica claro, que a conversão, isto é, o nosso voltar-se para Deus passa sempre pelos nossos gestos com o próximo. No Evangelho o verbo «amar» traduz-se sempre pelas formas verbais «dar» e «dar-se». Deste modo, preparemos o Natal do Senhor com um coração agradecido pela presença terna e misericordiosa de Deus em Jesus Cristo e façamos da conversão verdadeira estrada que nos conduz à santidade. in Voz Portucalense.
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O terceiro Domingo de Advento é designado como Domingo Gaudete (Domingo da Alegria). Esta designação é retirada da primeira palavra da antífona de entrada da missa: “Gaudete in Domino semper” (Alegrai-vos sempre no Senhor). A celebração eucarística deste Domingo é a oportunidade de uma reflexão sobre a alegria cristã e que está tão ligada ao magistério do Papa Francisco (Evangelii Gaudium, Amoris Laetitia e Gaudete et Exsultate), onde podemos encontrar belíssimos textos e contributos sobre a alegria do Evangelho, a alegria do amor que se vive na família ou a alegria de percorrer a estrada da santidade. in Voz Portucalense.
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Com o Tempo de Advento damos início a um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, integrados na dinâmica de Advento, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.
Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Sofonias 3,14-18a
Clama jubilosamente, filha de Sião;
solta brados de alegria, Israel.
Exulta, rejubila de todo o coração, filha de Jerusalém.
O Senhor revogou a sentença que te condenava,
afastou os teus inimigos.
O Senhor, Rei de Israel, está no meio de ti
e já não temerás nenhum mal.
Naquele dia, dir-se-á a Jerusalém:
«Não temas, Sião,
não desfaleçam as tuas mãos.
O Senhor teu Deus está no meio de ti,
como poderoso salvador.
Por causa de ti, Ele enche-Se de júbilo,
renova-te com o seu amor,
exulta de alegria por tua causa,
como nos dias de festa».
CONTEXTO
Em 734 a.C. o rei Acaz (734-727 a.C.), confrontado com a ameaça militar de uma coligação formada pelo rei de Damasco e pelo rei de Israel, pediu ajuda a Tiglat-Pileser III, rei da Assíria (cf. 2Rs 16,7). Tiglat Pileser III derrotou o rei de Damasco, pondo fim à ameaça contra Judá; mas, na sequência, o rei Acaz tornou-se vassalo da Assíria. Judá passou a girar na órbita política da Assíria e teve de abrir as portas às influências culturais e religiosas dos assírios (cf. 2Rs 16,10-18). Diversos costumes estranhos e cultos pagãos irromperam então em Jerusalém e minaram a fidelidade do Povo de Judá a Javé. Essa situação manteve-se durante o longo reinado do ímpio Manassés (698-643 a.C.), em que o próprio rei reconstruiu os lugares de culto aos deuses estrangeiros, levantou altares a Baal, ofereceu o seu filho em holocausto, dedicou-se à adivinhação e à magia, colocou no Templo de Jerusalém a imagem da deusa Astarte (cf. 2Rs 21,3-9). Paralelamente, continuavam a multiplicar-se as injustiças sociais, as arbitrariedades, as violências contra os mais pobres e débeis. Tudo isto configurava uma grave violação da Aliança que o povo tinha com Deus. Quando em 639 a.C. o rei Josias (639-609 a.C.) subiu ao trono, Judá estava a precisar urgentemente de uma profunda reforma política, social e religiosa. Josias, o novo rei, lançou-se a essa tarefa.
Sofonias começou o seu ministério profético por essa altura. É possível que, numa primeira fase da reforma empreendida por Josias, Sofonias tivesse sido o verdadeiro motor dessa reforma. Não sabemos quanto tempo durou o ministério de Sofonias. A maior parte dos biblistas prolongam-no até 625 a.C., aproximadamente.
Sofonias, no desempenho da sua missão profética, denunciou o imenso pecado de Judá. Atacou a idolatria cultual, as injustiças, o materialismo, a despreocupação religiosa, os abusos da autoridade. Disse claramente que esta situação não poderia continuar e que, se nada fosse mudado, chegaria o dia do castigo ou do Juízo de Deus (cf. Sf 1,2-2,3). Apesar de tudo, o grande objetivo da pregação de Sofonias não era anunciar o castigo de Judá; mas era levar o Povo a converter-se a Deus.
Sofonias considerava que o Povo de Deus não podia pretender ter um compromisso com Javé e, ao mesmo tempo, comportar-se como se esse compromisso não contasse para nada; achava que o Povo de Judá não podia invocar a Aliança e, simultaneamente, prestar culto a deuses estrangeiros, desrespeitar os direitos dos pobres, cultivar a exploração, a injustiça, as arbitrariedades. O que Sofonias pedia é que Judá se convertesse, que o Povo deixasse o caminho de infidelidade que estava a seguir e regressasse ao encontro de Deus.
O texto de Sofonias que a liturgia deste terceiro domingo do advento nos propõe como primeira leitura integra um lote de “promessas de salvação” (Sf 3,9-20) que aparece na parte final do livro. Antes, Sofonias tinha predito a chegada do “dia do Senhor”, o dia da intervenção justiceira de Deus, o dia em que Deus castigaria Judá pelas suas infidelidades (cf. Sf 1,14-18); tinha também avisado Jerusalém, a “cidade rebelde, manchada e opressora” (cf. Sf 3,1-8) que o fogo do zelo de Deus iria consumi-la… Mas, de repente, o discurso do profeta muda de tom; a ameaça do castigo transforma-se em anúncio de salvação; a aflição e o pranto dão lugar à alegria e à festa (cf. Sf 3,14-18). O que é que está na origem desta mudança? in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A Bíblia mostra, em cada uma das suas linhas, que a história dos homens se vai construindo ao ritmo do amor de Deus. A essência de Deus é amor; e esse amor, inquebrantável e sem medida, ilumina cada passo do caminho que os homens percorrem. O profeta Sofonias, dirigindo-se a um povo instalado na infidelidade, que escolheu caminhos de autossuficiência, de materialismo e de pecado, garante que o amor de Deus se sobrepõe à sua ira e que será fonte de conversão, de mudança, de vida nova. O amor infinito que Deus sente pelos seus filhos “obriga-O” a perdoar o pecado do povo (a “revogar a sentença de condenação”); mas, mais do que isso, faz com que o povo infiel sinta vontade de renascer e de percorrer caminhos novos. Desde a bela mensagem de Sofonias, passaram-se vinte e seis séculos; mas a essência de Deus não mudou. O amor infinito de Deus continua, em pleno séc. XXI, a derramar-se sobre os seus filhos e filhas. Eles vão deixando, em cada curva do caminho que fazem, as marcas da sua infidelidade e da sua debilidade; mas isso não impede que Deus continue a sustentá-los e a abraçá-los com o seu amor. A história que Deus vai construindo connosco não é uma história de condenação, mas uma história de salvação. A consciência de que Deus nos ama com um amor sem limites ilumina o horizonte da nossa vida? Acreditamos que o seu amor de pai e de mãe é muito mais forte do que a sua vontade de castigar? Estamos disponíveis para nos deixarmos abraçar e transformar pelo amor de Deus?
- Muitos acreditam que o medo é a única forma de levar os seres humanos a mudarem os seus comportamentos errados. Por isso, recorrem a ameaças, anunciam castigos, praticam – talvez com boas intenções – um “terrorismo espiritual” que provoca angústia, depressão e abre caminho a uma visão pessimista e negativa de Deus, da vida e do mundo. Talvez consigam, através do medo, mudar alguns comportamentos; mas o preço de tudo isso é muito alto: cria escravidão, sofrimento, consciência de culpa, traumas infindáveis. O que renova o mundo e o transforma não é o medo, mas o amor. O amor é que faz crescer, é que cria dinamismos de superação, é que nos torna mais humanos e mais livres, é que nos faz confiar, é que potencia o encontro e a comunhão… Devemos ter isto bem presente quando formos chamados a dar testemunho do Evangelho e a proclamar a proposta de salvação que o nosso Deus faz aos homens. No nosso testemunho de Deus, somos profetas do medo que escraviza, ou do amor que liberta? Anunciamos um deus justiceiro e intransigente, ou um Deus que ama incondicionalmente os seus queridos filhos?
- Sofonias anuncia a Jerusalém a presença de Deus no meio do seu Povo. É uma “boa nova” de salvação, que varre o medo, renova o ânimo, infunde coragem, abre a porta à esperança. Preparamo-nos para celebrar, dentro de poucos dias, a “visita” de Deus ao nosso mundo e à nossa história. Jesus é o Deus que veio habitar no meio de nós para nos mostrar, olhos nos olhos, os caminhos que Deus nos chama a percorrer para alcançarmos vida em abundância. Caminhamos pela vida conscientes de que Deus está no meio de nós? É esse o testemunho que damos aos outros irmãos e irmãs que vão ao nosso lado?
- “Clama jubilosamente, filha de Sião; solta brados de alegria, Israel. Exulta, rejubila de todo o coração, filha de Jerusalém” – pede Sofonias ao Povo de Deus. A constatação de que Deus nos ama e que reside no meio de nós com uma proposta de salvação e de felicidade para todos os que O acolhem, não pode provocar senão uma imensa alegria no coração dos crentes. Damos sempre testemunho dessa alegria? Será que as nossas comunidades são espaços onde se nota a alegria pelo amor e pela presença de Deus? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Isaías 12,2-3.4bcd.5-6
Refrão 1: Exultai de alegria,
porque é grande no meio de vós o Santo de Israel.
Refrão 2: Povo do Senhor, exulta e canta de alegria.
Deus é o meu Salvador,
tenho confiança e nada temo.
O Senhor é a minha força e o meu louvor.
Ele é a minha salvação.
Tirareis água com alegria das fontes da salvação.
Agradecei ao Senhor, invocai o seu nome;
anunciai aos povos a grandeza das suas obras,
proclamai a todos que o seu nome é santo.
Cantai ao Senhor, porque Ele fez maravilhas,
anunciai-as em toda a terra.
Entoai cânticos de alegria, habitantes de Sião,
porque é grande no meio de vós o Santo de Israel.
LEITURA II – Filipenses 4,4-7
Irmãos:
Alegrai-vos sempre no Senhor.
Novamente vos digo: alegrai-vos.
Seja de todos conhecida a vossa bondade.
O Senhor está próximo.
Não vos inquieteis com coisa alguma;
mas em todas as circunstâncias,
apresentai os vossos pedidos diante de Deus,
com orações, súplicas e ações de graças.
E a paz de Deus, que está acima de toda a inteligência,
guardará os vossos corações e os vossos pensamentos
em Cristo Jesus.
CONTEXTO
Filipos, situada na Macedónia oriental, fundada por Alexandre II da Macedónia, pai de Alexandre, o Grande, pelo ano 358 a.C., estava ao lado da “Via Egnatia” a estrada que ligava a Europa com a Ásia. O imperador Augusto fez dela uma colónia romana. No tempo de Paulo, a maior parte dos seus habitantes eram antigos veteranos do exército romano. A cidade era regida pelo direito romano e governada por dois chefes militares, ao estilo dos cônsules de Roma. Havia também na cidade uma colónia judaica, que costumava reunir-se para rezar num lugar fora da cidade, na margem de um rio. Da pregação de Paulo nasceu a comunidade cristã de Filipos (cf. At 16,11-40). Quando Paulo foi obrigado a deixar a cidade, deixou atrás de si uma comunidade viva e fervorosa, verdadeiramente empenhada em dar testemunho de Jesus e em viver a sua fé. Paulo manteve sempre com os cristãos de Filipos laços afetivos muito fortes. Essa ligação levou-o, inclusive, a aceitar, numa altura que estava na prisão (em Cesareia? Em Éfeso? Em Roma?), a ajuda económica dos filipenses, que lhe enviaram uma determinada quantia em dinheiro para que Paulo pudesse prover às suas necessidades.
Foi um tal Epafrodito, membro da comunidade cristã de Filipos, que levou ao apóstolo a ajuda financeira de que ele necessitava. Entretanto, Epafrodito adoeceu, o que causou algumas preocupações aos cristãos de Filipos. Logo que Epafrodito se restabeleceu, Paulo enviou-o de novo para Filipos e fê-lo portador de uma carta de agradecimento aos seus queridos amigos de Filipos.
Depois de agradecer a Deus pela sensibilidade dos Filipenses ao anúncio do Evangelho (cf. Flp 1,11), de informar a comunidade sobre a sua situação pessoal (cf. Flp 1,12-26), de dirigir exortações várias à comunidade (cf. Flp 1,27-2,18), de dar notícias sobre Timóteo e Epafrodito (cf. Flp 2,19-30) e de denunciar as acusações que lhe fazem os seus adversários (cf. Flp 3,1-21), Paulo – consciente de que ainda nem tudo é perfeito nesta comunidade exemplar – apresenta um conjunto de recomendações diversas de carácter prático. O texto que a liturgia deste terceiro domingo do advento nos propõe como segunda leitura contém algumas dessas recomendações. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A alegria é a marca por excelência da existência cristã. Referimo-nos a essa alegria serena que não resulta de acontecimentos efémeros, de factos corriqueiros ou de razões puramente materiais; mas resulta da certeza de que “o Senhor está próximo”. Os cristãos caminham pela vida de olhos postos nesse horizonte. A vida deles não é um peso que arrastam numa fadiga sem fim, nem um calvário de medos e de desesperos; mas é um caminhar tranquilo, decidido e confiante ao encontro de uma salvação que não tardará a chegar. Por isso, o tempo do advento – este tempo de espera do Senhor que vem – é um tempo onde a alegria está especialmente presente. Ao longo do “caminho do advento” que estamos a fazer temos dado aos nossos irmãos testemunho dessa alegria que nos aquece o coração?
- A certeza de que “o Senhor está próximo” alarga os nossos horizontes, reconcilia-nos com a vida, serena o nosso coração, torna-nos mais conscientes da bondade e do amor de Deus, dispõe-nos a ser bondosos, compreensivos, pacientes, afáveis, generosos para com os irmãos e irmãs que partilham connosco a aventura da vida. Será possível esperar o Senhor com um coração fechado, intolerante, prepotente, presunçoso, onde não há lugar para mais ninguém além de nós próprios? Enquanto esperamos a chegada do Senhor, como é que vemos, tratamos e acolhemos aqueles que caminham ao nosso lado?
- Não é possível acolhermos alguém com quem não comunicamos e de quem nos sentimos distantes. A espera do Senhor faz-se, portanto, num diálogo contínuo com Ele. Ao longo deste “caminho de advento”, temos arranjado tempo e disponibilidade para falar com Deus, para escutar a sua Palavra, para acolher as suas indicações, para lhe apresentar as nossas dúvidas, inquietações, sonhos e esperanças? in Dehonianos.
EVANGELHO – Lucas 3,10-18
Naquele tempo,
as multidões perguntavam a João Baptista:
«Que devemos fazer?»
Ele respondia-lhes:
«Quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma;
e quem tiver mantimentos faça o mesmo».
Vieram também alguns publicanos para serem batizados
e disseram:
«Mestre, que devemos fazer?»
João respondeu-lhes:
«Não exijais nada além do que vos foi prescrito».
Perguntavam-lhe também os soldados:
«E nós, que devemos fazer?»
Ele respondeu-lhes:
«Não pratiqueis violência com ninguém
nem denuncieis injustamente;
e contentai-vos com o vosso soldo».
Como o povo estava na expectativa
e todos pensavam em seus corações
se João não seria o Messias,
ele tomou a palavra e disse a todos:
«Eu batizo-vos com água,
mas está a chegar quem é mais forte do que eu,
e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias.
Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo.
Tem na mão a pá para limpar a sua eira
e recolherá o trigo no seu celeiro;
a palha, porém, queimá-la-á num fogo que não se apaga».
Assim, com estas e muitas outras exortações,
João anunciava ao povo a Boa Nova».
CONTEXTO
O Evangelho deste domingo leva-nos até ao vale do rio Jordão, ao encontro de um profeta chamado João, a quem as gentes da Judeia chamavam “o batista”. O seu pai era o sacerdote Zacarias (cf. Lc 1,5-25. 57-80). Mas, embora de família sacerdotal, não há notícia de que João tenha exercido funções sacerdotais no quadro da religião tradicional.
Por volta do ano 27 ou 28, João aparece nas franjas do deserto de Judá, perto de Jericó, na região da Pereia (território administrado por Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande), na margem oriental do rio Jordão. Aí, num lugar que poderá identificar-se com o moderno Qasr El Yahud, João pregava “um batismo de conversão para remissão dos pecados” (Lc 3,3).
A pregação de João causou um forte impacto nas gentes da Judeia e da Galileia; e muitos vinham até à margem do rio Jordão escutá-lo. João denunciava – na linguagem rude de um homem do campo – o pecado e a rebeldia de Israel; e anunciava a iminente intervenção de Deus no mundo para acabar com o mal (“raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que está para chegar? O machado já se encontra à raiz das árvores; por isso, toda a árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo” – Lc 3,7-9). A forma de evitar a “ira de Deus” era, segundo João, converter-se radicalmente, cortar com o pecado e voltar para Deus. Aos que se dispunham a essa mudança, João propunha um gesto purificador e renovador: uma imersão nas águas do rio Jordão. Era por isso que lhe chamavam “o batista”.
O judaísmo antigo conhecia diversos rituais de purificação pela água. A seita judaica dos essénios, instalada em Kûmran (uma aldeia situada muito perto do lugar onde João batizava) praticava diariamente banhos rituais de purificação em piscinas construídas para o efeito. Mas o gesto que João propunha era diferente. Quem aceitava a sua proposta de conversão, era imerso por João nas águas-vivas do rio Jordão, confessava os seus pecados, recebia o perdão de Deus e saía da água purificado. Este ritual só se fazia uma vez. A pessoa que tinha sido “batizada” por João passava a pertencer à comunidade da nova Aliança. Voltava para sua casa decidida a viver de uma forma nova, sentindo-se membro de um novo Israel, preparada para acolher a chegada iminente de Deus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- No centro da mensagem de João Batista está o apelo à conversão, à mudança radical de vida. Como é que respondemos a esse apelo? Como o concretizamos? Trata-se de sentirmos um arrependimento vago pelo nosso egoísmo e pelas nossas opções erradas? Trata-se de pedirmos perdão a Deus pelas nossas faltas e de acalmarmos a nossa consciência com algumas orações ou práticas de piedade que “compensem” Deus pelo mal que fizemos? João Batista pede muito mais do que isso… Pede uma efetiva mudança de vida que produza “frutos de sincera conversão”. A nossa mudança tem de traduzir-se em “frutos bons”, em gestos diferentes, numa nova forma de viver e de atuar, em comportamentos mais humanos, mais altruístas, mais solidários, mais bondosos, mais misericordiosos. Neste tempo de advento, preparando-nos para acolher o Senhor que vem, estamos dispostos a uma mudança de vida que se traduza numa nova forma de encarar o mundo, de olhar para as pessoas com quem nos cruzamos, de acolher cada irmão e cada irmã que Deus coloca no nosso caminho?
- Os meios de comunicação social fornecem-nos a cada momento informações sobre a forma como o nosso mundo se vai construindo. Conhecemos bem as violências, as injustiças, as maldades, as misérias, os abusos que, por todo o lado, deixam um rasto de desumanidade, de sofrimento e de morte. Estas informações inquietam-nos e desenvolvem em nós um certo sentimento de solidariedade para com os nossos irmãos que são vítimas das injustiças e das arbitrariedades que chegam ao nosso conhecimento. Sentimo-nos vagamente culpados; mas, ao mesmo tempo, sentimo-nos impotentes, incapazes de mudar o rumo da história e de pôr cobro a todo esse imenso cortejo de sofrimento que desfeia o mundo. Espontaneamente brota uma pergunta: “Que podemos fazer?” Já encontramos resposta para esta questão? Como poderemos contribuir para uma nova ordem, para um mundo mais justo, mais humano, mais fraterno?
- “Que devemos fazer?” – perguntam as pessoas a João Batista. O profeta dá-lhes uma resposta direta, simples, clara, prática e contundente: “Quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma; e quem tiver mantimentos faça o mesmo”. Esta resposta elimina as nossas escapatórias, põe a nu as nossas desculpas esfarrapadas, ridiculariza as nossas justificações fáceis. Mais de um terço da humanidade passa fome porque alguns açambarcam os bens que pertencem a todos; biliões de irmãos nossos vivem abaixo do limiar da dignidade humana porque alguns construíram uma fortaleza à volta da sua “sociedade de bem-estar” e açambarcam os bens que Deus pôs à disposição de todos os seus filhos e filhas. Queremos continuar a construir o nosso bem-estar indiferentes à sorte dos que não têm o mínimo necessário para sobreviver? Estamos dispostos a viver de uma forma mais frugal, para podermos partilhar com os irmãos necessitados aquilo que lhes faz falta? Estamos dispostos a pagar mais impostos para que seja possível implementar políticas mais eficazes de apoio aos mais carenciados?
- “Que devemos fazer?” – perguntam os publicanos a João Batista. “Não exijais nada além do que vos foi prescrito” – responde-lhes o profeta. Sabemos que muitos, no nosso mundo, conduzidos pela ambição desmedida e pela falta de escrúpulos, continuam a apostar no enriquecimento rápido, na acumulação de riqueza à margem de todas as regras e de toda a moral. Que diria hoje João àqueles que especulam com bens de primeira necessidade, aproveitando as carências dos seus irmãos para acumular mais e mais? Que diria hoje João àqueles que cobram taxas excessivas pelos serviços prestados? Que diria hoje João àqueles que fogem aos impostos, prejudicando a comunidade e defraudando o bem comum? Que diria hoje João àqueles que branqueiam dinheiro sujo, muitas vezes ao serviço de interesses criminosos e imorais? Que diria João àqueles que se deixam envolver em esquemas de corrupção e de mentira? Será possível prejudicar conscientemente um irmão ou a comunidade inteira e acolher, com o coração tranquilo, “o Senhor que vem”?
- “E nós, que devemos fazer? – perguntam os soldados a João Batista. “Não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente; e contentai-vos com o vosso soldo” – responde-lhes João. Ora, em pleno séc. XXI a violência continua a manchar de sofrimento e de sangue a nossa história. Que diria hoje João àqueles que escolhem a violência e a guerra como forma de resolver os diferendos entre as nações? Que diria João àqueles que matam indiscriminadamente, muitas vezes em nome de Deus ou de ideais pretensamente elevados? Que diria João àqueles que usam a violência para satisfazer a sua ambição ou os seus interesses pessoais? Que diria João àqueles que, dentro dos muros das suas casas, têm atitudes de prepotência, de despotismo, de tirania sobre aqueles que fazem parte da sua família? Que diria João àqueles que exploram os seus trabalhadores, lhes recusam um salário justo, ou escravizam imigrantes estrangeiros? Que diria João àqueles que, nos tribunais, nas repartições públicas, nas receções das nossas igrejas, tratam os outros com sobranceria ou arrogância? Sentimos que o apelo de João nos diz respeito, de alguma maneira?
- Jesus veio batizar no Espírito Santo e no fogo. Ora, nós recebemos esse batismo. No momento da nossa adesão a Jesus renunciamos ao pecado e acolhemos o Espírito vivificador, esse Espírito que animava Jesus e que o impulsionava para dar testemunho do Reino. Temos vivido de forma coerente com o batismo que recebemos? Deixamo-nos conduzir pelo Espírito e produzimos frutos bons, frutos do Espírito? Somos testemunhas e arautos de um mundo mais fraterno, mais humano, mais pacífico? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura constitui-se como um convite à alegria, dirigido pelo profeta Sofonias a Jerusalém. Este convite está fundamentado nesta certeza consoladora: «o Senhor teu Deus está no meio de ti». A proclamação deve ter em conta o tom alegre que marca a leitura, tirando proveito das formas verbais no imperativo: clama, solta, exulta, rejubila.
O mesmo tom alegre e exortativo está presente na segunda leitura. Uma especial atenção deve ser dada ao início da leitura, de modo que o imperativo «alegrai-vos» repetido duas vezes e o advérbio de modo «novamente» tenham a força que transmitem, pois marcam o tom de toda a leitura
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
-
- Leitura I do Domingo III do Tempo do Advento – Ano C – 15.12.2024 (Sof 3, 14-18-a)
- Leitura II do Domingo III do Tempo do Advento – Ano C – 15.12.2024 (Filip 4, 4-7)
- Domingo III do Tempo do Advento – Ano C – 15.12.2024 – Lecionário
- Domingo III do Tempo do Advento – Ano C – 15.12.2024 – Oração Universal
- Domingo III do Tempo do Advento – Ano C – 15.12.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo III Advento
- ANO C – Ano de Lucas- 2024-2025
Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria – Ano C – 08.12.2024
Nota inicial
Segundo a ordem de precedência indicada na tabela dos dias litúrgicos, os Domingos do Advento têm precedência sobre todas as solenidades, devendo aquelas que ocorrem nesses domingos ser transferidas para a segunda-feira seguinte. É o que deveria acontecer este ano com a solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Porém, pelo significado desta solenidade em Portugal, a Comissão Episcopal de Liturgia obteve da Congregação do Culto Divino permissão para a celebrar no dia próprio, 8 de dezembro, com as seguintes condições: 1) «que, na Missa, a II Leitura seja a do domingo II do Advento; 2) que se faça menção deste domingo na homilia; 3) que a oração conclusiva da oração dos fiéis seja a oração coleta do mesmo domingo».
Viver a Palavra
Percorrendo o itinerário de Advento, somos convidados a colocar o nosso olhar em Maria, a Imaculada Conceição. Apesar dos Domingos do Advento terem precedência sobre todas as solenidades, dado o significado desta solenidade para Portugal, celebramos, neste segundo Domingo de Advento, a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria.
Celebrar esta solenidade não significa fazer uma pausa no Tempo de Advento, mas viver este tempo ao jeito de Maria que, visitada por Deus, se deixa surpreender pelas maravilhas do Seu amor e se disponibiliza totalmente para aquilo que Deus quer realizar nela. Este tempo litúrgico que nos prepara para a celebração do Natal do Senhor é o tempo da espera alegre e confiante do Deus que em Jesus Cristo nos visita e que nos convida a ser instrumentos do Seu amor e da Sua graça para que Ele possa continuar a escrever em cada tempo e em cada lugar a história da salvação.
Deus visita-nos! Vem ao nosso encontro! Por isso, continua a ressoar no tempo e na história a primeira pergunta que Deus dirige à humanidade: «Onde estás?». E nós? Como respondemos a este Deus que nos procura? Adão, procurado por Deus, esconde-se, porque estava nu, porque reconhecia a sua fragilidade e o seu pecado. Tem vergonha de se apresentar diante de Deus porque reconhece a sua pequenez. Como Adão, também nós reconhecemos a nossa fragilidade e o nosso pecado e temos vergonha da nudez que revela as nossas fraquezas e misérias.
Porém, ao celebrar a solenidade da Imaculada Conceição, somos convidados a colocar o olhar na Jovem de Nazaré, que com toda a certeza, vivia cheia dos sonhos e projetos próprios da sua idade e que, visitada por Deus, não esconde o receio e a perplexidade: «como será isto, se eu não conheço homem?». Maria reconhece-se pequena para o projeto grandioso que o Anjo lhe comunica. Contudo, visitada por Deus, Maria não se esconde, mas coloca a sua vida nas mãos de Deus e disponibiliza-se totalmente: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».
A nossa fragilidade e o nosso pecado não são um obstáculo à misericórdia de Deus nem um impedimento para que Deus realize em nós a Sua obra. A vocação de cada um de nós não é um mero desenvolvimento ou potenciamento das nossas capacidades e qualidades, mas o caminho através do qual nos disponibilizamos para o acontecer de Deus nas nossas vidas: «o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra».
É o Espírito Santo que conduz a história e que opera em nós a obra de Deus. Nós somos convidados a colocar a nossa confiança em Deus e a abrir o nosso coração à Sua vontade. Somos convidados a superar os nossos medos e receios e, à pergunta «Onde estás?», colocada a Adão e a cada um de nós, somos chamados a responder com a generosidade e a disponibilidade de Maria. Somos desafiados a fazer o itinerário que nos conduz do medo à disponibilidade, do pecado e da fragilidade que nos envergonha e nos faz esconder, ao perdão recebido que nos faz partir na aventura do amor. «A Deus nada é impossível» e também não será para cada um de nós, se nos abandonarmos totalmente nas mãos Daquele que torna possíveis os impossíveis da nossa vida. in Voz Portucalense.
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Com o Tempo de Advento damos início a um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, integrados na dinâmica de Advento, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.
Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Génesis 3,9-15.20
Depois de Adão ter comido da árvore,
o Senhor Deus chamou-o e disse-lhe: «Onde estás?»
Ele respondeu:
«Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim
e, como estava nu, tive medo e escondi-me».
Disse Deus:
«Quem te deu a conhecer que estavas nu?
Terias tu comido dessa árvore, da qual te proibira comer?»
Adão respondeu:
«A mulher que me destes por companheira
deu-me do fruto da árvore e eu comi».
O Senhor Deus perguntou à mulher:
«Que fizeste?»
E a mulher respondeu:
«A serpente enganou-me e eu comi».
Disse então o Senhor à serpente:
«Por teres feito semelhante coisa,
maldita sejas entre todos os animais domésticos
e entre todos os animais selvagens.
Hás de rastejar e comer do pó da terra
todos os dias da tua vida.
Estabelecerei inimizade entre ti e a mulher,
entre a tua descendência e a descendência dela.
Esta te esmagará a cabeça
e tu a atingirás no calcanhar».
O homem deu à mulher o nome de ‘Eva’,
porque ela foi a mãe de todos os viventes.
CONTEXTO
O relato javista de Gn 2,4b-3,24 sobre as origens da vida e do pecado (ao qual pertence o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura) é um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante e vivo e parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes.
Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem realista de acontecimentos passados na aurora da humanidade. O seu autor não pretende deixar-nos uma informação factual sobre algo que ele viu ou que lhe contaram; mas está a dizer-nos, com a linguagem do homem de fé, que na origem da vida e dos seres humanos está Deus; e que na origem do mal e do pecado estão as opções erradas que todos os dias os homens fazem. Trata-se, portanto, de uma página de catequese.
Esta longa reflexão sobre as origens da vida e do mal que desfeia o mundo está estruturada num esquema tripartido, com duas situações claramente opostas e uma realidade central que aparece como charneira e ao redor da qual giram a primeira e a terceira parte… Na primeira parte (cf. Gn 2,4b-25), o autor descreve a criação do paraíso e do homem; apresenta a criação de Deus como um espaço ideal de felicidade, onde tudo é bom e o homem vive em comunhão total com o criador e com as outras criaturas. Na segunda parte (cf. Gn 3,1-7), o autor descreve o pecado do homem e da mulher; mostra como as opções erradas do homem introduziram na comunhão do homem com Deus e com o resto da criação fatores de desequilíbrio e de morte. Na terceira parte (cf. Gn 3,8-24), o autor apresenta o homem e a mulher confrontados com o resultado das suas opções erradas e as consequências que daí advieram, quer para o homem, quer para o resto da criação.
Na perspetiva do catequista javista, Deus criou o homem para a felicidade… Então, pergunta ele, como é que hoje conhecemos o egoísmo, a injustiça, a violência que destroem o mundo e a felicidade do homem? A resposta é: algures na história humana, o homem que Deus criou livre e feliz fez escolhas erradas e introduziu na criação boa de Deus dinamismos de sofrimento e de morte.
O nosso texto integra a terceira parte do tríptico. Adão e Eva – que representam os homens e as mulheres de todas as épocas, ávidos de autossuficiência e de liberdade absoluta – tinham tomado a opção de ir contra as indicações de Deus (cf. Gn 3,1-7). Agora, sentindo-se culpados, escondem-se envergonhados “por entre o arvoredo do jardim” (Gn 3,8b).in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O mal é uma realidade omnipresente, que a cada instante enche de sombras a história do mundo e a vida dos homens. Apresenta-se na forma de egoísmo, de arrogância, de mentira, de opressão, de injustiça, de violência. Impede-nos de desfrutar de uma vida harmoniosa, pacífica, fecunda, verdadeiramente feliz e realizada. Quando o mal nos fere, sentimos incompreensão, frustração, desânimo, acusação, revolta… Magoados e indignados, reagimos de forma intempestiva e irracional. Por vezes culpamos Deus e acusámo-lo de não se importar connosco, de deixar que o mal se imponha e deixe feridas irreparáveis nas nossas vidas. Ao culpar Deus, estaremos a ser justos e razoáveis? A catequese bíblica garante-nos que o mal não vem de Deus e que Deus não se conforma com o mal. Deus criou-nos para a vida e fez tudo para que não nos tornássemos prisioneiros do mal. Deus ama-nos com um amor sem igual e só quer o nosso bem. Desde o início da história humana mostrou-nos, com paciência infinita, quais os caminhos que devíamos percorrer para chegar à vida plena. Faz algum sentido culparmos Deus, de alguma forma, pelo mal que desfeia o mundo e que traz sofrimento à nossa vida?
- A catequese bíblica ensina, também, que o mal resulta das nossas escolhas erradas, do nosso orgulho, da nossa arrogância, do nosso egoísmo e autossuficiência. Quando o homem escolhe ignorar as propostas de Deus e prescindir do amor, passa a construir a sua vida à volta dos seus projetos pessoais e dos seus interesses egoístas. O resultado de tudo isso traduz-se em injustiças, prepotências, mentiras, pecado… Não teremos, nós também, a nossa quota parte de responsabilidade no imenso caudal de mal que sufoca o mundo e afoga os homens? Procuramos conduzir a nossa vida de acordo com as propostas de Deus e seguir as indicações que Ele nos dá, ou preferimos fazer as nossas escolhas pessoais, à margem de Deus e até mesmo contra Deus?
- A opção por caminhos de egoísmo e de pecado, contra as indicações de Deus, leva-nos ao confronto com os outros homens e mulheres que “viajam” ao nosso lado. Quando nos erigimos em centro e referência de tudo, os outros deixam de ser irmãos, para passarem a ser uma ameaça ao nosso bem-estar, à nossa segurança, ao nosso comodismo, aos nossos interesses pessoais. De tudo isso resulta o conflito, a violência, a exploração, a injustiça; criamos barreiras que nos separam uns dos outros; cortamos as pontes de entendimento e de colaboração; riscamos a fraternidade do dicionário da nossa vida; destruímos a união e a comunhão que nos deviam unir. Como é que nos situamos face aos meus irmãos? Como é que nos relacionamos com aqueles que são diferentes, que invadem o nosso espaço, que atrapalham os nossos interesses, que nos questionam e nos interpelam?
- O nosso egocentrismo, além de afetar a nossa relação com os outros homens e mulheres, também afeta a nossa relação com o resto da criação. Quando só os nossos interesses pessoais comandam as nossas decisões e ações, a natureza deixa de ser a casa comum que Deus ofereceu a todos os homens como espaço de vida e de felicidade, para se tornar algo que usamos e exploramos em nosso proveito, sem considerar a sua dignidade, beleza e grandeza. O que é que a criação de Deus significa para nós: algo que podemos usar e explorar de forma egoísta, ou algo que Deus ofereceu a todos os homens e mulheres – inclusive àqueles que hão de vir depois de nós – e que devemos respeitar, guardar e cuidar com amor? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 97 (98)
Refrão: Cantai ao Senhor um cântico novo:
o Senhor fez maravilhas.
Cantai ao Senhor um cântico novo,
pelas maravilhas que Ele operou.
A sua mão e o seu santo braço
Lhe deram a vitória.
O Senhor deu a conhecer a salvação
revelou aos olhos das nações a sua justiça.
Recordou-Se da sua bondade e fidelidade
em favor da casa de Israel.
Os confins da terra puderam ver
a salvação do nosso Deus.
Aclamai o Senhor, terra inteira,
exultai de alegria e cantai.
LEITURA II – Filipenses 1,4-6.8-11
Irmãos:
Em todas as minhas orações,
peço sempre com alegria por todos vós,
recordando-me da parte que tomastes na causa do Evangelho,
desde o primeiro dia até ao presente.
Tenho plena confiança
de que Aquele que começou em vós tão boa obra
há de levá-la a bom termo até ao dia de Cristo Jesus.
Deus é testemunha
de que vos amo a todos no coração de Cristo Jesus.
Por isso Lhe peço que a vossa caridade
cresça cada vez mais em ciência e discernimento,
para que possais distinguir o que é melhor
e vos torneis puros e irrepreensíveis para o dia de Cristo,
na plenitude dos frutos de justiça
que se obtêm por Jesus Cristo,
para louvor e glória de Deus.
CONTEXTO
A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.
A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.
Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Flp 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis ao Evangelho de Jesus e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” – Flp 2,5).
O texto que a liturgia deste segundo domingo do advento nos propõe é, praticamente, o início da Carta aos Filipenses. Depois de saudar “os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos” (Flp 1,1), Paulo manifesta aos seus amigos de Filipos o apreço que eles lhe merecem e as expetativas que tem em relação à comunidade cristã da cidade. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Em tempo de advento, a liturgia convida-nos a olhar para uma comunidade cristã que espera a vinda do Senhor: a comunidade cristã da cidade de Filipos. Como qualquer comunidade cristã, não é uma comunidade perfeita: continua a ter necessidade de crescer sempre mais no caminho que leva à santidade; mas é uma comunidade comprometida, empenhada, generosa, que sabe que é chamada por Deus, enquanto caminha na história, a viver de forma coerente com o Evangelho que acolheu. Como é que, nas nossas comunidades cristãs, se vive este tempo de espera do Senhor? Este tempo poderá ser, para as nossas comunidades cristãs, um tempo de purificação, de conversão, de discernimento dos desafios de Deus, de renovação da fé e do compromisso, de reforço da caridade, da generosidade, da partilha, do perdão, do entendimento?
- A comunidade cristã de Filipos é uma comunidade que se interessa pela obra da evangelização. O apoio que dá a Paulo não resulta apenas de um sentimento de gratidão pessoal para com um apóstolo que trouxe à cidade de Filipos a Boa nova de Jesus; mas traduz o compromisso daquela Igreja com o esforço de evangelização que o missionário Paulo, na linha da frente do combate pelo anúncio do Evangelho, leva a cabo. Os cristãos de Filipos entenderam que a Igreja é missionária (“Ide pelo mundo e anunciai o Evangelho a toda a criatura” – Mc 16,15); e sentem que é ser dever participar da missão. As nossas comunidades cristãs sentem este imperativo missionário? Sentem a necessidade de fazer Jesus nascer para todos os povos? Estão atentas às necessidades e são solidárias com aqueles que dão a sua vida à causa do anúncio de Jesus? É com ternura e carinho que, nas nossas comunidades cristãs, se acolhem os que anunciam o Evangelho – os catequistas das crianças, dos jovens, dos adultos?
- É possível que tenhamos queixas da Igreja e que não nos revejamos em algumas afirmações e testemunhos de pessoas que são referência na comunidade cristã; é possível que não nos identifiquemos com certas formas de celebrar a fé, ou com algumas atitudes de falta de misericórdia e de caridade que acontecem dentro dos espaços das nossas igrejas; é possível que nos sintamos desiludidos com a forma como, muitas vezes, os cristãos incarnam na história o testemunho de Jesus… Mas, em termos pessoais, estará cada um de nós a fazer tudo o que está ao seu alcance para que a nossa comunidade cristã seja a casa da comunhão, da fraternidade, do entendimento, da caridade? Neste tempo de espera do Senhor, que contributo podemos pessoalmente dar para que a nossa comunidade cristã se torne uma “casa” onde Jesus tem lugar? in Dehonianos.
EVANGELHO – Lucas 1,26-38
Naquele tempo,
o Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma cidade da Galileia chamada Nazaré,
a uma Virgem desposada com um homem chamado José.
O nome da Virgem era Maria.
Tendo entrado onde ela estava, disse o anjo:
«Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo».
Ela ficou perturbada com estas palavras
e pensava que saudação seria aquela.
Disse-lhe o Anjo:
«Não temas, Maria,
porque encontraste graça diante de Deus.
Conceberás e darás à luz um Filho,
a quem porás o nome de Jesus.
Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David;
reinará eternamente sobre a casa de Jacob
e o seu reinado não terá fim».
Maria disse ao Anjo:
«Como será isto, se eu não conheço homem?»
O Anjo respondeu-lhe:
«O Espírito Santo virá sobre ti
e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra.
Por isso, o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus.
E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice
e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril;
porque a Deus nada é impossível».
Maria disse então:
«Eis a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra».
CONTEXTO
O texto que nos é hoje proposto pertence ao chamado “Evangelho da Infância”. Ora, os “Evangelhos da Infância de Jesus (quer o de Mateus, quer o de Lucas) enquadram-se num género literário próprio, que recorre às técnicas do midrash haggádico (uma técnica de leitura e de interpretação do texto sagrado usada pelos rabis judeus) para nos apresentar o mistério de Jesus. A preocupação dos evangelistas que nos legaram os “Evangelhos da Infância” não é apresentar um relato factual dos acontecimentos dos primeiros anos de Jesus, mas sim oferecer às suas comunidades uma catequese que proclame determinadas realidades (que Jesus é o Messias, que Ele vem de Deus, que Ele é o “Deus connosco”). Com recurso a tipologias (correspondência entre certos factos e pessoas do Antigo Testamento, e outros factos e pessoas do Novo Testamento), a manifestações apocalípticas (anjos, aparições, sonhos) e a outros recursos literários, Mateus e Lucas tecem as suas catequeses sobre Jesus, o Filho de Deus que veio ao encontro dos homens. O Evangelho que nos é hoje proposto deve ser entendido a esta luz e neste enquadramento.
A cena situa-nos numa aldeia da Galileia, chamada Nazaré. A Galileia, região a norte da Palestina, à volta do Lago de Tiberíades, era considerada pelos judeus uma terra longínqua e estranha, em permanente contacto com as populações pagãs e onde se praticava uma religião heterodoxa, influenciada pelos costumes e pelas tradições pagãs. Daí a convicção dos mestres judeus de Jerusalém de que “da Galileia não pode vir nada de bom”. Quanto a Nazaré, era uma aldeia pobre e ignorada, nunca nomeada na história religiosa judaica e, portanto (de acordo com a mentalidade judaica), completamente à margem dos caminhos de Deus e da salvação.
Maria, a jovem de Nazaré que está no centro deste episódio, era “uma virgem desposada com um homem chamado José”. O casamento hebraico considerava o compromisso matrimonial em duas etapas: havia uma primeira fase, na qual os noivos se prometiam um ao outro (os “esponsais”); só numa segunda fase surgia o compromisso definitivo (as cerimónias do matrimónio propriamente dito). Entre os “esponsais” e o rito do matrimónio, passava um tempo mais ou menos longo, durante o qual qualquer uma das partes podia voltar atrás, ainda que sofrendo uma penalidade. Durante os “esponsais”, os noivos não viviam em comum; mas o compromisso que os dois assumiam tinha já um carácter estável, de tal forma que, se surgia um filho, este era considerado filho legítimo de ambos. A Lei de Moisés considerava a infidelidade da “prometida” como uma ofensa semelhante à infidelidade da esposa (cf. Dt 22,23-27). E a união entre os dois “prometidos” só podia dissolver-se com a fórmula jurídica do divórcio. José e Maria estavam, portanto, na situação de “prometidos”: ainda não tinham celebrado o matrimónio, mas já tinham celebrado os “esponsais”. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O mal de que falava a primeira leitura desta solenidade, constituirá uma inevitabilidade? Estaremos condenados a fazer escolhas erradas, a não fazer caso das indicações de Deus? A verdade é que, desde o primeiro instante da nossa existência, integramos a família humana, uma família onde o pecado existe. Fazendo parte dessa família, estamos marcados e até mesmo condicionados por essa realidade. Resta-nos encolher os ombros, com fatalismo, invocar como desculpa a nossa fragilidade e resignar-nos á mediocridade? Hoje somos convidados a olhar para Maria de Nazaré, aquela que a Igreja chama a “Imaculada Conceição”. Ao contrário de Adão e Eva, ao contrário de todos os homens e mulheres que cedem à tentação de dizer “não” às indicações de Deus, ela ousou dizer “sim” a Deus. Mostrou-se disponível – não apenas num momento particular, mas em toda a sua vida – para deixar em segundo plano os seus projetos pessoais e para abraçar os planos de Deus. Maria de Nazaré mostrou-nos que é possível fazer escolhas acertadas; mostrou-nos que é possível não nos deixarmos submergir pelo egoísmo e pela autossuficiência. O que significa Maria de Nazaré, a “Imaculada Conceição”, para nós? Ela é apenas a “mãe de Deus e nossa mãe do céu”, por quem temos muita devoção, ou é também – e sobretudo – uma referência de vida, aquela que nos ensina a dizer “sim” a Deus e aos seus projetos?
- Deus tem, desde sempre, um projeto de salvação e de graça para os seus queridos filhos e filhas. Como é que Deus intervém na história humana e concretiza, dia a dia, a sua oferta de salvação? A história de Maria de Nazaré (bem como a de tantos outros “chamados”) responde, de forma clara, a esta questão: é através de homens e mulheres atentos aos projetos de Deus e de coração disponível para o serviço dos irmãos que Deus atua no mundo, que Ele manifesta aos homens o seu amor, que Ele convida cada pessoa a percorrer os caminhos da felicidade e da realização plena. Já pensámos que é através dos nossos gestos de amor, de partilha e de serviço que Deus Se torna presente no mundo e transforma o mundo?
- Outra questão é a dos “instrumentos” de que Deus se serve para realizar os seus planos… Maria era uma jovem mulher de uma aldeia obscura dessa “Galileia dos pagãos” de onde não podia “vir nada de bom”. Não consta que tivesse uma significativa preparação intelectual, profundos conhecimentos teológicos, ou amigos poderosos nos círculos de poder e de influência da Palestina de então. Apesar disso, foi escolhida por Deus para desempenhar um papel primordial na etapa mais significativa na história da salvação. A história vocacional de Maria deixa claro que, na perspetiva de Deus, não são o poder, a riqueza, a importância ou a visibilidade social que determinam a capacidade para levar a cabo uma missão. Deus age através de homens e mulheres, independentemente das suas qualidades humanas. O que é decisivo é a disponibilidade e o amor com que se acolhem e testemunham as propostas de Deus. Estamos disponíveis – apesar da nossa pequenez, fragilidade e indignidade – para sermos colaboradores de Deus e testemunhas da sua salvação no meio dos nossos irmãos e irmãs?
- É possível alguém entregar-se tão cegamente a Deus, sem reservas, sem medir os prós e os contras? Como é que se chega a esta confiança incondicional em Deus e nos seus projetos? Naturalmente, não se chega a esta confiança cega em Deus e nos seus planos sem uma vida de diálogo, de comunhão, de intimidade com Deus. Maria de Nazaré foi certamente uma mulher para quem Deus ocupava o primeiro lugar e era a prioridade fundamental. Maria de Nazaré foi seguramente uma pessoa de oração e de fé, que fez a experiência do encontro com Deus e aprendeu a confiar totalmente n’Ele. No meio da agitação de todos os dias, encontramos tempo e disponibilidade para ouvir Deus, para viver em comunhão com Ele, para tentar perceber os seus sinais nas indicações que Ele nos dá?in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é composta pelo diálogo entre Deus e o primeiro casal humano. Deste modo, a proclamação desta leitura deve ter o cuidado de articular bem o discurso direto entre as diversas intervenções com uma especial atenção para as frases interrogativas.
A segunda leitura apresenta frases longas com diversas orações, requerendo uma acurada preparação nas pausas e respirações para que o texto seja bem proclamado.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo II do Tempo do Advento – Ano C – 08.12.2024 (Bar 5, 1-9)
- Leitura II do Domingo II do Tempo do Advento – Ano C – 08.12.2024 (Filip 1, 4-6.8-11)
- Domingo II do Tempo do Advento – Ano C – 08.12.2024 – Lecionário
- Domingo II do Tempo do Advento – Ano C – 08.12.2024 – Oração Universal
- Leitura I da Solenidade da Imaculada Conceição – Ano C – 08.12.2024 (Gen 3, 9-15.20)
- Leitura II da Solenidade da Imaculada Conceição – Ano C – 08.12.2024 (Ef 1, 3-6.11-12)
- Solenidade da Imaculada Conceição – Ano C – 08.12.2024 – Lecionário
- Solenidade da Imaculada Conceição – Ano C – 08.12.2024 – Oração Universal
- Domingo II do Tempo do Advento e Solenidade da Imaculada Conceição – Ano C – 08.12.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo II Advento
- ANO C – Ano de Lucas- 2024-2025
Domingo I do Tempo do Advento – Ano C – 01.12.2024
Viver a Palavra
O texto do Evangelho para este Domingo, começa por evocar os sinais presentes «no sol, na lua e nas estrelas» e descreve o modo como «as forças celestes serão abaladas». Os astros são o relógio cósmico a partir do qual a humanidade ritma o seu tempo e constrói a sucessão dos dias e dos anos: calculamos os anos da nossa vida pelas voltas dadas ao sol; os navegadores desbravaram os mares e chegaram a terras desconhecidas guiados pelos astros; os agricultores ao ritmo das fases da lua encontram o tempo mais favorável para as suas plantações e as suas colheitas. O anúncio da queda e abalo das forças celestes atemoriza e aterroriza, pois parece fazer ruir lugares onde encontramos o ritmo da vida e a orientação do caminho. Contudo, o anúncio, aparamente dramático, proclamado por Jesus, é acompanhado pela certeza de que tudo isto acontecerá acompanhado pela visão do Filho do Homem que virá numa nuvem com grande poder e glória. Desmoronam os relógios humanos e os ritmos marcados pelos astros celestes, para darem lugar ao ritmo de Deus que deve marcar o passo da história.
A espera, que habita o coração de cada homem e de cada mulher, e, que faz sonhar um mundo novo e diferente, encontra realização e plenitude no advento de Deus, que vem ao nosso encontro com grande poder e glória. O tempo da nossa vida não pode limitar-se à contabilização dos dias e horas que nos são dadas viver, mas o saborear da presença de Deus que rasga horizontes novos e faz experimentar a verdadeira sabedoria que invoca o salmista: «ensina-nos a contar assim os nossos dias, para podermos chegar ao coração da sabedoria» (Sl 90,12).
Com o primeiro Domingo de Advento, damos início a um novo ano litúrgico que não é apenas uma organização sistemática e articulada das memórias, festas e solenidades, mas a celebração do Mistério de Cristo, que ilumina o tempo e a história, e nos ensina a arte de fazer dos dias que vivemos, o tempo onde Deus atua e realiza a Sua obra de amor.
O tempo de Advento é tempo de espera alegre e jubilosa. Não esperamos um autocarro atrasado em hora de ponta ou um comboio em dia de greve. A nossa espera não desespera, porque o nosso Deus cumpre a promessa feita aos nossos pais: «dias virão, em que cumprirei a promessa que fiz à casa de Israel e à casa de Judá».
O Senhor vem! Vem, porque já veio na fragilidade e debilidade da nossa natureza inaugurar os novos céus e a nova terra. Vem, porque virá um dia no esplendor da sua glória para estabelecer os novos céus e a nova terra de modo pleno, total e definitivo. Vem, porque continuamente se faz presente na vida de cada homem por meio de tantos sinais. Deste modo, o tempo de Advento é o tempo por excelência da vida cristã, porque nos situa entre a vinda primeira de Cristo e a vinda definitiva, ensinando-nos a arte de acolher cada dia como uma visita de Deus: «Esperar é um modo de chegares / Um modo de te amar dentro do tempo» (Daniel Faria).
Viver despertos e vigilantes aguardando a vinda do Senhor não é uma alienação, nem uma projeção dos nossos desejos mais íntimos, mas o único modo de atravessar a história, semeando a esperança que brota do coração de Deus e se revela em Jesus Cristo. É tempo de «nutrir a esperança de amanhã, curando a dor de hoje» (Papa Francisco), porque a esperança que nasce do Evangelho não consiste em esperar passiva e ingenuamente um amanhã em que tudo ficará bem, mas em tornar concreta hoje a promessa de salvação de Deus. in Voz Portucalense.
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Com o Tempo de Advento damos início a um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, integrados na dinâmica de Advento, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.
Como se diz acima durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Jeremias 33,14-16
Eis o que diz o Senhor:
«Dias virão, em que cumprirei a promessa
que fiz à casa de Israel e à casa de Judá:
Naqueles dias, naquele tempo,
farei germinar para David um rebento de justiça
que exercerá o direito e a justiça na terra.
Naqueles dias, o reino de Judá será salvo
e Jerusalém viverá em segurança.
Este é o nome que chamarão à cidade:
‘O Senhor é a nossa justiça’».
CONTEXTO
O profeta Jeremias nasceu no ano 650 a.C., em Anatot, uma pequena cidade situada nas proximidades de Jerusalém. A sua missão profética começou por volta de 627/626 a.C., e prolongou-se até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário geográfico da atividade de Jeremias é o reino do sul (Judá), e sobretudo a cidade de Jerusalém.
Podemos dividir o tempo de atividade profética de Jeremias em diversas fases. A primeira abrange parte do reinado do rei Josias. Este rei, apostado em defender a identidade nacional em todas as suas vertentes, promoveu uma grande reforma religiosa destinada a limpar do país o culto aos deuses estrangeiros. Jeremias, a partir de 626 a.C., envolveu-se nessa reforma, convidando os habitantes de Judá a converterem-se a Javé e a viverem na fidelidade à Aliança e aos mandamentos de Deus. Esta fase terminou quando, em 609 a.C., Josias foi morto em Megido, em combate contra os exércitos egípcios.
Depois de alguns meses de instabilidade, o trono de Judá foi ocupado por Joaquim (609-597 a.C.). Com Joaquim no trono, a infidelidade dos habitantes de Judá a Javé e à Aliança volta a estar na ordem do dia. Nesta nova fase, a voz profética de Jeremias soa novamente para denunciar as graves injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e o abandono de Javé. Jeremias critica especialmente as alianças políticas que Joaquim procura fazer com outras nações, catalogando-as como infidelidade contra Deus: em lugar de confiar em Deus, Judá coloca a sua esperança e a sua segurança em exércitos estrangeiros. Convencido de que Judá não tem emenda e que Deus já não suporta mais o pecado do seu Povo, Jeremias anuncia a iminência de uma invasão babilónica, que irá castigar a nação pelos seus pecados. As previsões de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém. No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.).
Após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças militares com o Egipto. Jeremias, uma vez mais, mostra o seu desacordo: a esperança de Judá deve estar em Javé e não em exércitos estrangeiros… Mas, nem o rei, nem os notáveis de Judá prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Visto por toda a gente como um amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe novamente cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias anuncia o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a.C.).
No livro de Jeremias, o texto que a liturgia deste primeiro domingo do advento nos propõe como primeira leitura é apresentado como um oráculo de Deus, confiado ao profeta quando a cidade de Jerusalém está cercada pelos babilónios e que o próprio Jeremias está detido no átrio da guarda, acusado de derrotismo e de traição (cf. Jr 33,1). Nesse cenário que parece sem saída, o profeta é convidado a proclamar, em nome de Javé, a chegada de um tempo novo, no qual Deus vai curar as feridas do seu Povo e proporcionar a Judá “abundância de paz e segurança” (Jr 33,6). A mensagem é tanto mais surpreendente quanto o futuro imediato parece sombrio e o próprio Jeremias é acusado de profetizar a destruição de Jerusalém e o exílio de Sedecias (cf. Jr 32,3-5).
No entanto, o mais provável é que este oráculo seja um texto tardio, redigido por um discípulo de Jeremias após o Exílio do Povo na Babilónia, com a finalidade de animar os judeus regressados do Exílio, desiludidos porque encontraram tudo destruído e um futuro incerto. A promessa de um “rebento de justiça”, da família de David, pretende ajudar os retornados do Exílio a recobrarem ânimo e a abrirem as portas à esperança. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Cada tempo, cada século, tem os seus momentos de crise, os seus problemas, as suas angústias, os seus dramas. O nosso tempo também. Apercebemo-nos, hoje, que o nosso estilo de vida põe em causa o equilíbrio do planeta e o futuro da nossa civilização; constatamos, hoje, que a indiferença se tornou uma doença global, e que nos interessamos cada vez menos uns pelos outros; descobrimos, hoje, que ainda não aprendemos a viver fora de uma lógica de egoísmo e que essa lógica condena uma grande parte dos homens e mulheres que caminham ao nosso lado a uma vida sem recursos e sem esperança; verificamos, hoje, que continuamos a preferir a velha lógica da guerra e da violência para resolver os nossos diferendos e as nossas diferenças; reparamos, hoje, que todos os dias aumenta o imenso cortejo de homens e mulheres que são despojados da sua dignidade e que são abandonados nas margens do caminho que a humanidade vai percorrendo… Para onde caminhamos? Que história estamos a construir? É neste cenário que ecoa essa mensagem eterna que nos é apresentada na primeira leitura deste primeiro domingo do advento: Deus permanece fiel às suas promessas e não abandona os seus filhos. Ele vai enviar-nos – ou melhor, vai continuar a enviar-nos – “um rebento de justiça” que nos apontará o caminho e que nos ensinará a construir um mundo novo. Da nossa parte, estaremos disponíveis para o acolher? Estaremos dispostos a escutá-lo e a aceitar as suas indicações?
- Jesus, o “rebento de justiça” da família de David, veio ao nosso encontro e mostrou-nos, com palavras e com gestos, os caminhos que devemos percorrer. Mas fez ainda mais: convidou-nos a integrar a comunidade do Reino de Deus e envolveu-nos na construção de um mundo mais justo, mais humano, pleno de harmonia e de paz. Como discípulos de Jesus, sentimo-nos comprometidos na construção desse mundo de justiça, de harmonia, de paz, de fraternidade, que Deus deseja para todos os seus filhos e filhas? Os nossos gestos, as nossas atitudes, as nossas palavras criam harmonia e entendimento, ou acrescentam agressividade, intolerância, confronto, revolta, sofrimento ao cenário onde nos movemos todos os dias?
- O “profeta” que nos deixou a mensagem que a nossa primeira leitura nos apresenta foi capaz, numa época histórica difícil para si e para o seu povo, de não se deixar submergir pela onda de desânimo e de pessimismo que ameaçava os habitantes de Jerusalém. Ele estava absolutamente seguro de Deus: da sua bondade, do seu amor, da sua fidelidade; e por isso pôde oferecer aos seus irmãos uma mensagem que lhes abriu as portas da esperança. Confiamos em Deus, na sua presença na história dos homens, no seu cuidado de Pai, no seu interesse pelo bem de todos os seus filhos? Somos arautos e testemunhas da esperança no meio dos irmãos e irmãs que tropeçam no desespero e no desencanto?
- Estamos a iniciar o tempo do “advento”. No nosso horizonte próximo está a vinda de Jesus. Ele, o “rebento de justiça” da família de David, vem ao nosso encontro para nos ajudar a vencer as nossas contradições e para nos ajudar a corrigir os passos mal andados que trazem sofrimento ao mundo e aos homens. A sua vinda será, portanto, um acontecimento feliz, que deve ser aguardado com alegria e com esperança. Como nos dispomos a viver este tempo de espera de Jesus? Será mais uma oportunidade que passa por nós sem nos tocar e transformar, ou será um tempo de verdadeira renovação, de verdadeiro compromisso, de verdadeiro encontro com Jesus? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 24 (25)
Refrão: Para Vós, Senhor, elevo a minha alma.
Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos,
ensinai-me as vossas veredas.
Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me,
porque Vós sois Deus, meu Salvador.
O Senhor é bom e reto,
ensina o caminho aos pecadores.
Orienta os humildes na justiça
e dá-lhes a conhecer os seus caminhos.
Os caminhos do Senhor são misericórdia e fidelidade
para os que guardam a sua aliança e os seus preceitos.
O Senhor trata com familiaridade os que O temem
e dá-lhes a conhecer a sua aliança.
LEITURA II – 1 Tessalonicenses 3,12–4,2
Irmãos:
O Senhor vos faça crescer e abundar na caridade
uns para com os outros e para com todos,
tal como nós a temos tido para convosco.
O Senhor confirme os vossos corações
numa santidade irrepreensível,
diante de Deus, nosso Pai,
no dia da vinda de Jesus, nosso Senhor,
com todos os santos.
Finalmente, irmãos,
eis o que vos pedimos e recomendamos no Senhor Jesus:
recebestes de nós instruções
sobre o modo como deveis proceder para agradar a Deus,
e assim estais procedendo;
mas deveis progredir ainda mais.
Conheceis bem as normas que vos demos
da parte do Senhor Jesus.
CONTEXTO
No século I da nossa era, Tessalónica era a cidade mais importante da Macedónia. Porto marítimo e cidade de intenso comércio, era uma encruzilhada religiosa, na qual os cultos locais coexistiam lado a lado com todo o tipo de propostas religiosas vindas de todo o Mediterrâneo.
A cidade foi evangelizada por Paulo durante a sua segunda viagem missionária, muito provavelmente no Inverno dos anos 49-50. Paulo chegou a Tessalónica acompanhado por Silvano e Timóteo, depois de ter sido forçado a deixar a cidade de Filipos. O tempo de evangelização foi curto, talvez uns três meses; mas foi o suficiente para fazer nascer uma comunidade cristã numerosa e entusiasta, constituída maioritariamente por pagãos convertidos. No entanto, a obra de Paulo foi brutalmente interrompida pela reação da colónia judaica. Os judeus acusaram Paulo de agir contra os decretos do imperador e levaram alguns cristãos diante dos magistrados da cidade (cf. At 17,5-9). Paulo teve de deixar a cidade à pressa, de noite, indo para Bereia e, depois, para Atenas (cf. At 17,10-15).
Entretanto, Paulo tinha a consciência de que a formação doutrinal da comunidade cristã de Tessalónica ainda deixava muito a desejar. A jovem comunidade, fundada há pouco tempo e ainda insuficientemente catequizada, estava quase desarmada nesse contexto adverso de perseguição e de provação (cf. 1Ts 3,1-10). Preocupado, Paulo enviou Timóteo a Tessalónica, a fim de saber notícias e encorajar os tessalonicenses na fé (cf. 1Ts 3,2-5). Quando Timóteo voltou para apresentar o seu relatório, encontrou Paulo em Corinto. Confortado pelas informações dadas por Timóteo, o apóstolo decidiu escrever aos cristãos de Tessalónica, felicitando-os pela sua fidelidade ao Evangelho. Aproveitou também para esclarecer algumas dúvidas doutrinais que inquietavam os tessalonicenses e para corrigir alguns aspetos menos exemplares da vida da comunidade. A Primeira Carta aos Tessalonicenses é, com toda a probabilidade, o primeiro escrito do Novo Testamento. Apareceu na Primavera-Verão do ano 50 ou 51.
Os dois primeiros versículos do texto que hoje nos é proposto como segunda leitura (cf. 1Ts 3,12-13) encerram a primeira parte da Carta aos Tessalonicenses; mas os outros dois versículos (cf. 1Ts 4,1-2) já pertencem à segunda parte da mesma carta. No seu conjunto, podem ser entendidos como uma espécie de “voto”, através do qual Paulo augura aos cristãos de Tessalónica que possam crescer cada vez mais na fé e no compromisso com o Evangelho de Jesus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Começamos hoje a fazer o caminho do advento. Queremos que as próximas semanas sejam, para nós, um tempo favorável para prepararmos o encontro com o Senhor que vem. O que devemos fazer para que isso aconteça? Paulo deixa-nos, no texto da primeira Carta aos Tessalonicenses que a liturgia nos oferece como segunda leitura uma “dica” importante: enquanto esperamos a vinda do Senhor Jesus, devemos “crescer e abundar na caridade uns para com os outros e para com todos”. É um convite a sairmos de nós e a abrirmos o coração aos irmãos que caminham ao nosso lado; é um convite a não ficarmos indiferentes perante as dores e os sofrimentos daqueles que nos rodeiam; é um convite a cuidarmos daqueles que não têm voz, que não têm vez, que ficam abandonados na berma da estrada porque ninguém se lembra deles. Estamos disponíveis, neste advento, para nos convertermos ao amor?
- Todas as vezes que nos reunimos para celebrar a eucaristia, somos convidados a rezar o “Pai nosso”, assumindo que Deus é o Pai de todos e que estamos ligados uns aos outros por laços fraternos. No entanto, nem sempre as nossas comunidades cristãs são a “casa da fraternidade” onde os irmãos se acolhem, se aceitam, se respeitam e se amam. Por vezes, deixamos que as quezílias, os ciúmes, as invejas, as maledicências, as vaidades pessoais se intrometam na comunidade e quebrem a comunhão e o entendimento fraterno. Talvez este tempo de advento possa ser um tempo para purificarmos a nossa fraternidade e construirmos comunidades onde se viva o amor “uns para com os outros e para com todos”. Estamos dispostos, neste tempo de advento, a fazer o que estiver ao nosso alcance para que as nossas comunidades cristãs deem ao mundo e aos homens um testemunho verdadeiro de fraternidade, de partilha, de comunhão?
- Paulo lembra aos cristãos de Tessalónica que, enquanto peregrinarmos nesta terra, o caminho da santificação nunca está concluído. É um caminho sempre a fazer-se, que implica o compromisso, o esforço, a fidelidade a cada passo; é um caminho de conversão constante, nunca terminada. Estamos dispostos a aproveitar este tempo de advento para renovarmos a nossa vida, para redirecionarmos os nossos passos, para questionarmos as opções que temos vindo a fazer, para nos comprometermos mais e mais com o seguimento de Jesus e o testemunho do Evangelho? in Dehonianos.
EVANGELHO – Lucas 21,25-28.34-36
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas
e, na terra, angústia entre as nações,
aterradas com o rugido e a agitação do mar.
Os homens morrerão de pavor,
na expectativa do que vai suceder ao universo,
pois as forças celestes serão abaladas.
Então, hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem,
com grande poder e glória.
Quando estas coisas começarem a acontecer,
erguei-vos e levantai a cabeça,
porque a vossa libertação está próxima.
Tende cuidado convosco,
não suceda que os vossos corações se tornem pesados
pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida,
e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha,
pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra.
Portanto, vigiai e orai em todo o tempo
para que possais livrar-vos de tudo o que vai acontecer
e comparecer diante do Filho do homem».
CONTEXTO
O Evangelho deste primeiro domingo do advento situa-nos em Jerusalém, num dos dias que precedem a prisão, condenação e morte de Jesus na cruz. O programa de Jesus, nestes dias, é sempre igual: de manhã dirige-se ao templo e passa aí o dia, “a ensinar”; ao final da tarde sai da cidade, atravessa o vale do Cedron e vai até ao Monte das Oliveiras, onde passa a noite (cf. Lc 21,37). Esses dias também vão ser marcados por diversas controvérsias entre Jesus e os líderes judaicos. Depois do gesto profético da purificação do templo, tornado “covil de ladrões” pela cupidez dos negociantes (cf. Lc 19,45-48), Jesus foi questionado pelos sacerdotes, pelos doutores da Lei e pelos anciãos do povo sobre a sua autoridade (cf. Lc 20,1-8); e respondeu-lhes com a parábola dos vinhateiros homicidas, comparando-os a uns arrendatários de uma vinha que sempre se recusaram a dar ao seu senhor os frutos que lhe deviam. Os representantes do judaísmo oficial também discutiram com Jesus sobre o pagamento do tributo a César (cf. Lc 20,20-26) e sobre a ressurreição dos mortos (cf. Lc 20,27-40). Vai-se tornando cada vez mais clara a ideia de que a proposta de Jesus nunca será acolhida pelas autoridades religiosas de Israel. A cruz está, cada vez mais, no horizonte próximo de Jesus.
Num daqueles dias, ao retirar-se do templo para se dirigir para o Monte das Oliveiras, em resposta ao comentário dos discípulos sobre a beleza e a riqueza do templo, Jesus avisa que tudo isso que estão a contemplar e a admirar irá ser destruído (cf. Lc 21,5-6). Os discípulos, muito impressionados, pedem-lhe explicações (“mestre, quando sucederá isso? E qual será o sinal de que estas coisas estão para acontecer?” – Lc 21,7). Em resposta, Jesus deixa aos discípulos uma longa instrução que é conhecida como o “discurso escatológico” (cf. Lc 21,7-38).
Na versão do evangelista Lucas, o “discurso escatológico” de Jesus refere três momentos, ou temas, da história futura: a destruição de Jerusalém (que veio a concretizar-se no ano 70, quando as tropas romanas sob o comando de Tito tomaram Jerusalém e destruíram o templo), as vicissitudes que os discípulos irão enfrentar ao longo do seu caminho histórico e, por fim, a vinda definitiva do Filho do Homem. De acordo com o texto de Lucas, Jesus recorre, para falar de tudo isto, a imagens estereotipadas de que os pregadores escatológicos da época se serviam quando discorriam sobre o fim dos tempos. A finalidade de Lucas, ao oferecer-nos o “discurso escatológico de Jesus”, não é tanto descrever os acontecimentos da história futura dos homens, mas sim transmitir aos crentes – aos crentes da década de oitenta do primeiro século e aos crentes de todas as épocas – a força para viverem o seu compromisso com Jesus no meio das dificuldades, incompreensões e perseguições que a história os obrigará a enfrentar. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- No “discurso escatológico”, Jesus diz aos discípulos uma frase que poderia servir de mote para este “caminho de advento” que hoje começamos a percorrer: “erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”. Jesus refere-se ao fim dos tempos, ao dia em que o “Filho do Homem” vier sobre as nuvens para dar início a um mundo novo, a um mundo transformado; mas a frase pode perfeitamente aplicar-se a cada “visita” de Deus, a cada vez que Jesus vem ter connosco, “veste” a nossa humanidade, se torna um de nós, nasce na nossa vida… Sim, a vinda de Jesus liberta-nos pois proporciona-nos o encontro cara a cara com o coração misericordioso e paternal de Deus; a vinda de Jesus liberta-nos pois traz-nos um convite irrecusável a dizermos não ao egoísmo que nos escraviza; a vinda de Jesus liberta-nos pois Ele, quando nos encontra, propõe-nos uma vida nova, uma vida com sentido, uma vida vivida em chave de amor. Nestes dias, à medida que preparamos o nosso coração para acolher Jesus, estamos a aproximar-nos da nossa libertação. O que podemos fazer para preparar a chegada de Jesus? O que temos de fazer, neste tempo, para acolher a nossa libertação?
- “Erguei-vos e levantai a cabeça” – pede Jesus aos seus discípulos. Na verdade, muitas vezes não caminhamos, mas simplesmente arrastamo-nos pela vida, sem horizontes e sem esperança. O medo paralisa-nos, atira-nos ao chão, obriga-nos a escondermo-nos no nosso espaço protegido, à margem da vida e da luta dos homens; o ativismo cansa-nos de tal forma que a certa altura não temos mais forças para nos levantarmos da cama e começarmos a construir, cada manhã, um dia novo e um mundo novo; a desilusão pela forma como o mundo se vai construindo dá-nos vontade de nos isolarmos e desistirmos de qualquer esforço; as injustiças, as violências, as maldades que vemos crescer à nossa volta fazem-nos pensar que o mundo não tem saída… Baixamos a cabeça, conformamo-nos com a realidade de um mundo que nos parece um lugar cada vez mais assustador e renunciamos a desempenhar o nosso papel enquanto protagonistas da história. Ousaremos, neste tempo de advento, animados pela vinda de Deus, “levantar a cabeça”, olhar a vida olhos nos olhos, e assumir o papel que Deus nos destina na construção de um mundo mais justo, mais humano, mais feliz?
- Jesus pede aos discípulos que esperem a sua vinda numa atitude de vigilância. Estar vigilante é estar atento a tudo o que se passa para intervir e atuar quando necessário; é olhar a vida e a história com sentido crítico, sabendo ler os sinais de Deus e respondendo, sem hesitações, aos desafios de Deus; é olhar continuamente à volta para identificar os pedidos de ajuda que nos chegam dos irmãos que caminham ao nosso lado. Significa não acomodação, não conformação, não cedência à preguiça ou ao egoísmo, não indiferença em relação ao mundo e aos homens. Estamos dispostos, neste advento, a reativar a nossa atitude de vigilância? Estamos dispostos, neste advento, a ficar mais atentos a Deus e às indicações que Ele nos vai dando? Estamos dispostos, neste advento, a “ver” e a dar resposta às necessidades e dificuldades dos homens e mulheres que nos rodeiam?
- Jesus também pede aos seus discípulos que, enquanto O esperam, orem “em todo o tempo”. A oração torna-nos íntimos de Deus e aprofunda a nossa comunhão com Deus. No diálogo com Deus apercebemo-nos dos projetos que Ele tem para o mundo e para os homens, interessamo-nos por esses projetos e assumimo-los como nossos; no diálogo com Deus percebemos como atuar, como fazer as coisas, como sermos testemunhas e sinais de Deus no nosso mundo; no diálogo com Deus, colhemos as forças para vivermos de acordo com os valores de Deus e para sermos colaboradores d’Ele na construção do mundo. Dispomo-nos, neste advento, a encontrar momentos para falarmos com Deus, para o escutarmos, para lhe dizermos o que nos vai no coração?
- No seu “discurso escatológico”, Jesus diz aos discípulos que há de vir no final dos tempos, de forma definitiva, sobre as nuvens do céu, “com grande poder e glória”. Só então o mal, o egoísmo, o pecado em todas as suas formas, serão definitivamente derrotados. Até lá, caminhamos na história, fiéis e vigilantes, de olhos postos nesse horizonte, com o coração batendo ao ritmo da esperança. Em tempo de advento, preparando a próxima vinda de Jesus ao nosso mundo e à nossa vida, somos convidados a olhar, de forma mais consciente e convicta, para o momento final da história, o momento em que a humanidade será definitivamente libertada. Sentimos que a próxima vinda de Jesus, no Natal do Senhor, prepara e anuncia a vinda definitiva do “Filho do Homem”, no final dos tempos, para inaugurar o novo céu e a nova terra onde os filhos e filhas de Deus encontrarão uma felicidade que não tem fim? in Dehonianos
Para os leitores:
O início do Ano Litúrgico constitui-se como uma pertinente oportunidade para uma formação de leitores acerca da temática e da estrutura das leituras deste novo Ano Litúrgico e de modo particular do evangelista que nos irá acompanhar.
A primeira leitura é o anúncio da promessa do Senhor pela voz de Jeremias. Por isso, pede-se especial atenção à introdução da leitura – Eis o que diz o Senhor – e uma proclamação com o tom da esperança e libertação que as palavras do Senhor oferecem.
Na segunda leitura, o texto deve expressar a dimensão exortativa com que Paulo se dirige aos Tessalonicenses.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo I do Advento – Ano C – 01.12.2024 (Jer 33, 14-16)
- Leitura II do Domingo I do Advento – Ano C – 01.12.2024 (1 Tes 3, 12-4,2)
- Domingo I do Advento -Ano C – 01.12.2024 – Lecionário
- Domingo I do Advento -Ano C – 01.12.2024 – Oração Universal
- Domingo I do Tempo do Advento – Ano C – 01.12.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo I Advento
- ANO C – Ano de Lucas- 2024-2025
Domingo XXXIV do Tempo Comum – Ano B – 24.11.2024
Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo
Viver a Palavra
A Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo foi instituída pelo Papa Pio XI, em 11 de dezembro de 1925, com a Carta Encíclica Quas Primas, indicando que esta festa se celebrasse «em todas as partes da terra no último Domingo de Outubro, isto é, o Domingo precedente à Festa de Todos os Santos. Do mesmo modo, ordenamos, que neste mesmo dia, em cada ano, se renove a consagração de todo o Género Humano ao Sagrado Coração de Jesus, que o nosso Predecessor de santa memória, Pio X, ordenou que se repetisse anualmente». Com a reforma litúrgica esta festa passou a ser celebrada no último Domingo do Ano Litúrgico, com o título de Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo.
Depois dos tempos conturbados da Primeira Guerra Mundial, diante dos cenários de violência e destruição, o Papa Pio XI convida a contemplar Jesus Cristo, Rei do Universo, Senhor do Tempo e da História, o Príncipe da Paz que anunciou o Reino de Deus por meio de sinais e prodígios, para que diante dos reinados, soberanias e poderes passageiros deste mundo, irrompa a radical novidade de uma autoridade que se faz serviço e de um reinado que não tem fim, porque tem a marca do amor.
Os textos escolhidos para a celebração desta solenidade apontam para a novidade deste Reino instaurado por Jesus Cristo e, por isso, Aquele que proclamamos no Salmo Responsorial como Rei num trono de Luz, no texto do Evangelho, está diante de Pilatos para ser julgado.
Escutar neste dia um trecho do relato da Paixão do Evangelista S. João situa o reinado de Jesus no horizonte da Sua crucifixão e morte, recordando-nos que o nosso Rei, bem diferente dos reinos deste mundo, tem como trono uma Cruz e a Sua Coroa não é de ouro e pedras preciosas, mas de espinhos. Um Reino Novo que precisa de soldados que sejam verdadeiros discípulos missionários, isto é, homens e mulheres que impelidos pelo encontro único e irrepetível com Jesus Cristo, concebem a sua vida como construção do Reino de Amor e de Paz que Jesus veio anunciar.
Proclamar Jesus Cristo como Rei implica necessariamente confiar as nossas vidas nas Suas mãos, pois, na linguagem bíblica, reinar significa salvar, justificar, perdoar e criar. Jesus reina porque assumindo a nossa carne se entregou à morte por nosso amor e o Seu sangue derramado na Cruz salva e justifica, perdoa e recria, apontando-nos o caminho da conversão como caminho de realização e felicidade, porque de aperfeiçoamento e santidade.
Caminhar com Jesus para que no mundo se faça já presente este Reino, que será em plenitude no Céu, implica abraçar a nova lógica do Reino porque «este Reino não se identifica com os poderes triunfalistas que conhecemos, mas com os valores mais profundos do Evangelho. A moeda deste reino é a gratuidade, a bandeira é o amor, o hino é Evangelho e o exército é formado pelos humildes. As armas dão lugar aos braços para acolher, os muros transformam-se em pontes para unir. A diferença é estímulo para a comunhão e a linguagem comum é a força do Espírito».
Fascinados pelo amor que brota da Cruz de Cristo, façamos das nossas vidas um lugar de anúncio da nova lógica do Reino que se traduz num novo modo de ser e de estar, porque um novo modo de servir e amar. in Voz Portucalense.
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A Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, sendo o último Domingo do Ano Litúrgico, é uma oportunidade para dar graças a Deus pelo dom deste ano litúrgico que termina e invocar a bênção de Deus para o ano que se vai iniciar. Proclamando a realeza de Jesus Cristo como Senhor do tempo e da história, este Domingo deve ter a marca do louvor e ação de graças que pode traduzir-se no canto solene do Te Deum, hino litúrgico de louvor e de júbilo, agradecendo o dom da vida comunitária e de tantos batizados que corresponsáveis na missão colaboram e edificam a comunidade. in Voz Portucalense.
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Concluímos neste Domingo o ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
No próximo Domingo iniciaremos um novo ciclo litúrgico – o Ano C.
Durante todo este novo ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista S. Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho
LEITURA I – Daniel 7,13-14
Contemplava eu as visões da noite,
quando, sobre as nuvens do céu,
veio alguém semelhante a um filho do homem.
Dirigiu-Se para o Ancião venerável
e conduziram-no à sua presença.
Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza,
e todos os povos e nações O serviram.
O seu poder é eterno, não passará jamais,
e o seu reino não será destruído.
CONTEXTO
O livro de Daniel tem este nome, não por causa do seu autor, mas sim do seu protagonista. Daniel é apresentado, no livro, como um jovem judeu exilado na Babilónia, levado para a corte de Nabucodonosor e preparado para aí desempenhar cargos de algum relevo. Apesar da pressão social e das exigências do rei, Daniel nunca renegou a sua fé e os seus princípios: soube manter-se fiel a Deus, à religião tradicional e aos valores dos seus antepassados.
Na realidade, o livro de Daniel foi escrito na primeira metade do século II a.C., numa época em que o rei selêucida Antíoco IV Epífanes (reinou entre 174 e 164 a.C.) procurava impor, pela força, a cultura grega ao Povo de Deus. No entanto, as imposições de Antíoco IV Epífanes depararam-se com uma tenaz resistência, vinda sobretudo dos sectores mais tradicionais do judaísmo. Alguns judeus optaram abertamente pela insurreição armada (como foi o caso de Judas Macabeu e dos seus heroicos seguidores); outros, contudo, preferiram lutar contra a prepotência dos reis helénicos com a sua palavra e os seus escritos.
O Livro de Daniel foi composto neste cenário. O seu autor é um judeu fiel à cultura e aos valores religiosos dos seus antepassados, interessado em defender a sua religião, apostado em mostrar aos seus concidadãos que é possível, mesmo em contexto de perseguição, manter a fidelidade aos valores tradicionais. Contando a história de Daniel, o jovem judeu exilado na Babilónia que soube manter a sua fé, o autor do Livro de Daniel pede aos seus concidadãos que não se deixem vencer pela perseguição e que se mantenham fiéis à religião e aos valores dos seus pais. O desconhecido autor do livro de Daniel garante aos seus conterrâneos que Deus está do lado do seu Povo e que não deixará de recompensar aqueles que se mantiverem fiéis à Lei e aos mandamentos.
O texto que nos é proposto integra a segunda parte do Livro de Daniel (Dan 7,1-12,13). Aí o autor, recorrendo à “figura” da “visão”, apresenta-nos uma leitura profética da história, cuja finalidade é transmitir a esperança aos crentes perseguidos por causa da sua fé.
Na primeira dessas “visões” (Dn 7,1-28), o autor do Livro apresenta “quatro grandes animais”, surgidos do mar: o primeiro “era semelhante a um leão” (Dn 7,4); o segundo era “semelhante a um urso” (Dn 7,5); o terceiro era “parecido com uma pantera” (Dn 7,6); o quarto era “horroroso, aterrador e de uma força excecional” e “tinha dez chifres”, embora lhe tivesse depois nascido um outro “chifre mais pequeno” que “tinha olhos como homem e uma boca que proferia palavras arrogantes” (Dn 7,7-8). Esses “quatro animais” evocam a sucessão dos impérios humanos… O primeiro seria o império neobabilónico, o segundo representaria o império dos medos, o terceiro referir-se-ia ao império persa e o quarto seria o império grego de Alexandre, do qual os reis selêucidas eram os herdeiros diretos. Os “dez chifres” desse quarto animal referem-se a dez reis selêucidas que herdaram parte do império de Alexandre; e o décimo primeiro chifre, mais pequeno do que os outros, seria, seguramente, Antíoco IV Epífanes, o rei perseguidor do Povo de Deus.
Em paralelo com o quadro histórico destes impérios – todos eles conotados com o mal, com o imperialismo, com a opressão, com a violência, com a perseguição ao Povo de Deus – o autor apresenta o tribunal de Deus. O supremo juiz (Deus) é “um ancião” com os cabelos e as vestes brancas “como a neve” (símbolo de pureza e retidão); está sentado num trono feito de chamas e é servido “por milhares e dezenas de milhares”. O tribunal decretou a morte do décimo primeiro chifre (Antíoco IV Epífanes): o seu corpo foi desfeito e atirado às chamas. Os “quatro animais” (os impérios do mal) foram privados do seu poder (Dn 7,9-12).
Derrotados os impérios que traziam sofrimento ao mundo e ao Povo de Deus, surge em cena uma nova figura. Os dois versículos que compõem a primeira leitura deste trigésimo quarto domingo comum (cf. Dn 7,13-14) descrevem precisamente a entrada em cena dessa figura que é “semelhante a um filho de homem”. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O texto que nos é proposto como primeira leitura na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, faz parte de uma reflexão mais ampla sobre a história e sobre a forma como os impérios humanos se têm implantado e exercido o seu poder. Os reinos construídos pelos homens baseiam-se, frequentemente, num poder arrogante e são geradores de exploração, de violência, de escravidão, de sofrimento. Em pleno séc. XXI, este quadro mantém-se: a cada hora as nações e os blocos políticos e militares desenvolvem as suas estratégias imperialistas de conquista e de domínio, condenando milhões e milhões de homens e mulheres a viverem mergulhados numa espiral insuportável de violência e de morte. A humanidade estará, irremediavelmente, condenada a viver sob o domínio da arrogância, da opressão, da prepotência, de crueldade? Nunca nos libertaremos desse ciclo de morte? Deus assiste, indiferente e de braços cruzados, a esta dinâmica de violência e de violação dos direitos mais elementares dos povos e das nações? O autor do Livro de Daniel acredita que o reino do mal não será eterno e que Deus, a seu tempo, há de interromper a cadeia de brutalidade que oprime os seus filhos e os impede de viver em paz. Acreditamos que Deus não abandona o seu Povo em marcha pela história e saberá derrubar todos os poderes humanos que impedem a realização plena do homem? Estamos dispostos a trabalhar, ao lado de Deus, para que os impérios do mal não tomem conta do mundo? O que podemos fazer nesse sentido?
- O anúncio de um “filho de homem” que virá “sobre as nuvens” para instaurar um reino que “não será destruído” leva-nos a Jesus. Ele veio ao encontro dos homens para lhes propor uma nova ordem, em que os pobres, os débeis, os fracos, os marginalizados, aqueles que não podem fazer ouvir a sua voz nos grandes areópagos internacionais não mais serão humilhados e espezinhados. Jesus, vestindo a pele de um “filho de homem”, introduziu na história uma nova lógica, substituindo a lógica do da arrogância, da prepotência, da ambição e do egoísmo, por uma lógica de amor, de serviço, de doação, de humanidade. É verdade que, mais de dois mil anos depois, o “reino” proposto por Jesus ainda não baniu do mundo, de forma definitiva, a violência e a maldade; contudo, esse “reino” está presente na vida do mundo, como uma semente a crescer ou como o fermento a levedar a massa. Como discípulos de Jesus, assumimos a missão de fazer nascer no nosso mundo e na nossa história o reino da verdade, da justiça e da paz? Procuramos ser testemunhas e arautos do mundo novo, do Reino de Deus? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 92 (93)
Refrão: O Senhor é rei num trono de luz.
O Senhor é rei,
revestiu-Se de majestade,
revestiu-Se e cingiu-Se de poder.
Firmou o universo, que não vacilará.
É firme o vosso trono desde sempre,
Vós existis desde toda a eternidade.
Os vossos testemunhos são dignos de toda a fé
a santidade habita na vossa casa
por todo o sempre.
LEITURA II – Apocalipse 1,5-8
Jesus Cristo é a Testemunha fiel,
o Primogénito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra.
Àquele que nos ama e pelo seu sangue nos libertou do pecado
e fez de nós um reino de sacerdotes para Deus seu Pai,
a Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amen.
Ei-l’O que vem entre as nuvens,
e todos os olhos O verão, mesmo aqueles que O trespassaram;
e por sua causa hão de lamentar-se todas as tribos da terra.
Sim. Amen.
«Eu sou o Alfa e o Ómega», diz o Senhor Deus,
«Aquele que é, que era e que há de vir,
o Senhor do Universo».
CONTEXTO
“Apocalipse” é uma palavra de origem grega que significa “manifestação de algo que está oculto”. O nosso “Livro do Apocalipse” – do qual é retirado o trecho da segunda leitura deste domingo – é um livro que se apresenta como uma “revelação” sobre “as coisas que brevemente devem acontecer” (Ap 1,1) e que um tal João, exilado na ilha de Patmos (uma pequena ilha do Mar Egeu) por causa da sua fé, tem por missão comunicar aos seus irmãos na fé. Essa “revelação” é endereçada a “sete igrejas” da província romana da Ásia (atual Turquia), às quais o autor se sentia especialmente ligado e cuja problemática conhecia bem.
Estamos na parte final do reinado do imperador Domiciano (à volta do ano 95). As comunidades cristãs da Ásia Menor vivem numa grave crise interna, resultante das heresias (como a dos nicolaítas, referida em Ap 2,6.15), da falta de entusiasmo, da tibieza, da indiferença, da acomodação. Por outro lado, a perseguição contra os cristãos, ordenada pelo imperador, tinha criado um clima de insegurança e de medo: muitos seguidores de Jesus eram condenados e assassinados e outros, temendo pelas suas vidas, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo, como senhor todo-poderoso, era o imperador de Roma.
É neste contexto de crise, de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é levar os crentes a revitalizarem o seu compromisso com Jesus e a não perderem a esperança. Nesse sentido, o autor do livro começa por fazer um convite à conversão (cf. Ap 1-3), convidando as “sete igrejas” a corrigirem as suas opções erradas e a revitalizarem a sua fé; passa, depois, a apresentar uma leitura profética da história humana, que promete a vitória final de Deus e dos seus fiéis sobre as forças do mal (cf. Ap 4-22). Estes conteúdos são apresentados com o recurso sistemático a símbolos e imagens (como é típico da literatura apocalíptica), o que torna este livro estranho e difícil, mas, ao mesmo tempo, muito belo e interpelante.
O texto da segunda leitura de hoje faz parte da “introdução” ao livro do Apocalipse (cf. Ap 1,1-8). Numa espécie de diálogo litúrgico entre um leitor e a comunidade reunida para escutar uma proclamação, os crentes são convidados a glorificar o Senhor Jesus, a vê-lo como o centro da história humana, a considerá-lo como a coordenada fundamental à volta da qual se estrutura e organiza toda a vida cristã. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Quase no final do séc. I, as comunidades cristãs do mundo greco-romano caminhavam sufocadas pelo medo. Domiciano, o imperador de Roma, tinha atribuído a si próprio o estatuto de dono do mundo e ordenara uma violenta perseguição contra a Igreja de Jesus. Os cristãos sentiam-se impotentes diante desse poder arrogante que nada parecia poder deter. É neste contexto que um “profeta”, exilado na ilha de Patmos por causa da sua fé, proclama corajosamente aos cristãos da Ásia Menor: “o senhor da História não é o imperador de Roma, mas sim Jesus, o nosso Salvador. Confiai n’Ele e no seu poder. Ele vem sobre as nuvens do céu para nos livrar da opressão e da violência dos líderes humanos que se arrogam o direito de definir os destinos do mundo e de determinar o sentido da História”. E os cristãos, destinatários desta mensagem libertadora, respondem: “Sim, confiamos incondicionalmente em Jesus; que Ele seja louvado pelos séculos dos séculos”. A mensagem do “profeta” de Patmos continua a ecoar hoje, num tempo em que os nossos líderes humanos, titubeantes e pouco esclarecidos, mas com uma arrogância semelhante à de Domiciano, nos arrastam para becos sem saída e deixam que a maldade, a violência, a injustiça, a exploração encham de sombras o caminho dos homens… Acreditamos nós também, neste tempo difícil que nos toca viver, que Jesus é o verdadeiro Senhor da História, o Salvador que há de aparecer sobre as nuvens do céu para derrotar os poderes arrogantes e para instaurar um reino de felicidade, de vida e de paz sem fim? Essa convicção dá-nos forças para avançar e para enfrentar as vicissitudes que a vida nos traz?
- O “profeta” de Patmos refere-se a Jesus como “o Alfa e o Ómega”, “aquele que é, que era e que há de vir”, “o Senhor do Universo”. Convida-nos a vê-lo como o centro do Tempo e da História dos homens, aquele de quem tudo parte e para quem tudo converge, a referência fundamental à volta da qual toda a nossa vida se constrói. Como os cristãos das comunidades joânicas, talvez nós sejamos capazes de dizer, nas nossas assembleias litúrgicas: “sim. Amen. Aceitamos tudo isso como verdade”. No entanto, no dia a dia da nossa vida, Cristo está efetivamente no centro dos nossos interesses, das nossas opções, do nosso caminho? As nossas vidas alimentam-se das suas propostas, das suas palavras, dos seus gestos? Vivemos ao seu estilo, amamos como Ele amava, pensamos como Ele pensava, perdoamos como Ele perdoava, servimos como Ele servia? Jesus Cristo é, de verdade, o nosso “rei”, a nossa referência fundamental, aquele a quem seguimos de olhos fechados?
- O “profeta” exilado na ilha de Patmos por causa da sua fé lembra-nos tantos e tantos homens e mulheres que, em contextos adversos, insistem em dar testemunho de Jesus e do seu Evangelho. Incompreendidos, maltratados, caluniados, mantêm-se coerentes com o Evangelho de Jesus; com coragem profética, procuram ser sal que dá sabor ao mundo e luz que brilha no meio das trevas; mesmo contra a corrente, são testemunhas corajosas dos valores de Deus e sinais que apontam para um mundo novo. Também nós, discípulos de Jesus e arautos do seu projeto, temos a coragem do testemunho, da coerência, do compromisso com os valores do Reino de Deus? in Dehonianos.
EVANGELHO – João 18,33b-37
Naquele tempo,
disse Pilatos a Jesus:
«Tu és o Rei dos judeus?»
Jesus respondeu-lhe:
«É por ti que o dizes,
ou foram outros que to disseram de Mim?»
Disse-Lhe Pilatos:
«Porventura eu sou judeu?
O teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim.
Que fizeste?»
Jesus respondeu:
«O meu reino não é deste mundo.
Se o meu reino fosse deste mundo,
os meus guardas lutariam
para que Eu não fosse entregue aos judeus.
Mas o meu reino não é daqui».
Disse-Lhe Pilatos:
«Então, Tu és Rei?»
Jesus respondeu-lhe:
«É como dizes: sou Rei.
Para isso nasci e vim ao mundo,
a fim de dar testemunho da verdade.
Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz».
CONTEXTO
O Evangelho da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo leva-nos até ao “pretório”, situado em Jerusalém, na fortaleza chamada “Antónia” (em homenagem ao triúnviro romano Marco António), que albergava a guarnição romana de Jerusalém. Jesus tinha sido para aí levado depois de, na madrugada desse dia, ter sido considerado “réu de morte” pelas autoridades religiosas judaicas reunidas no palácio do sumo-sacerdote.
É de manhã cedo. Pôncio Pilatos, o “prefeito” romano que administrou a Judeia e a Samaria entre os anos 26 e 36, está sentado na sua cadeira do poder. Jesus está diante dele, manietado como um delinquente. Pôncio Pilatos vivia habitualmente no seu palácio de Cesareia Marítima, junto do mar, a cerca de cem quilómetros de Jerusalém; mas, por altura das grandes festas, dirigia-se a Jerusalém com tropas de reforço, a fim de manter a ordem na cidade. Nesta altura Pilatos está em Jerusalém por causa das festas da Páscoa.
As informações de Flávio Josefo e de Fílon apresentam Pôncio Pilatos como um governante duro e violento, obstinado e severo, culpado de ordenar execuções de opositores sem um processo legal. As queixas de excessiva crueldade apresentadas contra ele pelos samaritanos no ano 35 levaram Vitélio, o legado romano na Síria, a tomar posição e a enviá-lo a Roma para se explicar diante do imperador. Pôncio Pilatos foi deposto do seu cargo de governador da Judeia logo a seguir.
Curiosamente, o autor do Quarto Evangelho, no seu relato do julgamento de Jesus, apresenta Pôncio Pilatos como um homem fraco, indeciso e volúvel, uma espécie de marioneta habilmente manobrada pelos líderes judaicos. Esta apresentação – que contradiz aquilo que os historiadores da época dizem sobre Pilatos – não deve ter grandes bases históricas: deve ser, apenas, uma tentativa de lançar a culpa e a responsabilidade da condenação de Jesus para cima das autoridades judaicas: foram elas que promoveram e insistiram na condenação de Jesus, enquanto Pilatos tentou, por todos os meios, libertá-lo. Na altura em que o autor do Quarto Evangelho escreve (por volta do ano 100), os cristãos tratavam de evitar quaisquer polémicas com o poder imperial, que poderiam ter consequências nefastas na vida da Igreja. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O que significa concluirmos o ano litúrgico celebrando a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, rei do universo? Significa que, depois de termos caminhado com Jesus ao longo de um ano inteiro, sentimos que Ele é o nosso verdadeiro guia, o nosso verdadeiro mestre, o nosso verdadeiro Senhor; significa que, depois de termos andado com Ele por tantos caminhos e de termos enfrentado com Ele tantos desafios, confiamos incondicionalmente nas suas orientações e propostas; significa que, depois de termos experimentado a sua amizade e o seu amor, queremos apostar n’Ele toda a nossa vida; significa que, depois de termos caminhado ao ritmo das suas palavras e de termos sido alimentados com o seu Pão, nos sentimos mais fortes, mais livres, mais próximos da vida verdadeira que buscamos; significa que, tendo constatado a centralidade e a importância de Jesus na nossa vida, queremos construir à volta d’Ele toda a nossa existência. Aceitamos a “autoridade” de Jesus, não porque Ele nos impõe o seu poder, mas porque Ele nos toca com o seu amor. Como é que entendemos a realeza de Cristo? Reconhecemos Jesus como o nosso rei?
- Diante de Pôncio Pilatos, o “prefeito” romano da Judeia, Jesus admite a sua realeza; mas deixa claro que essa realeza não assenta em poder, em autoridade, em riqueza, em domínio, em mordomias, em distinções humanas. Diante daquele funcionário do império que o questiona, Jesus está só, indefeso, prisioneiro, armado apenas com a força do amor e da verdade. A sua atitude, naquela hora decisiva, corresponde àquilo que foi toda a sua vida: obediência a Deus, serviço aos homens, solidariedade com as vítimas, doação total de si, testemunho da verdade. É com estas “armas” que Ele vai combater o egoísmo, a autossuficiência, a injustiça, a exploração, tudo o que gera sofrimento e morte. A lógica da vida de Jesus é uma lógica desconcertante e incompreensível, à luz dos critérios que o mundo avaliza e enaltece. Consideramos que a opção de Jesus faz sentido? O mundo novo, de vida e de felicidade plena para todos os homens nascerá de uma lógica de força, de autoridade e de imposição, ou de uma lógica de amor, de serviço e de dom da vida?
- Se acolhemos o convite de Jesus e decidimos ir atrás d’Ele, como discípulos, é porque acreditamos que a proposta d’Ele é a receita certa para a construção de um mundo novo, de um mundo mais humano, mais feliz, mais pacífico, mais harmonioso, mais cheio de amor; se aceitamos Jesus como rei, é porque estamos dispostos a seguir as suas orientações e a viver, como Ele viveu, numa atitude de serviço humilde, de dom gratuito, de respeito, de partilha, de amor; se estamos seguros de que Jesus é a nossa grande referência, é porque nos dispomos a lutar ao lado d’Ele, não com a força do ódio e das armas, mas com a força do amor, contra todas as formas de exploração, de injustiça, de alienação e de morte… Estamos disponíveis para testemunhar e fazer aparecer o Reino de Cristo no nosso mundo e nos corações dos homens?
- No seu diálogo com Pôncio Pilatos, Jesus define, de forma muito bela, o seu programa de vida: “nasci e vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade”. O seu grande objetivo é que o projeto de Deus – aquilo a que Jesus chama “a verdade” – seja assumido e concretizado pelos homens. Para dar testemunho da verdade, Jesus mostrou-nos o rosto misericordioso de Deus; para dar testemunho da verdade, Jesus disse-nos que Deus queria ver todos os seus filhos queridos caminharem livres e felizes; para dar testemunho da verdade, Jesus lutou contra o egoísmo, a injustiça, a discriminação, a intolerância, a violência, a mentira nas suas mil e uma formas; para dar testemunho da verdade, Jesus acolheu e abraçou os pecadores, os malditos, os que não tinham voz nem direitos; para dar testemunho da verdade, Jesus denunciou os mecanismos obscuros que os “donos do mundo” utilizavam para perpetuar os seus privilégios e para defender os seus interesses egoístas; para dar testemunho da verdade, Jesus amou até ao extremo e deu a própria vida para nos ensinar a viver… Aceitamos nós também fazer do “testemunho da verdade” o nosso programa de vida? Como Jesus, dispomo-nos a combater objetivamente todas as formas de mentira que tornam mais feio o nosso mundo?
- A forma simples e despretensiosa como Jesus, o nosso Rei, Se apresenta diante dos poderes do mundo, convida-nos a repensar certas atitudes, certas formas de organização e certas estruturas que criamos para enfrentar a história… A comunidade de Jesus (a Igreja) não pode estruturar-se e organizar-se com os mesmos critérios dos reinos da terra… Deve interessar-se mais em dar um testemunho de amor e de solidariedade para com os pobres e marginalizados, do que em agradar às autoridades políticas e aos chefes das nações; deve preocupar-se mais com o serviço simples e humilde aos homens, do que com os títulos, as honras, as mordomias, os privilégios; deve apostar mais na partilha e no dom da vida, do que na posse de bens materiais ou na eficiência das estruturas. Se a Igreja não testemunhar, no meio dos homens, essa lógica de realeza que Jesus apresentou diante de Pôncio Pilatos, está a ser gravemente infiel à sua missão. Como é que a Igreja de Jesus entende e vive hoje, no séc. XXI, o seu serviço ao mundo e aos homens? Ao estilo de Jesus, o “rei” sem trono e sem poder, que se apresenta diante do mundo apenas “armado” com a humildade, o serviço, o amor? in Dehonianos
Para os leitores:
As leituras deste Domingo não apresentam nenhuma dificuldade aparente, contudo, devem ser preparadas cuidadosamente para que a proclamação da Palavra seja bela e digna. As leituras desta solenidade apresentam a realeza de Jesus, em contraponto com os reinos deste mundo, por isso, a proclamação das leituras deve traduzir este anúncio.
A primeira leitura da profecia de Daniel é a narrativa das visões da noite onde se anuncia a vinda do Filho do Homem que instaura um reino eterno.
A segunda leitura do Livro do Apocalipse é um texto litúrgico que apresenta um diálogo entre um leitor e a comunidade cristã reunida para escutar a proclamação. Deve haver um especial cuidado nas fórmulas litúrgicas que se concluem com um «Ámen».
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo XXXIV do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei – Ano B – 24.11.2024 (Dan 7, 13-14)
- Leitura II do Domingo XXXIV do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei – Ano B – 24.11.2024 (Ap 1, 5-8)
- Domingo XXXIV do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei – Ano B – 24.11.2024 – Lecionário
- Domingo XXXIV do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei – Ano B – 24.11.2024 – Oração Universal
- Domingo XXXIV do Tempo Comum – Ano B – 24.11.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra explicada… Domingo XXXIV TC – Solenidade de Cristo Rei – JL
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXXIII do Tempo Comum – Ano B – 17.11.2024
VIII Dia Mundial dos Pobres
Viver a Palavra
Viajando de transportes públicos ou permanecendo por algum tempo numa qualquer sala de espera de um local público onde passam as notícias, depressa se fazem sentir vozes de desilusão e descontentamento, afirmando a necessidade de um mundo novo e diferente. Queremos um mundo melhor, onde cada homem e cada mulher sejam verdadeiramente felizes! A nossa esperança deve encher-se de alegria, porque este é também o desejo de Deus. O Deus do Amor, da Alegria e da Vida sonhou-nos para a felicidade, pela construção de um mundo novo e diferente com a marca do amor que se faz entrega generosa ao serviço dos irmãos.
Por isso, não nos devem assustar as palavras de Jesus: «naqueles dias, depois de uma grande aflição, o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade; as estrelas cairão do céu e as forças que há nos céus serão abaladas. Então, hão-de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. Ele mandará os Anjos, para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais, da extremidade da terra à extremidade do céu». Na verdade, não são nenhuma profecia do «fim do mundo», nem um modo pedagógico de nos atemorizar para nos conduzir à conversão. Não é de terror que trata o Evangelho, mas de amor e misericórdia. Estas palavras são a certeza de que as realidades deste mundo, por maiores que elas possam parecer, são passageiras e efémeras, ao invés do amor de Deus e da Sua Palavra que permanecem como verdadeira luz que conduz a nossa história.
Por isso, temos muito a aprender com a parábola da figueira que enche o nosso coração da verdadeira esperança cristã. A esperança que brota da nossa fé não é uma esperança oca ou vazia, porque possui a consistência de um rosto: o rosto terno e misericordioso de Jesus Cristo, Aquele que «tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício, sentou-Se para sempre à direita de Deus».
O Mestre ensina-nos a parábola da figueira cujos ramos tenros e folhas verdes anunciam a chegada do Verão. Coisas tenras e ternas são as que anuncia Jesus, pois a figueira que começa a brotar na Primavera, anuncia o ressurgir da natureza após o Inverno. A fé cristã recorda-nos que depois de descobrir Jesus Cristo e o seu Evangelho a nossa vida ressurge e ganha uma vida absolutamente nova. Por isso, não é o medo do que vai acabar que fica sublinhado neste Evangelho, mas a expectativa feliz da novidade de Deus, que em Jesus Cristo irrompe na nossa vida e transforma o mundo, transformando o coração de cada discípulo missionário.
«Quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta». Quando as dificuldades surgem no nosso caminho, quando tudo parece perdido, quando o mundo parece desabar sobre nós, recordemos que Jesus está próximo, que Ele não é indiferente às nossas dores e angústias, mas Ele próprio as assumiu na Sua vida, abraçando a Cruz para nossa salvação.
Por isso, o único «fim do mundo» que a Liturgia da Palavra nos propõe é o fim de um mundo marcado pelo egoísmo e pela violência, pela nossa autossuficiência e pela indiferença, para que possa despontar um mundo novo, marcado pelo amor e pela misericórdia. Deste modo, o mundo tornar-se-á um lugar mais belo, pois como recorda a profecia de Daniel, quando nos abrimos à verdadeira sabedoria a nossa vida torna-se um rasto luminoso que aponta o caminho do Céu: «os sábios resplandecerão como a luz do firmamento e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça brilharão como estrelas por toda a eternidade». in Voz Portucalense.
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No Domingo XXXIII do Tempo Comum, assinala-se o VIII Dia Mundial dos Pobres. Para este ano o Papa Francisco escreveu uma mensagem intitulada «A oração do pobre eleva-se até Deus (cf. Sir 21, 5)» (ver anexo). No ano dedicado à oração, em vista ao Jubileu da Esperança de 2025, o Papa Francisco desafia-nos a viver a partir da esperança cristã que transforma a nossa oração num lugar de confiança: «a esperança cristã inclui também a certeza de que a nossa oração chega à presença de Deus; não uma oração qualquer, mas a oração do pobre». Além da divulgação desta mensagem, este Domingo é uma ocasião privilegiada para recordar o nosso compromisso cristão com os mais frágeis e desfavorecidos. Pode dar-se a conhecer os diversos grupos e movimentos paroquiais que trabalham ao serviço dos mais pobres, mas sem esquecer que a caridade não é uma tarefa de alguns ou apenas de um grupo, mas de toda a comunidade. in Voz Portucalense.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Daniel 12,1-3
Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande chefe dos Anjos,
que protege os filhos do teu povo.
Será um tempo de angústia,
como não terá havido até então, desde que existem nações.
Mas nesse tempo, virá a salvação para o teu povo,
para aqueles que estiverem inscritos no livro de Deus.
Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão,
uns para a vida eterna,
outros para a vergonha e o horror eterno.
Os sábios resplandecerão como a luz do firmamento
e os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça
brilharão como estrelas por toda a eternidade.
CONTEXTO
Em 333 a.C., Alexandre da Macedónia derrotou Dario III, rei dos Persas, na batalha de Issos (Síria). A Palestina, até aí sob o domínio dos Persas, ficou integrada no império de Alexandre. Quando Alexandre morreu, em 323 a.C., os seus generais disputaram entre si a sucessão. A Palestina passou a ser pomo de discórdia entre a família dos Ptolomeus, que governava o Egito, e a família dos Selêucidas, que governava a Mesopotâmia e a Síria. Num primeiro momento, os Ptolomeus asseguraram o domínio da Palestina e da Síria; mas o selêucida Antíoco III, aliado com Filipe V da Macedónia, acabou por vencer os Ptolomeus (batalha das fontes do Jordão, no ano 200 a.C.) e por conquistar o domínio da Palestina.
Se o período ptolomaico tinha sido uma época de relativa benevolência para com a cultura judaica, a situação mudou radicalmente durante o reinado do selêucida Antíoco IV Epífanes (174-164 a.C.). Este rei querendo impor a cultura helénica em todo o seu império, praticou uma política de intolerância para com a cultura e a religião judaicas. A perseguição foi dura e as marcas da intolerância selêucida provocaram feridas muito graves no universo social e religioso judaico. Se muitos judeus renegaram a sua fé e assumiram os valores helénicos, muitos outros resistiram, defenderam a sua identidade cultural e religiosa. Uns optaram abertamente pela insurreição armada (como foi o caso de Judas Macabeu e dos seus heroicos seguidores); outros, contudo, optaram por fazer frente à prepotência dos reis helénicos com a sua palavra e os seus escritos.
O Livro de Daniel surge neste contexto. O seu autor é um judeu fiel à cultura e aos valores religiosos dos seus antepassados. A pretexto de contar a história de um tal Daniel, um judeu exilado na Babilónia, que soube manter a sua fé num ambiente adverso de perseguição, o autor do Livro de Daniel pede aos seus concidadãos que não se deixem vencer pela perseguição de Antíoco IV Epífanes e que se mantenham fiéis à religião e aos valores dos seus pais. O autor garante aos seus concidadãos que Deus não abandonará o seu Povo e que recompensará todos aqueles que se mantiveram fiéis à Lei e aos mandamentos. Estamos na primeira metade do séc. II a.C., pouco antes do desaparecimento de cena de Antíoco (que aconteceu em 164 a.C.).
No livro de Daniel misturam-se géneros literários diversos. Os capítulos 7 a 12 (que incluem o breve texto que a liturgia nos propõe como primeira leitura neste trigésimo terceiro domingo comum) pertencem ao género apocalítico. “Apocalipse” significa “revelação”. Servindo-se de um género literário que recorre abundantemente a símbolos (números, cores, animais, plantas…) e a uma linguagem cifrada (que os destinatários da mensagem conhecem, mas que os perseguidores ignoram), o autor propõe-se comunicar “revelações” sobre o projeto de Deus, o protagonismo de Deus sobre a história, a luta de Deus contra o mal, a vitória final de Deus sobre os impérios humanos. Em tempo de perseguição e de crise, o objetivo do autor é restaurar a esperança e assegurar ao Povo a vitória de Deus e dos seus fiéis sobre os opressores. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A mensagem de esperança que o autor do livro de Daniel procura transmitir dirige-se a judeus desanimados, que sofrem na pele a perseguição que lhes é movida pelo ímpio Antíoco IV Epífanes e que se sentem impotentes para romper a cadeia de sofrimento e de morte que lhes é imposta. Talvez a nossa situação não seja tão dramática; mas não é verdade que muitas vezes nos sentimos desanimados e impotentes perante o predomínio dos maus, dos violentos, dos opressores, daqueles que tomam as rédeas do mundo e impõem aos outros os seus esquemas injustos e egoístas? Não é verdade que por vezes nos apetece desistir dos nossos valores, pois o mundo parece funcionar segundo esquemas onde esses valores não cabem? A mensagem que o autor do livro de Daniel deixa poderá ser, também para nós, uma refrescante mensagem de esperança: Deus é o Senhor da história; Ele não desiste de lutar contra tudo aquilo que impede os seus queridos filhos de serem livres e felizes; a vitória final não será dos maus, dos injustos, dos opressores, mas será de Deus e de todos aqueles que se mantiverem fiéis a Deus. Acreditamos nisto? Confiamos em Deus e na sua intervenção salvadora, mesmo quando parece que os maus prevalecem e têm nas mãos o domínio da história dos homens?
- A “perseguição” por causa da fidelidade aos valores em que acreditamos é uma realidade que todos conhecemos e que faz parte de qualquer existência verdadeiramente comprometida. Hoje, essa “perseguição” nem sempre é sangrenta; manifesta-se, muitas vezes, em atitudes de marginalização ou de rejeição, em ditos humilhantes, em atitudes provocatórias, na colagem de “rótulos” (“conservadores”, “atrasados”, “fora de moda”), em julgamentos apressados e injustos, em preconceitos ridículos… Ora, tudo isso pode não matar, mas mói e cansa: faz-nos sofrer e pode levar-nos ao desânimo. Como lidamos com a oposição, a rejeição, a condenação de que somos alvo quando insistimos em viver de acordo com os valores em que acreditamos? Mantemo-nos fiéis aos nossos princípios e aos valores sobre os quais assenta a nossa fé? Ou a incompreensão dos nossos contemporâneos é fator de enfraquecimento das nossas convicções e de quebra dos nossos compromissos com Deus?
- A oposição e a incompreensão do “mundo” podem gerar, da nossa parte, uma resposta agressiva e levarem a um corte da nossa relação com o mundo. Será essa a melhor resposta à incompreensão que “o mundo” nos tributa? Poderemos continuar a ser “sal da terra e luz do mundo” se cortarmos as pontes que nos ligam ao mundo? Poderemos continuar a propor o Evangelho ao mundo se, magoados pelas críticas e incompreensões que temos de suportar, nos escondermos atrás dos muros dos nossos templos e nos limitarmos a condenar esse mundo fútil que não nos entende? Talvez o caminho seja continuarmos a afirmar, de forma humilde, mas convicta, os valores em que acreditamos, com a certeza que o nosso testemunho há de interpelar alguém e há de produzir frutos de renovação do mundo e das mentalidades. Como é que lidamos com a hostilidade do mundo?
- O autor do livro de Daniel promete a vida eterna àqueles que procuraram viver na fidelidade aos valores de Deus. A certeza de que a vida não acaba na morte liberta-nos do medo e dá-nos a coragem do compromisso. Podemos, serenamente, enfrentar neste mundo as forças da opressão e da morte, porque sabemos que elas não conseguirão derrotar-nos: no final da nossa caminhada por este mundo, está sempre a vida eterna e verdadeira, que Deus reserva para os que estão “inscritos no livro da vida”. A certeza da ressurreição é, para nós, a fonte de onde brota a coragem para enfrentarmos a vida, as vicissitudes do caminho, a incompreensão dos homens? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 15 (16)
Refrão 1: Defendei-me, Senhor: Vós sois o meu refúgio.
Refrão 2: Guardai-me, Senhor, porque esperei em Vós.
Senhor, porção da minha herança e do meu cálice,
está nas vossas mãos o meu destino.
O Senhor está sempre na minha presença,
com Ele a meu lado não vacilarei.
Por isso o meu coração se alegra e a minha alma exulta
e até o meu corpo descansa tranquilo.
Vós não abandonareis a minha alma na mansão dos mortos,
nem deixareis o vosso fiel sofrer a corrupção.
Dar-me-eis a conhecer os caminhos da vida,
alegria plena em vossa presença,
delícias eternas à vossa direita.
LEITURA II – Hebreus 10,11-14.18
Todo o sacerdote da antiga aliança
se apresenta cada dia para exercer o seu ministério
e oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios,
que nunca poderão perdoar os pecados.
Cristo, ao contrário,
tendo oferecido pelos pecados um único sacrifício,
sentou-Se para sempre à direita de Deus,
esperando desde então que os seus inimigos
sejam postos como escabelo dos seus pés.
Porque, com uma única oblação,
Ele tornou perfeitos para sempre os que Ele santifica.
Onde há remissão dos pecados,
já não há necessidade de oblação pelo pecado.
CONTEXTO
A “Carta aos Hebreus” (mais do que uma “carta”, é uma “homilia”) destina-se a comunidades cristãs que vivem dias complicados… À falta de entusiasmo de muitos dos seus membros na vivência do compromisso cristão, junta-se a hostilidade dos inimigos e as confusões causadas à fé comunitária por certos pregadores pouco ortodoxos que ensinam doutrinas estranhas, que não são coerentes com as propostas de Jesus. São, portanto, comunidades fragilizadas, cansadas e desalentadas, que necessitam de redescobrir o seu entusiasmo inicial, de revitalizar o seu compromisso com Cristo e de apostar numa fé mais coerente e mais empenhada.
Nesse sentido, um “mestre” cristão (talvez um discípulo do apóstolo Paulo) dispõe-se a apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes são chamados a fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar uma experiência de fé enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo inicial. As referências ao culto praticado no templo de Jerusalém como uma realidade ainda vigente parecem sugerir que esta “Carta” foi escrita antes de o templo ser destruído pelos romanos, no ano 70.
O texto que nos é proposto é parte da conclusão da reflexão sobre o sacerdócio de Cristo (cf. Heb 10,1-18). Nessa perícope, o autor repete temas desenvolvidos nos capítulos precedentes, procurando, uma vez mais, pôr em relevo a dimensão salvadora da missão sacerdotal de Jesus. O objetivo é despertar no coração dos crentes uma resposta adequada ao amor de Deus, manifestado na ação de Jesus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O pecado é sempre um “não” a Deus, dito conscientemente por homens e mulheres que prescindem das indicações de Deus e decidem escolher caminhos de egoísmo e de autossuficiência. Não nos faz sentir bem, nem nos torna mais livres; pelo contrário, pesa intoleravelmente na nossa consciência, inquieta o nosso coração, altera o nosso equilíbrio, rouba-nos a paz, torna-nos escravos, leva-nos por caminhos que não nos realizam. Resulta da nossa fragilidade, do nosso egoísmo crónico, da nossa dificuldade em discernir o que nos torna felizes e o que nos torna infelizes. Será uma realidade inultrapassável, à qual estaremos fatalmente condenados? Afetará a nossa realização plena, o nosso encontro final com Deus? A segunda leitura deste trigésimo terceiro domingo comum garante-nos que Deus não abandona o homem que faz, mesmo conscientemente, opções erradas. O nosso egoísmo, o nosso orgulho, a nossa autossuficiência, o nosso comodismo, o nosso pecado, não têm a última palavra; a última palavra é sempre do amor de Deus e da sua vontade de salvar o homem. Deus está sempre disponível para nos justificar, para nos abraçar e para nos acolher. A consciência do amor e do perdão de Deus ajuda-nos a enfrentar e a superar a nossa fragilidade? A certeza da misericórdia de Deus liberta-nos da angústia com que o pecado nos carrega e oprime?
- Jesus, o Filho amado de Deus, veio ao mundo para concretizar o projeto salvador de Deus: libertar-nos da escravidão do pecado e inserir-nos numa dinâmica de vida eterna. Com a sua vida, com os seus gestos, com as suas palavras, Ele ensinou-nos a vencer o egoísmo e a fazer da nossa vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. No dia em que aderimos a Jesus – o dia do nosso Batismo –, renunciamos ao pecado, acolhemos o projeto de vida que Jesus nos apresentou e passámos a integrar a comunidade dos filhos de Deus. Trata-se de um compromisso sério e exigente, que necessita de ser continuamente renovado. O nosso compromisso com Jesus e com a sua proposta de vida exige que, como Ele, vivamos na escuta de Deus e na obediência ao seu projeto; exige que vivamos no amor, na partilha, no serviço, se necessário até ao dom total da vida; exige que lutemos, sem desanimar, contra tudo aquilo que rouba a vida do homem e o impede de chegar à vida plena; exige que sejamos, no meio do mundo, testemunhas de uma dinâmica nova – a dinâmica do amor. A nossa vida tem sido coerente com esse compromisso?
- A sociedade que temos vindo a construir está armadilhada com “estruturas de pecado”, que ajudam a perpetuar as injustiças, a potenciar as violências sobre os mais débeis, a criar exclusão e marginalização, a destruir a dignidade de muitos homens e mulheres. São estruturas, mecanismos, práticas, instituições, ideologias, que banalizam a indiferença, desumanizam mais e mais o nosso mundo, multiplicam o sofrimento de milhões e milhões de irmãos nossos. São utilizadas pelos donos do mundo para favorecer projetos egoístas, interesses pessoais, planos ambiciosos de pessoas sem escrúpulos, preocupadas apenas consigo mesmas a não com o bem comum. Como nos situamos frente a essas “estruturas de pecado”? Aceitámo-las enquanto elas não nos afetam diretamente, ou lutamos contra elas com todas as nossas forças? Seremos alguma peça dessas máquinas de injustiça que contribuem para aumentar o pecado do mundo? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 13,24-32
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Naqueles dias, depois de uma grande aflição,
o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade;
as estrelas cairão do céu
e as forças que há nos céus serão abaladas.
Então, hão de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens,
com grande poder e glória.
Ele mandará os Anjos,
para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais,
da extremidade da terra à extremidade do céu.
Aprendei a parábola da figueira:
quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas,
sabeis que o Verão está próximo.
Assim também, quando virdes acontecer estas coisas,
sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta.
Em verdade vos digo:
Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passará o céu e a terra,
mas as minhas palavras não passarão.
Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece:
nem os Anjos do Céu, nem o Filho;
só o Pai».
CONTEXTO
Jesus tinha passado o dia no templo de Jerusalém. Tinha sido o dia dos “ensinamentos” e das polémicas com os líderes judaicos (cf. Mc 11,20-12,44). No final desse dia, Jesus dirigiu-se novamente para Betânia, rodeado pelos discípulos. Detiveram-se no “Jardim das Oliveiras”, a contemplar Jerusalém, que ficava defronte. Pouco antes, em resposta a uma observação de um dos discípulos sobre a grandiosidade do templo e das suas pedras, Jesus tinha dito que o templo seria destruído e que não ficaria pedra sobre pedra (cf. Mc 13,1-2). Agora, olhando a cidade, Pedro, André, Tiago e João (cf. Mc 13,3) pedem explicações mais concretas a Jesus acerca do que Ele tinha dito sobre a destruição do templo. Em resposta, Jesus oferece-lhes um amplo e enigmático ensinamento, que ficou conhecido como o “discurso escatológico” (cf. Mt 13,4-37).
O “discurso escatológico” de Jesus é um texto difícil, uma vez que emprega imagens e linguagens marcadas por alusões enigmáticas, bem ao jeito do género literário “apocalipse”. Nele confluem elementos de caráter histórico – a anunciada destruição de Jerusalém e do templo ocorrerá quarenta anos depois, no ano 70, quando as tropas romanas de Tito tomarem a cidade e a incendiarem – com reflexões de caráter profético sobre o sentido da história humana no seu conjunto. O objetivo do discurso seria dar aos discípulos indicações acerca da atitude a tomar frente às vicissitudes que marcarão a caminhada histórica da comunidade, até ao momento em que Jesus vier para instaurar, em definitivo, o novo céu e a nova terra.
Os quatro discípulos referenciados no início do “discurso escatológico” representam a comunidade cristã de todos os tempos. Os quatro são, precisamente, os primeiros discípulos chamados por Jesus (cf. Mc 1,16-20) e, como tal, convertem-se em representantes de todos os futuros discípulos. O discurso escatológico de Jesus não seria, assim, uma mensagem privada destinada a um grupo especial, mas uma mensagem destinada a toda a comunidade crente, chamada a caminhar na história com os olhos postos no encontro final com Jesus e com o Pai.
A missão que Jesus (que está consciente de ter chegado a sua hora de partir ao encontro do Pai) confia à sua comunidade não é uma missão fácil… Jesus sabe que os seus discípulos terão que enfrentar as dificuldades, as perseguições, as tentações que “o mundo” vai colocar no seu caminho. Essa comunidade em marcha pela história necessitará, portanto, de estímulo e de alento. É por isso que surge este apelo à fidelidade, à coragem, à vigilância… No horizonte último da caminhada da comunidade, Jesus coloca o final da história humana e o reencontro definitivo dos discípulos com Ele.
O “discurso escatológico” divide-se em três partes, antecedidas de uma introdução (cf. Mc 13,1-4). Na primeira parte (cf. Mc 13,5-23), o discurso anuncia uma série de vicissitudes que vão marcar a história e que requerem dos discípulos a atitude adequada: vigilância e lucidez. Na segunda parte, o discurso anuncia a vinda definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo a partir das ruínas do mundo velho (cf. Mc 13,24-27). Na terceira parte, o discurso anuncia a incerteza quanto ao “tempo” histórico dos eventos anunciados e insiste com os discípulos para que estejam sempre vigilantes e preparados para acolher o Senhor que vem (cf. Mc 13,28-37). O texto evangélico que a liturgia deste trigésimo terceiro domingo comum nos propõe apresenta, precisamente, a segunda parte e alguns versículos da terceira parte do “discurso escatológico”.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Ver os telejornais ou escutar os noticiários é, com frequência, uma experiência que nos desassossega e que nos deprime. Os dramas da “aldeia global” que é o mundo entram em nossa casa, sentam-se à nossa mesa, perturbam a nossa tranquilidade, escurecem os nossos horizontes. A guerra, a opressão, a injustiça, a miséria, a escravidão, o egoísmo, o desprezo pela dignidade dos seres humanos, atingem-nos, mesmo quando acontecem a milhares de quilómetros do pequeno mundo onde nos movemos todos os dias. As sombras que marcam a história atual da humanidade tornam-se realidades próximas, tangíveis, que nos inquietam e nos desanimam. Sentimo-nos impotentes, incapazes de mudar o rumo das coisas. O futuro parece-nos sombrio e sem saída. A Palavra de Deus que hoje nos é servida abre, contudo, a porta à esperança. Reafirma, uma vez mais, que Deus não abandona os seus filhos que caminham na história e está determinado a transformar o mundo velho do egoísmo e do pecado num mundo novo de vida e de felicidade para todos os homens. A humanidade não caminha para o caos, para a destruição, para o sem sentido, para o nada; mas caminha ao encontro desse mundo novo em que o homem, com a ajuda de Deus, alcançará a plenitude das suas possibilidades. Como é que vemos e avaliamos a história dos homens? Acreditamos que o mal não triunfará e que a última palavra será sempre de Deus? Acreditamos que Deus fará surgir, das ruínas do mundo velho, um mundo novo, de alegria e de felicidade plenas?
- Os cristãos não leem a história atual da humanidade como um caminho sem saída; mas veem os momentos de tensão e de luta que hoje marcam a vida dos homens e das sociedades como sinais de que o mundo velho está a ser transformado e renovado, e que em seu lugar vai surgir um mundo novo e melhor. Isso faz dos discípulos de Jesus arautos e testemunhas da esperança. Certos de que Deus conduz a história de acordo com o seu projeto, os seguidores de Jesus não vivem dominados pelo medo, pelo pessimismo, pelo desespero, por discursos negativos, por angústias a propósito do fim do mundo… Os nossos contemporâneos têm de ver em nós pessoas a quem a fé dá uma visão otimista da vida e da história; pessoas que caminham, alegres e confiantes, ao encontro desse mundo novo que Deus nos prometeu. Sustentados pela fé, somos testemunhas da esperança? Os homens e mulheres com quem nos cruzamos são contaminados pelo nosso testemunho de confiança em Deus, pela nossa alegria serena, pela coragem com que enfrentamos as vicissitudes e as crises da vida?
- Deus é o Senhor da história, Deus é o arquiteto do mundo novo que irá surgir. No entanto, Ele associa-nos à sua obra e convoca-nos para trabalharmos ao lado d’Ele na concretização desse projeto. Os filhos e filhas de Deus não podem ficar de braços cruzados à espera que o mundo novo caia do céu; mas, enquanto caminham pela vida e pela história, são chamados a anunciar e a construir, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, esse mundo que está nos projetos de Deus. Isso implica, antes de mais, um processo de conversão que nos leve a suprimir aquilo que em nós é egoísmo, orgulho, prepotência, exploração, injustiça (mundo velho); implica, também, testemunharmos objetivamente em gestos concretos, os valores do mundo novo: a partilha, o serviço, o perdão, o amor, a fraternidade, a solidariedade, a paz; implica, ainda, lutarmos sem desfalecer contra tudo aquilo que desfeia o mundo, que causa sofrimento e morte, que põe em causa a vida, a liberdade e a felicidade dos filhos e filhas de Deus. Aceitamos ser protagonistas, ao lado de Deus, na construção de um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano, ou deixamo-nos arrastar passivamente, acomodados e instalados, aceitando que o mundo avance sem a nossa intervenção e sem o nosso testemunho de discípulos de Jesus?
- Esse Deus que não abandona os homens na sua caminhada histórica vem continuamente ao nosso encontro para nos deixar os seus desafios, para nos fazer entender os seus projetos, para nos indicar os caminhos que Ele nos chama a percorrer. Da nossa parte, precisamos de estar atentos à sua proximidade e reconhecê-l’O nos sinais da história, no rosto dos irmãos, nos apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. O cristão não vive de olhos postos no céu, à espera de uma comunicação especial de Deus; mas vive de olhos postos no mundo, para “ler” o que está a acontecer a cada instante e para escutar os apelos que Deus lhe deixa a cada momento nos acontecimentos da história e nos factos corriqueiros de que é feita a nossa vida de todos os dias. Procuramos detetar os apelos e sinais que Deus nos envia e através dos quais Ele nos indica o que espera de nós? Procuramos manter-nos íntimos de Deus, dialogar frequentemente com Ele, escutar a sua Palavra, a fim de percebermos o plano que Ele tem para o mundo e para nós?
- Há uma realidade incontornável, que nunca podemos olvidar: apesar da ação de Deus e dos nossos próprios esforços para que o nosso mundo seja, a cada instante, transformado e humanizado, o mundo novo com que sonhamos e que está no projeto de Deus nunca será uma realidade plena nesta terra: a nossa caminhada neste mundo será sempre marcada pela nossa finitude, pelos nossos limites, pela nossa imperfeição, pelo nosso egoísmo, pelas nossas opções discutíveis. O mundo novo sonhado por Deus é uma realidade escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de Cristo, o Senhor, ter destruído definitivamente o mal que nos torna escravos. Estamos conscientes disso? Temos consciência de que caminhamos rodeados de debilidade e de finitude, mas que isso não pode enfraquecer o nosso compromisso, os nossos esforços, a nossa alegria, a nossa confiança em Deus? in Dehonianos
Para os leitores:
A ausência de palavras e expressões de difícil pronunciação não deve permitir descurar a atenta preparação das leituras.
Na primeira leitura, a proclamação deve ter em atenção a centralidade da última frase do texto que se apresenta como conclusão e mensagem principal da leitura, mas também como convite à esperança e luz que brota da prática da verdadeira sabedoria.
A segunda leitura, como nos Domingos anteriores requer um especial cuidado nas longas frases e com várias orações.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo XXXIII do Tempo Comum – Ano B – 17.11.2024 (Dan 12, 1-3)
- Leitura II do Domingo XXXIII do Tempo Comum – Ano B – 17.11.2024 (Heb 10, 11-14.18)
- Domingo XXXIII do Tempo Comum – Ano B – 17.11.2024 – Lecionário
- Domingo XXXIII do Tempo Comum – Ano B – 17.11.2024 – Oração Universal
- Domingo XXXIII do Tempo Comum – Ano B – 17.11.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo XXXIII
- Mensagem do Papa Francisco para o VIII Dia Mundial dos Pobres – 17.11.2024
- VIII Dia Mundial dos Pobres
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXXII do Tempo Comum – Ano B – 10.11.2024
Viver a Palavra
Quando tudo parece perdido Deus irrompe na nossa vida, oferecendo um novo horizonte de esperança. Surpreendendo a nossa fragilidade, ensina-nos que a nossa pequenez quando oferecida totalmente como dom, se torna lugar de anúncio alegre e feliz de que a vida só se torna verdadeiramente vida quando entregue sem medida. Na verdade, foi assim com a viúva que depositou tudo quanto possuía na arca do tesouro e foi também assim com a viúva de Sarepta que se preparava para tomar a última refeição com o seu filho, mas visitada pelo profeta Elias e dando tudo quanto lhe restava, não lhe faltou a farinha na panela, nem o azeite na almotolia.
Deste modo, a Liturgia da Palavra deste Domingo, coloca no nosso horizonte Jesus Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, que se oferece todo e de uma vez para sempre e nos convoca para a entrega total das nossas vidas, advertindo-nos para o perigo de dar apenas o supérfluo, o que nos sobra ou o que não nos interessa.
Sentindo ainda ecoar no nosso coração o desafio de Jesus no Domingo passado, recordamos o convite permanente a viver a partir de um amor a Deus com todo o coração, com toda a alma, com todo o entendimento, para que amando assim a Deus, possamos amar o que Ele ama, possamos amar os irmãos que connosco trilham a estrada da vida. Jesus reclama a nossa vida toda, para que oferecida ao serviço de Deus e dos irmãos, a sintamos cada vez mais como nossa.
Por isso, Jesus começa por nos advertir para o perigo de uma prática religiosa que vive apenas para a visibilidade das ações, ao jeito dos escribas. No fundo, o horizonte da vida de quem vive assim a sua fé é mais ateu do que cristão, pois a referência decisiva para eles é o olhar dos homens e não o de Deus. No contexto atual, numa sociedade que vive tanto do parecer e do aparecer, onde as redes sociais se tornam lugar de exposição do que fazemos e vivemos, está muito presente o perigo de expor aquilo que deveria ser vivido no recolhimento, na descrição e no silêncio. Aprendamos com Jesus e com a viúva do Evangelho, a exigente arte de dar testemunho na simplicidade do coração e na entrega total da vida.
A viúva, que deposita tudo quanto possui na arca do tesouro, testemunha que na nossa vida cristã e na entrega da vida que ela exige, não está em causa uma questão de quantidade, mas de totalidade. Quem não dá tudo, por muito que possa dar, dá ainda muito pouco. Jesus ensina-nos que quem dá apenas o supérfluo deixa a vida intacta, ao contrário do dom de si que transforma a vida para sempre. Mas não deixemos que este desafio e estas palavras fiquem apenas na poética da entrega e do amor. Pensemos no concreto do nosso quotidiano: o que estamos dispostos a dar? O que nos sobra ou o que nos faz falta? Por exemplo, quando oferecemos roupa para uma qualquer campanha de solidariedade, damos o que não nos serve ou já não está em bom estado ou a peça de roupa nova que mais gostamos?
Será este modo concreto de pensar a vida e o quotidiano que marcará a diferença. É esta mudança do coração e da vida que faz irromper no tempo e na história uma nova lógica de ser e de estar, que se traduz num novo modo de servir e amar ao jeito do Mestre que, oferecendo-se todo e até ao fim, nos abriu as portas da felicidade que tem sabor de eternidade.in Voz Portucalense.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – 1 Re 17,10-16
Leitura do Primeiro Livro dos Reis
Naqueles dias,
o profeta Elias pôs-se a caminho e foi a Sarepta.
Ao chegar às portas da cidade,
encontrou uma viúva a apanhar lenha.
Chamou-a e disse-lhe:
«Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber».
Quando ela ia a buscar a água, Elias chamou-a e disse:
«Por favor, traz-me também um pedaço de pão».
Mas ela respondeu:
«Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus,
eu não tenho pão cozido,
mas somente um punhado de farinha na panela
e um pouco de azeite na almotolia.
Vim apanhar dois cavacos de lenha,
a fim de preparar esse resto para mim e meu filho.
Depois comeremos e esperaremos a morte».
Elias disse-lhe:
«Não temas; volta e faz como disseste.
Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui.
Depois prepararás o resto para ti e teu filho.
Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel:
‘Não se esgotará a panela da farinha,
nem se esvaziará a almotolia do azeite,
até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’».
A mulher foi e fez como Elias lhe mandara;
e comeram ele, ela e seu filho.
Desde aquele dia, nem a panela da farinha se esgotou,
nem se esvaziou a almotolia do azeite,
como o Senhor prometera pela boca de Elias.
CONTEXTO
Encontramos no Livro dos Reis um conjunto de tradições ligadas à vida e à ação de uma figura central do profetismo bíblico: o profeta Elias. Essas tradições aparecem, de forma intermitente, entre 1 Re 17,1 e 2 Re 2,12.
Elias (cujo nome significa “o meu Deus é o Senhor” – o que, por si só, constitui logo um programa de vida) atua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial… Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
O ciclo de Elias começa com o anúncio, diante do rei Acab, de uma seca que irá atingir Israel (cf. 1 Re 17,1). Essa seca é apresentada, não tanto como um castigo pelos pecados do rei, mas sobretudo como uma forma de mostrar que é Jahwéh (e não Baal, o deus cananeu das colheitas e da fertilidade, cujo culto era favorecido por Jezabel, a esposa fenícia de Acab) o verdadeiro senhor da vida que brota, cada ano, nos campos e nos rebanhos. A implacável seca leva, contudo, Elias para a cidade de Sarepta (hoje Sarafand), uma pequena cidade da costa fenícia, a cerca de 15 quilómetros a sul de Sídon. É aí que o nosso texto nos situa.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A nossa história – como tantas outras histórias bíblicas – fala-nos da predileção de Deus pelos desfavorecidos, pelos débeis, pelos pobres, pelos explorados, por aqueles que são colocados à margem da vida. Porquê? Porque Deus vê a história humana na perspetiva da luta de classes e escolhe um lado em detrimento do outro? Obviamente, não. No entanto, Deus opta preferencialmente pelos pobres porque, em primeiro lugar, eles vivem numa situação dramática de necessidade e precisam especialmente da bondade, da misericórdia e da ajuda de Deus; e, em segundo lugar, porque os pobres – sem bens materiais que os distraiam do essencial – estão sempre mais atentos e disponíveis para acolher os apelos, os desafios e os dons de Deus. Os “ricos”, ao contrário, estão sempre preocupados com os seus bens, com os seus interesses egoístas, com os seus projetos e preconceitos e não têm espaço para acolher as propostas que Deus lhes faz. Isto deve lembrar-nos, permanentemente, a necessidade de sermos “pobres”, de nos despirmos de tudo aquilo que pode atravancar o nosso coração e que pode impedir-nos de acolher os desafios e as propostas de Deus.
- A mulher de Sarepta tinha, apenas, uma quantidade mínima de alimento, que queria guardar para si e para o seu filho; mas, desafiada a partilhar, viu esse escasso alimento ser multiplicado uma infinidade de vezes… A história convida-nos a não nos fecharmos em esquemas egoístas de acumulação e de lucro, esquecendo os apelos de Deus à partilha e à solidariedade com os nossos irmãos necessitados. Quando repartimos, com generosidade e amor, aquilo que Deus colocou à nossa disposição, não ficamos mais pobres; os bens repartidos tornam-se fonte de vida e de bênção para nós e para todos aqueles que deles beneficiam.
- A nossa história prova que só Jahwéh dá ao homem vida em abundância. É um aviso que não podemos ignorar… Todos os dias somos confrontados com propostas de felicidade e de vida plena que, quase sempre, nos conduzem por caminhos de escravidão, de dependência, de desilusão. Não é à volta do dinheiro, do carro, da casa, do cargo que temos na empresa, dos títulos académicos que ostentamos, das honras que nos são atribuídas que devemos construir a nossa existência. Só Deus nos dá a vida plena e verdadeira; todos os outros “deuses” são elementos acessórios, que não devem afastar-nos do essencial. in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)
Refrão 1: Ó minha alma, louva o Senhor.
Refrão 2: Aleluia.
O Senhor faz justiça aos oprimidos,
dá pão aos que têm fome
e a liberdade aos cativos.
O Senhor ilumina os olhos do cego,
o Senhor levanta os abatidos,
o Senhor ama os justos.
O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva
e entrava o caminho aos pecadores.
O Senhor reina eternamente;
o teu Deus, ó Sião,
é rei por todas as gerações.
LEITURA II – Heb 9,24-28
Leitura da Epístola aos Hebreus
Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas,
figura do verdadeiro,
mas no próprio Céu,
para Se apresentar agora na presença de Deus em nosso favor.
E não entrou para Se oferecer muitas vezes,
como sumo sacerdote que entra cada ano no Santuário,
como sangue alheio;
nesse caso, Cristo deveria ter padecido muitas vezes,
desde o princípio do mundo.
Mas Ele manifestou-Se uma só vez, na plenitude dos tempos,
para destruir o pecado pelo sacrifício de Si mesmo.
E, como está determinado que os homens morram uma só vez
e a seguir haja o julgamento,
assim também Cristo, depois de Se ter oferecido uma só vez
para tomar sobre Si os pecados da multidão,
aparecerá segunda vez, sem a aparência do pecado,
para dar a salvação àqueles que O esperam.
CONTEXTO
No passado domingo, o autor da Carta aos Hebreus apresentava Cristo como o sumo-sacerdote por excelência, não na linha do sacerdócio levítico, mas na linha do sacerdócio de Melquisedec… Hoje, passamos a outra secção (cf. Heb 8,1-9,28), na qual o autor apresenta Cristo como o sacerdote perfeito e explica em que consiste essa perfeição e quais as suas consequências para a vida dos fiéis.
Depois de refletir sobre a imperfeição do culto antigo (cf. Heb 8,1-6), a imperfeição da antiga Aliança (cf. Heb 8,7-13) e a ineficácia dos sacrifícios oferecidos no Templo de Jerusalém (cf. Heb 9,1-10), o autor passa a explicar aos cristãos a quem a Carta se destina porque é que o sacrifício oferecido por Cristo é perfeito (cf. Heb 9,11-14) e como é que, por esse sacrifício, Cristo se torna o mediador da Nova Aliança (cf. Heb 9,15-22). No último parágrafo desta secção (cf. Heb 9,23-28), o autor tira, para a vida dos fiéis, as consequências de tudo o que disse atrás, a propósito do sacerdócio perfeito de Cristo.
Dirigindo-se a cristãos em dificuldade, que já perderam o entusiasmo inicial e que, diante das dificuldades, correm o risco de renunciar ao compromisso assumido no dia do Baptismo, o autor da Carta procura animá-los e revitalizar a sua experiência de fé.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A ideia de que Cristo nos libertou do pecado com o seu sacrifício domina este texto. O que é que o autor da Carta aos Hebreus quer dizer com isto? Cristo veio a este mundo para libertar o homem das cadeias de egoísmo e de pecado que o prendiam. Nesse sentido, Cristo pediu uma “metanoia” (transformação radical) do coração, da mente, dos valores, das atitudes do homem e propôs, com a sua palavra, com o seu exemplo, com a sua vida, que o homem passasse a percorrer o caminho do amor, da partilha, do serviço, do perdão, do dom da vida. A sua entrega na cruz é a lição suprema que Ele quis deixar-nos – a lição do amor que renuncia ao egoísmo e que se faz dom total aos irmãos, até às últimas consequências. Mais, a sua luta contra o pecado levou-O a confrontar-Se com as estruturas políticas, sociais ou religiosas geradoras de injustiça e de opressão; a sua morte, arquitetada pelos detentores do poder (as autoridades políticas e religiosas do país), foi, também, a consequência da sua luta contra as estruturas que oprimiam o homem e que geravam egoísmo e morte. Ele ofereceu, de facto, a sua vida em sacrifício para nos libertar do pecado. A sua ressurreição revelou que Deus aceitou o seu sacrifício e que não deixará mais que o pecado roube ao homem a vida. Aderir a Jesus, ser cristão, é procurar viver, dia a dia, no seguimento de Jesus e fazer da própria vida um dom de amor aos irmãos; é, também, lutar contra todas as estruturas que geram injustiça e pecado. Gastar a vida dessa forma é participar da missão de Jesus, é colaborar com Ele para eliminar o pecado.
- As outras leituras deste domingo falam-nos de desapego, de partilha, de capacidade para “dar tudo”. Cristo, com a entrega total da sua vida a Deus e aos homens, realizou plenamente esta dimensão. Ele mostrou-nos, com o seu sacrifício, qual é o dom perfeito que Deus quer e que espera de cada um dos seus filhos. Mais do que dinheiro ou outros bens materiais, Deus espera de nós o dom da nossa vida, ao serviço desse projeto de salvação que Ele tem para os homens e para o mundo.
- A certeza de que Jesus Cristo, o sacerdote perfeito, venceu o pecado e está agora junto de Deus, intercedendo por nós e esperando o momento de nos oferecer a vida eterna, deve dar-nos confiança e esperança, ao longo da nossa caminhada diária pela vida. A Palavra de Deus que hoje nos é oferecida garante-nos que as nossas fragilidades e debilidades não podem afastar-nos da comunhão com Deus, da vida eterna; e, no final do nosso caminho, Jesus, o nosso libertador, lá estará à nossa espera para nos oferecer a vida definitiva. in Dehonianos.
EVANGELHO – Mc 12,38-44
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
Jesus ensinava a multidão, dizendo:
«Acautelai-vos dos escribas,
que gostam de exibir longas vestes,
de receber cumprimentos nas praças,
de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas
e os primeiros lugares nos banquetes.
Devoram as casas das viúvas
com pretexto de fazerem longas rezas.
Estes receberão uma sentença mais severa».
Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro
a observar como a multidão deixava o dinheiro na caixa.
Muitos ricos deitavam quantias avultadas.
Veio uma pobre viúva
e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante.
Jesus chamou os discípulos e disse-lhes:
«Em verdade vos digo:
Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros.
Eles deitaram do que lhes sobrava,
mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha,
tudo o que possuía para viver».
CONTEXTO
O nosso texto situa-nos em Jerusalém, nos dias que antecedem a prisão, julgamento e morte de Jesus. Por esta altura, adensam-se as polémicas de Jesus com os representantes do Judaísmo oficial. A cada passo fica mais claro que o projeto do Reino (proposto por Jesus) é incompatível com a visão religiosa dos líderes judaicos. Num ambiente carregado de dramatismo, adivinha-se o inevitável choque decisivo entre Jesus e a instituição judaica e prepara-se o cenário da Cruz.
Jesus tem consciência de que os líderes da comunidade judaica tinham transformado a religião de Moisés – com os seus ritos, exigências legais, proibições e obrigações – numa proposta vazia e estéril. Mal-servida e manipulada pelos seus líderes religiosos, a comunidade judaica tinha-se transformado numa figueira seca (cf. Mc 11,12-14. 20-26), onde Deus não encontrava os frutos que esperava (o culto verdadeiro e sincero, o amor, a justiça, a misericórdia). O próprio Templo – o espaço onde se desenrolavam abundantes ritos cultuais e sumptuosas cerimónias litúrgicas – tinha deixado de ser o lugar do encontro de Deus com a comunidade israelita e tinha-se tornado um lugar de exploração e de injustiça, “um covil de ladrões” (cf. Mc 11,15-19) …
Jesus tem presente tudo isto quando ensina nos átrios do Templo, rodeado pelos discípulos. À sua volta desenrola-se esse folclore religioso, feito de ritos externos, de grandes gestos teatrais, frequentemente vazios de conteúdo. Os “doutores da Lei” (geralmente, do partido dos fariseus; estudavam e memorizavam as Escrituras e ensinavam aos seus discípulos as regras – ou “halakot” – que deviam dirigir cada passo da vida dos fiéis israelitas), com as suas vestes especiais e os traços característicos de quem se julgava com direito a todas as deferências, honras e privilégios, são mais um elemento no quadro desse culto de mentira que Jesus tem diante dos olhos.
Em contraponto, Jesus repara no “átrio das mulheres”, onde uma viúva deposita, no tesouro do Templo, a sua humilde oferta (dons voluntários eram feitos com frequência, tendo por finalidade, por exemplo, cumprir votos). As viúvas, no ambiente palestino de então (sobretudo quando não tinham filhos que as protegessem e alimentassem), eram o modelo clássico do pobre, do explorado, do débil. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Qual é o verdadeiro culto que Deus espera de nós? Qual deve ser a nossa resposta à sua oferta de salvação? A forma como Jesus aprecia o gesto daquela pobre viúva não deixa lugar a qualquer dúvida: Deus não valoriza os gestos espetaculares, cuidadosamente encenados e preparados, mas que não saem do coração; Deus não se deixa impressionar por grandes manifestações cultuais, por grandes e impressionantes manifestações religiosas, cuidadosamente preparadas, mas hipócritas, vazias e estéreis… O que Deus pede é que sejamos capazes de Lhe oferecer tudo, que aceitemos despojar-nos das nossas certezas, das nossas manifestações de orgulho e de vaidade, dos nossos projetos pessoais e preconceitos, a fim de nos entregarmos confiadamente nas suas mãos, com total confiança, numa completa doação, numa pobreza humilde e fecunda, num amor sem limites e sem condições. Esse é o verdadeiro culto, que nos aproxima de Deus e que nos torna membros da família de Deus. O verdadeiro crente é aquele que não guarda nada para si, mas que, dia a dia, no silêncio e na simplicidade dos gestos mais banais, aceita sair do seu egoísmo e da sua autossuficiência e colocar a totalidade da sua existência nas mãos de Deus.
- Como na primeira leitura, também no Evangelho temos um exemplo de uma mulher pobre (ainda mais, uma viúva, que pertence à classe dos abandonados, dos débeis, dos mais pobres de entre os pobres), que é capaz de partilhar o pouco que tem. Na reflexão bíblica, os pobres, pela sua situação de carência, debilidade e necessidade, são considerados os preferidos de Deus, aqueles que são objeto de uma especial proteção e ternura por parte de Deus. Por isso, eles são olhados com simpatia e até, numa visão simplista e idealizada, são retratados como pessoas pacíficas, humildes, simples, piedosas, cheias de “temor de Deus” (isto é, que se colocam diante de Deus com serena confiança, em total obediência e entrega). Este retrato, naturalmente um pouco estereotipado, não deixa de ter um sólido fundo de verdade: só quem não vive para as riquezas, só quem não tem o coração obcecado com a posse dos bens (falamos, naturalmente, do dinheiro, da conta bancária; mas falamos, igualmente, do orgulho, da autossuficiência, da vontade de triunfar a todo o custo, do desejo de poder e de autoridade, do desejo de ser aplaudido e admirado) é capaz de estar disponível para acolher os desafios de Deus e para aceitar, com humildade e simplicidade, os valores do Reino. Esses são os preferidos de Deus. O exemplo desta mulher garante-nos que só quem é “pobre” – isto é, quem não tem o coração demasiado cheio de si próprio – é capaz de viver para Deus e de acolher os desafios e os valores do Reino.
- A figura dos doutores da Lei está em total contraste com a figura desta mulher pobre. Eles têm o coração completamente cheio de si; estão dominados por sentimentos de egoísmo, de ambição e de vaidade, apostam tudo nos bens materiais, mesmo que isso implique explorar e roubar as viúvas e os pobres… Na verdade, no seu coração não há lugar para Deus e para os outros irmãos; só há lá lugar para os seus interesses mesquinhos e egoístas. Eles são a antítese daquilo que os discípulos de Jesus devem ser; não apreciam os valores do Reino e, dessa forma, não podem integrar a comunidade do Reino. Podem ter atitudes que, na aparência, são religiosamente corretas, ou podem mesmo ser vistos como autênticos pilares da comunidade do Povo de Deus; mas, na verdade, eles não fazem parte da família de Deus. Nunca é demais refletirmos sobre este ponto: quem vive para si e é incapaz de viver para Deus e para os irmãos, com verdade e generosidade, não pode integrar a família de Jesus, a comunidade do Reino.
- Jesus ensina-nos, neste episódio, a não julgarmos as pessoas pelas aparências. Muitas vezes é precisamente aquilo que consideramos insignificante, desprezível, pouco edificante, que é verdadeiramente importante e significativo. Muitas vezes Deus chega até nós na humildade, na simplicidade, na debilidade, nos gestos silenciosos e simples de alguém em quem nem reparamos. Temos de aprender a ir ao fundo das coisas e a olhar para o mundo, para as situações, para a história e, sobretudo, para os homens e mulheres que caminham ao nosso lado, com o olhar de Deus. É precisamente isso que Jesus faz.
- Uma das críticas que Jesus faz aos doutores da Lei é que eles se servem da religião, da sua posição de intérpretes oficiais e autorizados da Lei, para obter honras e privilégios. Trata-se de uma tentação sempre presente, ontem como hoje… Em nenhum caso a nossa fé, o nosso lugar na comunidade, a consideração que as pessoas possam ter por nós ou pelas funções que desempenhamos podem ser utilizadas, de forma abusiva, para “levar a água ao nosso moinho” e para conseguir privilégios particulares ou honras que não nos são devidas. Utilizar a religião para fins egoístas é um comércio ilícito e abominável, e constitui um enorme contratestemunho para os irmãos que nos rodeiam.in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, é necessário ter em atenção o diálogo entre Elias e a viúva, com especial cuidado nas intervenções em discurso direto. Deve evitar-se quer o tom demasiado dramático, quer uma leitura indistinta do discurso direto e indireto. As palavras Sarepta e almotolia devem pronunciar-se re.p.ta (lendo o p) e al.mu.tu.li.a.
A segunda leitura possui frases longas e com diversas orações. Deve fazer-se uma preparação acurada, indicando pausas e respirações, para uma proclamação mais articulada do texto.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXXII do Tempo Comum – Ano B – 10.11.2024 (1 Re 17, 10-16)
- Leitura II do Domingo XXXII do Tempo Comum – Ano B – 10.11.2024 (Heb 9, 24-28)
- Domingo XXXII do Tempo Comum – Ano B – 10.11.2024 – Lecionário
- Domingo XXXII do Tempo Comum – Ano B – 10.11.2024 – Oração Universal
- Domingo XXXII do Tempo Comum – Ano B – 10.11.2024 – refletindo
- A Mesa da Palavra Domingo XXXII
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXXI do Tempo Comum – Ano B – 03.11.2024
Viver a Palavra
Um amor absolutamente centrado em Deus e universalmente alargado aos irmãos é a proposta de Jesus para quem deseja acolher o projeto de realização e felicidade que Deus tem para cada homem e cada mulher. Ser discípulo de Jesus, acolher o Seu chamamento à santidade, é fazer do amor o alicerce seguro onde edificamos a nossa vida. Por isso, ao ser interpelado por um escriba, que lhe pergunta «qual é o primeiro de todos os mandamentos?», Jesus fala de um amor entrelaçado, que comporta dois amores inseparáveis: o amor a Deus e o amor aos irmãos e, deste modo, o amor não é mais uma coisa a fazer, mas o modo como fazemos todas as coisas.
Jesus está com os discípulos a caminho de Jerusalém e a proclamação do amor a Deus e ao próximo tem de estar necessariamente situado neste horizonte de entrega, da qual Jerusalém e a Cruz são sinal. Jesus não se limita a falar do amor, não se limita a dizer que «o maior é aquele que serve», mas lava os pés aos Seus discípulos e faz-se Servo. Jesus não se limita a dizer que «não há maior amor do que dar a vida pelos amigos», mas voluntariamente foi até ao fim dando a vida por nós na Cruz. Ensina-nos a beleza de um amor que se vive no concreto da vida, que se constitui como maior e mais importante mandamento, porque plasmando toda a vida humana, nos faz saborear a beleza divina.
Por isso, o anúncio do amor em Jesus de Nazaré é a proclamação de um amor que se faz entrega generosa em atitudes concretas e onde palavras e gestos intimamente ligados entre si (DV 2) nos falam do amor maior que Deus derrama sobre cada um de nós.
Este escriba que se aproxima de Jesus coloca-lhe uma pergunta bem-intencionada, ao contrário de outras passagens evangélicas onde escribas, fariseus ou doutores da lei se dirigem a Jesus para o porem à prova ou armarem alguma cilada. Na verdade, sabemos que os mestres judeus, lendo minuciosamente os livros da Lei tinham encontrado 613 preceitos, acerca dos quais se desenvolviam inúmeras discussões e conflitos para que se estabelecesse uma hierarquia, para identificar quais os mais importantes.
É verdade, que já estamos longe da imposição destes 613 preceitos, mas não deixa de ser atual a pergunta acerca daquilo que é mais importante na nossa vida. Entre os múltiplos afazeres de cada dia, com o frenesim do trabalho, da vida familiar e dos compromissos sociais, a nossa vida enche-se e preenche-se de coisas a fazer e de deveres a cumprir. É urgente tornar à pergunta acerca daquilo que é mais importante e deve estar no centro da nossa vida: o amor. Tendo bem presente as palavras do livro do Deuteronómio, Jesus propõe um amor a Deus que se vive «com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças», isto é, um amor que envolve toda a vida e a vida toda, porque nenhuma dimensão da nossa vida deve ficar fora deste dinamismo de amor e de graça. Deste modo, se sou convidado a amar assim a Deus, sou convidado a amar o que Ele ama, sou chamado a amar cada homem e cada mulher como um irmão, porque o mandamento novo do amor há-de sempre recordar-nos a beleza de sermos filhos muito amados de Deus e, por isso, desafiados ao exigente e reconfortante compromisso de viver como irmãos. in Voz Portucalense.
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No Domingo XXXI, dia 3 de novembro, inicia a Semana de oração pelos Seminários. O tema deste ano é: “Que posso eu esperar?” (cf. Sl 39,8). A Comissão Episcopal Vocações e Ministérios preparou um conjunto de materiais para ajudar as comunidades a viver e dinamizar esta semana. Os materiais estão disponíveis na página da referida comissão (http://www.ecclesia.pt/cevm/). Recomenda-se que seja uma semana de oração e partilha com os seminários diocesanos, mas também a oportunidade de apresentar o seminário como lugar feliz de formação para o serviço da Igreja. Poderá ser oportuno da parte do presidente da celebração uma pequena partilha da sua experiência no seminário, sobretudo junto dos mais jovens. Além disso, a Liturgia da Palavra deste Domingo é uma oportunidade para falar da vocação ao ministério presbiteral como lugar de entrega num amor centrado em Deus e universalmente alargado aos irmãos.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Deuteronómio 6,2-6
Moisés dirigiu-se ao povo, dizendo:
«Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida,
cumprindo todas as suas leis e preceitos que hoje te ordeno,
para que tenhas longa vida,
tu, os teus filhos e os teus netos.
Escuta, Israel, e cuida de pôr em prática
o que te vai tornar feliz e multiplicar sem medida
na terra onde corre leite e mel,
segundo a promessa que te fez o Senhor, Deus de teus pais.
Escuta, Israel:
o Senhor nosso Deus é o único Deus.
Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração,
com toda a tua alma e com todas as tuas forças.
As palavras que hoje te prescrevo
ficarão gravadas no teu coração».
CONTEXTO
O Livro do Deuteronómio parece ser o “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém no 18° ano do reinado de Josias (622 a.C.) (cf. 2 Re 22,3-13) e que serviu de motor à grande reforma religiosa levada a cabo por este rei no sentido de reconduzir o Povo à fé em Javé. Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, uma família unida que tem Deus como a sua grande referência (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, pouco antes de o Povo libertado do Egito atravessar o Jordão para tomar posse da Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua Aliança com Javé.
O texto que hoje nos é proposto integra o segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-28,68). Tanto pelo lugar que ocupa no livro, como pela sua importância, este segundo discurso de Moisés constitui o centro do Livro do Deuteronómio. Em linhas gerais, este discurso apresenta-se em três peças principais: uma introdução (cf. Dt 4,44-11,32), um código legal (cf. Dt 12,1-25,19) e uma conclusão (cf. Dt 26,1-28,68).
A primeira parte da introdução ao segundo discurso de Moisés (cf. Dt 4,44-9,5) oferece-nos uma apresentação do Decálogo (cf. Dt 5,1-33) – a Lei fundamental da Aliança estabelecida entre Deus e Israel, no Horeb – e, na sequência, um conjunto de exortações ao Povo para que viva na fidelidade aos mandamentos (cf. Dt 6,1-9,5). O nosso texto é um extrato dessa exortação.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- “Temerás o Senhor, teu Deus, todos os dias da tua vida” – diz Moisés ao Povo que se prepara para entrar na Terra da Promessa. A expressão pode soar mal aos ouvidos dos crentes formados na escola de Jesus, que se habituaram a ver em Deus um Pai bom, que ama cada um dos seus filhos com um amor sem limites. A um Deus que ama como Pai, não se “teme”: aproximamo-nos d’Ele com a confiança de filhos, que se sentem queridos, acolhidos e profundamente amados. “Temer o Senhor” é, na realidade, responder ao amor desse Pai bom com a obediência incondicional, a confiança inamovível, a entrega confiada; é renunciar à própria autossuficiência para se entregar completamente nas mãos de Deus, acolhendo, com a confiança de filhos, as suas indicações, as suas propostas, os seus bons conselhos de Pai. Como é que nos situamos diante de Deus? Caminhamos pela vida carregando o fardo do medo de Deus, ou fazemos caminho sentindo que a ternura do nosso Pai do céu nos liberta, nos consola, nos dá confiança, nos abre em cada passo horizontes de esperança? A nossa resposta ao amor de Deus traduz-se no acolhimento das suas propostas e indicações?
- “Escuta, Israel: o Senhor nosso Deus é o único Deus”. Esta “profissão de fé” que os crentes israelitas ainda hoje fazem duas vezes por dia, convida-nos a lembrar a centralidade única de Deus nas nossas vidas. Deus “é o único”: é Ele e só Ele que nos dá Vida e que enche de significado a nossa existência. É à volta d’Ele que podemos ancorar o nosso projeto de vida. Provavelmente todos nós, crentes, aceitamos isto… Mas, mesmo assim, podemos viver como “politeístas práticos”, que no dia a dia correm atrás de outros “deuses”, de “deuses” efémeros, nos quais pomos a nossa confiança, a nossa segurança e a nossa esperança: o dinheiro, o poder, o êxito, a posição social, os títulos, as honras, os aplausos e a admiração dos que nos rodeiam… Estamos conscientes de que esses “deuses”, mesmo trazendo algo de útil e de agradável à nossa existência, não podem servir de pedra angular na construção da nossa vida? Estamos conscientes de que algumas realidades que endeusamos poderão escravizar-nos e destruir-nos?
- “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” – pede Moisés ao Povo de Deus. Como é que deve expressar-se, em termos práticos, esse amor a Deus? É através de declarações solenes e ocas de boas intenções? É através de fórmulas fixas de oração que papagueamos de cor? É através de solenes ritos litúrgicos, que nos enchem os olhos, mas não nos tocam o coração? Não deverá antes ser na entrega total nas mãos de Deus, na escuta atenta da sua vontade, no cumprimento dos seus mandamentos e preceitos, no testemunho do amor junto dos nossos irmãos, no compromisso com a construção de um mundo que esteja de acordo com o projeto de Deus? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 17
Refrão: Eu Vos amo, Senhor: Vós sois a minha força.
Eu Vos amo, Senhor, minha força,
minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador,
meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança,
meu protetor, minha defesa e meu salvador.
Invoquei o Senhor – louvado seja Ele –
e fiquei salvo dos meus inimigos.
Viva o Senhor, bendito seja o meu protetor;
exaltado seja Deus, meu Salvador.
Senhor, eu Vos louvarei entre os povos
e cantarei salmos ao vosso nome.
O Senhor dá ao seu Rei grandes vitórias
e usa de bondade para com o seu Ungido.
LEITURA II – Hebreus 7,23-28
Os sacerdotes da antiga aliança
sucederam-se em grande número,
porque a morte os impedia de durar sempre.
Mas Jesus, que permanece eternamente,
possui um sacerdócio eterno.
Por isso pode salvar para sempre
aqueles que por seu intermédio se aproximam de Deus,
porque vive perpetuamente para interceder por eles.
Tal era, na verdade, o sumo sacerdote que nos convinha:
santo, inocente, sem mancha,
separado dos pecadores e elevado acima dos céus,
que não tem necessidade, como os sumos sacerdotes,
de oferecer cada dia sacrifícios,
primeiro pelos seus próprios pecados,
depois pelos pecados do povo,
porque o fez de uma vez para sempre
quando Se ofereceu a Si mesmo.
A Lei constitui sumos sacerdotes
homens revestidos de fraqueza,
mas a palavra do juramento, posterior à Lei,
estabeleceu o Filho sumo sacerdote perfeito para sempre.
CONTEXTO
A Carta aos Hebreus, mais do que uma “carta”, é um sermão de autor desconhecido, que alguns pensam ter sido um discípulo do apóstolo Paulo. Os destinatários desse sermão são cristãos que vivem a sua fé em contexto difícil e que, por isso, deixaram arrefecer o seu entusiasmo e o seu compromisso com Jesus e com o Evangelho. O uso abundante de citações e de figuras do Antigo Testamento poderá indiciar que esses cristãos são de origem judaica; mas isso não é totalmente claro, uma vez que o Antigo Testamento já era, na altura em que a Carta aos Hebreus apareceu, referência para todos os cristãos, quer os de origem judaica, quer os de origem greco-romana.
Recorrendo à linguagem da catequese judaica, o autor da Carta aos Hebreus apresenta Cristo como o sumo-sacerdote fiel e misericordioso que estabelece a ligação entre Deus e os homens. Depois de ter incarnado e caminhado lado a lado com os homens, Jesus “atravessou os céus” e apresentou ao Pai a nossa humanidade, obtendo de Deus o perdão para as nossas falhas e inserindo-nos na família de Deus. Membros de Cristo, fazemos parte do Povo sacerdotal, que é a Igreja. De olhos postos em Cristo, procuramos viver de acordo com as suas indicações e, como Ele, fazemos da vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor.
Referindo-se a Cristo como o sumo-sacerdote que nos dá acesso a Deus, o autor da Carta aos Hebreus coloca-o na linha de Melquisedec (cf. Heb 6,20), um personagem misterioso que se encontra com Abraão depois de este vencer o rei Cadorlaomer e seus aliados. Apresentado como rei e sacerdote de Salem (localidade desconhecida, que o Sl 76,3 identifica com Jerusalém), Melquisedec é “sacerdote do Deus Altíssimo”. Abençoa Abraão e oferece-lhe pão e vinho; e Abraão, o antepassado dos sacerdotes levíticos, inclinar-se-á diante dele e pagar-lhe-á o dízimo (cf. Gn 14,18-20). O Salmo 110, por sua vez, apresenta um rei da casa de David como o continuador do sacerdote Melquisedec (“o Senhor jurou” ao rei “e não voltará atrás: tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec” – Sl 110,4). A partir daqui a figura de Melquisedec adquirirá uma clara conotação messiânica. Após o Exílio na Babilónia, os judeus esperam ver surgir um salvador da descendência de David que reúna, como Melquisedec, o sacerdócio e a realeza.
O autor da Carta aos Hebreus vê Cristo a esta luz. Na sua perspetiva, Jesus exerce um sacerdócio perfeito e eterno, que não se vincula ao sacerdócio de Levi (que é um sacerdócio exercido por homens pecadores, mortais e que se sucedem de geração em geração), mas que realiza o sacerdócio real do Messias davídico, sucessor de Melquisedec.
Na primeira parte do capítulo 7 da Carta, o autor resume a história de Melquisedec e afirma a superioridade do seu sacerdócio sobre o sacerdócio levítico (cf. Heb 7,1-10); na segunda, o autor demonstra que o sacerdócio novo de Cristo (na linha do sacerdócio de Melquisedec) é um sacerdócio perfeito e eterno, que veio substituir o sacerdócio levítico e abolir a antiga Lei (cf. Heb 7,11-28). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Dirigindo-se a cristãos que vivem num ambiente hostil e que, por isso, se sentem desanimados e desmotivados, o autor da Carta aos Hebreus convida-os a revitalizar o seu compromisso com Cristo. Ele, o sumo-sacerdote eterno que intercede por nós junto de Deus, é fonte inesgotável de Vida e de salvação. Por isso, não podemos fechar-lhe as portas da nossa vida, nem desistir do caminho que Ele nos indica. A recomendação do autor da Carta aos Hebreus continua a fazer sentido vinte séculos depois… O ambiente desfavorável à fé, a crise de valores, o cansaço, a acomodação, talvez mesmo a desilusão que sentimos diante das fragilidades da Igreja, podem levar-nos a negligenciar o nosso compromisso com Cristo e a “guardar na gaveta” os valores do Evangelho. Mas Cristo continua a ser a nossa melhor oportunidade para construirmos uma vida plena de sentido. Estamos conscientes disso? As suas palavras, as suas indicações, o seu evangelho, continuam a ser decisivos na definição da nossa vida, das nossas opções, do nosso caminho?
- Uma das razões que leva o autor da Carta aos Hebreus a estabelecer a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico prende-se com a “qualidade” do sacrifício que Cristo ofereceu a Deus. Ele não ofereceu, como os sacerdotes do Antigo Testamento, o sangue de animais imolados, mas ofereceu a sua própria vida. Ele pôs a sua vida ao serviço do projeto de Deus e deu tudo, até à última gota de sangue, para que esse projeto se concretizasse. Nós, os crentes, sempre preocupados em agradar a Deus e em render-Lhe o culto que Ele merece, esquecemos, por vezes, o óbvio: mais do que ritos majestosos, manifestações públicas de fé, solenes celebrações, Deus aprecia o dom de nós mesmos. O culto que Ele nos pede, o sacrifício que Ele aprecia e que há de gerar Vida nova para nós e para os que caminham ao nosso lado, é a obediência aos seus projetos, o acolhimento da sua vontade, a entrega completa da nossa vida nas suas mãos. Como é a nossa resposta ao amor de Deus? É uma resposta puramente externa, ou é a oblação a Deus de nós próprios, de tudo o que somos e fazemos?
- Cristo é, efetivamente, o sumo-sacerdote que está junto do Pai e que intercede continuamente por nós, como repete até ao infinito o autor da Carta aos Hebreus. A consciência desse facto deve encher o nosso coração de paz, de esperança e de confiança: se Cristo intercede por nós, podemos encarar a vida de forma serena, com a consciência de que as nossas debilidades e fragilidades nunca nos afastarão, de forma definitiva, da comunhão com Deus e da vida eterna. Essa certeza é, para nós, fonte de paz, de harmonia e de esperança? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 12,28-34
Naquele tempo,
aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-Lhe:
«Qual é o primeiro de todos os mandamentos?»
Jesus respondeu:
«O primeiro é este:
‘Escuta, Israel:
O Senhor nosso Deus é o único Senhor.
Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração, com toda a tua alma,
com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças’.
O segundo é este:
‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’.
Não há nenhum mandamento maior que estes».
Disse-Lhe o escriba:
«Muito bem, Mestre! Tens razão quando dizes:
Deus é único e não há outro além d’Ele.
Amá-l’O com todo o coração,
com toda a inteligência e com todas as forças,
e amar o próximo como a si mesmo,
vale mais do que todos os holocaustos e sacrifícios».
Ao ver que o escriba dera uma resposta inteligente,
Jesus disse-lhe:
«Não estás longe do reino de Deus».
E ninguém mais se atrevia a interrogá-I’O.
CONTEXTO
Jesus e os discípulos já estão em Jerusalém. Chegaram há três dias. Durante a noite, têm ficado alojados em Betânia, a pequena povoação situada no lado oriental do Monte das Oliveiras; mas todos os dias descem o monte, entram na cidade de Jerusalém e dirigem-se ao templo.
Esses dias têm sido marcados por duros confrontos entre Jesus e as autoridades religiosas de Jerusalém. Logo no segundo dia Jesus tinha realizado o gesto profético de expulsar do Templo os negociantes e tinha acusado os líderes judaicos de terem feito da “casa de Deus um covil de ladrões” (cf. Mc 11,15-18). Depois disso, tinha contado aos dirigentes judeus a parábola dos vinhateiros homicidas (cf. Mc 12,1-12), acusando-os de se oporem, de forma continuada, à realização do plano salvador de Deus. Os líderes judaicos, convencidos de que Jesus era irrecuperável, tinham tomado decisões drásticas: Ele devia ser preso, julgado, condenado e eliminado. Fariseus, partidários de Herodes (cf. Mc 12,13) e até saduceus (cf. Mc 12,18), procuravam estender armadilhas a Jesus, a fim de O surpreender em afirmações pouco ortodoxas, que pudessem ser usadas em tribunal para conseguir uma condenação. As controvérsias sobre o tributo a César (cf. Mc 12,13-17) e sobre a ressurreição dos mortos (cf. Mc 12,18-27) devem ser situadas e compreendidas neste contexto.
É precisamente neste cenário que aparece um escriba a perguntar a Jesus qual era o maior mandamento da Lei. Ao contrário de Mateus (cf. Mt 22,34-40), Marcos não considera, contudo, que a questão seja posta a Jesus para o embaraçar ou para o pôr à prova. O escriba que coloca a questão parece ser um homem sincero e bem-intencionado, genuinamente preocupado em esclarecer uma questão para a qual ele ainda não tinha encontrado uma resposta convincente.
De facto, a questão do maior mandamento da Lei não era uma questão pacífica e tornou-se, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. A preocupação em atualizar a Lei, de forma que ela respondesse a todas as questões que a vida do dia a dia punha, tinha levado os doutores da Lei a deduzir um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 (o número dos dias do ano) eram proibições e 248 (o número dos membros do corpo humano, segundo a mentalidade judaica) ações a pôr em prática. Esta “multiplicação” dos preceitos legais lançava, no entanto, a questão da ordenação dos mandamentos: qual era o primeiro, o maior, o mais importante, aquele que devia aparecer à frente de todos os outros? Os “mestres” judaicos mantinham, sobre isto, discussões intermináveis; mas as suas respostas não eram coincidentes. É daqui que parte a pergunta que o escriba traz a Jesus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Dois mil anos de cristianismo significam um longo caminho. Ao longo desse caminho, a comunidade de Jesus – como todas as instituições que caminham pela história – foi acumulando um grande número de coisas: normas, preceitos, costumes, tradições, ritos, doutrinas, explicações, veneráveis opiniões, teorias mais ou menos discutíveis… Algum desse material é muito belo e continua a ajudar a comunidade cristã a caminhar na fidelidade a Jesus; outro é datado, perdeu o prazo de validade e pode tornar-se obstáculo para que os homens e mulheres do séc. XXI possam descobrir Jesus e a sua proposta. O pó que os séculos vão acumulando pode, a dada altura, ocultar-nos o essencial e fazer-nos perder a noção do que é realmente importante. Hoje, em âmbito eclesial, gastamos tempo e energias a discutir certas questões secundárias, puramente acidentais, enquanto deixamos em segundo plano o essencial da proposta de Jesus. As palavras de Jesus que escutamos no evangelho deste domingo poderão ajudar-nos a refazer as nossas prioridades: o essencial é o amor a Deus e o amor aos irmãos. Nisto se resume toda a revelação de Deus e a sua proposta de Vida plena e definitiva para os homens. O que é que consideramos essencial para nos mantermos fiéis e a Jesus e à sua proposta? A nossa avaliação do que é essencial está de acordo com as palavras de Jesus que hoje ouvimos?
- O que é “amar a Deus”? Olhemos para Jesus… Ele sentia-se profundamente amado por Deus; Deus era o centro da sua vida. Por isso, procurava estar com o Pai, falar com o Pai, conhecer os planos do Pai para o mundo e para os homens. Jesus vivia o seu amor a Deus a partir desta realidade. Para Ele, o amor a Deus concretizava-se na procura de proximidade com o Pai, na escuta do Pai, na obediência incondicional à vontade do Pai, na entrega de toda a sua vida à realização do projeto do Pai. Esta forma de “amar a Deus” pode ser um bom modelo para nós. Deus é para nós, como era para Jesus, um Pai por quem nos sentimos profundamente amados? E esse amor que Deus nos dedica atrai-nos, faz-nos sentir necessidade de arranjar tempo para estar com Ele, para manter um diálogo com Ele? Faz-nos sentir vontade de acolher as indicações de Deus e de viver de acordo com elas? Motiva-nos para acolhermos os projetos de Deus e para nos comprometermos em torná-los realidade no mundo que estamos a construir?
- O que é “amar os irmãos”? Olhemos outra vez para Jesus… Ele “passou pelo mundo fazendo o bem”. Curava as feridas dos que sofriam, sentava-se à mesa com aqueles que a sociedade e a religião condenavam, tocava os leprosos e devolvia-lhes a consciência da sua dignidade, defendia as mulheres vítimas de leis discriminatórias, saciava a fome das multidões e ensinava-as a partilhar, levava a esperança a todos aqueles cujas vidas estavam em becos sem saída. Nunca discriminou ninguém e morreu pedindo a Deus perdão para os seus assassinos. Os seus gestos testemunhavam a solicitude, a misericórdia de Deus por todos os seus filhos. De acordo com o exemplo e o testemunho de Jesus, o amor aos irmãos passa por cuidarmos de cada homem e de cada mulher com quem nos cruzamos nos nossos caminhos de todos os dias, sem distinção de raça, de nacionalidade, de estatuto social, de religião ou de qualquer outra fronteira real ou imaginária. Como é que vemos e tratamos os irmãos e irmãs que caminham ao nosso lado? Sentimo-nos responsáveis por cada pessoa que sofre, que vive em condições indignas, que é vítima de injustiça, que é deixada para trás, que é maltratada e desrespeitada?
- Muitos homens e mulheres, ao longo da história, viram no “amor a Deus” e no “amor ao próximo” duas realidades de difícil conciliação. Alguns dos que acentuavam a verticalidade – o “amor a Deus” – fecharam-se numa piedade que fugia do mundo e se refugiava em lugares solitários, de olhos postos na contemplação de Deus, à margem dos problemas e das dores dos homens e das mulheres; outros, que acentuavam a horizontalidade (o “amor ao próximo”) – apostaram tudo na dimensão humana, desvalorizando Deus, ou até mesmo considerando Deus um adversário da liberdade e da realização plena dos seres humanos. O evangelho deste domingo garante que não há qualquer contradição entre as duas realidades. “A glória de Deus é o homem vivo” (Santo Ireneu de Lião); quem mergulha no amor de Deus descobre que a grande preocupação de Deus é o bem dos seus queridos filhos e filhas que peregrinam na terra. A contemplação de Deus alguma vez nos afastou da luta por um mundo mais digno e mais humano para todos os filhos e filhas de Deus? A intervenção social alguma vez nos afastou de Deus ou nos levou a “fechar os ouvidos” às indicações de Deus?
- Qual é, para nós, o elemento fundamental da nossa experiência de fé? Que lugar ocupa o amor – o amor a Deus e o amor ao próximo – no edifício da nossa vida religiosa? Por vezes não tenderemos a dar demasiada importância a elementos que não têm grande significado (as tradições religiosas que herdamos dos nossos antepassados, a devoção que nos inspira determinada imagem religiosa, as festas com um leve verniz religioso mas que são pretexto para manifestações pouco cristãs, os rituais pomposos e muitas vezes vazios de significado, as questões disciplinares laterais, as honrarias pouco evangélicas, os títulos “religiosos” que nada significam…), esquecendo o essencial, negligenciando o mandamento maior? in Dehonianos
Para os leitores:
As leituras propostas para este Domingo não apresentam nenhuma dificuldade relevante na sua preparação. Contudo, a aparente facilidade destas leituras não deve permitir descurar a sua preparação:
A primeira leitura deve ser marcada pelo tom exortativo do discurso de Moisés ao Povo e a segunda leitura tem frases longas com diversas orações
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
- Todos os Santos e Fiéis Defuntos – 01.11.2024 e 02.11.2024 – Lecionário
- Festa de Todos os Santos – Oração Universal
- Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos – Oração Universal
- Leitura I do Domingo XXXI do Tempo Comum – Ano B – 03.11.2024 (Deut 6, 2-6)
- Leitura II do Domingo XXXI do Tempo Comum – Ano B – 03.11.2024 (Heb 7, 23-28)
- Domingo XXXI do Tempo Comum – Ano B – 03.11.2024 – Lecionário
- Domingo XXXI do Tempo Comum – Ano B – 03.11.2024 – Oração Universal
- Domingo XXXI do Tempo Comum – Ano B – 03.11.2024 – refletindo
- Mesa da Palavra Domingo XXXI
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXX do Tempo Comum – Ano B – 27.10.2024
Viver a Palavra
O discípulo missionário é aquele que experimentando na sua vida a ação salvífica de Deus, se faz anunciador das maravilhas do amor do Pai, revelado de modo pleno, total e definitivo em Jesus Cristo, Luz das nações.
Na Liturgia da Palavra deste Domingo sentimos ecoar a alegria de um Deus que se aproxima de nós, que caminha connosco, que estabelece, em Jesus Cristo, gestos concretos de amor e misericórdia que estão já presentes na revelação veterotestamentária, como escutamos nas palavras do Profeta Jeremias: «soltai brados de alegria por causa de Jacob, enaltecei a primeira das nações. Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai: ‘O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel’», ou no canto do Salmo Responsorial: «da nossa boca brotavam expressões de alegria e dos nossos lábios cânticos de júbilo».
Somos desafiados pela Palavra de Deus a olhar a nossa vida com um coração agradecido, reconhecendo as maravilhas que Deus realiza. A oração de louvor é o segredo para encontrar a força e a coragem para os momentos mais difíceis e exigentes da nossa vida: assim como no passado Deus se fez presente na nossa vida, manifestando o Seu amor e cuidado, assim no presente e no futuro o Senhor estará connosco para que cada obstáculo e desafio sejam uma nova oportunidade para sentir o Seu amor e a Sua graça. Deste modo, as dificuldades e desafios tornam-se lugares de crescimento e a oportunidade de renovar a fidelidade à Palavra de Deus que nos convida a depositar Nele toda a nossa confiança.
A nossa fraqueza e pecado não são um caminho sem saída, como nos recorda a Carta aos Hebreus, tornam-se escola de compreensão e perdão, pois partilhando com os irmãos esta condição de fragilidade, compartilhamos a necessidade do perdão oferecido e recebido como lugar de exercício da verdadeira fraternidade.
Jesus, Aquele que assumiu a nossa fraqueza, para nos elevar pela força do Seu amor, é o rosto da misericórdia do Pai e não fica indiferente às nossas dores e fragilidades. Jesus sai de Jericó, vai a caminho de Jerusalém e escuta o clamor do cego Bartimeu: «Jesus, Filho de David, tem piedade de mim». Jesus chama-o, quer entrar em diálogo com ele, pergunta-lhe o que pretende, manifestando assim o desejo de escutar as suas necessidades e anseios. É assim Jesus, deve ser assim a Igreja, enquanto continuadora da obra redentora de Cristo: caminhando no meio dos homens e mulheres do Seu tempo, deve ser lugar de escuta e de acolhimento.
Contudo, há um pormenor muito interessante: Jesus pede aos discípulos para irem chamar Bartimeu e eles chamam-no utilizando duas palavras, que só Jesus pronuncia nas restantes passagens do Evangelho: primeiro, o apelo «Coragem!» como convite à confiança porque a sua prece foi escutada e depois a ordem «Levanta-te!», tal como Jesus quando se dirigia aos doentes, tomando-os pela mão e salvando-os das suas enfermidades.
Também nós, discípulos missionários no hoje da história, diante dos gritos e clamores da humanidade ferida por tantas estradas de dor e sofrimento, somos chamados a assumir na nossa vida as palavras e gestos de Jesus, para que no mundo possa despontar a Luz que só Jesus pode oferecer e a Esperança que só a Sua misericórdia nos pode garantir. in Voz Portucalense.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Jeremias 31,7-9
Eis o que diz o Senhor:
«Soltai brados de alegria por causa de Jacob,
enaltecei a primeira das nações.
Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai:
‘O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel’.
Vou trazê-los das terras do Norte
e reuni-los dos confins do mundo.
Entre eles vêm o cego e o coxo,
a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz.
É uma grande multidão que regressa.
Eles partiram com lágrimas nos olhos
e Eu vou trazê-los no meio de consolações.
Levá-Ios-ei às águas correntes,
por caminho plano em que não tropecem.
Porque Eu sou um Pai para Israel
e Efraim é o meu primogénito».
CONTEXTO
Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de Jerusalém).
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei, preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus, leva a cabo uma importante reforma religiosa destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Javé e à aliança.
Em 609 a.C., no entanto, Josias é morto, em combate contra os egípcios. Depois de uns meses de instabilidade, o trono de Judá é ocupado por Joaquim (609-597 a.C.). É durante o reinado de Joaquim que se desenrola a segunda fase da missão profética de Jeremias. Nesta fase, o profeta denuncia as graves injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) que fragilizavam irremediavelmente o tecido social de Judá; e denuncia, por outro lado, a infidelidade religiosa, traduzida sobretudo na política de alianças políticas com potências estrangeiras (Jeremias entende que os líderes de Judá, ao colocarem a esperança da nação em exércitos estrangeiros, estão a mostrar que não confiam em Deus). Convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas, Jeremias anuncia a iminência de uma invasão babilónica que irá castigar os pecados da nação. As previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.
No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.). A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante este reinado. Num primeiro momento, Sedecias mantém-se alheado das convulsões políticas que agitavam os povos da região; mas, após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças com o Egipto. Uma vez mais, Jeremias manifesta o seu desacordo com essa política temerária, que mais tarde ou mais cedo há de desembocar no desastre. Nem o rei, nem os notáveis prestam qualquer atenção à opinião do profeta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias aparece a anunciar o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jer 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jer 37,11- 16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jer 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a.C.).
É impossível dizer com segurança em que contexto apareceu a mensagem que nos é proposta como primeira leitura neste trigésimo domingo comum. Para alguns comentadores, trata-se de um oráculo que poderia situar-se na primeira fase da atividade profética de Jeremias (reinado de Josias) e que seria dirigido aos habitantes do Reino do Norte (Israel). Seria uma mensagem de esperança, destinada a animar esse povo que há cerca de cem anos tinha perdido a independência e estava sob o domínio assírio. Para outros, contudo, este texto poderá ser da época de Sedecias, algures entre a primeira e a segunda deportação do Povo para a Babilónia (597-586 a.C.). É a época em que Jeremias descobre perspetivas teológicas novas e começa a refletir sobre um tempo novo que Deus irá oferecer ao seu Povo: após a catástrofe, será possível recomeçar tudo, pois Deus tem em mente fazer uma nova Aliança com Judá. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Num momento histórico dramático, quando o Povo de Deus exilado nas “terras do norte” se afundava no desânimo, Jeremias lança a sua proclamação convidando à alegria e ao louvor. Razão: Deus vai intervir para salvar o seu Povo, “o resto de Israel”. É um episódio mais de uma história de salvação que continua a escrever-se nos nossos dias e nos dias que hão de vir, até ao final dos tempos. Em pleno séc. XXI, Deus continua a vir ao encontro do seu Povo exilado neste “vale de lágrimas”, a estender-lhe a mão e a empurrá-lo para caminhos novos de vida e de esperança. As alterações climáticas fazem-nos temer pela viabilidade do planeta, as guerras novas e velhas continuam a tingir de sangue inocente a história do mundo, a ambição e a arrogância dos grandes parecem incontroláveis, a indiferença nascida do egoísmo condena cada dia mais e mais homens a caminhos sem saída… E Deus? Deus continua a insistir, uma e outra vez, com paciência infinita, em conduzir-nos em direção à Vida, em apontar-nos caminhos de salvação. Deus não desiste de nós. Deus não desiste dos seus filhos e filhas. Deus não desiste de ser “nosso Pai” e de nos envolver de ternura e amor. Como sentimos, como acolhemos, como vivemos esta “boa notícia”? O que é que ela traz à nossa luta de todos os dias? Podemos continuar a semear pessimismo quando somos amados desta forma?
- Jeremias garante que a ação salvadora e libertadora de Deus estender-se-á a todos, inclusive aos “cegos” e aos “coxos”. Os “coxos” e os “cegos representam, aqui, aqueles que estão numa situação de fragilidade, de debilidade, de dependência e que são incapazes, por si sós, de deixar essa condição. Também com esses – ou especialmente com esses – Deus quer caminhar. Na verdade, Deus não marginaliza ninguém, nem coloca ninguém à margem da sua proposta de salvação. Os fracos, os débeis, os limitados, os marginalizados ocupam um lugar especial no coração de Deus e são objeto privilegiado do seu amor e da sua misericórdia. Na nossa sociedade, os pequenos, os pobres, os humildes, os doentes, os velhos, os estrangeiros sem papéis são, frequentemente, marginalizados e ultrapassados pelo comboio da história. A sociedade edifica-se sem eles ou, pelo menos, sem ter em conta as suas necessidades e carências… Nós, os crentes, formados na escola de Deus, procuramos olhar para eles com o mesmo olhar com que Deus os olha? Somos capazes de ver em cada homem ou mulher – no “coxo”, no “cego”, no velho, no doente, no marginal – um irmão que Deus ama e a quem Deus quer oferecer, por nosso intermédio, a Vida plena, a salvação definitiva?
- A história da salvação mostra, numa repetição que chega a ser monótona, de um lado o amor e a fidelidade de Deus, do outro a infidelidade do Povo. Ora, apesar da resposta continuamente dececionante de Israel ao amor e à fidelidade de Deus, a verdade é que Deus nunca virou as costas ao seu Povo. Toda a história da salvação é uma história de perdão, de possibilidade de recomeço, de convite à superação do pecado. Também para nós isto vale. Podemos virar as costas a Deus e fechar-nos na nossa pobre autossuficiência; podemos ignorar a voz de Deus e escolher andar em caminhos que nos levam para longe d’Ele; podemos ir atrás de deuses menores, de deuses dececionantes, de deuses que nos escravizam e não nos asseguram vida… Mas, aconteça o que acontecer, Deus lá estará em cada passo do caminho a olhar para nós com um olhar cheio de amor, a perdoar-nos e a convidar-nos para nos sentarmos novamente com Ele à mesa da Vida nova, à mesa onde Ele quer reunir todos os seus filhos e filhas. Acreditamos na misericórdia e no perdão de Deus? O amor e a misericórdia de Deus são para nós motivação para vencermos a cegueira e a paralisia que tantas vezes nos impedem de caminhar? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 125 (126)
Refrão 1: Grandes maravilhas fez por nós o Senhor, por isso exultamos de alegria.
Refrão 2: O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo.
Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião,
parecia-nos viver um sonho.
Da nossa boca brotavam expressões de alegria
e dos nossos lábios cânticos de júbilo.
Diziam então os pagãos:
«O Senhor fez por eles grandes coisas».
Sim, grandes coisas fez por nós o Senhor,
estamos exultantes de alegria.
Fazei regressar, Senhor, os nossos cativos,
como as torrentes do deserto.
Os que semeiam em lágrimas
recolhem com alegria.
À ida vão a chorar,
levando as sementes;
à volta vêm a cantar,
trazendo os molhos de espigas.
LEITURA II – Hebreus 5,1-6
Todo o sumo sacerdote, escolhido de entre os homens,
é constituído em favor dos homens,
nas suas relações com Deus,
para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados.
Ele pode ser compreensivo
para com os ignorantes e os transviados,
porque também ele está revestido de fraqueza;
e, por isso, deve oferecer sacrifícios
pelos próprios pecados e pelos do seu povo.
Ninguém atribui a si próprio esta honra,
senão quem foi chamado por Deus, como Aarão.
Assim também, não foi Cristo que tomou para Si a glória
de Se tornar sumo sacerdote;
deu-Lha Aquele que Lhe disse:
«Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei»,
e como disse ainda noutro lugar:
«Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedec».
CONTEXTO
A tradição, sobretudo das igrejas do oriente, atribui a Paulo de Tarso o escrito a que chamamos “Carta aos Hebreus”; mas as igrejas do ocidente há muito que descartaram a autoria paulina desta “homilia”. É provável que a “Carta aos Hebreus” venha de um discípulo de Paulo; mas não foi Paulo que a escreveu. Teria aparecido pouco antes do ano 70, quando o culto praticado no Templo ainda era uma realidade atual (recorde-se que, no ano 70, os romanos destruíram Jerusalém e o Templo). Os destinatários da “Carta” são, segundo a tradição, comunidades cristãs constituídas maioritariamente por cristãos vindos do judaísmo; no entanto, também há quem considere que a Carta poderia dirigir-se a qualquer comunidade cristã, nomeadamente a comunidades onde dominavam os cristãos de origem greco-romana. O facto de se citar abundantemente o Antigo Testamento não é decisivo para a definição dos destinatários, uma vez que, por essa altura, o Antigo Testamento era património comum de todos os cristãos. Seja como for, os destinatários da Carta aos Hebreus são crentes que vivem numa situação de fragilidade, de cansaço e de desalento. O objetivo do autor da Carta é ajudar esses cristãos a redescobrir o entusiasmo inicial, a revitalizar o seu compromisso com Cristo e a empenhar-se numa fé mais coerente e mais comprometida.
O autor desta reflexão convida os crentes a apreciar o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, que o Pai enviou ao mundo com a missão de convidar todos os homens a integrar a comunidade do Povo sacerdotal. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes – membros desse Povo sacerdotal – devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Ao lembrar aos crentes o seu compromisso com Cristo e com a comunidade do Povo sacerdotal, o autor oferece aos cristãos a base para revitalizarem a sua experiência de fé, enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação e pela monotonia.
O texto que nos é proposto está incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e para os aproximar de Deus. Jesus Cristo, o sumo-sacerdote “que atravessou os céus” para interceder junto de Deus pelos seus “irmãos” (cf. Heb 4,14-16), tornou-se para todos os que beneficiam do seu sacerdócio fonte de salvação eterna (cf. Heb 5,1-10). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Caminhamos para onde? Por que caminhos? O que buscamos? Quem nos conduz, de forma que possamos chegar a porto seguro e dar sentido pleno à nossa vida? O autor da Carta aos Hebreus apresenta-nos Jesus e convida-nos a segui-l’O sem hesitações. Garante-nos que Ele nos leva ao Pai e nos ajudará a integrar a família de Deus. Ninguém vai ao Pai, ninguém encontra a Vida verdadeira sem caminhar com Jesus, sem escutar as suas indicações, sem viver ao seu estilo. É uma mensagem destinado a acordar crentes adormecidos, conformados com uma fé morna e sem grandes exigências, instalados na sua zona de conforto, protegidos atrás da sua segurança e do seu bem-estar. E nós? Escutamos Jesus, temo-lo como referência sempre que temos de fazer opções e de escolher caminhos? Ele é para nós Caminho, Verdade e Vida? Estamos dispostos a deixar que Ele nos conduza até ao Pai?
- Jesus experimentou a nossa fragilidade, a nossa debilidade, a nossa dependência; identificou-se connosco e tornou-Se capaz de compreender os nossos erros e de olhar para as nossas insuficiências com bondade e misericórdia. Depois, “atravessou os céus” e apresentou-se diante de Deus a interceder por nós e a obter do Pai a nossa salvação. Quando a consciência da nossa fragilidade e do nosso pecado nos impedir de caminhar em paz; quando o remorso pelas nossas escolhas erradas nos pesar intoleravelmente, lembremo-nos de Jesus, o nosso irmão, a interceder por nós junto do Pai. Caminhamos derrotados pelos nossos erros e pelo nosso pecado, ou confiamos em Jesus e na misericórdia de Deus?
- Jesus experimentou a nossa fragilidade e os nossos limites; solidarizou-se com todos os homens e mulheres, independentemente do lugar que a sociedade lhes atribuía. Esteve especialmente do lado dos mais frágeis, dos mais pequenos, dos mais esquecidos. O seu exemplo convida-nos à solidariedade com os últimos, com os pobres, com os mais humildes, com aqueles que o mundo rejeita e marginaliza; convida-nos a identificarmo-nos com os sofrimentos e as angústias, as alegrias e as esperanças de cada homem ou mulher; convida-nos a fazer o que estiver ao nosso alcance para promover aqueles que são humilhados, explorados, incompreendidos, colocados à margem da vida e da história. Sentimo-nos solidários com os irmãos e as irmãs que fazem caminho connosco, especialmente com aqueles dos quais ninguém cuida, que ninguém quer, que ninguém defende? Sentimos que as dores e feridas que fazem sofrer os nossos irmãos também são nossas? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 10,46-52
Naquele tempo,
quando Jesus ia a sair de Jericó
com os discípulos e uma grande multidão,
estava um cego, chamado Bartimeu, filho de Timeu,
a pedir esmola à beira do caminho.
Ao ouvir dizer que era Jesus de Nazaré que passava,
começou a gritar:
«Jesus, Filho de David, tem piedade de mim».
Muitos repreendiam-no para que se calasse.
Mas ele gritava cada vez mais:
«Filho de David, tem piedade de mim».
Jesus parou e disse: «Chamai-O».
Chamaram então o cego e disseram-lhe:
«Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te».
O cego atirou fora a capa, deu um salto e foi ter com Jesus.
Jesus perguntou-lhe:
«Que queres que Eu te faça?»
O cego respondeu-Lhe:
«Mestre, que eu veja».
Jesus disse-lhe:
«Vai: a tua fé te salvou».
Logo ele recuperou a vista
e seguiu Jesus pelo caminho.
CONTEXTO
Jesus e os discípulos descem pelo vale do Jordão, a caminho de Jerusalém. Já não falta muito para que esse caminho – simultaneamente geográfico e espiritual – chegue ao seu termo. O grupo entra na cidade de Jericó, mas não fica lá muito tempo. É provável que Jesus tivesse uma certa pressa de chegar a Jerusalém.
Jericó, a “cidade das Palmeiras”, é um oásis situado na margem do rio Jordão, a norte do Mar Morto, a cerca de 30 quilómetros de Jerusalém. Considerada a cidade mais antiga do mundo, está a cerca de 250 metros abaixo do nível do mar. Foi por Jericó que os hebreus vindos do Egito, conduzidos por Josué, entraram na Terra Prometida. Na época de Jesus, era uma cidade relativamente importante, com grandes plantações de palmeiras e de bálsamo. Para os peregrinos que vinham da Galileia e da Pereia, pelo vale do Jordão, a caminho de Jerusalém, Jericó era um local de passagem obrigatória. Herodes, o Grande, edificou em Jericó um luxuoso palácio de Inverno e dotou a cidade de um hipódromo e de um anfiteatro. Foi aí que ele cometeu alguns dos seus muitos crimes e onde veio a falecer. Jericó era, também, a cidade do publicano Zaqueu (cf. Lc 19,1-10).
Quando Jesus e os discípulos estão a sair de Jericó para retomarem o caminho para Jerusalém, deparam-se com um homem sentado à beira do caminho. Esse homem é cego e chama-se Bartimeu (Marcos explica aos seus leitores que o nome significa “filho de Timeu”).
Os “cegos” – como Bartimeu – faziam parte do grupo dos excluídos da sociedade palestina de então. As deficiências físicas eram consideradas pela teologia oficial como resultado do pecado. Ora, nesta lógica, um cego era alguém que tinha cometido um pecado especialmente grave, pois tinha sido castigado por Deus com um problema físico que o impedia de estudar a Lei. Pela sua condição de impureza notória, os cegos eram impedidos de servir de testemunhas no tribunal e de participar nas cerimónias religiosas no Templo. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A situação inicial do cego Bartimeu – encerrado numa escuridão paralisante, acomodado à sua vida de hábitos e comportamentos velhos, aos seus medos, às suas hesitações, à sua vergonha – evoca um quadro que talvez não nos seja estranho… É a condição do homem que não consegue levantar os olhos do chão, que vive a prazo, que navega sempre à vista de terra, que se conforma com horizontes limitados e é incapaz de olhar para mais longe e mais alto; é a situação do homem prisioneiro do egoísmo, do orgulho, da ambição, dos bens materiais, da preguiça, que vive preso a preocupações rasteiras e materiais; é a realidade do homem refém dos seus vícios, hábitos e paixões, que “deixa correr” as coisas porque não se sente com capacidade para romper, com as suas frágeis forças, as cadeias que o impedem de construir uma vida mais digna e mais ditosa. A Palavra de Deus que escutamos neste domingo garante-nos que a vida não tem de ser vivida desta forma. Estamos conscientes disso? Estamos dispostos a vencer a tentação do imobilismo, da acomodação, do facilitismo, das apostas fáceis em “conquistas” que nunca saciam a nossa fome de vida eterna?
- Para o cego Bartimeu, o momento decisivo para a transformação da sua vida foi o encontro com Jesus. Bartimeu sentiu, nesse instante, que Jesus lhe oferecia perspetivas novas de vida e de realização; percebeu que Jesus lhe trazia uma proposta irrecusável e que não podia deixar escapar a oportunidade que lhe era oferecida. Em Jesus, Bartimeu viu a oportunidade de deixar a escuridão e de nascer para a luz. O encontro com Jesus, se é verdadeiro, é sempre desafiante e transformador. Ora, esse mesmo Jesus que Se cruzou com o cego Bartimeu à saída de Jericó continua a cruzar-Se hoje, de forma continuada, com cada homem e com cada mulher nos caminhos da vida e a oferecer-lhes, sem cessar, a possibilidade de agarrarem uma vida nova, uma vida cheia de sentido, uma vida plenamente realizada… E isto diz-nos respeito: a salvação que Jesus oferece também é para nós. Ousaremos sair do nosso egoísmo, da nossa indiferença, da nossa autossuficiência para escutar e abraçar a proposta de Jesus?
- Bartimeu confiou e colocou toda a sua vida nas mãos de Jesus. Atirou fora, sem hesitação, a vida que conhecia até aí, deu um salto qualitativo que alterou os seus horizontes e partiu para a aventura de seguir Jesus. Bartimeu apostou tudo em Jesus; e, ao fazer essa opção, deixou de estar sentado “à beira do caminho” para “ir com Jesus no caminho” ou para “fazer caminho com Jesus”. Jesus passou a ser a sua referência, o seu “mestre”, o seu “guia”, o seu “Senhor”. E nós? Quem é a nossa referência no caminho da fé? Vivemos a fé como seguimento incondicional de Jesus, ou como o simples cumprimento de rituais que herdamos dos nossos antepassados e que vivemos de forma desleixada, morna e pouco comprometida? Sentimo-nos discípulos decididos, que não querem perder Jesus de vista porque sabem que Ele é Caminho, Verdade e Vida?
- Na história do encontro de Bartimeu com Jesus, aparecem diversos figurantes, com papéis vários. Uns são obstáculo ao encontro entre Bartimeu e Jesus (“muitos repreendiam-no para que se calasse”); mas outros apresentam-se como intermediários entre Jesus e Bartimeu e transmitem ao cego o “chamamento” de Jesus (“coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te”). Este facto serve para nos tornar conscientes do papel daqueles que nos rodeiam no nosso caminho da fé. Ao longo da nossa caminhada, encontraremos pessoas que nos levam até Jesus e que nos ajudam a tornarmo-nos discípulos; mas encontraremos também pessoas que, muitas vezes com ótimas intenções, tentam impedir-nos de nos comprometermos com Jesus e com o Reino de Deus. Assim, neste processo de aproximação a Jesus, temos de tentar perceber, com sentido crítico, a quem dar ouvidos, que indicações e conselhos devemos acolher ou rejeitar… Entre as pessoas que encontramos no nosso caminho, quem é que nos pode ajudar, genuinamente, a chegar a Jesus e a estabelecer contacto com Ele?
- As pessoas que encorajam Bartimeu a aproximar-se de Jesus representam aqueles homens e mulheres genuinamente preocupados com o sofrimento dos seus irmãos, que não conseguem ficar indiferentes ao apelo de quem procura a luz, que têm um coração capaz de se compadecer com as lágrimas e as dores dos que vivem em dificuldade. Esses são, no meio do mundo, sinais vivos da misericórdia, da ternura e do amor de Deus; esses são filhos verdadeiros de um Deus que ama. Como nos posicionamos diante dos gritos dos nossos irmãos que sofrem? Preocupamo-nos em cuidar das feridas dos homens e mulheres que encontramos caídos nas estradas da vida e procuramos levá-los a Jesus a fim de que Ele os cure?
- Quando alguém abandona a vida velha e decide tornar-se discípulo de Jesus, não tem todos os problemas resolvidos. Enfrenta desafios novos, fica fora da sua zona de conforto e tem de se adaptar a novas realidades, perde a segurança que os velhos hábitos davam, tem de enfrentar as críticas e as incompreensões de quem não compreende a sua opção… Aquele caminho de Jerusalém para o qual Jesus convoca os discípulos, é um caminho que passa pela cruz e pelo dom de si próprio. Não esqueçamos, no entanto, que esse caminho conduz à Vida nova, à ressurreição, à Vida definitiva. Jesus não arrasta os seus discípulos para um beco sem saída, mas leva-os ao encontro da Vida verdadeira, segundo o projeto do Pai. Quando avaliamos tudo isto, sentimo-nos com coragem para escolher Jesus e para O seguir? Estamos seguros de que vale a pena seguir Jesus, apesar de todas as dificuldades que teremos de enfrentar? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é o anúncio alegre e jubiloso da libertação de Israel. A proclamação deste texto deve ser marcada por este tom, valorizando as formas verbais no modo imperativo: «soltai», «enaltecei», «proclamai».
A segunda leitura requer uma acurada preparação nas pausas e respirações, sobretudo nas frases mais longas e com diversas orações, para uma mais articulada leitura do texto.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXX do Tempo Comum – Ano B -27.10.2024 – (Jer 31, 7-9)
- Leitura II do Domingo XXX do Tempo Comum – Ano B -27.10.2024 – (Heb 5, 1-6)
- Domingo XXX do Tempo Comum – Ano B – 27.10.2024 – Lecionário
- Domingo XXX do Tempo Comum – Ano B – 27.10.2024 – Oração Universal
- Domingo XXX do Tempo Comum – Ano B – 27.10.2024-refletindo
- Mesa da Palavra Domingo XXX
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXIX do Tempo Comum – Ano B – 20.10.2024
XCVIII DIA MUNDIAL DAS MISSÕES
Viver a Palavra
O caminho é lugar de encontro e desencontro, ousadia e tibieza, entusiasmo e desânimo, expectativas e desilusões. Contudo, mais do que estes binómios extremos, a caminhada de cada homem e de cada mulher constrói-se numa grande diversidade de sentimentos e emoções que invadem o nosso coração e que reclamam uma nova cultura do encontro e do cuidado que promove a comunhão e a unidade.
Os discípulos estão a caminho com Jesus e acabaram de escutar o terceiro anúncio da paixão. Estão desconcertados! Seguir um homem forte e vitorioso que abre os olhos aos cegos, põe os coxos a andar e ressuscita os mortos é entusiasmante e oferece garantias de que vale a pena confiar a vida e gastar as forças. Os discípulos parecem ignorar que juntamente com o anúncio da paixão e morte, Jesus anuncia que ao terceiro dia ressuscitará. Confiar em Alguém que anuncia a morte e o sofrimento como caminho inevitável para o cumprimento da vontade do Pai torna-se muito exigente. A nova lógica do Reino não é imediata, nem humanamente apetecível, e o facto de nos impelir a abraçar um modo novo de ser e de estar que se traduz num modo novo de servir e amar, provoca a procura de seguranças e certezas que ofereçam tranquilidade e estabilidade. Controlar o presente para dominar o futuro é um caminho tentador. Por isso, Tiago e João enchem-se de coragem e abeiram-se de Jesus com um pedido descarado e incisivo: «Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir».
Poderiam ter colocado diante de Jesus a questão que lhes ocupava o coração, quais as motivações que os levavam a fazer tal pedido e dar a Jesus a liberdade de propor o caminho a percorrer. Porém, os discípulos pensam saber bem o que pretendem e querem apenas que Jesus execute o que desejam. Tiago e João são imagem da nossa vida orante quando nos dirigimos a Jesus para Lhe dizer aquilo que Ele deve fazer. Na verdade, a verdadeira oração não é aquela que se faz até que Jesus nos ouça, mas aquela que se realiza até que nós saibamos escutar melhor a voz de Deus. A confiança de que Deus é o Senhor do tempo e da história, permite abrir o coração à Sua vontade e criar a docilidade para nos deixarmos conduzir por Ele. Contudo, quando ao invés queremos encontrar em nós e no mundo as nossas seguranças, entramos numa lógica utilitarista que nos afasta da verdadeira espiritualidade cristã.
«Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda». Diante do anúncio do Mestre, Tiago e João começam a pensar nos lugares a ocupar. Mais do que se aproximarem do Mestre, pretendem passar à frente dos demais. Jesus adverte-os: quando pedimos motivados pela tentação de controlar o presente para dominar o futuro, não sabemos o que estamos a pedir, porque ao invés de acolher a vontade Daquele que nos chama ao amor e à felicidade, estamos a impor os nossos desejos e a nossa vontade.
Jesus, sábio pedagogo, não recrimina, mas chama a si os discípulos e com amor e paciência aponta o novo horizonte do Reino: «quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos». A humildade e o serviço como coordenadas fundamentais para ser grande. Não são os nossos pedidos que definem o nosso lugar, mas a certeza de que a nossa vida se inscreve numa dinâmica responsorial que nos impele a proclamar: «eis-me aqui!». Quem se deixa escolher por Deus coloca os pés ao caminho e, ao jeito de Jesus, Servo da Humanidade, encontrará no serviço por amor o caminho da verdadeira felicidade. in Voz Portucalense.
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No XXIX Domingo do Tempo Comum, dia 20 de outubro, celebramos o Dia Mundial das Missões. O tema para este ano é «Ide e convidai a todos para o banquete (cf. Mt 22, 9)». As comunidades cristãs são convidadas a dinamizar quer este dia, quer este mês, ajudando toda a comunidade a abrir o coração para a dimensão missionária da Igreja e, de modo particular, para a missão Ad Gentes. As Obras Missionárias Pontifícias em Portugal prepararam um guião para ajudar na vivência e celebração deste dia e deste mês (https://www.opf.pt/guiao-missionario/). Sublinho a mensagem do Papa Francisco para este dia que pode ser divulgada e distribuída nas diversas celebrações (ver anexo). in Voz Portucalense
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Isaías 53,10-11
Aprouve ao Senhor esmagar o seu Servo pelo sofrimento.
Mas, se oferecer a sua vida como vítima de expiação,
terá uma descendência duradoira, viverá longos dias,
e a obra do Senhor prosperará em suas mãos.
Terminados os sofrimentos,
verá a luz e ficará saciado.
Pela sua sabedoria, o Justo, meu Servo, justificará a muitos
e tomará sobre si as suas iniquidades.
CONTEXTO
O texto que a liturgia deste vigésimo nono domingo comum nos propõe como primeira leitura pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). “Deutero-Isaías” é um nome convencional com que os biblistas designam um profeta anónimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética na Babilónia, entre os exilados judeus, na fase final do Exílio (entre 550 e 539 a.C., aproximadamente).
O Povo de Deus estava cansado e desanimado, depois de várias décadas de Exílio. Não via saída para a sua triste situação. Perguntava-se se Deus se tinha esquecido de Judá e se as promessas outrora feitas por Deus ainda eram válidas. Nesse contexto, o Deutero-Isaías recebeu de Deus a missão de consolar os exilados e de manter, com a sua mensagem, aberta a porta da esperança. Nesse sentido, o Deutro-Isaías começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída da Babilónia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48); depois, anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).
No meio desta proposta “consoladora” aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São cânticos que falam de uma personagem misteriosa e enigmática, que os biblistas designam como o “Servo de Javé”: ele é um predileto de Javé, a quem Deus chamou, a quem confiou uma missão profética e a quem enviou aos homens de todo o mundo; a sua missão cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à Palavra; o sofrimento do profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor, pois dele resulta o perdão para o pecado do Povo; Deus aprecia o sacrifício deste “Servo” e recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detratores e adversários.
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
O texto que nos é proposto é parte (apenas dois versículos) do quarto cântico do “servo de Javé”. Nesse cântico, Deus toma a palavra, no início, para chamar a atenção para o seu “servo”, “de rosto desfigurado e aspeto disforme” (Is 52,13); depois a palavra passa para um “coro”, que narra a paixão, e a morte, bem como o sentido do sacrifício do “servo de Javé” (cf. Is 53,1-11a); finalmente, Deus retoma a palavra para confirmar as palavras do “coro” e para declarar a inocência do “servo”, cuja morte “justificará a muitos”. O nosso texto apresenta a leitura que o “coro” faz sobre o sentido da paixão e da morte do “servo” (Is 53,10-11a), bem como parte das palavras finais de Deus (Is 53,11bc). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Como classificaríamos a vida do “servo de Javé”, se tivéssemos que lhe “dar nota”? À luz dos critérios que regem o nosso mundo, que diríamos sobre a vida de um homem que nunca atraiu as atenções (“cresceu como raiz em terra árida, sem figura, sem beleza e sem aspeto atraente” – Is 53,2), que foi marginalizado, maltratado e humilhado sem protestar ou se revoltar (cf. Is 53,3.7), que foi condenado e morto sem ser culpado (cf. Is 53,8), que mesmo depois de morto foi desprezado (cf. Is 53,9)? Hesitaríamos alguma vez em o colocar no lote dos “perdedores”, dos fracassados, dos que falharam a vida, dos que não deixaram a sua pegada na história do nosso mundo? No entanto – diz-nos a primeira leitura deste vigésimo nono domingo comum – o plano de Deus para o mundo concretizou-se por meio dele (cf. Is 53,10), e os seus gestos de amor e serviço trouxeram vida aos seus irmãos (cf. Is 53,11). Será possível que, para Deus, esse homem maltratado e humilhado, sem voz e sem vez, que os grandes do mundo desconsideraram e mataram seja um vencedor? Porque é que Deus aprecia este “servo”, até ao ponto de dizer que ele “terá êxito” e “será engrandecido e exaltado” (Is 52,13)? Deus terá critérios diferentes dos nossos para avaliar o sentido da vida? Que pensamos desta estranha lógica de Deus? E que pensamos sobre a lógica oposta – a lógica dos homens – que considera e promove os grandes, os poderosos, os triunfadores, os ambiciosos, os que levantam a voz para se impor e para reivindicar um estatuto de grandeza e de poder?
- Olhemos ainda outra vez para este “servo” insignificante e desprezado pelos homens, mas que é um sinal de Deus no mundo: através dele Deus vem ao encontro dos homens e oferece-lhes a salvação. Ora, o “servo de Javé” não é um caso isolado. Em todos os tempos da história têm surgido homens e mulheres – humildes, simples, despretensiosos, às vezes desprezados e desconsiderados pela gente importante da sociedade e das igrejas – que com os seus gestos de serviço, de doação e de entrega são sinais vivos de Deus no meio dos seus irmãos e irmãs. Neles “vemos”, ao vivo e a cores, a bondade e o amor de Deus. Seremos capazes de olhar para essas pessoas simples e boas, que amam e servem “a fundo perdido”, e ver nelas o rosto bondoso e terno de Deus?
- Qual o sentido do sofrimento? Porque é que há tantas pessoas boas, honestas, justas, generosas, que atravessam a vida mergulhadas na dor e no sofrimento? Trata-se de uma pergunta que fazemos frequentemente e que o autor do quarto cântico do “Servo” também punha a si próprio. A resposta que ele encontra é a seguinte: o sofrimento do justo não se perde; através dele, da sua entrega e do seu sofrimento, os pecados da comunidade são expiados e Deus dará vida e salvação ao seu Povo. Trata-se de uma resposta insatisfatória? Talvez. Mas por detrás desta resposta percebe-se a convicção profunda que alimenta a fé deste “catequista” de Israel: nos misteriosos caminhos de Deus, o sofrimento pode ser uma dinâmica geradora de vida nova. Aliás, alguns séculos mais tarde Jesus Cristo demonstrará, com a sua paixão, morte e ressurreição, a verdade desta afirmação. Como entendemos o sofrimento? Sentimo-lo como algo injusto e definitivamente incompreensível, ou como algo que, de uma forma que nem sempre é clara para nós, se insere no plano de Deus? Entendemos que o sofrimento poderá ser fonte de vida nova para nós e para o mundo? Como? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)
Refrão: Desça sobre nós a vossa misericórdia,
porque em Vós esperamos, Senhor.
A palavra do Senhor é reta,
da fidelidade nascem as suas obras.
Ele ama a justiça e a retidão:
a terra está cheia da bondade do senhor.
Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
para os que esperam na sua bondade,
para libertar da morte as suas almas
e os alimentar no tempo da fome.
A nossa alma espera o Senhor:
Ele é o nosso amparo e protetor.
Venha sobre nós a vossa bondade,
porque em Vós esperamos, Senhor.
LEITURA II – Hebreus 4,14-16
Irmãos:
Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus,
Jesus, Filho de Deus,
permaneçamos firmes na profissão da nossa fé.
Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote
incapaz de se compadecer das nossas fraquezas.
Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo,
à nossa semelhança, exceto no pecado.
Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça,
a fim de alcançarmos misericórdia
e obtermos a graça de um auxílio oportuno.
CONTEXTO
Não sabemos quem foi o autor do escrito a que se deu o nome de “Carta aos Hebreus”. A tradição oriental atribui-o a São Paulo; mas no ocidente há muito que este texto é considerado não paulino. Surgido na segunda metade da década de sessenta do primeiro século (antes da destruição de Jerusalém, no ano 70, pois fala da liturgia do Templo como uma realidade atual), poderá ser obra de um discípulo de Paulo, empenhado em estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé.
Embora a tradição tenha considerado como destinatários deste escrito os “hebreus”, isso não significa, efetivamente, que o seu autor o destinasse exclusivamente a cristãos oriundos do mundo judaico. É verdade que nele se referem continuamente factos e figuras do Antigo Testamento; mas, por essa altura, o Antigo Testamento era já património comum de todos os cristãos, mesmo dos que provinham do mundo greco-romano. Tratava-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que viviam num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades tinham já perdido o fervor inicial pelo Evangelho e começavam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos…
A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para refletir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
O texto que nos é proposto como segunda leitura neste vigésimo nono domingo comum está incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e para os aproximar de Deus. Aos crentes pede-se que “acreditem” em Jesus – isto é, que escutem atentamente as propostas que Cristo veio fazer, que as acolham no coração e que as transformem em gestos concretos de vida. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A Palavra de Deus que escutamos cada domingo realça repetidamente o significado profundo dessa extraordinária história de amor que adivinhamos na incarnação de Jesus: Deus amou-nos de tal forma, que nos enviou o seu Filho, a fim de que, através d’Ele, chegássemos a integrar a família de Deus. Esta dimensão está bem presente também no texto da Carta aos Hebreus que escutamos neste domingo: Jesus, o Filho de Deus, veio ter connosco, caminhou connosco, partilhou as nossas dores e dificuldades, mostrou-nos como devemos viver, deu a própria vida para vencer o egoísmo e a maldade que nos afastavam de Deus, e apresentou-se de novo ao Pai levando com Ele a nossa humanidade redimida. Levados por Jesus, o nosso sumo-sacerdote, temos acesso definitivo a Deus e passamos a integrar a família de Deus. O autor da Carta aos Hebreus considera que isto deve fundamentar, de forma inabalável, a nossa confiança em Jesus e a nossa adesão a Ele. É isso que acontece? Vivemos conscientes do que Jesus fez em nosso favor e isso leva-nos realmente a comprometermo-nos com Ele, a vivermos com Ele, a deixarmo-nos orientar por Ele, a caminharmos sempre atrás d’Ele, como discípulos?
- Jesus, ao vir ao encontro dos homens e ao tornar-se homem, conheceu e amou a nossa fragilidade. Com coração de irmão, pôde entender-nos e ficar do nosso lado. Sentiu como suas as nossas dores e procurou dar-lhes remédio; experimentou as nossas alegrias e sentiu a felicidade que brota das coisas simples e dos gestos de bondade e de amor. Nada do que acontecia aos homens e mulheres que Ele encontrava nos caminhos da Galileia e da Judeia lhe era indiferente. Ele solidarizou-se a cada instante com os homens e as mulheres que com Ele se cruzavam; assim pôde entendê-los e ficar do lado deles. Ora, o exemplo de solidariedade que Cristo nos deixou deve tocar-nos e convidar-nos a seguir o seu exemplo. Estamos disponíveis para, seguindo o exemplo de Cristo, nos despirmos do nosso egoísmo, da nossa acomodação, da nossa preguiça, da nossa indiferença, para irmos ao encontro dos nossos irmãos, para vestirmos as suas dores e fragilidades, para nos fazermos solidários com eles, para partilharmos os seus dramas, lágrimas, sofrimentos, alegrias e esperanças? Sentimo-nos responsáveis pelos irmãos que connosco partilham os caminhos deste mundo, mesmo quando não os conhecemos pessoalmente ou mesmo que deles estejamos separados por fronteiras geográficas, históricas, étnicas ou outras?
- Ao assegurar-nos que nada temos a temer pois Deus ama-nos, quer integrar-nos na sua família e oferecer-nos Vida em abundância, o nosso texto convida-nos a encarar a vida e os seus caminhos com serenidade e confiança. A certeza do amor infinito de Deus é, para nós, fonte de serenidade e de paz? Sabemos que as nossas fragilidades e debilidades não nos afastam, nunca, de Deus e do seu amor? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 10,35-45
Naquele tempo,
Tiago e João, filhos de Zebedeu,
aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:
«Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir».
Jesus respondeu-lhes:
«Que quereis que vos faça?»
Eles responderam:
«Concede-nos que, na tua glória,
nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda».
Disse-lhes Jesus:
«Não sabeis o que pedis.
Podeis beber o cálice que Eu vou beber
e receber o batismo com que Eu vou ser batizado?»
Eles responderam-Lhe: «Podemos».
Então Jesus disse-lhes:
«Bebereis o cálice que Eu vou beber
e sereis batizados com o batismo
com que Eu vou ser batizado.
Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda
não Me pertence a Mim concedê-lo;
é para aqueles a quem está reservado».
Os outros dez, ouvindo isto,
começaram a indignar-se contra Tiago e João.
Jesus chamou-os e disse-lhes:
«Sabeis que os que são considerados como chefes das nações
exercem domínio sobre elas
e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder.
Não deve ser assim entre vós:
Quem entre vós quiser tornar-se grande,
será vosso servo,
e quem quiser entre vós ser o primeiro,
será escravo de todos;
porque o Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir
e dar a vida pela redenção de todos».
CONTEXTO
Voltamos a encontrar-nos com Jesus e com o seu grupo de discípulos no caminho que conduz a Jerusalém. É um caminho não apenas geográfico, mas sobretudo espiritual: ao longo do percurso, Jesus vai completando a sua catequese sobre as exigências do Reino e as condições para integrar a comunidade messiânica.
Entretanto, Jerusalém já não está longe. Jesus vai à frente, a indicar o caminho; e os discípulos seguem-n’O “estupefactos” (Mc 10,32). Talvez estejam espantados por Jesus insistir naquele projeto aparentemente sem sentido e sem saída. É possível que ainda conservem a esperança de que Jesus volte atrás e se disponha a concretizar o projeto do Reino com a conquista do poder; mas cada metro que percorrem aproxima-os do destino final e Jesus não dá mostras de ceder. Como é que aquele “caminho” irá terminar? Os discípulos estão “cheios de medo” (Mc 10,32).
Jesus não lhes facilita a vida. Para dissipar todas as dúvidas fala-lhes, pela terceira vez, do que vão encontrar na cidade santa: Ele “vai ser entregue aos sumos sacerdotes e aos doutores da Lei, e estes por sua vez vão entregá-lo aos gentios”, que vão “escarnecê-lo, cuspir sobre Ele, açoitá-lo e matá-lo; mas três dias depois, ressuscitará”. A descrição que Jesus faz do que o espera em Jerusalém é ainda mais pormenorizada do que nos outros anúncios anteriores (cf. Mc 8,31-32; 9,31-32). Será que, desta vez, os discípulos ficaram convencidos e resolveram aceitar as palavras de Jesus? Não. Marcos vai mostrar-nos, logo a seguir, que os discípulos de Jesus ainda continuam a raciocinar em termos muito humanos e que a sua lógica está em absoluta contradição com o projeto de Deus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O que é que determina o êxito ou o fracasso da nossa vida? Em que direção precisamos de caminhar para garantir que a nossa vida vale a pena? Sobre que valores devemos construir a nossa existência para que ela tenha pleno sentido? No Evangelho deste domingo temos a perspetiva de Jesus e a perspetiva dos discípulos quanto a estas questões. As duas posições são perfeitamente antagónicas. Para os discípulos, o êxito de uma vida passa por assegurar uma posição de poder e de domínio, de honras e de triunfos humanos, que permita a cada pessoa impor-se aos outros e concretizar a sua ambição. Para Jesus, no entanto, a vida só tem sentido se é gasta a servir, com humildade e simplicidade, até ao dom total de si próprio em favor dos outros (aliás, foi assim que Jesus viveu, desde o primeiro instante em que “construiu a sua tenda no meio de nós”). Que pensamos de cada uma destas posições? Com sinceridade: em qual destas duas mesas temos andado a apostar as nossas fichas? Em qual destes campos vislumbramos a nossa plena realização?
- “Quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos” – diz Jesus. Aqui está uma estranha equação que, mesmo depois de dois mil anos de cristianismo, ainda não entra bem nos nossos cálculos e projetos de vida. Para Jesus, o êxito na vida passa simplesmente por servir humildemente e a fundo perdido quem necessita da nossa ajuda e do nosso cuidado. Que eco encontram estas palavras de Jesus na sociedade que temos vindo a construir? E nas nossas comunidades cristãs, como é que estas indicações de Jesus têm vindo a ser escutadas e vividas? Podemos dizer que a Igreja de Jesus tem testemunhado, de forma coerente, as indicações dadas a Tiago e João naquele caminho para Jerusalém? Que sentido é que fazem, à luz das palavras de Jesus, as nossas tentativas de nos impormos aos outros, as nossas ridículas guerras pelo poder ou pelo protagonismo, a nossa inqualificável apetência por honras e títulos honoríficos, as nossas ambições mesquinhas e rasteiras? Estamos disponíveis para servir quem necessita de nós, ou a nossa atitude é a de quem vive para ser servido, admirado e adulado? Como tratamos aqueles que caminham ao nosso lado – a família, os amigos, os empregados, os vizinhos – com sobranceria e agressividade, ou com respeito e amor?
- As pretensões de Tiago e de João provocaram a indignação dos outros discípulos. Afinal, também eles estavam preocupados em assegurar a sua própria fatia de honras e privilégios e não queriam ver-se ultrapassados. Eis uma realidade que todos os dias podemos observar no nosso mundo: a ambição, a ânsia de protagonismo, a apetência pelo poder são sempre fatores de divisão, de guerra, de ciúme, de conflito. Criam mal-estar, destroem a união, ferem gravemente a comunhão, põem em causa a fraternidade. Não são, portanto, estratégias recomendáveis para quem estiver interessado em integrar a comunidade do Reino. Estamos conscientes disso?
- “Os que são considerados como chefes das nações exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder” – diz Jesus. Na verdade, o domínio sobre os outros, o exercício autoritário do poder, concretizam-se muitas vezes em tirania, em opressão dos mais fracos, em exploração dos pobres, em atentado ao bem comum, em indiferença face ao sofrimento dos mais vulneráveis, em imposição cega da própria autoridade, em desrespeito pela dignidade e direitos dos outros homens e mulheres. O exercício do poder, quando não é entendido e concretizado como serviço, pode contribuir para aumentar a maldade, a violência, a injustiça, a morte. Sabemos que um mundo construído sobre autoritarismos cegos e cultos de personalidade é um mundo que contradiz frontalmente o projeto de Deus?
- Há pessoas – muitas – que passam despercebidas, que não são nomeadas nos jornais, que não frequentam ambientes seletos, que nunca tiveram acesso a cargos de poder, que não têm dinheiro nem influência, que não possuem títulos nem nomes sonantes, que não se impõem pela sua beleza física ou pelas roupas finas que vestem, que não fazem ouvir a sua voz nem impõem a sua presença… mas são grandes pela sua bondade, pela sua humildade, pela sua compaixão, pela sua alegria serena, pelo serviço humilde que prestam aos mais necessitados, pela forma como cuidam dos seus irmãos e irmãs, pelo amor e carinho que põem em cada gesto que fazem. De acordo com Jesus, essas pessoas são aquelas cujas vidas são plenamente realizadas. Elas tornam o nosso mundo um lugar mais bonito, mais humano e mais feliz. No deserto inóspito e egoísta do nosso mundo, essas pessoas são pequenos oásis de paz, de fecundidade e de vida nova. Elas são o melhor do nosso mundo. Como avaliamos e consideramos esses homens e mulheres simples e humildes, que o mundo tantas vezes ignora ou despreza, mas que são testemunhas e sinais do amor e da bondade de Deus na vida dos seus irmãos e irmãs? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, valorizar a palavra «servo», repetida duas vezes neste texto, e que é central para a sua compreensão. O tom dramático e doloroso deve marcar a proclamação, mas sempre marcada pela abertura à esperança, pois «o Justo, meu Servo, justificará a muitos».
A segunda leitura é marcada pela tónica da esperança: «Jesus, Filho de Deus» é rico em misericórdia e fonte de graça e misericórdia. O anúncio da esperança, valorizando as expressões «Jesus, Filho de Deus» e «Sumo Sacerdote» como fonte de graça deve estar presente na proclamação do texto.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
- Leitura I (Is 53, 10-11) e Leitura II (Heb 4, 14-16) do Domingo XXIX do Tempo Comum – Ano B – 20.10.2024
- Domingo XXIX do Tempo Comum – Ano B – 20.10.2024-Lecionário
- Domingo XXIX do Tempo Comum – Ano B – 20.10.2024-Oração Universal
- Domingo XXIX do Tempo Comum – Ano B – 20.10.2024-refletindo
- A Mesa da Palavra explicada… Domingo XXIX TC
- XCVIII Dia Mundial das Missões – Mensagem do Papa Francisco – 20 outubro 2024
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXVIII do Tempo Comum – Ano B – 13.10.2024
Viver a Palavra
Caminhar é verbo fundamental na conjugação da vida cristã. O homem e a mulher criados à imagem e semelhança de Deus foram sonhados para participar na vida divina e trilham os caminhos da história de pés bem assentes na terra e olhos fitos no céu. A meta do caminho não permite imobilismos e comodismos, mas coloca cada pessoa em estado permanente de saída. São diferentes as capacidades e aptidões de cada um para o caminho e as dificuldades e resistências impedem tantas vezes de alcançar o ritmo desejado e as metas aneladas. Contudo, mais do que um caminho isolado, a vida da fé constrói-se num caminho conjunto, marcado pela fraternidade e comunhão, sustentado pela caridade e aberto à esperança da construção do mundo novo. Calcorreando os trilhos do tempo e da história aprendemos a conjugar ritmos, a construir pontes, a vencer dificuldades e a conceber a vida como construção permanente.
O texto evangélico proposto para este Domingo oferece indicações fundamentais para quem se quer colocar a caminho e abre com dois andamentos tão diferentes no modo de se fazer à estrada. Jesus «ia pôr-Se a caminho» e um homem «aproximou-se correndo». Jesus é o enviado do Pai, a brisa suave que percorre os caminhos da história feito carne humana, e na serenidade do caminhar estabelece encontros que geram o verdadeiro Encontro que dá sentido à nossa existência. Aquele homem caminha apressado. A inquietação e a ansiedade invadem a sua vida. Procura a vida eterna, a vida plena e verdadeira e, porventura, tudo tem feito para descobrir qual o melhor caminho a percorrer. A sua insatisfação coloca-o em movimento com passo lesto, arrojado e confiante.
A pergunta colocada a Jesus, com ousadia e humildade (ajoelhou-se), reclamam do Mestre a indicação do caminho onde se joga a vida toda, porque a vida plena e eterna. Aquele jovem procura Jesus para se encontrar a si próprio e, se começa o caminho correndo, agora ajoelha-se e detém-se junto de Jesus. O sentido da nossa existência como caminho para uma vida plena e verdadeira só se pode encontrar em Jesus Cristo e na liberdade de coração para acolher a Sua Palavra. Jesus nada impõe, mas tudo propõe. Como sábio pedagogo, paulatinamente e progressivamente nos faz tender para a meta da nossa existência. A primeira indicação que dá àquele jovem é o cumprimento dos mandamentos e, verificando que ele já os pratica desde a sua juventude, avança na proposta radical de um caminho absolutamente livre: «falta-te uma coisa: vai vender o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me».
Falta-lhe apenas uma coisa: libertar-se do peso que impede de alcançar a meta. Uma relação nova com os bens que possui para que aprenda a possuí-los. A dificuldade em entrar no Reino dos Céus para aqueles que têm riquezas, não está no maior ou menor número de bens que possuem. O problema surge quando, colocando as suas seguranças naquilo que têm, já não são eles a possuir os bens, mas os bens que os possuem a eles. A arte de aprender a contar os dias, que pedimos no salmo, implica abraçar esta corrente de desprendimento que se conjuga nesta rajada de verbos: vai, vende, dá, vem e segue-me. Deixar o que nos prende para abraçar com maior largueza de coração, passar do horizonte do bem-estar ao horizonte do bem-maior que só Jesus e o Seu amor podem oferecer.in Voz Portucalense.
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Na passada quarta-feira, dia 2 de outubro, decorreu a missa de abertura da Segunda Sessão do caminho sinodal da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos «Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão». A sinodalidade é «o caminho da Igreja para o Terceiro Milénio» (Papa Francisco) e, por isso, um estilo eclesial que deve moldar toda a ação da Igreja porque caracteriza a sua identidade. Deste modo, as comunidades eclesiais devem promover junto dos fiéis uma tomada de consciência da importância da sinodalidade como modo de ser Igreja, tornando mais operativas as mais diversas estruturas de participação e gerando processos sinodais renovados e renovadores. As comunidades são convidadas a rezar por este caminho sinodal ao longo deste mês de outubro, para que ele seja um tempo e lugar decisivo para o diálogo da Igreja com o Mundo contemporâneo. in Voz Portucalense
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Sabedoria 7,7-11
Orei e foi-me dada a prudência;
implorei e veio a mim o espírito de sabedoria.
Preferi-a aos cetros e aos tronos
e, em sua comparação, considerei a riqueza como nada.
Não a equiparei à pedra mais preciosa,
pois todo o ouro, à vista dela, não passa de um pouco de areia
e, comparada com ela, a prata é considerada como lodo.
Amei-a mais do que a saúde e a beleza
e decidi tê-la como luz,
porque o seu brilho jamais se extingue.
Com ela me vieram todos os bens
e, pelas suas mãos, riquezas inumeráveis.
CONTEXTO
O “Livro da Sabedoria” é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento. Pensa-se que terá sido redigido durante o séc. I, em língua grega (por ser escrito em grego, nunca chegou a integrar o cânone judaico). O seu autor terá sido um judeu culto, provavelmente nascido e educado na Diáspora.
O “berço” do livro da Sabedoria parece ter sido Alexandria (no Egito). A brilhante cultura helénica marcava o ritmo de vida e impunha aos habitantes da cidade os valores dominantes. As outras culturas – nomeadamente a judaica – eram desvalorizadas e hostilizadas. A colónia judaica que vivia em Alexandria tinha sido obrigada a lidar, sobretudo nos reinados de Ptolomeu Alexandre (106-88 a.C.) e de Ptolomeu Dionísio (80-52 a.C.), com duras perseguições. Os sábios helénicos procuravam demonstrar, por um lado, a superioridade da cultura grega e, por outro, a incongruência do judaísmo e da sua proposta de vida… Os judeus eram encorajados a deixar a sua fé, a “modernizar-se” e a abrir-se aos brilhantes valores da cultura helénica.
Foi neste ambiente que o sábio autor do Livro da Sabedoria decidiu defender os valores da fé e da cultura do seu Povo. O seu objetivo era duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), exortava-os a redescobrirem a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convidava-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Javé, o verdadeiro e único Deus… Para uns e para outros, o autor pretendia deixar esta ideia fundamental: só Javé garante a verdadeira “sabedoria” e a verdadeira felicidade.
O texto que nos é proposto integra a segunda parte do livro (cf. Sb 6,1-9,18). Aí, o autor apresenta o “elogio da sabedoria”. Este “elogio da sabedoria” pode dividir-se em três pontos… No primeiro (cf. Sb 6,1-21), há uma exortação aos reis no sentido de adquirirem a “sabedoria”; no segundo (cf. Sb 6,22-8,21), há uma descrição da natureza e das propriedades da “sabedoria”, aqui apresentada como o valor mais importante entre todos os valores que o homem pode adquirir; no terceiro (cf. Sb 9,1-18), aparece uma longa oração do autor, implorando de Javé a “sabedoria”.
O que é esta “sabedoria” de que se fala neste livro e em outros livros sapienciais que vieram a integrar o cânone dos livros sagrados? É, fundamentalmente, a capacidade de fazer as escolhas corretas, de tomar as decisões certas, de escolher os valores verdadeiros que conduzem o homem ao êxito, à realização, à felicidade. Na perspetiva dos “sábios” de Israel, esta “sabedoria” vem de Deus e é um dom que Deus oferece a todos os homens que tiverem o coração disponível para o acolher. É preciso, portanto, ter os ouvidos atentos para escutar e o coração disponível para acolher a “sabedoria” que Deus quer oferecer a todos os homens.
O autor deste “elogio da sabedoria” insinua claramente ser o rei Salomão (embora o nome do rei nunca seja referido explicitamente). Na realidade, o “Livro da Sabedoria” não vem de Salomão (já vimos que é um texto escrito no séc. I a.C., por um judeu de Alexandria); mas Salomão, o protótipo do rei sábio era, para os israelitas, a pessoa indicada para apresentar a “sabedoria” e para a recomendar a todos os homens. Usando uma ficção literária, o autor coloca, pois, na boca de Salomão este discurso sapiencial. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Costumamos dizer que “só se vive uma vez” e que, por isso, temos de “aproveitar a vida”. Geralmente, quando falamos em “aproveitar a vida”, falamos de provar as coisas boas que a vida pode oferecer-nos, de aproveitar as oportunidades de concretizar os nossos sonhos e aspirações, de tirar o melhor partido de cada momento, de encher a nossa existência de significado… Mas, “aproveitar a vida” incluirá atirar-nos às cegas para agarrar tudo aquilo que os influencersde serviço nos impingem? “Aproveitar a vida” significará irmos atrás de tudo o que de alguma forma nos atrai, sem critérios nem limites? “Aproveitar a vida” será gastarmos o tempo e as forças a correr atrás de coisas fúteis, efémeras, que enchem a nossa existência de vazio, de frivolidade e de mediocridade? Temos consciência de que há caminhos e valores que nos permitem construir uma vida bonita, feliz e plenamente realizada, e também há caminhos e valores que nos escravizam e que nos limitam horizontes? Estamos disponíveis para acolher a sabedoria de Deus e para deixar que ela nos guie pelos caminhos que conduzem onde há Vida verdadeira?
- O “sábio” que, no texto da primeira leitura deste domingo, reparte connosco a sua experiência de vida, tinha bem definida a sua hierarquia de valores. Sabia bem o que era prioritário e o que era secundário; sabia o que o ajudaria a definir bem a sua missão e aquilo que não seria fundamental para que a sua vida fizesse sentido. E nós, que até vivemos imersos num tempo de “modernidade líquida”, de mudança vertiginosa, de relativismo de valores, de certezas nunca consolidadas, temos bem definida a nossa lista dos valores prioritários? Em que valores apostamos para sobre eles construir, com coerência e verdade, a nossa história de vida?
- O “sábio” autor do nosso texto assegura que a “sabedoria”, dom de Deus, não o afastou de outros valores desejáveis; mas que, pelo contrário, o ajudou a apreciá-los devidamente e a situá-los no lugar adequado. Por vezes existe a ideia de que viver de acordo com Deus significa renunciar a tudo aquilo que nos pode tornar felizes e realizados… Mas isso não é verdade. Há valores, mesmo efémeros, que são perfeitamente compatíveis com a nossa opção pelos valores de Deus e do Reino. Não se trata de nos fecharmos ao mundo, de desconfiarmos das coisas do mundo, de renunciarmos definitivamente às coisas boas que o mundo nos pode oferecer e que nos dão segurança e estabilidade; trata-se simplesmente de darmos às coisas o valor que têm, sem nos deixarmos iludir por aquilo que não é duradouro. Como é que nos relacionamos com os valores que o mundo nos oferece? Com desconfiança e condenação à priori, ou com a apreciação serena e equilibrada do que eles valem? Usamo-los parcimoniosamente, sem deixar que eles nos usem a nós?in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 89 (90)
Refrão 1: Saciai-nos, Senhor, com a vossa bondade
e exultaremos de alegria.
Refrão 2: Enchei-nos da vossa misericórdia:
será ela a nossa alegria.
Ensinai-nos a contar os nossos dias,
para chegarmos à sabedoria do coração.
Voltai, Senhor! Até quando?
tende piedade dos vossos servos.
Saciai-nos, desde a manhã, com a vossa bondade,
para nos alegrarmos e exultarmos todos os dias.
Compensai em alegria os dias de aflição,
os anos em que sentimos a desgraça.
Manifestai a vossa obra aos vossos servos
e aos seus filhos a vossa majestade.
Desça sobre nós a graça do Senhor.
confirmai em nosso favor a obra das nossas mãos.
LEITURA II – Hebreus 4,12-13
A palavra de Deus é viva e eficaz,
mais cortante que uma espada de dois gumes:
ela penetra até ao ponto de divisão da alma e do espírito,
das articulações e medulas,
e é capaz de discernir os pensamentos e intenções do coração.
Não há criatura que possa fugir à sua presença:
tudo está patente e descoberto a seus olhos.
É a ela que devemos prestar contas.
CONTEXTO
A “Carta aos Hebreus”, mais do que uma “carta” tradicional, parece um sermão destinado a ser proclamado oralmente. O texto foi atribuído, sobretudo pela tradição oriental, a São Paulo; no entanto, as diferenças de linguagem, de estilo e mesmo de ideias em relação a outros textos autenticamente paulinos levaram os biblistas a considerar que São Paulo não terá sido o seu autor. Apesar de tudo, é provável que o autor tenha sido alguém relacionado com São Paulo, talvez um discípulo do apóstolo.
Provavelmente a “Carta aos Hebreus” foi redigida nos anos anteriores ao ano 70, antes da destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos: o autor fala da liturgia do Templo como uma realidade atual, o que não aconteceria se o Templo já tivesse sido destruído. Embora a tradição cite os “hebreus” como destinatários desta Carta, não é certo que ela se destine a comunidades cristãs de origem judaica. As referências constantes ao Antigo Testamento não são decisivas para identificar os destinatários da carta, uma vez que o Antigo Testamento era já referência, por essa altura, quer para os cristãos que vinham do mundo judaico como para os cristãos que vinham do mundo greco-romano. Em qualquer caso, os destinatários da Carta aos Hebreus são cristãos que vivem numa situação difícil, num ambiente hostil à fé cristã. O autor procura fortalecê-los na vivência do compromisso cristão e ajudá-los a crescer na fé.
A figura de Cristo é central na “Carta aos Hebreus”. Apresentado como sumo sacerdote, Ele é o mediador entre Deus e os homens. A sua entrega sacrificial na cruz substitui todos os sacrifícios do antigo culto judaico, estabelece uma nova Aliança entre Deus e os homens e inaugura um culto novo. Pelo sacerdócio de Cristo, os crentes são inseridos no Povo sacerdotal que é a comunidade cristã.
O texto que nos é proposto está incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e para os aproximar de Deus. Aos crentes pede-se que “acreditem” em Jesus – isto é, que escutem atentamente as propostas que Cristo veio trazer. Nessa sequência, o autor introduz na sua reflexão uma espécie de hino à Palavra de Deus, a Palavra que Cristo veio transmitir aos homens. O objetivo do autor, ao propor-nos este “hino”, é levar-nos a escutar atentamente a Palavra proposta por Cristo. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O nosso tempo é um tempo de muitas palavras. Toda a gente, a propósito e a despropósito, entende dar a sua opinião sobre tudo. É positivo ouvirmos opiniões e perspetivas diversas, pois isso sempre enriquece a nossa visão pessoal das coisas; mas isso cria, por vezes, um ruído de fundo que causa confusão, banaliza o poder da palavra e atira para segundo plano palavras fundamentais, como é o caso da Palavra de Deus. No meio desta autêntica floresta de palavras, de opiniões e de ditos, que lugar ocupa a Palavra de Deus? Para nós, é uma palavra decisiva, determinante, primordial na definição do sentido da nossa vida, ou é apenas “mais uma” palavra entre tantas outras? Conseguimos encontrar tempo para escutar a Palavra de Deus, disponibilidade para a discutir e partilhar, vontade de confrontar a nossa vida com as suas exigências?
- A Palavra de Deus, diz a segunda leitura deste vigésimo oitavo domingo comum, é viva, atuante, eficaz e renovadora. Deveria, portanto, ter um impacto positivo e transformador nas nossas vidas, nas nossas famílias, nas nossas comunidades, na sociedade à nossa volta… Mas nem sempre isso acontece. Ouvimos diariamente a proclamação da Palavra de Deus nas nossas liturgias e continuamos a escolher valores errados, a erguer barreiras de separação entre pessoas, a marcar a nossa relação comunitária pela inveja, pelo ciúme, pela discórdia, a perpetuar mecanismos de injustiça, de violência, de exploração, de ódio… Será que a Palavra de Deus perdeu a força, ultrapassou o prazo de validade? Não. O problema não está na Palavra de Deus, mas está em nós. Talvez estejamos tão “habituados” à Palavra que já não a escutemos; talvez estejamos tão acomodados na nossa zona de segurança que recusemos o confronto com uma Palavra que incomoda e desinstala; talvez estejamos tão entrincheirados atrás da nossa autossuficiência, que acreditemos que a Palavra de Deus não acrescenta nada à nossa vida. Porque é que a Palavra de Deus não tem na nossa vida e no nosso mundo o impacto que deveria ter?
- A nossa vivência da fé desenrola-se, muitas vezes, à volta de fórmulas de oração repetitivas, de práticas devocionais fixas, de rituais estéreis e desligados da vida, de tradições cheias de pó, de grandes manifestações de fé que, no entanto, têm pouca profundidade… E a Palavra de Deus é relegada, na experiência de fé de tantos crentes, para um papel muito secundário. Qual o papel e o lugar da Palavra de Deus na nossa forma de viver a fé? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 10,17-30
Naquele tempo,
ia Jesus pôr-Se a caminho,
quando um homem se aproximou correndo,
ajoelhou diante d’Ele e Lhe perguntou:
«Bom Mestre, que hei de fazer para alcançar a vida eterna?»
Jesus respondeu:
«Porque me chamas bom? Ninguém é bom senão Deus.
Tu sabes os mandamentos:
‘Não mates; não cometas adultério;
não roubes; não levantes falso testemunho;
não cometas fraudes; honra pai e mãe’».
O homem disse a Jesus:
«Mestre, tudo isso tenho eu cumprido desde a juventude».
Jesus olhou para ele com simpatia e respondeu:
«Falta-te uma coisa: vai vender o que tens,
dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no Céu.
Depois, vem e segue-Me».
Ouvindo estas palavras, anuviou-se-lhe o semblante
e retirou-se pesaroso,
porque era muito rico.
Então Jesus, olhando à volta, disse aos discípulos:
«Como será difícil para os que têm riquezas
entrar no reino de Deus!»
Os discípulos ficaram admirados com estas palavras.
Mas Jesus afirmou-lhes de novo:
«Meus filhos, como é difícil entrar no reino de Deus!
É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha
do que um rico entrar no reino de Deus».
Eles admiraram-se ainda mais e diziam uns aos outros:
«Quem pode então salvar-se?»
Fitando neles os olhos, Jesus respondeu:
«Aos homens é impossível, mas não a Deus,
porque a Deus tudo é possível».
Pedro começou a dizer-Lhe:
«Vê como nós deixámos tudo para Te seguir».
Jesus respondeu:
«Em verdade vos digo:
Todo aquele que tenha deixado casa,
irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos ou terras,
por minha causa e por causa do Evangelho,
receberá cem vezes mais, já neste mundo,
em casas, irmãos, irmãs, mães, filhos e terras,
juntamente com perseguições,
e, no mundo futuro, a vida eterna».
CONTEXTO
Jesus está a caminhar com os discípulos através da Judeia e da Transjordânia, em direção a Jerusalém. Contudo, o caminho que fazem não é apenas geográfico; é, sobretudo, um caminho espiritual, durante o qual Jesus vai completando a sua catequese aos discípulos sobre as exigências do Reino e as condições para integrar a comunidade messiânica. Pretende-se que, à medida que vão avançando nesse caminho com Jesus, os discípulos deixem para trás os seus interesses egoístas e interiorizem cada vez mais a lógica do Reino. Só no final desse caminho serão verdadeiros discípulos de Jesus e estarão preparados para serem arautos do Reino de Deus.
O Evangelho deste vigésimo oitavo domingo comum narra o encontro de Jesus com um homem rico que está interessado em conhecer a maneira de alcançar a vida eterna. Esse encontro dá a Jesus a oportunidade para avisar os discípulos acerca da incompatibilidade entre o Reino e o apego às riquezas.
Na perspetiva dos teólogos de Israel, as riquezas são uma bênção de Deus (cf. Dt 28,3-8); mas a catequese tradicional também está consciente de que colocar a confiança e a esperança nos bens materiais envenena o coração do homem, torna-o orgulhoso e autossuficiente e afasta-o de Deus e das suas propostas (cf. Sl 49,7-8; 62,11). Jesus vai retomar a catequese tradicional, mas desta vez na perspetiva do Reino de Deus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Aquele homem que vai ter com Jesus na estrada para Jerusalém, tem urgência em descobrir a reposta para uma questão que é, talvez, a mais decisiva que enfrentamos: que havemos de fazer e como devemos viver para alcançar a vida eterna, uma vida plena, verdadeira e com sentido? Trata-se de uma questão que nos inquieta a todos e que certamente já pusemos muitas vezes a nós próprios, com estas ou com outras palavras semelhantes. Já encontramos a resposta para esta questão? Qual é? Muitos dos nossos contemporâneos, mergulhados na cultura do “ter”, limitam-se a “navegar à vista”, sem horizontes amplos, procurando rodear-se de bem-estar e segurança, apostando tudo nas coisas fúteis e efémeras, apenas preocupados em satisfazer necessidades periféricas… Onde nos leva uma opção deste tipo? Ela é capaz de preencher o vazio existencial que tantas vezes toma conta da nossa vida?
- Marcos diz-nos que Jesus tem uma resposta definitiva para a questão colocada por aquele homem inquieto. Para Jesus, viver “com sentido” passa, naturalmente, por respeitar a dignidade e os direitos dos irmãos e irmãs (“não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe”); mas, mais que tudo, aproxima-se da vida eterna quem se liberta da escravidão dos bens, está disponível para partilhar tudo o que tem com os irmãos que caminham ao seu lado, aceita tornar-se discípulo e seguir Jesus no caminho do amor que se dá até às últimas consequências. Afinal, alcança a vida eterna quem vive menos para si e mais para os outros; e afasta-se da vida eterna quem vive mais para si próprio e menos para os outros. Nas estranhas contas de Deus, menos dá mais, e mais dá menos. Estamos disponíveis para alinhar nesta paradoxal matemática de Deus e para nos despojarmos de nós próprios a fim de alcançarmos a vida eterna?
- A história do homem rico, que coloca o seu amor ao dinheiro à frente do seguimento de Jesus alerta-nos para a impossibilidade de conjugar a pertença à comunidade do Reino com o amor aos bens deste mundo. Quando a “doença do dinheiro” toma conta de nós, encerra-nos no nosso próprio mundo, leva-nos a ignorar os nossos irmãos e as suas necessidades, endurece o nosso coração, faz com que sejamos corrompidos pela cobiça, torna-nos aliados da injustiça e da exploração, faz-nos ceder à corrupção e à desonestidade… É, portanto, incompatível com o seguimento de Jesus. Podemos levar vidas religiosamente corretas, participar nos atos litúrgicos mais relevantes, ter até o nosso lugar de destaque na comunidade paroquial; mas, se o nosso coração vive obcecado com os bens deste mundo e fechado ao amor, à partilha, à solidariedade, não podemos fazer parte da comunidade do Reino (“é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus”). Como é a nossa relação com os bens materiais? Qual o lugar que os bens materiais ocupam na nossa vida?
- O “império do dinheiro” é um império iníquo, que tem deixado feridas insaráveis na vida dos homens e do planeta. Nos “países de bem-estar”, situados maioritariamente a norte do nosso mundo, tudo está submetido a mecanismos económicos que atuam de forma cega e impessoal e que todos os dias deixam nas bermas da da sociedade um cortejo de vítimas; a “economia de mercado” sacrifica a dignidade das pessoas ao lucro e exclui os mais vulneráveis da mesa da vida; o reforço da competitividade atira irremediavelmente os menos preparados para a pobreza e a marginalidade; a exploração egoísta dos recursos naturais destrói esta casa comum que Deus preparou para todos os seus filhos e filhas… Podemos conformar-nos com um mundo assim? A Igreja poderá ser fiel a Jesus sem se pronunciar contra este “império do dinheiro” (o sistema económico neoliberal) que deixa marcas tão desastrosas no nosso mundo? E cada um de nós, pessoalmente, o que poderá fazer para que o mundo e a história dos homens sejam construídos noutros moldes?
- A expressão “vida eterna” não define apenas essa outra vida que encontraremos no céu, quando terminarmos o nosso caminho na terra. Ela refere-se também à qualidade da nossa vida aqui e agora, à excelência da vida que construímos cada dia neste caminho marcado pela finitude e pela debilidade da nossa condição humana. Uma vida vivida ao estilo de Jesus oferece-nos, já aqui na terra, a possibilidade de nos libertarmos da escravidão das coisas, de vivermos o nosso dia a dia com o coração repleto de alegria e de paz; uma vida marcada pela solidariedade, pela partilha, pelo serviço aos irmãos oferece-nos, já aqui na terra, a possibilidade de nos sentirmos plenamente realizados, “cúmplices” de Deus na criação de um mundo novo… Assim talvez faça mais sentido abraçarmos sem hesitações a proposta de Jesus: ela dirige-se já ao nosso “hoje” e garante-nos, desde já, uma vida com sentido, uma vida que vale a pena viver. Temos consciência disto?
- Jesus avisa aos discípulos que o “caminho do Reino” é um caminho contra a corrente, que gerará inevitavelmente o ódio do mundo e que se traduzirá em perseguições e incompreensões. É uma realidade que conhecemos bem… Quantas vezes as nossas opções cristãs são criticadas, incompreendidas, apresentadas como realidades incompreensíveis e ultrapassadas por aqueles que representam a ideologia dominante, que fazem a opinião pública, que definem o socialmente correto… Quem optou pelo seguimento de Jesus sabe, no entanto, que a perseguição e a incompreensão são realidades inevitáveis, que não podem desviar-nos do Reino de Deus e da sua justiça. Mantemo-nos fiéis ao caminho de Jesus, sem medo dos rótulos que nos colocam, das críticas que nos fazem, das perseguições que nos movem? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é um texto de estilo poético, pelo que a sua proclamação deve respeitar este estilo literário para uma melhor transmissão da mensagem.
A brevidade da segunda leitura e a aparente facilidade na proclamação do texto não devem permitir descurar a sua preparação. As frases com diversas orações exigem especial cuidado nas pausas e respirações.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
ANEXOS:
- Leitura I (Sab 7, 7-11) e Leitura II ( Heb 4, 12-13) do Domingo XXVIII do Tempo Comum – Ano B – 13.10.2024
- Domingo XXVIII do Tempo Comum – Ano B – 13.10.2024 – Lecionário
- Domingo XXVIII do Tempo Comum – Ano B – 13.10.2024 – Oração Universal
- Domingo XXVIII do Tempo Comum – Ano B – 13.10.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXVII do Tempo Comum – Ano B – 06.10.2024
Viver a Palavra
Um grupo de fariseus aproxima-se de Jesus e dirigem-se a Ele com a intenção de O colocar à prova. No Evangelho são muitos os que se abeiram de Jesus e são tão variadas as motivações que os colocam a caminho. Dois mil anos depois, também nós integramos a multidão imensa de homens e mulheres que percorrem os trilhos da história e sentem a necessidade de se encaminharem para Jesus. Mas quais são as motivações que invadem o nosso coração? Não basta ir ao encontro de Jesus para O encontrar! É necessário criar a docilidade e a disponibilidade para fazer do encontro com Ele um lugar decisivo de transformação e de conversão. O Evangelho do Amor e da Alegria é uma proposta que reclama uma adesão livre para inscrever a nossa vida no horizonte de liberdade e de graça que o Ressuscitado na força do Espírito nos oferece.
Os fariseus trazem a Jesus uma questão muito concreta e para a qual conheciam bem a resposta. Qualquer fariseu, conhecedor da Lei de Moisés, sabia que era lícito «um homem repudiar a sua mulher», passando-lhe um certificado de divórcio. Contudo, esta permissão, segundo Jesus, é apenas sinal da dureza de coração e insere-se na longa e paciente pedagogia de Deus. A doença que Jesus mais teme é esta dureza de coração e, por isso, afirma algo de absolutamente desconcertante: nem toda a lei é divina, nem sempre é um reflexo da vontade de Deus e, por vezes, é mesmo o reflexo da dureza do nosso coração e da intransigência dos nossos esquemas e preconceitos.
O ponto de partida da reflexão cristã não é uma moral ou uma doutrina, mas o encontro único, íntimo e decisivo com Jesus Cristo. A iniciativa é sempre de Deus e do Seu amor superabundante. A fé não nasce do «pode ou não pode», do «lícito ou ilícito», mas do amor misericordioso de Deus que nos faz redescobrir a nossa verdadeira identidade e missão. Aqui não reside nenhum laxismo ou relativismo, mas a certeza de que o ponto de partida é a iniciativa amorosa de Deus que reclama a nossa adesão livre e este encontro transformador rasga horizontes novos que nos impelem a percorrer com ousadia e coragem a estrada inaudita da conversão.
Jesus recorda que a nossa vida se inscreve no sonho primordial e original de Deus que nos criou à Sua imagem e semelhança na complementaridade e alteridade que cria harmonia e gera comunhão. Por isso, o problema não é a licitude ou ilicitude do repúdio, mas o convite a manter vivo o sonho primordial e original. Jesus reafirma o projeto do Criador e recorda a missão de cuidar do mundo fazendo dele um lugar de unidade.
Jesus vai ainda mais longe e declara a igualdade entre homem e mulher no compromisso de uma construção conjunta na busca da realização e felicidade, na fidelidade ao projeto criador: «quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério». O caminho é exigente, mas é possível. É uma proposta de realização e felicidade que não consente exclusão ou discriminação, mas reclama acolhimento e integração.
Acolhendo as crianças que os discípulos teimavam em afastar, Jesus recorda que o acolhimento é marca fundamental daqueles que O querem seguir. A Igreja do século XXI, a Igreja sinodal da escuta e da comunhão, só poderá realizar a sua missão como mãe acolhedora que, antes de qualquer distinção ou imposição, abre os braços da sua misericórdia e recorda que com um coração de criança acolhemos o Reino novo que Jesus veio inaugurar porque somos capazes de abrir o coração à vida nova que Deus faz despontar diante de nós. in Voz Portucalense.
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A Liturgia da Palavra convida a refletir sobre o matrimónio e a família como projeto do Criador elevado por Jesus à dignidade de sacramento. Neste contexto poderá ser importante apresentar a beleza e a alegria do amor que se vive nas famílias e a tarefa exigente de viver a vocação matrimonial como serviço à Igreja e ao mundo. Tendo em conta as situações de fragilidade da vida matrimonial e familiar, será importante uma palavra de acolhimento à luz das indicações oferecidas pela Amoris Laetitia que convidam a acompanhar, discernir e acompanhar as situações de fragilidade. in Voz Portucalense
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Génesis 2,18-24
Disse o Senhor Deus:
«Não é bom que o homem esteja só:
vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele».
Então o Senhor Deus, depois de ter formado da terra
todos os animais do campo e todas as aves do céu,
conduziu-os até junto do homem,
para ver como ele os chamaria,
a fim de que todos os seres vivos fossem conhecidos
pelo nome que o homem lhes desse.
O homem chamou pelos seus nomes
todos os animais domésticos, todas as aves do céu
e todos os animais do campo.
Mas não encontrou uma auxiliar semelhante a ele.
Então o Senhor Deus fez descer sobre o homem
um sono profundo
e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela,
fazendo crescer a carne em seu lugar.
Da costela do homem o Senhor Deus formou a mulher
e apresentou-a ao homem.
Ao vê-la, o homem exclamou:
«Esta é realmente osso dos meus ossos e a minha carne.
Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem».
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne.
CONTEXTO
O texto de Gn 2,4b-3,24 – conhecido como relato “javista” da criação – é um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante, pitoresco, cheio de vida e parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes. Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem realista de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Javé. Trata-se, portanto, de uma página de catequese e não de um tratado destinado a explicar cientificamente as origens do mundo e da vida.
Para apresentar essa catequese aos homens do séc. X a.C., os teólogos javistas utilizaram elementos simbólicos e literários das cosmogonias mesopotâmicas (por exemplo, a formação do homem “do pó da terra” é um elemento que aparece sempre nos mitos de origem mesopotâmicos); no entanto, transformaram e adaptaram os símbolos retirados das narrações lendárias de outros povos, dando-lhes um novo enquadramento, uma nova interpretação e pondo-os ao serviço da catequese e da fé de Israel. Por outras palavras: a linguagem e a apresentação literária das narrações bíblicas da criação apresentam paralelos significativos com os mitos de origem dos povos da zona do Crescente Fértil; mas as conclusões teológicas – sobretudo o ensinamento sobre Deus e sobre o lugar que o homem ocupa no projeto de Deus – são significativamente diferentes: mais maduras, mais ponderadas, mais profundas, mais consistentes.
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura situa-nos no “jardim do Éden”, um espaço ideal onde, segundo o autor javista, Deus colocou o homem que tinha criado. De acordo com o relato, esse “jardim do Éden” é um lugar de água abundante e com muitas árvores (para quem sentia pesar sobre si a ameaça do deserto árido, a ideia de felicidade seria um lugar com muita água, um clima de frescura, um ambiente de árvores e de verdura abundante). O homem tinha, então, tudo para ser feliz? Ainda não. Na perspetiva do catequista javista, o homem não estava plenamente realizado, pois faltava-lhe alguém com quem compartilhar a vida e a felicidade. O homem não foi criado para viver sozinho, mas para viver em relação. É esse problema que Deus, com solicitude e amor, vai resolver. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- “Não é bom que o homem esteja só”. Estas palavras, postas pelo autor javista na boca de Deus, sugerem que a realização plena do homem acontece na relação e não na solidão. O ser humano que vive fechado em si próprio, que escolhe percorrer caminhos de egoísmo e de autossuficiência, que recusa o diálogo e a comunhão com aqueles que caminham a seu lado, que tem o coração fechado ao amor e à partilha, é alguém profundamente infeliz, que nunca conhecerá a felicidade plena. Por vezes a preocupação com o dinheiro, com a realização profissional, com o estatuto social, com a busca do êxito, com a procura de uma liberdade sem compromisso, levam os homens a prescindir do amor, a secundarizar a família, a não ter tempo para os amigos… E um dia, depois de terem acumulado muito dinheiro ou de terem colocado o mundo a seus pés, constatam que estão sozinhos e que a sua vida é estéril e vazia. A Palavra de Deus que nos é hoje proposta deixa um aviso claro: a vocação do homem é o amor; a solidão egoísta, mesmo quando compensada pela abundância de bens materiais, não ajuda a que o homem se sinta plenamente realizado. Estamos conscientes disso? As nossas opções fundamentais privilegiam caminhos de egoísmo e autossuficiência, ou caminhos de amor e de comunhão?
- Por vezes certas filosofias, tingidas de um verniz pretensamente religioso, desvalorizam o amor humano, consideram o casamento como um estado menos perfeito de realização da vocação cristã e veem na sexualidade algo de indecoroso ou até mesmo pecaminoso. Não é esta, de todo, a perspetiva que a Palavra de Deus nos apresenta… Na bela catequese que a primeira leitura deste vigésimo sétimo domingo comum nos apresenta, o amor aparece como algo que está, desde sempre, inscrito no projeto de Deus e que é querido por Deus. Deus criou o homem e a mulher para se ajudarem mutuamente e para partilharem, no amor, as suas vidas. Estamos conscientes de que o amor vem de Deus e está inscrito no plano que Deus tem para cada um de nós? Que responsabilidades é que isso nos traz?
- O plano de Deus para o homem e para a mulher concretiza-se quando os dois, ligados pelo amor que sentem um pelo outro, se comprometem diante de Deus, da sociedade e da comunidade cristã, a partilhar a vida e o amor, na entrega total um ao outro, na comunhão total de vidas. Esta comunidade de amor, plenamente assumida e sinceramente vivida, sinaliza e testemunha no mundo a ternura, o carinho, a misericórdia que Deus sente pelos seus queridos filhos e filhas. Como é que vamos construindo, todos os dias, a comunidade de amor a que nos chama a vocação matrimonial? No respeito, na ajuda mútua, no dom de nós próprios àqueles que amamos, no amor fiel e dedicado, no apoio firme à pessoa com quem nos comprometemos a partilhar a vida e o amor? E o nosso compromisso com a pessoa que elegemos para viver a aventura do amor e da partilha de vida é total e sem reservas – na saúde e na doença, nos momentos de alegria e nos momentos de tristeza, na juventude e na velhice, por toda a vida?
- Homem e mulher aparecem, no relato javista da criação, como seres dotados de igual dignidade. São “da mesma carne”, em igualdade de ser. Ora isto exclui, naturalmente, qualquer preponderância ou superioridade de um em relação ao outro. Assim, qualquer relação que implique dominação, discriminação, escravidão, prepotência, uso egoísta do outro, atenta gravemente contra o projeto de Deus. Como tratamos as pessoas que amamos? Respeitando absolutamente a sua dignidade, ou tratando-as com sobranceria, com prepotência, com arrogância, com pouca consideração? Como vemos o papel da mulher na família e na sociedade, à luz do projeto de Deus enunciado na catequese do livro do Génesis que hoje nos foi proposta? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)
Refrão: O Senhor nos abençoe em toda a nossa vida.
Feliz de ti que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.
Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.
Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião o Senhor te abençoe:
vejas a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida;
e possas ver os filhos dos teus filhos. Paz a Israel.
LEITURA II – Hebreus 2,9-11
Irmãos:
Jesus, que, por um pouco, foi inferior aos Anjos,
vemo-l’O agora coroado de glória e de honra
por causa da morte que sofreu,
pois era necessário que, pela graça de Deus,
experimentasse a morte em proveito de todos.
Convinha, na verdade, que Deus,
origem e fim de todas as coisas,
querendo conduzir muitos filhos para a sua glória,
levasse à glória perfeita, pelo sofrimento,
o Autor da salvação.
Pois Aquele que santifica e os que são santificados
procedam todos de um só.
Por isso não Se envergonha de lhes chamar irmãos.
CONTEXTO
O escrito a que chamamos “Carta aos Hebreus” parece ser, mais do que uma carta, um sermão ou discurso destinado a ser proclamado oralmente. Não sabemos quem foi o seu autor. A tradição das Igrejas do oriente atribui-o a Paulo; mas as Igrejas do ocidente há muito que descartaram a autoria paulina deste documento: a forma literária, a linguagem, o estilo, a maneira de citar o Antigo Testamento e mesmo a doutrina exposta estão bastante longe de qualquer outro escrito paulino. Pensa-se que teria sido elaborado por um cristão anónimo – talvez um discípulo de Paulo – que, no entanto, conhecia muito bem o Antigo Testamento.
A tradição antiga põe os “hebreus” como destinatários deste escrito; porém, não há qualquer indicação, ao longo do escrito, de que o texto se destinasse especificamente a cristãos oriundos do mundo judaico. É verdade que refere constantemente o Antigo Testamento; mas o Antigo Testamento já era, por essa altura, património comum de todos os cristãos, seja os de origem judaica, seja os de origem pagã. Tratava-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que viviam num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades perderam já o fervor inicial pelo Evangelho, deixaram-se contaminar pelo desânimo e começam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objetivo do autor deste “discurso” é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé. Teria sido elaborado nos anos que antecederam a destruição da cidade de Jerusalém (que ocorreu no ano 70), uma vez que o autor se refere à liturgia do Templo como uma realidade ainda atual. É provável, portanto, que tenha aparecido por volta do ano 67, muito perto da altura em que Paulo e Pedro foram martirizados em Roma.
A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para refletir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
O texto que nos é proposto como primeira leitura neste vigésimo sétimo domingo comum está incluído na primeira parte da Carta (cf. Heb 1,5-2,18). Aí, o autor recolhe e repete aquilo que a catequese primitiva afirmava sobre o mistério de Cristo: Ele incarnou e fez-se irmão dos homens, experimentou mesmo o sofrimento e a morte, mas foi ressuscitado e glorificado por Deus. Apesar dessa experiência de “abaixamento” que fez, Ele é superior a todas as criaturas, nomeadamente em relação aos anjos. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A história da salvação – essa história que a liturgia nos recorda e nos convida a celebrar em cada domingo – é uma história espantosa. É a história de um Deus que olha para nós com amor infinito e que, por amor, nos enviou o seu Filho Jesus. Para esse Deus com o coração de Pai e de mãe, a nossa salvação, a nossa felicidade plena é muito mais importante do que a incompreensão dos homens, do que a recusa teimosa dos homens, até mesmo do que o horrível sofrimento que a cruz comporta. A paciência que Deus tem demonstrado connosco só tem sido ultrapassada pela grandeza do seu amor. Como é que vemos isto? Sentimo-nos realmente tocados e desafiados pela grandeza do amor de Deus? A consciência do amor que Deus nos tem tem-se traduzido, da nossa parte, em reconhecimento, gratidão e louvor?
- Desde o início do seu caminho histórico os homens e as mulheres negligenciaram as propostas de Deus e preferiram trilhar caminhos de egoísmo e de autossuficiência. Sabemos onde é que isso nos tem conduzido: a guerras, violências, injustiças, ambição, corrupção, que deixam no nosso mundo um longo rasto de sofrimento e de morte. Por vezes até nos atrevemos, na nossa insensatez e arrogância, a questionar Deus e a perguntar-lhe porquê todo esse sofrimento, como se Ele fosse o culpado das nossas escolhas erradas… Estamos conscientes de que uma fatia muito significativa dos males que nos ferem resultam das nossas opções egoístas? O que necessitaríamos de mudar, na nossa forma de viver, para construirmos um mundo mais pacífico, mais justo e mais humano?
- Cristo vestiu a nossa humanidade, veio ao nosso encontro, experimentou a nossa fragilidade, acompanhou-nos nos caminhos da vida, falou-nos na nossa linguagem humana, mostrou-nos em gestos como é que devemos viver para correspondermos ao projeto de Deus para o homem e para encontrarmos Vida verdadeira. Tornou-se um “guia” próximo, interessado, digno de crédito, com quem nos identificamos, que temos vontade de escutar e de seguir, mesmo quando Ele nos aponta caminho difíceis de cruz e de dom da vida. Jesus é a nossa referência? Procuramos segui-l’O sem hesitações, mesmo quando Ele nos propõe caminhos contra a corrente? Confiamos n’Ele incondicionalmente? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 10,2-16
Naquele tempo,
Aproximaram-se de Jesus uns fariseus para O porem à prova
e perguntaram-Lhe:
«Pode um homem repudiar a sua mulher?»
Jesus disse-lhes:
«Que vos ordenou Moisés?»
Eles responderam:
«Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio,
para se repudiar a mulher».
Jesus disse-lhes:
«Foi por causa da dureza do vosso coração
que ele vos deixou essa lei.
Mas, no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher.
Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne’.
Deste modo, já não são dois, mas uma só carne.
Portanto, não separe o homem o que Deus uniu».
Em casa, os discípulos interrogaram-n’O de novo
sobre este assunto.
Jesus disse-lhes então:
«Quem repudiar a sua mulher e casar com outra,
comete adultério contra a primeira.
E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro,
comete adultério».
Apresentaram a Jesus umas crianças
para que Ele lhes tocasse,
mas os discípulos afastavam-nas.
Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes:
«Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis:
dos que são como elas é o reino de Deus.
Em verdade vos digo:
Quem não acolher o reino de Deus como uma criança,
não entrará nele».
E, abraçando-as, começou a abençoá-las,
impondo a mão sobre elas.
CONTEXTO
Despedindo-se da Galileia, Jesus começa a caminhar para Jerusalém, ao encontro do seu destino final. Não seguiu pelo “caminho da montanha”, que passava pelo centro do país e atravessava a Samaria, mas sim pelo caminho que desce ao longo do rio Jordão e que era o caminho habitualmente tomado pelos peregrinos que vinham da Galileia para Jerusalém.
O episódio que o Evangelho deste domingo nos apresenta é colocado por Marcos “na região da Judeia, para além do Jordão” (vers. 1) – isto é, no território transjordânico da Pereia, governado por Herodes Antipas. Este Herodes Antipas, então tetrarca da Galileia e da Pereia, tinha pouco antes mandado executar João Batista, que criticara o tetrarca por este se ter divorciado da esposa legítima para viver maritalmente com Herodíade, sua cunhada (cf. Mc 6,17-29).
No caminho para Jerusalém, Jesus volta a encontrar as multidões e a dirigir-lhes os seus ensinamentos. Os discípulos caminham atrás de Jesus. Mas também aqui, como tinha acontecido na Galileia, voltam a aparecer os fariseus para confrontar Jesus. Desta vez – diz-nos Marcos – trazem-Lhe uma questão relativa ao divórcio: “pode um homem repudiar a sua mulher?”. Marcos esclarece que a razão da pergunta é pôr Jesus à prova.
A questão, formulada nestes exatos termos, não era especialmente controversa. A Lei de Israel permitia que o homem tomasse a iniciativa de despedir a sua mulher, pondo assim fim à relação (“quando um homem tomar uma mulher e a desposar, se depois ela deixar de lhe agradar, por ter descoberto nela algo de inconveniente, escrever-lhe-á um documento de divórcio, entregar-lho-á em mão e despedi-la-á de sua casa” – Dt 24,1). O que se discutia, no entanto, era sobre as razões que poderiam fundamentar a rejeição da mulher por parte do marido. Entre os judeus, duas grandes escolas teológicas divergiam profundamente na interpretação da Lei do divórcio. A escola de Shammai, mais rigorista, defendia que só uma razão muito grave (o adultério ou a má conduta da mulher) dava ao marido o direito de repudiar a sua esposa; mas a escola de Hillel, dominante na época de Jesus, ensinava que qualquer motivo, mesmo o mais fútil (porque a esposa cozinhava mal ou porque, por qualquer razão, tinha deixado de agradar ao marido), servia para o homem despedir a mulher. A mulher, por sua vez, muito dificilmente era autorizada a obter o divórcio em tribunal (somente no caso de o marido estar afetado pela lepra ou exercer um ofício repugnante).
Portanto, a lei judaica do divórcio era altamente discriminatória. O homem podia facilmente obter o divórcio e casar com outra mulher; mas a mulher praticamente não podia tomar a iniciativa de se divorciar do seu marido. Além disso, a mulher divorciada ficava frequentemente numa situação social intolerável: sem meios de subsistência, sem ninguém que a defendesse, se não fosse acolhida na casa do pai ou de um irmão, ficava condenada a pedir esmola ou a prostituir-se.
Os fariseus já tinham percebido que Jesus não alinhava na discriminação da mulher. Jesus defendia as mulheres, respeitava-as, tratava-as com dignidade… Aliás, contradizendo tudo o que era habitual, tinha até acolhido algumas mulheres entre os seus discípulos. Como é que Ele via a lei do divórcio, uma lei que agradava aos homens, mas que provocava tanto sofrimento entre as mulheres judaicas? in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Como é que Jesus entende o amor humano? Como é que Ele encara o amor que une um homem e uma mulher? A opinião de Jesus sobre o amor humano está profundamente vinculada com o projeto que o Deus criador tinha para o homem e para a mulher. Ora, Deus criou o homem e a mulher iguais em dignidade e quis que eles caminhassem de mãos dadas ao encontro da felicidade. Por isso, convidou-os a amarem-se, a partilharem a vida, a serem apoio um do outro, a completarem-se um ao outro, a viverem um para o outro; pediu-lhes que esse amor se expressasse em doação, em partilha de vida, em entrega um ao outro, em respeito um pelo outro, em fidelidade mútua; assegurou-lhes que o caminho do amor, vivido dessa forma, lhes traria uma felicidade sem fim. Na perspetiva do Deus criador, um amor vivido assim não é um amor “descartável” e com prazo de validade, mas é um amor que tem a marca da eternidade. Como avaliamos um projeto de amor que tem este horizonte? É possível um amor assim?
- Naturalmente, no projeto de Deus para o homem e para a mulher não cabe o egocentrismo, a arrogância, a prepotência, a submissão que escraviza, o domínio de um sobre o outro, o desrespeito pela dignidade do outro, o tratamento do outro como simples objeto descartável, o aviltamento do outro, a tentativa de controlar a liberdade do outro, o pensamento do outro, os valores do outro. Como é que nos relacionamos com a pessoa com quem um dia nos comprometemos, diante de Deus, da Igreja e da sociedade, a partilhar um projeto de amor? A relação que mantemos com a pessoa que amamos é comandada pelo nosso egoísmo ou pelo respeito que o outro nos merece?
- As telenovelas fúteis, os influenciadores que ditam os valores da moda, os lobbies ao serviço de interesses diversos, têm procurado convencer-nos de que o fracasso do amor é uma realidade normal, banal, que pode acontecer a qualquer instante. Para os casais cristãos – os casais que se disponibilizaram para seguir Jesus e para viver na dinâmica do Reino de Deus – o fracasso do amor não é uma normalidade, mas uma situação extrema, uma realidade excecional. Para os casais cristãos, o divórcio não deve ser um remédio simples e sempre à mão para resolver as pequenas dificuldades que a vida todos os dias apresenta. Marido e esposa têm que esforçar-se por realizar a sua vocação de amor, apesar das dificuldades, das crises, das divergências e dos problemas que, dia a dia, a vida lhes vai colocando. Como é que vemos tudo isto? Como nos posicionamos em relação a tudo isto?
- Apesar de tudo, a vida dos homens e das mulheres é marcada pela debilidade própria da condição humana. Nem sempre as pessoas, apesar do seu esforço e da sua boa vontade, conseguem ser fiéis aos ideais que Deus propõe. A vida de todos nós está cheia de fracassos, de infidelidades, de falhas; mas Deus não desiste, apesar disso, de nos tratar como filhos muito queridos. Chamada a ser sinal e testemunha da misericórdia de Deus no mundo, a comunidade cristã deve usar de compreensão para com aqueles que falharam (muitas vezes sem culpa) na vivência do seu projeto de amor. Em nenhuma circunstância as pessoas divorciadas devem ser marginalizadas ou afastadas da vida da comunidade cristã. A comunidade deve, em todos os instantes, acolher, integrar, compreender, ajudar aqueles a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o tal projeto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” que Deus propõe; trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com aqueles que, por diversas razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da comunidade, se comprometeram a viver. Como é que a nossa comunidade cristã acolhe aqueles que viram falhar o seu projeto de amor?
- Os discípulos de Jesus, conscientes do seu papel e da sua importância, julgaram-se no direito de limitar o acesso de determinadas pessoas a Jesus. Para eles, a comunidade do Reino era um clube de gente importante, onde os pequeninos não tinham lugar… Mas Jesus troca-lhes as voltas: ao acolher com amor e ternura as crianças que lhe trouxeram, Jesus está a dizer aos discípulos que no centro da sua comunidade devem estar sempre os mais pequenos, os mais frágeis, os mais débeis, aqueles que são desprezados e ignorados pela gente importante do mundo. Esses, segundo Jesus, são os preferidos de Deus, aqueles que têm um lugar especial no coração de Deus. Como é que são acolhidas e tratadas entre nós as pessoas mais humildes, as mais frágeis, as mais pobres, as que a sociedade ignora, rejeita ou até mesmo condena? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura deve haver especial atenção nas duas frases em discurso direto e na proclamação dos verbos que as introduzem. O leitor deve estar atento à respiração e às pausas nas frases e orações curtas, para uma leitura articulada e fluente do texto.
Na segunda leitura, as frases longas com diferentes orações exigem não só o respeito pela pontuação, como uma preparação acurada das pausas e respirações de acordo com o conteúdo e mensagem do texto.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
A DOENÇA DO CORAÇÃO DE PEDRA (sklêrokardía)
Além dos quatro episódios que decorrem fora das fronteiras de Israel (três na Decápole, a oriente do Mar da Galileia, e um na região de Tiro, a noroeste de Israel) (ver Domingo XXIII), a ação de Jesus decorre quase toda na Galileia (Marcos 1-9) e em Jerusalém (Marcos 11-16), tendo pelo meio a viagem da Galileia para Jerusalém (Marcos 10): em Marcos 10,1, Jesus sai de Cafarnaum, onde esteve em Marcos 9,33-50; em Marcos 10,46, chega a Jericó; em Marcos 11,1, está nas imediações de Jerusalém. Serve este levantamento topográfico para situar o episódio do Evangelho deste Domingo XXVII (Marcos 10,2-16) após a saída de Cafarnaum, a caminho da Judeia e de Jerusalém, viagem feita, não pela Samaria, mas descendo pela margem oriental do Jordão, talvez na Pereia, onde a comunidade judaica era considerável (Marcos 10,1a). O narrador ainda nos informa que as multidões (óchloi), única vez no plural em Marcos, vieram ter com Ele, que, como de costume (hôs eiôthei), expressão só aqui usada em Marcos, os ensinava (Marcos 10,1b).
É também aqui que os fariseus, mais uma vez «para pôr Jesus à prova» (peirázô) (cf. 8,11; 12,15), lhe perguntam «se é lícito (éxestin) ao homem repudiar (apolýô) a sua mulher» (Marcos 10,2). A pergunta é uma armadilha, por mais de uma razão. Primeiro, porque este modo de fazer era já usual entre os judeus. Se Jesus desse uma resposta negativa, corria o risco de provocar um alvoroço entre os homens que o ouviam. Segundo, porque podia acentuar o conflito com Herodes Antipas, que já tinha feito prender João Batista, por este ter protestado contra a sua relação irregular com Herodíades (Marcos 6,18). Terceiro, porque se desse uma resposta positiva, corria o risco de entrar numa discussão académica interminável e inútil, pois eram conhecidas interpretações diversas, entre o rigorismo e o laxismo. Por exemplo, a escola rigorista de Shammai era de opinião que a separação só devia ser permitida em caso de adultério, enquanto a escola liberal de Hillel achava que a separação era permitida por tudo e por nada.
Portanto, Jesus não se deixa apanhar na armadilha, e pergunta por sua vez aos fariseus: «O que é que vos ordenou (entéllomai) Moisés?» (Marcos 10,3). Eles tiveram de responder: «Moisés permitiu (epitrépô) escrever uma ata de divórcio e repudiar» (Marcos 10,4). Os fariseus estão a citar o Livro do Deuteronómio 24,1, e vê-se que interpretavam esta prescrição de Moisés como permissão do divórcio. De onde se deduzia que os homens (só os homens) têm o direito de repudiar as suas mulheres, direito a que as mulheres não tinham direito, pois não podiam separar-se dos seus maridos. Ouvida esta resposta, Jesus entra então na argumentação a sério, referindo que Moisés não permitiu o divórcio, mas apenas quis pôr ordem e humanidade numa situação que os homens tinham criado, e que gerava muitas complicações. Na verdade, a mulher repudiada, se o divórcio não fosse devidamente documentado, continuava ligada ao seu anterior marido, e não ficava livre para se voltar a casar; podia ser vista como uma mulher casada em fuga, e, caso se viesse a ligar a outro homem, podia ser acusada de adultério e ser condenada à morte por lapidação (cf. Deuteronómio 22,22).
Tirado isto a limpo, Jesus declara então que esta prescrição de Moisés não se destina a permitir o divórcio, mas a pôr os necessários limites à «dureza do coração» ou «esclerose do coração», a famosa sklêrokardía dos homens, a verdadeira responsável pelo divórcio (Marcos 10,5). Esclarecido então o alcance da prescrição de Moisés, meramente corretiva de uma situação que a «esclerose do coração» dos homens criou, e que, lendo bem o Livro do Deuteronómio 10,12-22, significa o fechamento do homem a Deus, à sua bondade, à sua grandeza e à sua vontade (ver a expressão em Deuteronómio 10,16 e Jeremias 4,4), Jesus passa logo a expor (Marcos 10,6-8) a vontade de Deus sobre o casal humano, como se pode ver lendo os relatos da criação: «Deus os fez homem e mulher» (Génesis 1,27); «o homem deixará o seu pai e a sua mãe e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne» (Génesis 2,24). E conclui: «Não separe o homem o que Deus uniu» (Marcos 10,9).
Depois, em casa (Marcos 10,10), lugar da intimidade, Jesus explica aos seus discípulos que tanto incorre em adultério o homem como a mulher que abandonam os respetivos cônjuges e casam com outros (Marcos 10,11-12). Com este dizer, alargado à mulher, Jesus estende o bisturi também à nossa sklêrokardía. De facto, aos fariseus Jesus apenas falou do homem que repudia a sua mulher e casa com outra, porque, em mundo judaico, não era permitido à mulher repudiar o marido, para casar com outro. Era, porém, permitido em mundo grego. E é sabido que os destinatários diretos do Evangelho de Marcos vivem no mundo greco-romano.
E Jesus mostra de novo aos seus discípulos que é necessário romper a crosta da nossa importância, que nos separa de Deus e dos pequeninos (Marcos 10,13-16). Também aqui se trata de sklêrokardía. Em boa verdade, envoltos na crosta da nossa importância, já não sabemos receber. E o reino de Deus não é para comprar ou conquistar, mas unicamente para receber. Daí a importância das crianças para Jesus. Não é a sua inocência e candura que aqui é salientada, mas o facto de serem dependentes e confiantes.
Aí está, então, o chão do Evangelho de hoje, a vontade de Deus expressa na Criação, a que Jesus faz referência (Génesis 2,18-24). A extraordinária narrativa abre com a constatação enfática por parte de Deus de um problema gravíssimo que pode acarretar a morte do homem. Este problema chama-se «solidão». Deus é levado a afirmar: «Não é, de facto, bom (lo’-tôb) que o HOMEM (ha’adam) esteja só (lebaddô)» (Génesis 2,18a). Note-se que este enfático «não-bom» colide com o «sete vezes bom» e o «SIM» que enchia Génesis 1,1-2,4a, ao todo 452 palavras em que não soa um único «não», e o «bom» se faz ouvir por sete vezes.
Tendo constatado o o grave perigo que ameaça o homem, Deus trata logo de remediar a situação, propondo-se «fazer (‘asah) um auxílio (‘ezer) a ele correspondente (kenegdô)» (Génesis 2,18b). Note-se outra vez o uso do masculino ‘ezer, e não do feminino ‘ezrah. Neste contexto, em que ‘ezer designará a mulher, mas não só, o uso do masculino é fruto com certeza de uma escolha premeditada, sendo, por isso, de lhe atribuir especial importância. Na verdade, a exegese moderna mostrou que o título «auxílio» (‘ezer), que aparece no Antigo Testamento por 21 vezes [= Génesis 2,18.20; Êxodo 18,4; Deuteronómio 33;7.26.29; Salmo 20,3; 33,20; 70,6; 89,20; 115,9.10.11; 121,1.2; 124,8; 146,5; Isaías 30,5; Ezequiel 12,14; Os 13,9; Daniel 11,34], é, na maioria dos casos, excetuadas as duas menções do Génesis, um título dado direta ou indiretamente a Deus, que é o verdadeiro «auxílio» do homem. Trata-se, em todos os casos, de um auxílio pessoal, e não instrumental, sendo mesmo um auxílio indispensável em situações de extremo perigo, não longe da fronteira que separa a vida e a morte. Qual é então o perigo que ameaça o homem em Gn 2,18? É certamente a solidão. E a verdadeira solidão chama-se coisificação. Sim, o homem pode perder-se no meio de objetos, coisificando também Deus e os outros. É Deus normalmente o auxílio do homem. A mulher surge na mente de Deus com o título grande de «auxílio» do varão, assim como o varão é o «auxílio» da mulher, e qualquer ser humano deve ser o «auxílio» de outro ser humano. Está assim desvendado o estranho uso, neste contexto, do masculino ‘ezer.
Por sua vez, a expressão kenegdô assenta na preposição neged [= ao lado de, diante de, contra], mas remete ainda para o hiphil higgîd [= narrar], e, portanto, para um sujeito de palavra, deixando entrever que o «auxílio» que Deus se propõe fazer seja alguém que saiba estar «ao lado de» alguém, não de forma tirânica e prepotente, mas apto para a doçura da palavra.
É então que, de um lado (tsela‘) do ser humano, Deus «constrói» (banah) a mulher (’ishshah) (Génesis 2,22). O texto diz tudo. Sendo um lado, fica logo dito que a mulher e o homem, juntos, são dois lados, que formam uma unidade, como os dois lados de uma porta ou de uma janela. Não se pode destruir um sem destruir também o outro. Por outro lado, ao usar o verbo «construir» (banah) para a mulher, fica já igualmente dito, por assonância, o mundo da mulher: «filhos» (banîm), «casa» (bêt). Quanto a ’ishshah, é simplesmente o feminino de ’îsh.
Ainda que não tenhamos reparado nisso, tivemos de esperar até agora, para ouvirmos pela primeira vez a voz humana a ecoar no cenário da criação. E é significativo que tal suceda para o homem expressar o seu alvoroço de noivo, saudando extasiado a mulher-noiva com a expressão familiar «osso dos meus ossos e carne da minha carne» (Génesis 2,23), primeiro canto de amor e ao amor que se encontra nas páginas da Bíblia. O relato da aparição da mulher não deve fazer esquecer que é relatada, em estreito paralelismo, a aparição da linguagem.
E porque são o auxílio um do outro, o lado um do outro, identificando-se um pelo outro (veja-se o jogo de ’îsh e ’ishshah), «o homem (’îsh) deixará o seu pai e a sua mãe, e se unirá amorosamente à sua mulher (’ishshah), e serão [os dois] uma só carne» (Génesis 2,24). Convenhamos que a expressão é insólita! No sistema patriarcal, é a mulher, e não o homem, que deixa a sua família para se unir ao seu marido. Mas o insólito serve aqui talvez para realçar a grande força do amor, e para mostrar que é só outro amor, e só ele, que pode separar do primeiro amor, o amor dos pais. De resto, o texto não pretende, com certeza, fazer qualquer referência a um sentido matriarcal, mas quer sobretudo acentuar que são os dois a deixar um amor anterior, porque encontraram um amor mais forte. «Forte como a morte o amor»! (Cântico dos Cânticos 8,6). Inegociável o amor. Não separe o homem o que Deus uniu.
Mas há, porventura, outra temática que se insinua em filigrana nesta expressão: a temática do único eleito, abençoado e portador de bênção para todos os povos, peregrino da liberdade, chamado a deixar-se transformar em «outro homem». De facto, o relato de Abraão abre com a interpelação do Senhor para uma viagem transitiva e intransitiva (lek-leka), para deixar a sua terra e a sua parentela e ir… (Génesis 12,1-3). É paradigmático que Abraão deixe a casa paterna. É nessa estrada que é colocado Adam, o pai da humanidade, e a inteira humanidade consigo. Mas também os primeiros reis pisam essa estrada. É assim que Saul vai da casa do seu pai à procura das jumentas perdidas (1 Samuel 9,3), e acaba por ser ungido rei (1 Samuel 10,1), sendo transformado em um «homem outro» (’îsh ’aher) (1 Samuel 10,6), com um «coração outro» (leb ’aher) (1 Samuel 10,9). E também David anda fora de casa, quando Samuel o procura para o ungir como rei (1 Samuel 16,11-13). E também a amada do Cântico dos Cânticos, símbolo de Israel e da inteira humanidade amada e desposada por Deus, é mandada entrar na estrada de Abraão, mediante aquele «Vai para ti» (lekî-lak) (Cântico dos Cânticos 2,10). Em jogo está a verdadeira vocação-missão de alteridade, sendo que a alteridade bem compreendida implica outra maneira de compreender, outro coração, portanto. Esta é certamente a grande temática já instalada no texto fundacional de Génesis 2,24. A não ser assim, nem o texto faz sentido, pois não se vê bem como é que este primeiro homem, modelado da terra, possa deixar o seu pai e a sua mãe!
Sim, as 45 palavras hebraicas do salmo 128 enchem-nos de paz, luz, serenidade. Respira-se também a fragrância da videira e a juventude da oliveira. Mas a família cantada neste Salmo não está fechada sobre si mesma, mas aberta à comunidade por Deus abençoada. Portanto, do perímetro da casa e da mesa em que vivem e se sentam pais e filhos, avista-se e sente-se a paz da Cidade Santa, Jerusalém. Não é de admirar que a tradição judaica tenha sabido extrair deste Salmo as «sete bênçãos para as núpcias». Saboreemos o perfume deste extrato: «Bendito, ó Senhor, que concedeste ao esposo e à esposa júbilo, canto, gozo, alegria, amor, paz, fraternidade e amizade. Possam depressa e para sempre, ó Senhor, ressoar gritos de gozo em Jerusalém, cidade santa. Possa levantar-se, cheia, a voz jubilosa do esposo e da esposa e os coros gozosos de quem os acompanha na sua alegria. Bendito és tu, Senhor, que alegras o esposo com a sua esposa!».
E assim também com aquele que incarnou no nosso mundo, que deu a sua vida por nós, e sacerdotalmente nos santifica, e não se envergonha de nos chamar seus irmãos. É assim a homilia da Carta aos Hebreus que hoje iniciamos (2,9-11).
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXVII do Tempo Comum – Ano B – 06.10.2024 (Gn 2, 18-24)
- Leitura II do Domingo XXVII do Tempo Comum – Ano B- 06.10.2024 (Heb 2, 9-11)
- Domingo XXVII do Tempo Comum – Ano B – 06.10.2024- Lecionário
- Domingo XXVII do Tempo Comum – Ano B – 06.10.2024- Oração Universal
- Domingo XXVII do Tempo Comum – Ano B – 06.10.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXVI do Tempo Comum – Ano B – 29.09.2024
Viver a Palavra
Acolhimento, testemunho coerente e conversão são os grandes desafios que emergem da Liturgia da Palavra deste XXVI Domingo do Tempo Comum.
Jesus continua a caminhar com os discípulos, conduzindo-os pela estrada nova do amor, fazendo-os experimentar a surpreendente lógica do Reino. Contudo, os discípulos sentem ainda a dificuldade de se deixar moldar pela Boa Nova que implica um acolhimento sem obstáculos nem barreiras, um testemunho coerente e credível que os introduz num caminho de conversão permanente.
«Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco». Aquele homem expulsava demónios, restituía gente à vida e fazia-o em nome de Jesus, mas os discípulos impedem-no porque não pertencia ao grupo deles. Preocupa-os mais a defesa do grupo, que o bem que aquele homem fazia. E bem sabemos como é tão humana esta tentação, pois já na primeira leitura, Josué, vendo Eldad e Medad a profetizar, pede a Moisés que os proíba. Por isso, Jesus adverte aos discípulos: «não o proibais; porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim. Quem não é contra nós é por nós». Diante da tentação de proibir, afastar ou condenar, Jesus convida ao acolhimento que não desiste de ninguém, que é capaz de olhar para cada fenda aberta onde o amor pode ser semeado. Ficamos perplexos com este aparente frágil, fácil e ligeiro critério de ingresso no amor: «quem não é contra nós é por nós». Mas que libertador é o Mestre que tem sempre um caminho estendido para quem O procura! A proibição e o impedimento servem apenas para afastar e excluir. O acolhimento é único caminho que pode gerar vida, conversão e arrependimento.
Diante de um mundo a transformar pela força do amor, são precisos seguidores de Jesus, com testemunho coerente e credível, pois como preveniu Jesus: «se alguém escandalizar algum destes pequeninos que creem em Mim, melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o lançassem ao mar». Deste modo, porque somos frágeis e pecadores, a coerência será sempre um grande desafio que nos impele a abraçar a conversão como tarefa permanente da nossa vida cristã.
Apesar de exigente, a conversão e a renovação da vida, deve começar pelos pequenos gestos do quotidiano. Como é consolador ver como Jesus simplifica a vida: «quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa». Um copo de água, um sorriso, um abraço, uma visita a um doente, uma conversa com alguém que está sozinho: gestos pequenos e aparentemente banais, mas que semeiam no tempo e na história o amor e fazem despontar a esperança de um mundo mais fraterno e feliz.
Contudo, a mensagem final do Evangelho parece tão dura e exigente: se a tua mão, se o teu pé ou o teu olho são ocasião de escândalo corta-os. De facto, é necessária coragem para a renúncia daquilo que pode ser obstáculo à entrada do Reino, pois a entrada não acontece a partir daquilo que possuímos ou amealhamos, como nos recorda S. Tiago na segunda leitura, mas por aquilo que somos capazes de oferecer, deixar e renunciar. A solução não está numa mão cortada, mas numa mão convertida que oferece um copo de água.
Por isso, acolhimento, testemunho e conversão semeiam a esperança do mundo novo que Jesus veio anunciar e inauguram no aqui e agora do tempo, o Reino que há-de ser em plenitude no Céu. in Voz Portucalense.
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No dia 29 de setembro, assinala-se o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. O Papa Francisco escreveu uma mensagem para este dia intitulada: «Deus caminha com o seu povo». Nesta mensagem, (que fica em anexo) o Santo Padre, na senda do caminho sinodal que estamos a viver, afirma «é possível ver nos migrantes do nosso tempo, como aliás nos de todas as épocas, uma imagem viva do povo de Deus em caminho rumo à Pátria eterna» e desafia a sabermos ser Igreja a caminho no acolhimento e ajuda de tantos irmãos e irmãs migrantes e refugiados. No final desta mensagem, é proposta uma oração que pode ser rezada por todos na celebração da Eucaristia.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Números 11,25-29
Leitura do Livro dos Números
Naqueles dias,
o Senhor desceu na nuvem e falou com Moisés.
Tirou uma parte do Espírito que estava nele
e fê-lo poisar sobre setenta anciãos do povo.
Logo que o Espírito poisou sobre eles,
começaram a profetizar;
mas não continuaram a fazê-lo.
Tinham ficado no acampamento dois homens:
um deles chamava-se Eldad e o outro Medad.
O Espírito poisou também sobre eles,
pois contavam-se entre os inscritos,
embora não tivessem comparecido na tenda;
e começaram a profetizar no acampamento.
Um jovem correu a dizê-lo a Moisés:
«Eldad e Medad estão a profetizar no acampamento».
Então Josué, filho de Nun,
que estava ao serviço de Moisés desde a juventude,
tomou a palavra e disse:
«Moisés, meu senhor, proíbe-os».
Moisés, porém, respondeu-lhe:
«Estás com ciúmes por causa de mim?
Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta
e que o Senhor infundisse o seu Espírito sobre eles!»
CONTEXTO:
O Livro dos Números (assim chamado na versão grega, pelo facto de o livro começar com uma lista de recenseamento onde são dados os números de membros de cada tribo do Povo de Deus) apresenta um conjunto de tradições – sem grande preocupação de coerência e de lógica – sobre a estadia no deserto dos hebreus libertados do Egipto. São tradições de origem diversa, que os teólogos das escolas jahwista, elohista e sacerdotal utilizaram com fins catequéticos.
No seu estado atual, o livro está dividido em três partes. A primeira narra os últimos dias da estadia do Povo de Deus no Sinai (cf. Nm 1,1-10,10); a segunda apresenta, em várias etapas, a caminhada do Povo pelo deserto, desde o Sinai à planície de Moab (cf. Nm 10,11-21,35); a terceira apresenta a comunidade dos filhos de Israel instalada na planície de Moab, preparando a sua entrada na Terra Prometida (cf. 11,1-36,13).
Mais do que uma crónica de viagem do Povo de Deus desde o Sinai, até às portas da Terra Prometida, o Livro dos Números é um livro de catequese. Pretende mostrar que a essência de Israel é ser um Povo reunido à volta de Jahwéh e da Aliança. Com algum idealismo, os autores do Livro dos Números vão descrevendo como, por acção de Jahwéh, esse grupo informe de nómadas libertado do Egipto foi ganhando progressivamente uma consciência nacional e religiosa, até chegar a formar a “assembleia santa de Deus”. Ao longo do percurso geográfico pelo deserto, Israel vai fazendo também uma caminhada espiritual, durante a qual se vai libertando da mentalidade de escravo, para adquirir uma cultura de liberdade e de maturidade. O autor mostra como, por ação de Deus (que está sempre presente no meio do Povo), Israel vai progressivamente amadurecendo, renovando-se, transformando-se, alargando os horizontes, tornando-se um Povo mais responsável, mais consciente, mais adulto e mais santo.
O episódio que hoje nos é proposto acontece pouco depois da partida do Sinai. Num lugar chamado Tabera (cf. Nm 11,3), o Povo revoltou-se por não ter comida em abundância e murmurou contra Jahwéh. Moisés, cansado e desiludido, queixou-se ao Senhor de não conseguir aguentar o fardo da condução deste Povo rebelde (cf. Nm 11,11-15); então, Jahwéh propôs a Moisés escolher setenta anciãos que, depois de ungidos pelo Espírito de Deus, ajudariam Moisés na tarefa de conduzir o Povo pelo deserto (cf. Nm 11,16-24). É precisamente neste ponto que começa o nosso texto.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES:
- A comunidade do Povo de Deus é a comunidade do Espírito. O Espírito não é privilégio dos membros da hierarquia; mas está bem vivo e bem presente em todos aqueles que abrem o coração aos dons de Deus e que aceitam comprometer-se com Jesus e com o seu projeto de vida. Mesmo o irmão mais humilde, mais pobre, menos considerado da nossa comunidade possui o Espírito de Deus.
- O episódio ensina também que o Espírito de Deus é livre e atua onde quer e como quer. Não está limitado por fronteiras, nem por regras, nem por interesses pessoais, nem por privilégios de grupo. Nenhuma Igreja tem o monopólio do Espírito, nenhuma instituição pode controlá-lo ou acorrentá-lo. Por vezes, somos testemunhas da ação do Espírito no mundo através de pessoas que não pertencem à nossa instituição religiosa… Não temos que sentir-nos melindrados ou ciumentos se Deus age no mundo através de pessoas que não pertencem à nossa Igreja; temos é de reconhecer a presença de Deus nos gestos de amor, de paz, de justiça, de solidariedade, de partilha que todos os dias testemunhamos (mesmo naqueles que se dizem ateus) e agradecer ao nosso Deus a sua presença, a sua ação, o seu amor pelos homens e pelo mundo.
- A certeza de que ninguém tem o exclusivo do Espírito obriga-nos a pôr de lado qualquer atitude de fanatismo, de intransigência ou de intolerância face às perspetivas diferentes com que somos confrontados. Os preconceitos, os esquemas egoístas, as condenações à priori, os julgamentos apressados, podem fazer-nos perder os desafios que o Espírito, pela voz dos irmãos, nos apresenta.
- Moisés, o líder do processo de libertação que trouxe os hebreus da terra da escravidão para a Terra da liberdade, foi capaz de reconhecer a sua debilidade e a sua incapacidade de “fazer tudo” e aceitou a ajuda da comunidade. Não teve ciúmes, nem inveja, nem medo de perder o controle do processo, nem dificuldade em aceitar a partilha das tarefas que o Senhor lhe confiou. Com o seu exemplo, ele ensina os responsáveis das nossas comunidades a aceitar a ajuda dos irmãos, a partilhar com outros o peso da responsabilidade de conduzir a comunidade do Povo de Deus. Por vezes, temos a convicção de que só nós somos capazes de fazer as coisas bem e evitamos aceitar a ajuda dos outros; por vezes, sentimos que a intervenção de outras pessoas é uma ameaça ao nosso poder e rejeitamos qualquer ajuda; por vezes, queremos controlar o caminho da comunidade, porque não estamos dispostos a renunciar aos nossos sonhos, aos nossos projetos pessoais… Já pensámos que, quando não aceitamos partilhar responsabilidades, estamos a impedir os outros de crescer? Já pensámos que, quando somos nós a conduzir todo o processo, sem nos deixarmos confrontar com perspetivas diferentes, podemos estar a calar os desafios do Espírito? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18 (19)
Refrão: Os preceitos do Senhor alegram o coração.
A lei do Senhor é perfeita,
ela reconforta a alma.
As ordens do Senhor são firmes,
dão sabedoria aos simples.
O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente;
Os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são rectos.
Embora o vosso servo se deixe guiar por eles
e os observe com cuidado,
quem pode, entretanto, reconhecer os seus erros?
Purificai-me dos que me são ocultos.
Preservai também do orgulho o vosso servo,
para que não tenha poder algum sobre mim:
então serei irrepreensível
e imune de culpa grave.
LEITURA II – Tg 5,1-6
Leitura da Epístola de São Tiago
Agora, vós, ó ricos, chorai e lamentai-vos,
por causa das desgraças que vão cair sobre vós.
As vossas riquezas estão apodrecidas
e as vossas vestes estão comidas pela traça.
O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se,
e a sua ferrugem vai dar testemunho contra vós
e devorar a vossa carne como fogo.
Acumulastes tesouros no fim dos tempos.
Privastes do salário os trabalhadores
que ceifaram as vossas terras.
O seu salário clama;
e os brados dos ceifeiros
chegaram aos ouvidos do Senhor do Universo.
Levastes na terra uma vida regalada e libertina,
cevastes os vossos corações para o dia da matança.
Condenastes e matastes o justo
e ele não vos resiste.
CONTEXTO
A Carta de Tiago termina com dois blocos de exortações onde o autor recorda aos seus interlocutores alguns dos aspetos que elencou anteriormente e que, na sua perspetiva, devem ser tidos em séria conta por parte de quem está interessado em viver a vida cristã autêntica. Para o autor, o acesso à vida plena depende das opções que o homem faz enquanto caminha nesta terra.
O primeiro bloco (cf. Tg 4,11-5,6) contém um elenco de atitudes negativas, que os crentes devem evitar a todo o custo: falar mal dos irmãos (cf. Tg 4,11-12), viver no orgulho e na autossuficiência face a Deus (cf. Tg 4,13-17), viver para os bens materiais e praticar injustiças contra os pobres (cf. Tg 5,1-6). O segundo bloco (cf. Tg 5,7-20) contém uma lista de atitudes positivas que os crentes devem assumir enquanto esperam a vinda do Senhor: paciência, perseverança e firmeza no falar (cf. Tg 5,7-12), oração (cf. Tg 5,1-18) e preocupação em reconduzir ao bom caminho o irmão que anda afastado (cf. Tg 5,19-20).
O texto que nos é proposto é um grito profético de denúncia dos ricos, do seu orgulho eautossuficiência, da sua obsessão pelos bens materiais. Este texto deve ser colocado no quadro geral de uma época de profundas desigualdades: ao lado de uma riqueza desmesurada e sem limites, vive e sofre a miséria mais aguda. A exploração do pobre e a violência contra os humildes eram, na época, fenómenos demasiado frequentes e que os cristãos conheciam bem. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES:
- O autor da Carta de Tiago critica os ricos, em primeiro lugar porque eles vivem apenas para acumular bens materiais, negligenciando os verdadeiros valores. Fazem do ouro e da prata os seus deuses e centram toda a sua existência em valores caducos e perecíveis. No final da sua existência vão perceber que gastaram a vida a correr atrás de algo que não dá felicidade nem conduz o homem à vida plena; a sua existência terá sido, então, um dramático equívoco. O “aviso” do autor da Carta de Tiago conserva uma espantosa atualidade… A acumulação de bens materiais tornou-se, para tantos homens do nosso tempo, o único objetivo da vida e o critério único para definir uma vida de sucesso. Contudo, aqueles que apostam tudo nos bens perecíveis facilmente constatam como essa opção não responde, em definitivo, à sua sede de felicidade e de vida plena. O ouro, a conta bancária, o carro de luxo, a casa de sonho, dão-nos satisfações imediatas e, talvez, um certo estatuto aos olhos do mundo; mas não saciam a nossa sede de vida eterna. Nós, os cristãos, somos chamados a testemunhar que a vida verdadeira brota dos valores eternos – esses valores que Deus nos propõe.
- O autor da Carta de Tiago critica os ricos, em segundo lugar, porque frequentemente a riqueza resulta da exploração e da injustiça. Acumular bens à custa da miséria e da exploração dos irmãos é, na perspetiva do autor do nosso texto, um crime abominável e que Deus não deixará impune. Não é cristão quem não paga o salário justo aos seus operários, mesmo que ofereça depois somas chorudas para a construção de uma igreja; não é cristão quem especula com os bens de primeira necessidade, mesmo que vá todos os domingos à missa e pertença a vários grupos paroquiais; não é cristão quem inventa esquemas para não pagar impostos, mesmo que seja muito amigo do padre da paróquia; não é cristão quem se aproveita da ignorância e da miséria para realizar negócios altamente rentáveis, mesmo que pense repartir com Deus os frutos das suas rapinas…
- Uma coisa deve ficar clara: Deus não apoia nunca quem vive fechado em si próprio, no açambarcamento egoísta desses bens que Deus nos concedeu para serem postos ao serviço de todos os homens; e qualquer crime cometido contra os pobres é um crime contra Deus, que afasta o homem da vida plena da comunhão com Deus. in Dehonianos.
EVANGELHO – Mc 9,38-43.45-47-48
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
João disse a Jesus:
«Mestre,
nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome
e procurámos impedir-lho, porque ele não anda connosco».
Jesus respondeu:
«Não o proibais;
porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome
e depois dizer mal de Mim.
Quem não é contra nós é por nós.
Quem vos der a beber um copo de água, por serdes de Cristo,
em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa.
Se alguém escandalizar algum destes pequeninos
que creem em Mim,
melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço
uma dessas mós movidas pró um jumento
e o lançassem ao mar.
Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a;
porque é melhor entrar mutilado na vida
do que ter as duas mãos e ir para a Geena,
para esse fogo que não se apaga.
E se o teu pé é para ti ocasião de escândalo, corta-o;
porque é melhor entrar coxo na vida
do que ter os dois pés e ser lançado na Geena.
E se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo,
deita-o fora;
porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos
do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena,
onde o verme não morre e o fogo não se apaga».
CONTEXTO
Estamos ainda em Cafarnaum (cf. Mc 9,33), a cidade de pescadores situada junto do Lago de Tiberíades. Jesus está “em casa” rodeado pelos discípulos. A ida para Jerusalém está próxima e os discípulos estão conscientes de que se aproximam tempos decisivos para esse projeto em que estão envolvidos.
Apesar da sua opção inequívoca por Jesus, os discípulos continuam a dar mostras de não terem ainda conseguido absorver os valores do Reino. Para eles, o seguimento de Jesus é uma opção que deverá traduzir-se na concretização de determinados sonhos de poder, de grandeza e de prestígio… Por isso, sentem-se inquietos e ciumentos quando encontram algo que possa colocar em causa os seus interesses, a sua autoridade, os seus “privilégios”.
Jesus vai, com paciência, tentando formar os discípulos na lógica do Reino. O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como Evangelho é mais uma instrução que Jesus dirige aos discípulos no sentido de lhes mostrar os valores que eles devem interiorizar, se quiserem integrar a comunidade messiânica.
Marcos juntou aqui uma série de “ditos” de Jesus, inicialmente independentes entre si e pronunciados em contextos diversos. Estes “ditos” apresentam, contudo, exigências várias que os discípulos de Jesus devem considerar e que, em última análise, definem a pertença ou a não pertença à comunidade do Reino. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES:
- O Evangelho deste domingo apresenta-nos um grupo de discípulos ainda muito atrasados na aprendizagem do “caminho do Reino”. Eles ainda raciocinam em termos de lógica do mundo e têm dificuldade em libertar-se dos seus interesses egoístas, dos seus esquemas pessoais, dos seus preconceitos, dos seus sonhos de grandeza e poder… Eles não querem entender que, para seguir Jesus, é preciso cortar com certos sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a radicalidade que a opção pelo Reino exige. As dificuldades que estes discípulos apresentam no sentido de responder a Jesus não nos são estranhas: também fazem parte da nossa vida e do caminho que, dia a dia, percorremos… Assim, a instrução que, neste texto, Jesus dirige aos seus discípulos serve-nos também a nós. As propostas de Jesus destinam-se aos discípulos de todas as épocas; pretendem ajudar-nos a purificar a nossa opção e a integrar, de forma plena, a comunidade do Reino.
- Antes de mais, Jesus mostra aos discípulos que a comunidade do Reino não pode ser uma seita arrogante, fechada, intolerante, fanática, que se arroga a posse exclusiva de Deus e das suas propostas. Tem de ser uma comunidade que sabe qual o seu papel e a sua missão, mas que reconhece que não tem o exclusivo do bem e da verdade e que é capaz de se alegrar com os gestos de bondade e de esperança de que acontecem à sua volta, mesmo quando esses gestos resultam da ação de não crentes ou de pessoas que não pertencem à instituição Igreja. O verdadeiro discípulo não tem inveja do bem que outros fazem, não sente ciúmes se Deus atua através de outras pessoas, não pretende ter o monopólio da verdade nem ter o exclusivo de Jesus. O verdadeiro discípulo esforça-se, cada dia, por testemunhar os valores do Reino e alegra-se com os sinais da presença de Deus em tantos irmãos com outros percursos religiosos, que lutam por construir um mundo mais justo e mais fraterno.
- Os discípulos de que o Evangelho de hoje nos fala estão preocupados com a ação de alguém que não é do grupo, pois temem ver postos em causa os seus sonhos pessoais de poder e de grandeza. Por detrás dessa preocupação dos discípulos não está o bem do homem (aquilo que, em última análise, devia “mover” os membros da comunidade do Reino), mas a salvaguarda de certos interesses egoístas. Nas nossas comunidades cristãs ou religiosas, há pessoas capazes de gestos incríveis de doação, de entrega, de serviço aos irmãos; mas há também pessoas cuja principal preocupação é proteger o espaço que conquistaram e continuar a manter um estatuto de poder e de prestígio… Quando afastamos (com o pretexto de defender a pureza da fé, os interesses da moralidade, ou tranquilidade da comunidade) aqueles que desafiam a comunidade a purificar-se e a procurar novos caminhos para responder aos desafios de Deus, estaremos a proteger os interesses de Deus ou os nossos projetos, os nossos esquemas interesseiros, as nossas apostas pessoais?
- No nosso texto, Jesus exige dos discípulos o corte radical com os valores, os sentimentos, as atitudes que são incompatíveis com a opção pelo Reino. O discípulo de Jesus nunca está acomodado, instalado, conformado; mas está sempre atento e vigilante, procurando detetar e eliminar da sua existência tudo aquilo que lhe impede o acesso à vida plena. Naturalmente, a renúncia ao egoísmo, ao comodismo, ao orgulho, aos esquemas pessoais, à vontade de poder e de domínio, ao apelo do êxito, ao aplauso das multidões, é um processo difícil e doloroso; mas é também um processo libertador e gerador de vida nova. O que é que eu necessito, prioritariamente, de “cortar” da minha vida, para me identificar mais com Jesus, para merecer integrar a comunidade do Reino, para ser mais livre e mais feliz?
- O apelo de Jesus à sua comunidade no sentido de não “escandalizar” (afastar da comunidade do Reino) os pequenos, faz-nos pensar na forma como lidamos, enquanto pessoas e enquanto comunidades, com os pobres, os que falharam, os que têm atitudes moralmente reprováveis, aqueles que têm uma fé pouco consistente, aqueles que a vida marcou negativamente, aqueles que a sociedade marginaliza e rejeita… Eles encontram em nós a proposta libertadora que Cristo lhes faz, ou encontram em nós rejeição, injustiça, marginalização, mau exemplo? Quem vê o nosso testemunho tem razões para aderir a Cristo, ou para se afastar de Cristo? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é um longo discurso dos ímpios que incita a armarem ciladas aos justos e condená-los à morte. A proclamação deste texto deve valorizar as formas verbais que marcam o ritmo e o tom da leitura.
Na segunda leitura, deve haver um especial cuidado na proclamação da enumeração das características da sabedoria e nas frases interrogativas presentes no texto. Além disso, é necessário ter em consideração as afirmações finais que estabelecem uma dinâmica de causa/efeito que deve ser clara na proclamação da leitura.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
A lição do Livro dos Números deste Domingo XXVI (Números 11,25-29) mostra-nos um Moisés, não dono de nada nem de ninguém, nada ciumento ou invejoso, mas livre, cheio de bem e de bondade, completamente a céu aberto, desejoso de ver, com olhos puros, o Espírito de Deus a operar maravilhas em todas as pessoas e através de todas as pessoas. Josué representa, neste texto, a figura sombria do ciumento.
O Evangelho deste mesmo Domingo XXVI (Marcos 9,38-48) segue o mesmo rumo, e mostra-nos um Jesus feliz por ver que o bem saltou as fronteiras do pequeno grupo que o seguia, sendo praticado também por pessoas de fora. João encarna aqui a figura do Josué do texto supracitado do Livro dos Números, e quer o bem todo para Jesus e o seu grupo, vendo com maus olhos que também outros o possam realizar, talvez sobretudo porque os próprios discípulos tinham pouco antes fracassado (Marcos 9,18.28-29) onde agora veem alguém de fora ter sucesso.
Nas palavras de João, o facto é o seguinte: os discípulos de Jesus viram alguém a expulsar demónios no nome de Jesus, e trataram logo de o impedir. A razão apresentada para fundamentar este impedimento, tem, porém, o seu quê de estranho e surpreendente. Na verdade, João refere, com todas as letras, que o grupo dos discípulos impediu o homem anónimo de continuar a sua atividade «em nome de Jesus», «porque não nos seguia» (ouk êkoloúthei hêmîn) (Marcos 9,38). O problema reside todo neste «porque não nos seguia». Trata-se, de facto, de uma fórmula estranha e surpreendente, porque, no Evangelho, fala-se sempre de «seguir Jesus», e não «a nós», inclusive no único paralelo desta passagem, apresentado em Lucas 9,49, em que se lê: «porque não segue connosco» (ouk akoloutheî meth’ hêmôn). Vê-se bem que estes discípulos de Jesus ainda não perceberam a lição da humildade e do serviço do Domingo passado, querendo eles próprios estar indevidamente «no meio», ocupando ou usurpando o primeiro lugar. Sempre este nosso doentio gosto de querermos estar sempre no centro das atenções! Salta à vista que este texto notável funciona como um espelho: mostra-nos menos a figura do exorcista anónimo e mais a figura patronal assumida pelos discípulos de Jesus, que se julgam donos exclusivos de algumas funções e defendem ciosamente esse status.
Vê-se, no fundo da tela, que não basta querer o bem. Querer o bem nem sempre é bom. Por paradoxal que pareça, querer o bem pode ser mau. É de facto mau, quando queremos o bem só para nós, ciumenta e invejosamente. Às vezes, os nossos maus olhos levam-nos a retirar o bem do alcance dos outros, e até a destruí-lo, para que os outros não possam usufruir dele, e não possam nem sequer realizá-lo, beneficiando outros! Ora, o bem que divide e exclui nunca é bem. O bem mostra-se tal apenas quando faz comunhão, fraternidade, mesa, pão, água, pura alegria entre irmãos.
Um simples copo de água, dado com amor, pode trazer pela mão a eternidade. Aí está outra soberana lição de Jesus. Toda a atenção, portanto, às nossas mãos, pés, olhos, entranhas, coração. A mão, que indica a nossa ação, pode fazer o bem ou o mal. Se faz o mal, é melhor cortá-la, como faz o lavrador cuidadoso aos ramos secos das videiras e das árvores de fruto. O pé, que indica o nosso caminhar, pode levar-nos por e para maus caminhos. Se nos conduz para o abismo, é melhor cortá-lo. O olho, que indica os nossos desejos de bem e de amor ou de cobiça, ódio, raivas e ciúmes, pode levar-nos à mesa da alegria fraterna ou ao ciúme e à inveja. Estas últimas maneiras de ver levam-nos ao mal, e, portanto, ao sentimento venenoso de queremos o bem só para nós. Aí está como querer o bem nem sempre é bom; pode ser mau. E é melhor arrancar pela raiz este veneno mortal.
A lição de Tiago (5,1-6), que lemos e abandonamos este Domingo (no próximo Domingo começa a ler-se a Carta aos Hebreus) mostra bem, numa linguagem duríssima, que o rico é o que quer o bem só para si, retirando-o (roubando-o!) aos outros. Autoexclui-se da comunhão, da bondade e da alegria da mesa fraterna. O resultado é a traça, o mofo, a ferrugem, a podridão, recuperando assim, em termos proféticos e sapienciais, muitos motivos patentes no Antigo Testamento. O pequeno texto da Carta de Tiago usa 119 imperativos, dos quais se ouvem três no texto de hoje. Permanentes chamadas de atenção para este mundo em que poucos têm quase tudo, e a maioria não tem quase nada. O texto da Carta de Tiago é claramente tardio, de finais do século I ou princípios do século II, mas vale para todos os tempos.
Esta linguagem duríssima aproxima-se de quanto, no texto do Evangelho de hoje aparece retratado na «geena» (Marcos 9,43.45.47), do aramaico gêhinnam, hebraico gê-hinnom, que é o nome de um vale situado a sul de Jerusalém, lugar pagão onde se realizava o culto a Moloch, onde os ímpios Acaz e Manassés tinham sacrificado os seus próprios filhos (2 Crónicas 28,3; 33,6). O piedoso rei Josias, no decurso da sua reforma religiosa, acabou com estes cultos pagãos, e destinou este lugar para queimar as entranhas dos animais. É daqui que vem o espetáculo tétrico da putrefação, vermes, fumo, fogo, (Jeremias 7,31-34; 19,1-13; 32,35), «vermes que não morrem, fogo que não se apaga» (Marcos 9,44.46.48), que fornecerão a linguagem adequada para dizer o inferno. A chapa original encontra-se em Isaías 66,24, último versículo do profeta.
Aí está, no ponto e em contraponto, a lição soberana do Evangelho de Jesus: um simples copo de água, dado com amor, pode trazer pela mão a eternidade.
O Salmo 19 é, no seu todo, uma estupenda «música teológica», como dizia Hermann Gunkel. Apresenta-se em dois quadros, que formam um belo díptico que canaliza o louvor do orante. O primeiro quadro, composto pelos v. 2-7, é um hino ao Deus Criador. O segundo, que reúne os v. 8-15, é um hino à Lei de Deus. Na verdade, Deus ilumina e aquece o universo com o fulgor do sol, e ilumina e acalenta o homem com o fulgor da sua Palavra contida na sua Lei revelada. Hoje contemplamos e cantamos o segundo quadro. Quem tem ouvidos, oiça então, e cante.
D. António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXVI do Tempo Comum – Ano B – 29.09.2024 (Nm 11, 25-29)
- Leitura II do Domingo XXVI do Tempo Comum – Ano B – 29.09.2024 (Tg 5, 1-6)
- Domingo XXVI do Tempo Comum – Ano B – 29.09.2024 – Lecionário
- Domingo XXVI do Tempo Comum – Ano B – 29.09.2024 – Oração Universal/a>
- Domingo XXVI do Tempo Comum – Ano B – 29.09.2024-refletindo
- Da Religião ao Evangelho – 5 reflexões de Ariel Álvarez Valdés-v1
- Mensagem do Papa Francisco para o 110º Dia Mundial do Migrantre e do Refugiado
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXV do Tempo Comum – Ano B – 22.09.2024
Viver a Palavra
Caminhamos com Jesus como aprendizes na escola da arte de amar e vemos o Mestre fazer-se presente e próximo das nossas dúvidas, anseios e desejos tantas vezes marcados pelos nossos esquemas calculistas e ambiciosos. Jesus é o pedagogo paciente que uma vez mais anuncia a vontade do Pai: «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará». Repete pela segunda vez e ainda há-de comunicá-lo no Evangelho de Marcos uma terceira vez. Jesus anuncia novamente o desígnio do Pai porque o que é importante deve ser repetido e nós como os discípulos precisamos de o ouvir de novo, porque temos dificuldade em acolhê-lo. A nível antropológico repete-se o que é essencial e vital e a nível teológico a repetição reformula o acontecimento fundamental da salvação.
Surpreende-me sempre este espanto e escândalo dos discípulos e ainda mais o medo de interrogar Jesus. Eles caminham com Jesus desde a Galileia, viram os seus milagres e prodígios: os cegos a ver, os coxos a andar, a filha de Jairo a ressuscitar, uma multidão saciada com cinco pães e dois peixes… Escutaram as Suas palavras cheias de amor e misericórdia e contemplaram o modo como Jesus acolhia aqueles que vinham ao Seu encontro. Contudo, homens como nós, os discípulos têm dificuldade em escutar até ao fim. Jesus não disse apenas que irá sofrer e morrer, anuncia também que, três dias depois de morto, ressuscitará. Contudo, estamos diante de uma linguagem nova que parece incompreensível para os nossos ouvidos e conceitos.
Jesus é o Servo fiel e obediente à voz do Pai a quem armam ciladas «porque incomoda» e a quem querem matar para verem «se as Suas palavras são verdadeiras». Jesus faz ecoar na Sua vida as palavras do salmista: «o Senhor sustenta a minha vida» e caminha confiante, fiel e obediente ao projeto do Pai.
A Sua vida entregue é o convite a superar os nossos desejos de grandeza, pois tantas vezes como os discípulos perdemo-nos e ocupamo-nos em discussões inúteis, tal como nos recordava o Papa Bento XVI: «nós, que somos pequeninos, aspiramos a parecer grandes, a ser os primeiros; enquanto Deus, que é realmente grande, não tem medo de se humilhar e de se fazer último». Por isso, Jesus não os repreende, mas como o pai de família senta-se com eles para lhes recordar a nova lógica do amor, da humildade e da bondade e não se limita a fazê-lo com palavras: «tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a». Jesus conhece no silêncio as preocupações dos discípulos e está atento aos seus anseios e sonhos. Jesus irrompe na nossa vida e convida-nos a perder para ganhar: cala os nossos jogos de interesses com a serenidade da humildade. Jesus, abraçando-nos como crianças, pois ainda temos tanto para aprender, ensina-nos que «na corrida do amor chega primeiro quem se esqueceu de si para que os outros também cheguem».
A nova lógica do amor impele-nos a sair de nós próprios para acolher o outro e inscreve a nossa vida na verdadeira sabedoria de que fala S. Tiago. Sabedoria que vem do alto e que não se compadece de invejas e ciúmes, rivalidades e competitividade, mas se vive pela generosidade, misericórdia, bondade e fraternidade. in Voz Portucalense.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Sabedoria 2,12.17-20
Disseram os ímpios:
«Armemos ciladas ao justo,
porque nos incomoda e se opõe às nossas obras;
censura-nos as transgressões à lei
e repreende-nos as faltas de educação.
Vejamos se as suas palavras são verdadeiras,
observemos como é a sua morte.
Porque, se o justo é filho de Deus,
Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários.
Provemo-lo com ultrajes e torturas
para conhecermos a sua mansidão
e apreciarmos a sua paciência.
Condenemo-lo à morte infame,
porque, segundo diz, Alguém virá socorrê-lo».
CONTEXTO
Os biblistas situam a redação do livro da Sabedoria por volta do ano 50 a.C., o que o torna o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento. Foi escrito em grego por um judeu de língua grega, nascido e educado na Diáspora. Exprimindo-se em termos e conceções do mundo helénico, o autor faz o elogio da “sabedoria” israelita, traça o quadro da sorte que espera o “justo” e o “ímpio” no mais-além e descreve – com exemplos tirados da história do Êxodo – as sortes diversas que tiveram os pagãos (idólatras) e os hebreus (fiéis a Javé).
O “berço” da reflexão proposta pelo autor é, provavelmente, a cidade de Alexandria. Por essa altura, a cultura helénica marca o ritmo da vida da cidade e dos seus habitantes. As outras culturas – nomeadamente a judaica – são desvalorizadas e hostilizadas. A enorme colónia judaica residente no Egito conhece mesmo, sobretudo nos reinados de Ptolomeu Alexandre (106-88 a.C.) e de Ptolomeu Dionísio (80-52 a.C.), uma dura perseguição. Os sábios helénicos procuram demonstrar, por um lado, a superioridade da cultura grega e, por outro, a incongruência do judaísmo e da sua proposta de vida. Os judeus são encorajados a deixar a sua fé, a “modernizar-se” e a abrir-se aos brilhantes valores da cultura helénica.
É neste contexto que o sábio autor do Livro da Sabedoria se propõe fazer a defesa dos valores da fé e da cultura do seu Povo. O seu objetivo é duplo: dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na idolatria, na imoralidade), convida-os a redescobrir a fé dos pais e os valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convida-os a constatar o absurdo da idolatria e a aderir a Javé, o verdadeiro e único Deus. Para uns e para outros, o autor pretende deixar este ensinamento fundamental: só Javé garante a verdadeira “sabedoria” e a verdadeira felicidade.
O texto que a primeira leitura deste domingo nos propõe integra a primeira parte do livro da Sabedoria (cf. Sb 1-5), que apresenta uma reflexão sobre o destino dos “justos” e o destino dos “ímpios”. O autor descreve a forma de pensar e de agir dos ímpios, analisa os seus raciocínios (cf. Sb 1,16-2,9) e as suas reações de desprezo face aos “justos” (cf. Sb 2,10-20). Depois conclui: os ímpios, agindo assim, estão longe de Deus e do prémio que Ele reserva para aqueles que vivem nos seus caminhos (cf. Sb 2,21-24).
Mostrando o sem sentido da conduta dos “ímpios”, ele pretende dizer aos seus concidadãos que vale a pena ser “justo” e manter-se fiel aos valores tradicionais da fé de Israel. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Deixemos de lado a classificação de “ímpios” e “justos”, utilizada pelo “sábio”, que é um tanto redutora e rotuladora… Fixemo-nos antes no confronto – bem claro no texto – entre os valores de Deus e os valores do mundo, entre a “sabedoria de Deus” e a “sabedoria do mundo”. Trata-se de um “frente-a-frente” que conhecemos bem e que atravessa cada momento do caminho histórico que a humanidade vai percorrendo… Há quem tente simplificar as coisas resumindo tudo isto à mera opção entre valores antiquados e valores atuais, valores passados de moda e valores condizentes com o quadro civilizacional do nosso tempo… Na realidade, não é assim tão simples. O confronto é entre valores eternos e valores passageiros, entre valores que asseguram Vida verdadeira e valores que apenas proporcionam flashes de felicidade efémera. Neste confronto, em que campo nos situamos?
- O que é a “sabedoria do mundo”? A “sabedoria do mundo” é a atitude de quem, fechado no seu orgulho, arrogância e autossuficiência, resolve prescindir de Deus e dos seus valores; é a opção de quem vive para o “ter”, de quem põe em primeiro lugar o dinheiro, o poder, o êxito, a fama, a ambição, os valores efémeros. Trata-se de uma “sabedoria” que, em lugar de conduzir o homem à sua plena realização, o deixa vazio, frustrado, deprimido, escravo. A “sabedoria do mundo” pode apresentar-se com as cores sedutoras da felicidade efémera, com o brilho da filosofia que está na moda, com a respeitabilidade das construções intelectuais mais sólidas, com o selo de garantia dos influencersde serviço; mas não assegurará ao homem uma felicidade duradoura. Que papel joga a “sabedoria do mundo” nas nossas vidas?
- O que é a “sabedoria de Deus”? A “sabedoria de Deus” é a atitude daqueles que assumiram e interiorizaram as propostas de Deus e se deixam conduzir por elas. Atentos à vontade e aos desafios de Deus, procuram escutá-l’O e seguir os seus caminhos; tendo como modelo de vida Jesus Cristo, vivem a sua existência no amor, na partilha, no serviço simples e humilde aos irmãos; estão sempre atentos a quem chora, a quem sofre, a quem necessita de amor e cuidado; comprometem-se com a construção de um mundo mais fraterno e lutam pela justiça e pela paz; não se conformam com as injustiças e as violências que desfeiam o mundo, e esforçam-se por construir o Reino de Deus. Os que se deixam conduzir pela “sabedoria de Deus” nem sempre são compreendidos e aceites. Às vezes chamam-lhes “fracos”, “perdedores”, “incapazes”, “retrógrados”, e colocam-nos em guetos onde podem ser controlados. Mas eles, mesmo desautorizados e incompreendidos, procuram ser sal que dá sabor ao mundo e luz viva que ilumina os caminhos que a humanidade percorre. Que papel joga a “sabedoria de Deus” no nosso projeto de vida?
- Quem escolhe a “sabedoria de Deus”, não tem uma vida fácil. Com frequência será incompreendido, caluniado, escarnecido, desautorizado, perseguido, torturado – como aconteceu com Jesus. É claro que o sofrimento, a incompreensão, a perseguição, são assustadores; mas devem ser vistos como consequência natural da fidelidade a Deus e aos seus valores. Não devemos ficar preocupados quando o mundo nos persegue; devemos ficar preocupados quando somos aplaudidos e adulados por aqueles que escolheram a “sabedoria do mundo”. Alguma vez o medo de sermos incompreendidos e perseguidos nos impediu de sermos testemunhas coerentes da “sabedoria de Deus”? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 53 (54)
Refrão: O Senhor sustenta a minha vida.
Senhor, salvai-me pelo vosso nome,
pelo vosso poder fazei-me justiça.
Senhor, ouvi a minha oração,
atendei às palavras da minha boca.
Levantaram-se contra mim os arrogantes
e os violentos atentaram contra a minha vida.
Não têm a Deus na sua presença.
Deus vem em meu auxílio,
o Senhor sustenta a minha vida.
De bom grado oferecerei sacrifícios,
cantarei a glória do vosso nome, Senhor.
LEITURA II – Tiago 3,16-4,3
Caríssimos:
Onde há inveja e rivalidade,
também há desordem e toda a espécie de más ações.
Mas a sabedoria que vem do alto
é pura, pacífica, compreensiva e generosa,
cheia de misericórdia e de boas obras,
imparcial e sem hipocrisia.
O fruto da justiça semeia-se na paz
para aqueles que praticam a paz.
De onde vêm as guerras?
De onde procedem os conflitos entre vós?
Não é precisamente das paixões que lutam nos vossos membros?
Cobiçais e nada conseguis: então assassinais.
Sois invejosos e não podeis obter nada:
então entrais em conflitos e guerras.
Nada tendes, porque nada pedis.
Pedis e não recebeis, porque pedis mal,
pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões.
CONTEXTO
A chamada “Carta de Tiago” é uma exortação de um mestre cristão do séc. I, que se apresenta como “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tg 1,1). Ainda não foi possível identificar concretamente este “Tiago”. Em qualquer caso parece ser um personagem de origem semita, que conhece bem as escrituras sagradas judaicas, mas que é capaz de se expressar muito bem em língua grega, recorrendo inclusive a recursos retóricos muito apreciados pelos literatos helénicos.
O escrito é endereçado às “doze tribos da Diáspora”. A expressão designa, provavelmente, as comunidades cristãs de origem judaica existentes fora da Palestina (Síria, Egito, Ásia Menor); mas também pode ser uma expressão metafórica utilizada para designar as comunidades cristãs em geral, dispersas pelo mundo greco-romano.
O objetivo do autor desta “carta encíclica” será ajudar os cristãos a viverem a sua fé com coerência e autenticidade, dentro de um estilo de vida que reflita os valores do Evangelho de Jesus. Os temas abordados na carta são diversos e vão-se sucedendo sem uma ordem ou plano doutrinal previamente definido. Avultam as indicações de caráter prático, às vezes num estilo que lembra a reflexão sapiencial: um “mestre” cristão deixa aos seus “discípulos” conselhos práticos sobre a arte de viver de acordo com o espírito cristão nas mais diversas circunstâncias.
Depois de convidar os crentes à autenticidade e coerência da fé (cf. Tg 1,2-27) e de os exortar a expressar a fé em atitudes concretas (cf. Tg 2,1-24), o autor da Carta de Tiago reflete, na terceira parte do seu escrito (cf. Tg 3,1-4,10), sobre alguns aspetos bem concretos onde deve transparecer a opção que os seguidores de Jesus fizeram. O primeiro aspeto particular a que o autor se refere é ao cuidado a ter com a língua (cf. Tg 3,1-12); o segundo alude à necessidade de os crentes rejeitarem a “sabedoria do mundo” e de acolherem a “sabedoria que vem do alto” (cf. Tg 3,13-18); o terceiro aponta a origem das discórdias que envenenam a vida das comunidades cristãs (cf. Tg 4,1-10). O texto que nos é proposto junta alguns versículos do segundo com alguns versículos do terceiro dos referidos pontos. O objetivo é sempre exortar os crentes a pautarem as suas vidas pelos valores cristãos autênticos. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O Batismo é, para todos os crentes, o momento em que se encontram com Jesus e optam por Ele (mesmo que esse momento tenha ocorrido numa idade em que não tinham plena consciência das implicações dessa opção, entretanto renovada posteriormente); é o momento em que os crentes escolhem a “sabedoria do alto” e passam a conduzir a sua vida pelos critérios de Deus. Ungidos no batismo com o óleo do crisma, os batizados são escolhidos para serem sinais de Deus e rostos vivos dessa Vida nova que Deus quer propor ao mundo e aos homens. Coerentes com a sua opção batismal, os crentes fazem a diferença e anunciam – com as suas palavras, com os seus gestos, com a sua vida – um mundo mais humano, mais justo, mais fraterno, mais feliz para todos os filhos e filhas de Deus. Vivemos conscientes de que esta é a vocação a que são chamados todos os batizados? Procuramos viver de forma coerente com os compromissos que assumimos no dia do nosso Batismo? Os valores que conduzem a nossa vida e que testemunhamos são os valores que brotam da “sabedoria do alto”?
- O autor da Carta de Tiago considera que muitos batizados, seduzidos pela “sabedoria do mundo”, instalam-se no egoísmo e na autossuficiência, vivem para o “ter”, deixam que a sua existência seja dirigida por critérios de ambição e de ganância, recusam-se a fazer da sua vida uma partilha generosa com os irmãos… Essa opção – diz ele – traz inevitáveis consequência negativas: não lhes assegura a sua plena realização, não enche de sentido as suas vidas; e destrói a vida das comunidades onde eles caminham, pois gera desordem, guerras, rivalidades, conflitos, divisões. A forma de se derrotar a “sabedoria do mundo” passa por nos mantermos em contínuo processo de conversão, sempre disponíveis para nos questionarmos sobre as nossas opções erradas e para voltarmos a escutar Deus e a sua “sabedoria”. É nesse sentido que caminhamos? Estamos acomodados à “sabedoria do mundo”, ou estamos continuamente dispostos a rever as nossas opções, a voltar para Deus e a viver de acordo com as propostas que Ele nos faz?
- Finalmente, o autor da Carta de Tiago avisa que, quando o nosso coração está cheio da “sabedoria do mundo”, a nossa oração torna-se um monólogo egoísta, uma pedinchice de coisas que se destinam a satisfazer as nossas “paixões”, as nossas ambições egoístas, os nossos interesses pessoais. Ora, Deus não está disponível para esse tipo de conversa. Deixa-nos a falar sozinhos. A nossa oração é, nesse caso, inconsequente. Antes de falar com Deus, precisamos de mudar o nosso coração, de reequacionar os valores que priorizamos, de aprender a ver o mundo e a vida com os olhos de Deus, de nos aproximar de Deus. Então, sim, a nossa oração será um verdadeiro diálogo com Deus… Através desse diálogo, tornamo-nos mais conscientes do que Deus quer, dos planos que Ele tem para nós e para o mundo; ao mesmo tempo, partilhamos com Deus as nossas dificuldades, as nossas esperanças, os nossos sonhos, e entregamos tudo nas mãos d’Ele. A nossa oração será, então, um diálogo de amor entre Pai e filho, que encherá de paz e de esperança o nosso coração. Como é o nosso diálogo com Deus? É um monólogo que serve para atirar a Deus as nossas reivindicações e pedidos, ou é um diálogo sereno e cheio de amor com o nosso Pai do céu? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 9,30-37
Naquele tempo,
Jesus e os seus discípulos caminhavam através da Galileia,
mas Ele não queria que ninguém o soubesse;
porque ensinava os discípulos, dizendo-lhes:
«O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens
e eles vão matá-l’O;
mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».
Os discípulos não compreendiam aquelas palavras
e tinham medo de O interrogar.
Quando chegaram a Cafarnaum e já estavam em casa,
Jesus perguntou-lhes:
«Que discutíeis no caminho?»
Eles ficaram calados,
porque tinham discutido uns com os outros
sobre qual deles era o maior.
Então, Jesus sentou-Se, chamou os Doze e disse-lhes:
«Quem quiser ser o primeiro será o último de todos
e o servo de todos».
E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles,
abraçou-a e disse-lhes:
«Quem receber uma destas crianças em meu nome
é a Mim que recebe;
e quem Me receber
não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
CONTEXTO
Alguns dias antes, nos arredores de Cesareia de Filipe, Jesus já tinha avisado os discípulos de que devia, em breve, dirigir-se para Jerusalém; e que aí seria rejeitado pelas autoridades religiosas, preso, condenado à morte e crucificado (cf. Mc 8,31-32). Pedro tinha reagido mal às indicações de Jesus e tentara demover Jesus desses passos. Os outros discípulos, por sua vez, não tinham dado mostras de ter processado aquilo que Jesus tinha dito: estavam demasiado agarrados a sonhos antigos de grandeza, de poder e de prestígio para que as palavras de Jesus fizessem sentido. Aquela conversa parecia-lhes despropositada e incongruente; ainda acreditavam que Jesus, chegado a Jerusalém, iria entrar na cidade na pele de um Messias político, poderoso e invencível, capaz de libertar Israel, pela força das armas, do domínio romano.
Entretanto, a viagem pela Galileia continuou. Jesus apercebeu-se, nos dias seguintes, que os discípulos não tinham levado a sério aquele primeiro anúncio sobre o destino de morte que o esperava em Jerusalém. Consciente de que era necessário deixar as coisas bem claras, aproveitou uma altura em que caminhava a sós com os discípulos e voltou a referir-se à sua morte próxima, às mãos das autoridades de Jerusalém. Ele não queria equívocos e não pretendia que os discípulos andassem atrás d’Ele pelas razões erradas. Este é o ponto de partida para o texto do Evangelho que a liturgia nos propõe neste vigésimo quinto domingo comum.
O evangelista Marcos, pela sua parte, está interessado em dizer aos seus leitores que Jesus é o Messias, o Filho de Deus (cf. Mc 1,1); no entanto, nunca lhes oculta que esse Filho de Deus não veio ao mundo para cumprir um destino de triunfos e de glórias humanas, mas para cumprir a vontade do Pai e oferecer a sua vida em dom de amor aos homens. Ao apresentar, num breve espaço, os três anúncios da paixão de Jesus (cf. Mc 8,31-32; 9,30-31; 10,32-34), Marcos está a preparar-nos para o que vai contar na segunda parte do seu Evangelho; e para que também nós repitamos aquilo que disse o centurião romano destacado junto da cruz onde Jesus entregou a vida nas mãos do Pai: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O Evangelho deste vigésimo quinto domingo comum põe frente a frente dois sistemas de valores, duas formas radicalmente diferentes de encarar a existência. De um lado está Jesus e a sua forma de viver e de priorizar os valores que dão sentido à vida; do outro lado estão os discípulos, cujos interesses parecem ser opostos aos de Jesus. Jesus vive imbuído dos valores de Deus. Não está preocupado com o seu êxito pessoal; interessa-lhe apenas cumprir o projeto de Deus e mostrar aos homens como o caminho do amor e do serviço conduzem à Vida verdadeira, à felicidade sem fim. Para dizer isso aos homens, Jesus está mesmo disposto a dar a sua vida até ao extremo, até à última gota de sangue, na cruz. Mas os discípulos, escravos da “sabedoria do mundo”, acreditam piamente que a felicidade está nos bens materiais, no poder, nas honras, nos privilégios; e fazem “orelhas moucas” quando Jesus os convida a segui-l’O nesse caminho que Ele vai percorrer, o caminho da vida dada por amor. Neste confronto de caminhos opostos, onde nos situamos?
- Passaram-se dois mil anos, desde que Jesus andou pelos caminhos da Galileia e da Judeia a apresentar a sua proposta e a convidar os homens a construir um mundo mais justo e mais fraterno; e, mesmo depois desse tempo todo, parece que ainda não nos convencemos de que Jesus tinha razão. A corrida às honras, a priorização dos bens materiais, a luta pelos postos de poder e de influência, a ambição desmedida, a apetência pelos títulos e honrarias, a sobreposição dos interesses pessoais ao bem comum, continuam a marcar o ritmo de vida de muitos homens e mulheres do séc. XXI… Mais: isto não acontece apenas em ambientes “civis”, afastados de Jesus e das suas propostas; mas também acontece em contextos marcadamente cristãos, na comunidade dos discípulos. Que sentido é que isto faz? Poderemos apresentar-nos como discípulos de Jesus se ignoramos o caminho que Ele nos aponta? Uma Igreja que se organiza e estrutura tendo em conta os esquemas do mundo poderá considerar-se a Igreja de Jesus?
- De acordo com Jesus, a importância de uma pessoa não se mede pelo dinheiro que possui, nem pelo poder que conquistou, nem pela influência social que adquiriu, nem pelo sucesso profissional que obteve, nem pelo estilo com que se veste, nem pelos títulos civis ou canónicos que ostenta, nem pelo seu aspeto físico, mas sim pela forma como serve e como ama os seus irmãos, sobretudo os mais frágeis e desprezados. De acordo com Jesus, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos irmãos. É isto que se passa nas nossas comunidades cristãs? Quem são, entre nós, os mais importantes, os que mais consideramos, reverenciamos e admiramos, aqueles a quem sentamos nos lugares mais distintos?
- Jesus, para ilustrar a sua lição sobre o amor, tomou uma criança – símbolo de fragilidade, de pequenez, de pobreza, de simplicidade – colocou-a no meio dos discípulos e abraçou-a. Quis dizer, com esse gesto, que na sua comunidade são os mais pequenos, os mais pobres, os mais desprezados, os mais desconsiderados, os mais humildes que devem estar no centro; e que todos os outros membros da comunidade devem cuidar deles, abraçá-los, servi-los, ajudá-los, defendê-los. O frágil, o pequeno, o pobre é o próprio Jesus; e quem o acolhe, abraça o próprio Jesus… Como é que as nossas comunidades cristãs acolhem os pobres, os mais humildes, aqueles que o resto da sociedade rejeita e ignora, aqueles que ninguém quer e ninguém ama? Como é que são tratados nas nossas comunidades as pessoas vítimas de doenças incuráveis, os irmãos e irmãs que a moral condena, os refugiados, os sem abrigo, os que a vida feriu irremediavelmente? Há lugar para eles? São tratados com respeito e amor? São cuidados, abraçados e ajudados?
- Marcos diz-nos que os discípulos “tinham medo de interrogar” Jesus. É verdade: por vezes sentimo-nos pouco cómodos com a frontalidade, a radicalidade, a exigência, a verdade de Jesus. Ele não se contenta com “meias tintas”, com verdades parciais, com escolhas que não são quente nem frio; Ele não se conforma com a nossa preguiça, a nossa acomodação, a nossa cobardia; Ele desafia-nos continuamente a um compromisso firme, à doação total da vida, ao amor até ao extremo, à conversão e à renovação. Seria mais fácil, para nós, refugiarmo-nos nas nossas orações decoradas, nas nossas devoções particulares, nos nossos solenes rituais litúrgicos, na nossa religião vivida como cumprimento de leis… Mas Jesus pede mais: pede que o sigamos no caminho de Jerusalém, no caminho do amor e do dom da vida… A exigência de Jesus deixa-nos pouco à vontade, ou é, para nós, uma decisão assumida e que procuramos viver com coerência e radicalidade? O seguimento de Jesus dá-nos medo, ou é um caminho libertador? in Dehonianos
Para os leitores:
A primeira leitura é um longo discurso dos ímpios que incita a armarem ciladas aos justos e condená-los à morte. A proclamação deste texto deve valorizar as formas verbais que marcam o ritmo e o tom da leitura.
Na segunda leitura, deve haver um especial cuidado na proclamação da enumeração das características da sabedoria e nas frases interrogativas presente no texto. Além disso, é necessário ter em consideração as afirmações finais que estabelecem uma dinâmica de causa/efeito que deve ser clara na proclamação da leitura
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
No Evangelho deste Domingo XXV do Tempo Comum, continuamos a ler a chamada «secção do caminho» do Evangelho de Marcos (Ver Domingo XXIV), hoje a passagem de Marcos 9,30-37. Este texto intenso e sublime cai sobre nós como uma faca de dois gumes e envolve-nos em duas vagas avassaladoras: Marcos 9,30-32 e 9,33-37.
A primeira acontece no caminho que desce de Cesareia de Filipe para Cafarnaum, um dia de caminho e de ensinamento de Jesus aos seus discípulos. Concentração máxima: Jesus a sós com os seus discípulos (ninguém de fora os acompanha) e um único dizer na sua boca de Mestre que repetidamente ensinava: «O Filho do Homem vai ser entregue (paradídotai: pass. teológico ou divino) por Deus nas mãos dos homens, que o matarão, mas três dias depois de morto ressuscitará» (Marcos 9,31). Note-se, em todo o caso, que Jesus passará das nossas mãos violentas e assassinas, para as mãos paternais do Pai. Jesus ensina, portanto, a sua paixão, morte e ressurreição. Ficam aqui bem a descoberto as nossas mãos violentas e assassinas. Mas é estranho o comportamento dos discípulos de Jesus, que nos é dado a conhecer pelo narrador. Na verdade, aqueles discípulos de Jesus (e nós com eles) não queriam compreender aquelas palavras e até tinham medo de as vir a compreender. É esta a mais correta tradução daquele verbo agnoéô, que não significa apenas «ignorar», «desconhecer», «não compreender», mas, mais do que isso, «não querer compreender». E era o medo de, porventura, virem a compreender que os impedia de fazer qualquer pergunta a Jesus (Marcos 9,32).
Leva tempo àqueles discípulos de Jesus, e a mim, e a nós, compreender que, se a maneira de ser de Deus é o amor, só o amor, então Ele tem de descer ao nosso nível, sujando-se na mentira do nosso coração e na violência das nossas mãos, não nos opondo qualquer resistência, que é o nosso modo habitual de fazer e que faz aumentar a violência, mas amando também a nossa violência até ao fim e ao fundo. Aqueles discípulos de Jesus (e nós com eles) não querem nem sequer pensar nesta maneira de viver… e de morrer. Por isso, não querem compreender o verdadeiro caminho do amor que Jesus ensina, e, porque não querem correr quaisquer riscos, não ousam sequer fazer perguntas.
É aqui que somos atingidos em cheio pela segunda vaga do texto de hoje. Chegados a Cafarnaum, e tendo entrado na casa (seguramente a casa de Pedro), somos confrontados com uma pergunta certeira de Jesus acerca do assunto que vínhamos a debater (dialogízomai) no caminho (Marcos 9,33). Mas se já antes não arriscámos perguntar nada a Jesus, agora também não nos atrevemos a responder. O narrador passa-nos duas informações: que «eles (como nós) se calavam» (esiôpôn: imperf. de siôpáô), implicando este imperfeito um silêncio continuado (1), e que tinham disputado (dialégomai) no caminho uns com os outros sobre quem fosse o maior (2) (Marcos 9,34). Note-se que a pergunta de Jesus supõe um debate de ideias (verbo dialogízomai), mas a anotação do narrador deixa supor uma luta de interesses (verbo dialégomai). Note-se ainda o contraponto: enquanto Jesus ensina o caminho do amor humilde e oblativo, até ao fim, os seus discípulos ocupam-se de grandezas.
Neste momento, Jesus senta-se (modo enfático) e chama para si (modo enfático) os Doze, e diz-lhes (légei: pres. do verbo légô), a eles e a nós, num presente que ainda hoje ecoa no meio de nós: «Se alguém quer ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos» (Marcos 9,35). Entenda-se bem aquele «de todos», duas vezes dito, para evitar equívocos. Anote-se também que, no Evangelho de Marcos, Jesus só se senta três vezes (4,1; 9,35; 13,3).
E a ilustração do Mestre, que continua sentado a ensinar, agora com gestos e palavras: recebeu uma criança pequena (paidíon), colocou-a no meio deles e de nós, e disse: «Quem receber uma destas crianças pequeninas, no meu nome, recebe-me a Mim…» (Marcos 9,36-37). Note-se aquele: «No meio», que é o lugar mais importante. Note-se também o «No meu nome», que significa ao jeito de Jesus. Note-se ainda que Jesus não usa jogos de estatística. Fala de uma criança apenas. E também deixa claro que, para se receber uma criança pequenina, são precisas mãos maternais, que acariciam e dão vida, ao contrário das mãos dos homens que agarram e matam, já atrás retratadas em Marcos 9,31. De resto, vê-se bem, em filigrana, que uma criança pequenina traduz todos os nossos irmãos dependentes, cuja vida depende de nós, não nos sendo permitido, portanto, abandoná-los e voltar-lhes as costas.
Tanto se pode aprender com Jesus «na casa» e «no caminho». Aprendemos a descer de nós abaixo, a abrir as nossas mãos fechadas e armadas, e a revestir-nos de gestos de amor novos, serviçais, maternais.
O justo Jesus caminha por entre o sofrimento, o desprezo e a zombaria. E assim também os seus discípulos. O fim, porém, é a glória da Ressurreição. Um breve extrato do Livro da Sabedoria (2,12.17-20) faz-nos ver os ímpios a conspirar de mil maneiras contra o justo, que os importuna com o seu comportamento, e a maquinar a sua morte, para se verem livres dele. Não faltam os motivos de zombaria, afirmando que querem verificar se é verdade o que justo diz, pois afirma que é filho de Deus, e que Deus o assistirá e libertará das mãos dos ímpios (Sabedoria 2,18). Tudo semelhante à ironia sarcástica dos zombadores que passam junto da Cruz do Senhor (Marcos 15,29-32). Mas também é oportuno ver Sabedoria 5,1-15, o quadro que forma um díptico com Sabedoria 2,1-20. Em 5,1-15, os ímpios provocadores e zombadores reencontram-se, no dia do julgamento, lado a lado com o justo que maltrataram. Ao ver o justo de pé, apavorados e atónitos, dirão entre soluços de angústia: «Este é aquele de quem outrora nos ríamos, de quem fizemos alvo de chacota, nós, insensatos! Considerávamos a sua vida uma loucura, e o seu fim infame. Como é que agora é contado entre os filhos de Deus, e partilha a sorte dos santos?» (Sabedoria 5,4-5). E confessam: «Sim, extraviámo-nos do caminho da verdade, a luz da justiça não brilhou para nós, para nós não nasceu o sol. Cansámo-nos nas veredas da iniquidade e da perdição…» (Sabedoria 5,6-7).
São Tiago 3,16-4,3 serve-nos também hoje um texto incisivo, que nos ajuda a ler o nosso mundo e o nosso coração. Inveja e discórdia produzem desordem e ações perversas (3,16). Ao contrário, a Sabedoria do alto (ánôthen) é pura (hágnê), pacífica, afável, conciliadora, misericordiosa, cheia de frutos bons, sem duplicidade nem hipocrisia (3,17). E depois, de forma penetrante e pedagógica, pergunta São Tiago: «De onde vêm as guerras e os conflitos entre vós? Não é das vossas paixões que lutam nos vossos membros? Cobiçais, e nada tendes; então, assassinais. Sois ciumentos, e nada conseguis; então, entrais em conflitos e guerras» (4,1-2a). E desvenda este não ter: «Não tendes, porque não pedis» (4,2b). E ainda: «Pedis, e não recebeis, porque pedis mal» (4,3). As lições são muitas e importantes, e têm de ser objeto de profunda reflexão.
O Salmo 54 representa a típica súplica bíblica, em que se contam três atores: o «eu» orante, «eles» (os inimigos), e Deus. Três são também os tempos em que se desenrola a oração: o passado feliz, o presente amargo, um futuro melhor, objeto de esperança. Entretanto, fica claro que Deus está sempre do lado do orante, e, por isso, o tempo está carregado de esperança. Os inimigos são descritos como estrangeiros, estranhos (zarîm). Entenda-se: gente fora da comunidade e longe de Deus, que não respeita Deus nem a maneira de viver dos justos. Também este Salmo ajuda a reler, por um lado, toda a agressividade e zombaria que atravessa os textos de hoje, que a figura do ímpio estulto incarna. Por outro lado, mostra também a segurança do justo.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXV do Tempo Comum – Ano B – 22.09.2024 (Sab 2, 12.17-20)
- Leitura II do Domingo XXV do Tempo Comum – Ano B – 22.09.2024 (Tg 3, 16-4,3)
- XXV Domingo do Tempo Comum – Ano B – 22.09.2024 – Lecionário
- XXV Domingo do Tempo Comum – Ano B – 22.09.2024 – Oração Universal
- Domingo XXV do Tempo Comum – Ano B – 22.09.2024-refletindo
- Da Religião ao Evangelho – 5 reflexões de Ariel Álvarez Valdés-v1
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXIV do Tempo Comum – Ano B – 15.09.2024
27 …. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» …..
29«E vós, quem dizeis que Eu sou?» – perguntou-lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» Mc 8, 27, 29
Viver a Palavra
A liturgia deste domingo desinstala-nos e coloca-nos a caminho. Recordando-nos a nossa condição de peregrinos, quer ajudar-nos a construir a nossa identidade de cristãos a partir da descoberta da verdadeira identidade de Jesus: quem é Jesus para mim? Quem sou eu a partir de Jesus?
Jesus caminha da Galileia a Jerusalém: do lugar do amor que se fez chamamento e seduziu o coração dos discípulos, convocando-os para a missão até à Cruz, ao lugar da paixão, lugar da entrega generosa até ao fim. Neste percurso da Galileia a Jerusalém, passam por Cesareia de Filipe, cidade junto a uma das nascentes do Rio Jordão, marcada pelo paganismo. Mas é precisamente aí, em terreno hostil e pagão, que Jesus pergunta acerca da Sua identidade, para que os discípulos compreendam que a Boa Nova que veio anunciar está revestida da nova lógica do amor e da entrega, bem diferente dos líderes e reis deste mundo.
«Quem dizem os homens que Eu sou?». Não é mera curiosidade de Jesus, nem tão pouco sondagem da opinião pública. Jesus interroga os Seus discípulos e fá-lo pedagogicamente, para introduzir a pergunta mais difícil: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Afinal, vós que andais comigo, que comigo partilhais a vida, que deixaste tudo para me seguir, quem sou eu para vós?
Hoje, podemos imaginar aquele olhar de Jesus fixo em nós e sentir ecoar no nosso coração esta pergunta difícil e exigente, à qual é tentador responder com uma frase feita ou alguma frase bonita, porventura aprendida à memória. Mas, hoje, queremos como Pedro responder com o coração e a vida, dizer a Jesus que Ele é Aquele que irrompe na nossa vida e oferece um sentido absolutamente novo que brota da experiência de encontro com Ele.
Reconhecer a verdadeira identidade de Jesus, coloca-nos a caminho: «Se alguém quiser seguir-Me, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me». Na verdade, começamos a ser discípulos quando entramos nesta nova lógica de ser e de estar, neste novo modo de servir e amar. É a lógica daquele que sabe que a vida é tanto mais nossa, quanto mais for dos irmãos. Que a vida é tanto mais ganha, quanto mais for entregue. Que a vida é verdadeiramente vida, quando entregue sem medida. Esta é a estrada nova que Jesus abre e que nos convida a percorrer, não sem Ele, nem longe Dele, mas atrás Dele. Ele abrirá o caminho, Ele iluminará os nossos passos e será o garante de que estamos a percorrer o caminho certo.
Jesus recorda-nos que um Cristianismo sem Cruz é um Cristianismo sem Páscoa e sem Luz e que a Cruz não é mais o símbolo da morte e da condenação. Em Jesus, a Cruz é árvore da vida, porta aberta para a eternidade, pois sinal e expressão máxima do amor e da bondade de Deus que se dá sem medida e nos convoca para a Sua missão, para também nós sermos entrega total e disponível.
A descoberta da verdadeira identidade de Jesus conduz-nos à pergunta decisiva: «quem sou eu a partir de Jesus?» e desafia-nos como S. Tiago a anunciar ao mundo o rosto de Jesus pelas obras de amor e misericórdia que colocamos nos nossos gestos.in Dehonianos.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Isaías 50,5-9a
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio
e por isso não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.
O meu advogado está perto de mim.
Pretende alguém instaurar-me um processo?
Compareçamos juntos.
Quem é o meu adversário?
Que se apresente!
O Senhor Deus vem em meu auxílio.
Quem ousará condenar-me?
CONTEXTO
A primeira leitura do vigésimo quarto domingo comum pertence ao “Livro da Consolação”, do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). “Deutero-Isaías” é um nome convencional com que os biblistas designam um profeta anónimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética na Babilónia, entre os exilados judeus, na fase final do Exílio (talvez entre 550 e 539 a.C., aproximadamente).
A missão do Deutero-Isaías é consolar os exilados judeus. Nesse sentido, ele começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída da Babilónia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48); depois, anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).
No meio desta proposta “consoladora” aparecem, contudo, quatro poemas (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se diferenciam um tanto da temática desenvolvida pelo profeta no resto do livro. Referem-se a uma figura enigmática, que o próprio Deus apresenta como “o meu Servo” (Is 42,1). O nome “Servo de Javé” é, na Bíblia, um título honorífico. Refere-se, habitualmente, a alguém a quem Deus chama a colaborar no seu projeto salvador. De facto, o “Servo de Javé” que nos é apresentado pelo Deutero-Isaías, foi eleito por Deus e recebeu de Deus uma missão (cf. Is 42,1a; 49,1-5). Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem caráter universal, pois deve concretizar-se no meio das nações (cf. Is 42,1b; 49,6); será vivida pelo “servo” na humildade, no sofrimento e na obediência incondicional ao projeto de Deus (cf. Is 42,2-3). Apesar de a missão terminar num aparente insucesso (cf. Is 53,2-3.7-9), a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; dela resulta o perdão para o pecado do Povo (cf. Is 53,6.10). Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários (cf. Is 53,11-12).
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida e do seu destino.
O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Javé”.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Javé”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera Vida nova. No entanto, talvez esta conceção da vida nos pareça estranha e incongruente face àquilo que vemos acontecer todos os dias à nossa volta… Como é que me situo face a isto? Acredito que uma vida gasta como a de Jesus ou a do profeta/servo da primeira leitura deste domingo é uma vida com sentido e que conduz à Vida nova?
- O profeta/servo que, sem hesitar, põe a sua palavra e a sua vida ao serviço da libertação dos seus irmãos – mesmo que isso implique para si próprio sofrimento, perseguição e humilhação – deixa-nos um desafio que não podemos ignorar… Vivemos cercados por ilhas de miséria e de dor onde tantos e tantos irmãos nossos permanecem prisioneiros; passamos a cada passo por homens e mulheres abandonados, esquecidos, atirados para as margens da história, privados dos seus direitos e dignidade; assistimos diariamente à crucifixão de tanta gente que luta contra os sistemas de opressão e de morte… O que fazemos? Permanecemos indiferentes e viramos a cara para outro lado para não ver e para não sermos incomodados, ou levantamos a voz para denunciar o egoísmo, a violência, a injustiça, as mil formas de maldade que desfeiam o mundo e destroem a Vida?
- Temos consciência que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus que ecoa no mundo dos homens? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?
- O profeta/servo da nossa leitura garante-nos que nunca desistirá da missão que lhe foi confiada porque confia em Deus: sabe que Deus estará sempre com ele e que nunca o desiludirá. Que fantástica expressão de confiança e de fé! Seremos capazes de dizer, com convicção, a mesma coisa? Acreditamos que Deus nunca nos desiludirá? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 114 (115)
Refrão 1: Andarei na presença do Senhor sobre a terra dos vivos.
Refrão 2: Caminharei na terra dos vivos na presença do Senhor.
Refrão 3: Aleluia.
Amo o senhor,
porque ouviu a voz da minha súplica.
Ele me atendeu
no dia em que O invoquei.
Apertaram-me os laços da morte,
caíram sobre mim as angústias do além, vi-me na aflição e na dor.
Então invoquei o Senhor:
«Senhor, salvai a minha alma».
Justo e compassivo é o Senhor,
o nosso Deus é misericordioso.
O Senhor guarda os simples:
estava sem forças e o Senhor salvou-me.
Livrou da morte a minha alma,
das lágrimas os meus olhos, da queda os meus pés.
Andarei na presença do Senhor,
sobre a terra dos vivos.
LEITURA II – Tiago 2,14-18
Meus irmãos:
De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras?
Poderá essa fé obter-lhe a salvação?
Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir
e lhes faltar o alimento de cada dia,
e um de vós lhe disser: «Ide em paz.
Aquecei-vos bem e saciai-vos»,
sem lhes dar o necessário para o corpo,
de que lhes servem as vossas palavras?
Assim também a fé sem obras está completamente morta.
Mas dirá alguém:
«Tu tens a fé e eu tenho as obras».
Mostra-me a tua fé sem obras,
que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé.
CONTEXTO
O autor da Carta de Tiago apresenta-se a si próprio como “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tg 1,1). Mas, na verdade, não sabemos quem é este personagem. Não será, certamente, o Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João (cf. Mc 1,19), nem sequer o “Tiago, filho de Alfeu” que também integrava a lista dos Doze apóstolos de Jesus (cf. Mc 3,18). Também é pouco provável que seja o “Tiago, irmão do Senhor” (Gl 1,19; cf. Mc 6,3; At 12,17), que presidiu à comunidade cristã de Jerusalém e que foi martirizado no ano 62. Mas parece ser um cristão de origem judaica, que fala muito bem a língua grega e que conhece bem o Antigo Testamento.
A carta é endereçada “às Doze tribos da Dispersão”, o que poderia supor que os seus destinatários seriam cristãos de origem judaica, a viver fora da Palestina. No entanto, a expressão pode também ser entendida em sentido metafórico e referir-se às comunidades cristãs (o novo “Povo de Deus”) que vivem espalhadas pelo mundo greco-romano.
O escrito tem um cunho marcadamente judaico. O seu pensamento está enraizado no Antigo Testamento. É daí que o autor – um mestre cristão – parte para refletir sobre a existência cristã e desafiar os seus irmãos a viverem a sua fé de forma autêntica, empenhada e coerente.
O nosso texto pertence à segunda parte da carta (cf. Tg 2,1-26). Aí, o autor trata dois temas fundamentais: a fé concretiza-se no amor ao próximo, sem qualquer tipo de discriminação ou de aceção de pessoas (cf. Tg 2,1-13); a fé expressa-se, não através de ritos formais ou de palavras ocas, mas através de ações concretas em favor do homem (cf. Tg 2,14-26). No geral, este capítulo convida os crentes a assumir uma fé operativa, que se traduz num compromisso social e comunitário. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O que é ser cristão? O nosso compromisso cristão é algo que se vive a nível da teoria, ou do compromisso vital? O que caracteriza um cristão não é o conhecimento de belas fórmulas que expressam uma determinada ideologia, nem o cumprimento exato de ritos vazios e estéreis, nem uma assinatura feita no livro de registos de batismo da paróquia, mas é a adesão a Cristo. Ora, aderir a Cristo (fé), significa conformar, a cada instante, a própria vida com os valores de Cristo, seguir Cristo a par e passo no caminho do amor a Deus e da entrega total aos irmãos. Não se pode fugir a isto: a nossa caminhada cristã não é um processo teórico e abstrato concretizado num reino de belas palavras; mas é um compromisso efetivo com Cristo que tem de se traduzir, a cada instante, em gestos concretos em favor dos irmãos. A nossa fé em Jesus e na Vida que Ele nos propõe traduz-se em obras concretas em favor dos nossos irmãos, especialmente dos mais necessitados?
- Os discípulos de Cristo são aqueles que vão atrás d’Ele e que aprendem com Ele como é que se vive, como é que se ama, como é que se constrói o Reino de Deus. Ora, Cristo lutou pela justiça e pela verdade, denunciou tudo aquilo que escravizava o homem e o impedia de ser feliz, foi ao encontro dos marginalizados e manifestou-lhes o amor de Deus, realizou gestos de serviço e de partilha, distribuiu o perdão e a paz, ofereceu a sua própria vida para salvar os seus irmãos. Quem acredita em Cristo tem de viver assim: tem de lutar, objetivamente, contra as estruturas que geram injustiça e opressão; tem de acolher e amar aqueles que a sociedade marginaliza e rejeita; tem de denunciar uma sociedade construída sobre esquemas de egoísmo e de mostrar, com o seu testemunho, que só a partilha e o amor tornam o homem feliz; tem de quebrar a espiral da violência e do ódio e propor a tolerância e o amor. Que obras fazemos? As nossas obras são as mesmas que Cristo fez?
- Por vezes, há uma profunda dicotomia entre a fé que afirmamos e a vida que levamos. O nosso compromisso cristão traduz-se na participação certa nas eucaristias dominicais, na oferta de chorudas quantias para as obras da igreja, na participação destacada em manifestações públicas de religiosidade, na pertença a movimentos eclesiais… e mais nada. Depois, na vida do dia a dia, praticamos injustiças, pactuamos com esquemas de corrupção, criticamos e rotulamos aqueles de quem não gostamos, passamos indiferentes diante das necessidades e dores dos irmãos, tratamos com sobranceria os mais humildes e fracos, dizemos palavras que ferem e que levantam muros de desentendimento, demitimo-nos das nossas responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor… De acordo com os ensinamentos da Carta de Tiago, a nossa religião será verdadeira se não se traduzir em gestos concretos de amor e de fraternidade? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 8,27-35
Naquele tempo,
Jesus partiu com os seus discípulos
para as povoações de Cesareia de Filipe.
No caminho, fez-lhes esta pergunta:
«Quem dizem os homens que Eu sou?»
Eles responderam:
«Uns dizem João Baptista; outros, Elias;
e outros, um dos profetas».
Jesus então perguntou-lhes:
«E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Pedro tomou a palavra e respondeu: «Tu és o Messias».
Ordenou-lhes então severamente
que não falassem d’Ele a ninguém.
Depois, começou a ensinar-lhes
que o Filho do homem tinha de sofrer muito,
de ser rejeitado pelos anciãos,
pelos sumos sacerdotes e pelos escribas;
de ser morto e ressuscitar três dias depois.
E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas.
Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-l’O.
Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos,
repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás,
porque não compreendes as coisas de Deus,
mas só as dos homens».
E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes:
«Se alguém quiser seguir-Me,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.
Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á;
mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho,
salvá-la-á».
CONTEXTO
O texto que nos é hoje proposto é um texto central no Evangelho segundo Marcos. Apresenta-nos os últimos versículos da primeira parte (cf. Mc 8,27-30) e os primeiros versículos da segunda parte (cf. Mc 8,31-35) deste Evangelho.
A primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30) tem como objetivo fundamental levar à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. Ao longo de um percurso que é mais catequético do que geográfico, os leitores do Evangelho são convidados a acompanhar a revelação de Jesus, a escutar as suas palavras e o seu anúncio, a fazerem-se discípulos que aderem à sua proposta de salvação. Este percurso de descoberta do Messias que o catequista Marcos nos propõe termina, em Mc 8,29-30, com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe (que é, evidentemente, a confissão que se espera de cada crente, depois de ter acompanhado o percurso de Jesus a par e passo): “Tu és o Messias”.
Depois, vem a segunda parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 8,31-16,8). Nesta segunda parte, o objetivo do catequista Marcos é explicar que Jesus, além de ser o Messias libertador, é também o “Filho de Deus”. No entanto, Jesus não veio ao mundo para cumprir um destino de triunfos e de glórias humanas, mas para oferecer a sua vida em dom de amor aos homens. Ponto alto desta “catequese” é a afirmação do centurião romano junto da cruz (que Marcos convida, implicitamente, os seus cristãos a repetir): “realmente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15,39).
Cesareia de Filipe – o cenário geográfico onde o Evangelho deste vigésimo quarto domingo comum nos coloca – era uma cidade situada no Norte da Galileia, no sopé do Monte Hermon, junto de uma das nascentes do rio Jordão (na zona da atual Bânias). Durante o período helenístico, a cidade tinha tomado o nome de Panion, em virtude de haver lá um santuário dedicado ao deus grego Pan; mas, no ano 2 ou 3 a.C., Herodes Filipe (filho de Herodes o Grande) reconstruiu-a e deu-lhe o nome de Cesareia, em honra de César Augusto, imperador de Roma. Era, portanto, uma cidade marcada pelo paganismo e pelo culto ao imperador. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Quem é Jesus? Como é que os homens do séc. XXI o veem? Muitos dos nossos contemporâneos – crentes, agnósticos ou mesmo ateus – veem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros veem em Jesus um admirável “mestre” de moral, que tinha uma proposta de vida “interessante”, mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns veem em Jesus um admirável condutor de massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenómeno; outros, ainda, veem em Jesus um revolucionário, ingénuo e inconsequente, preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados em manter o “status quo”. Que achamos destas “visões” sobre Jesus? Consideramo-las redutoras, ou exatas? Jesus terá sido apenas um “homem” que deixou a sua pegada na história humana, como tantos outros que a história absorveu e digeriu?
- “E vós, quem dizeis que Eu sou?” – perguntou Jesus diretamente aos seus discípulos nos arredores de Cesareia de Filipe. É uma pergunta decisiva, que deve ecoar, de forma constante, nos ouvidos e no coração dos discípulos de Jesus de todas as épocas. A nossa resposta a esta questão não pode ficar-se pela repetição papagueada de velhas fórmulas que aprendemos na catequese, ou pela reprodução impessoal de uma definição tirada de um qualquer tratado de teologia. A questão vai dirigida ao âmago do nosso ser e exige uma tomada de posição pessoal, um pronunciamento sincero, sobre a forma como Jesus toca a nossa vida. A resposta a esta questão é o passo mais importante e decisivo na vida de cada crente. Quem é Jesus para nós? Que lugar ocupa Ele na nossa existência? Que valor damos às suas propostas? Que importância assumem os seus valores nas nossas opções de vida? Jesus é, para nós, a grande referência, o vetor à volta do qual o nosso mundo se constrói? Ele é para nós, de facto, “caminho, verdade e vida”?
- Evangelho do vigésimo quarto domingo comum coloca frente a frente a lógica dos homens (Pedro) e a lógica de Deus (Jesus). A lógica dos homens aposta no poder, no domínio, no triunfo, no êxito; garante-nos que a vida só tem sentido se estivermos do lado dos vencedores, se tivermos dinheiro em abundância, se formos reconhecidos e incensados pelas multidões, se pudermos cercar-nos de bem-estar e garantir que os nossos dias decorram tranquilos e confortáveis, se assegurarmos a nossa quota de poder e influência… A lógica de Deus aposta na entrega da vida a Deus e aos irmãos; garante-nos que a vida só faz sentido se assumirmos os valores do Reino e vivermos no amor, na partilha, no serviço, na solidariedade, na humildade, na simplicidade… Na nossa vida de cada dia estas duas perspetivas confrontam-se, a par e passo e exigem de nós um posicionamento claro. Qual é a nossa escolha? Na nossa perspetiva, qual destas duas propostas apresenta um caminho de felicidade seguro e duradouro?
- Jesus tornou-se um de nós para concretizar os planos do Pai e propor aos homens – através do amor, do serviço, do dom da vida – o caminho da salvação. Neste texto fica claramente expressa a fidelidade radical de Jesus a esse projeto. Por isso, Ele não aceita que nada nem ninguém O afastem do caminho do dom da vida: dar ouvidos à lógica do mundo e esquecer os planos de Deus é, para Jesus, uma tentação diabólica que Ele rejeita terminantemente. Que significado e que lugar ocupam na nossa vida os projetos de Deus? Esforçamo-nos, como Jesus, por descobrir a vontade de Deus a nosso respeito e a respeito do mundo? Mantemo-nos atentos, em cada passo do nosso caminho, a esses “sinais dos tempos” através dos quais Deus nos interpela? Somos capazes de acolher e de viver com fidelidade e radicalidade as propostas de Deus, mesmo quando elas são exigentes e vão contra os nossos interesses e projetos pessoais?
- O que é que faz de nós verdadeiros discípulos de Jesus? Muitos de nós receberam uma catequese que insistia em ritos, em fórmulas, em práticas de piedade, em determinadas obrigações legais, mas que nem sempre punha em relevo o essencial do cristianismo: o seguimento de Jesus. No entanto, a identidade cristã constrói-se à volta de Jesus, do seu Evangelho, da sua proposta de vida. Sentimo-nos verdadeiramente discípulos de Jesus? Estamos disponíveis, de alma e coração, para ir atrás d’Ele no caminho da doação da vida e do amor até às últimas consequências?
- Jesus convida os seus discípulos a renunciarem a si mesmos… O que é “renunciar a si mesmo”? É não deixar que o egoísmo, o orgulho, o comodismo, a autossuficiência, a ambição, a mentira, dominem a nossa vida. O seguidor de Jesus não vive fechado na sua zona de segurança, a olhar para si mesmo, indiferente aos dramas que se passam à sua volta, insensível às necessidades dos irmãos, alheado das lutas e reivindicações dos outros homens; mas vive para Deus e na solidariedade, na partilha e no serviço aos irmãos. Até que ponto estamos disponíveis para renunciar a nós mesmos e para colocar a nossa vida ao serviço do projeto de Deus?
- Jesus também convida os seus discípulos a tomarem a cruz… O que é “tomar a cruz”? É amar até às últimas consequências, até à morte, se for necessário; é gastar cada instante da vida a servir, a amar, a cuidar, a fazer o bem… O seguidor de Jesus é aquele que está disposto a dar a vida para que os seus irmãos sejam mais livres e mais felizes. Por isso, o cristão não tem medo de lutar contra a injustiça, a exploração, a miséria, o pecado, mesmo que isso signifique enfrentar a morte, a tortura, as represálias dos poderosos. Aceitamos tomar cada dia a nossa cruz e a viver para os outros, como Jesus? in Dehonianos
Para os leitores:
A proclamação das leituras deve ter em conta as diversas perguntas que surgem nos dois textos.
Na primeira leitura, inserida nos chamados “Cânticos do Servo de Javé”, é necessário ter em atenção as respostas que intercalam as perguntas, cuidando a articulação entre as frases interrogativas e declarativas, sublinhando a força das palavras finais que são como uma profissão de fé: «O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?».
Na segunda leitura, entre as várias perguntas, ter uma especial atenção na frase interrogativa mais longa, que contém no seu interior texto em discurso direto. A proclamação desta leitura deve ainda considerar a última frase – «Mostra-me a tua fé sem obras, que eu, pelas obras, te mostrarei a minha fé» como conclusão de toda a leitura e como mensagem fundamental que S. Tiago quer transmitir.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Também hoje, dada a importância de que se reveste, optamos por visitar mais de perto o texto do Evangelho deste Domingo XXIV do Tempo Comum (Marcos 8,27-35), disponibilizando-o em tradução literal:
«E saiu JESUS e os DISCÍPULOS d’ELE (hoi mathêtaì autoû) para as povoações de Cesareia de Filipe. E, NO CAMINHO (en tê hodô), perguntou aos DISCÍPULOS d’ELE, dizendo-lhes: “Quem dizem as pessoas que EU SOU?”. Eles disseram-LHE, dizendo: “João Baptista; outros, Elias, e outros ainda, um dos profetas”. E ELE perguntou-lhes: “E VÓS, quem dizeis que EU SOU?” Respondendo, Pedro diz-LHE: “TU és o CRISTO”. E censurou-os (epetímêsen) para não dizerem a ninguém acerca d’ELE.
E COMEÇOU A ENSINÁ-LOS (kaì êrxato didáskein autoús) que é preciso (deî) o FILHO DO HOMEM sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, depois de três dias, ressuscitar. E abertamente (parrêsía) falava esta palavra. E tomando-O consigo (proslabómenos), Pedro começou a censurá-lo (epitimân) (cf. 9,31-32; 10,32-34). ELE, porém, voltando-se e vendo os DISCÍPULOS d’ELE, censurou (epetímêsen) Pedro e diz: “Vai para trás de MIM (hypáge opísô mou), satanás, pois não tens em consideração as coisas de Deus, mas as dos homens”.
E chamando para SI (proskalesámenos) a MULTIDÃO, juntamente com os DISCÍPULOS d’ELE, disse-lhes: “Se alguém quiser atrás de MIM SEGUIR (opísô mou akoloutheîn), RENEGUE (aparnêsásthô: imp. aor. de aparnéomai) a si mesmo (heautón), TOME A SUA CRUZ e SIGA-ME, pois aquele que quiser salvar a própria vida, vai perdê-la, mas o que perder a própria vida por causa de MIM e do Evangelho, vai salvá-la”» (Marcos 8,27-35).
O episódio «NO CAMINHO» de Cesareia de Filipe abre significativamente com o nome «JESUS», abandonado 89 versículos atrás, em Marcos 6,30! Forma clara e enfática de o narrador dizer ao leitor que estamos perante um episódio importante, justamente considerado o centro geométrico e teológico do Evangelho de Marcos. Ao apresentar JESUS e os seus discípulos NO CAMINHO, o narrador abre a secção central deste Evangelho (Marcos 8,27-10,52), normalmente intitulada: «O seguimento de Jesus NO CAMINHO», que é o CAMINHO que conduz da Galileia a Jerusalém, o CAMINHO da formação de Jesus aos seus discípulos. Vamos seguir a par e passo esta importante secção do Evangelho de Marcos durante sete Domingos, desde o Domingo XXIV até ao Domingo XXX.
Cesareia de Filipe, tetrarquia de Filipe, um dos filhos de Herodes o Grande, é o lugar certo para se pôr a questão da identidade de JESUS. Cesareia de Filipe, onde se encontra uma das nascentes do rio Jordão, respirava o paganismo do deus Pã e também o culto do Imperador. Aí construiu Herodes um templo dedicado ao Imperador César Augusto, e o tetrarca Filipe, filho de Herodes, deu à cidade, antes conhecida por Pânias, em honra do deus Pã, o nome de Cesareia, também em honra de César Augusto.
É aí, em Cesareia de Filipe, cidade marcada pelo paganismo e pelo culto do Imperador, que JESUS põe a questão da sua identidade. Soberanamente JESUS pergunta: «Quem dizem as pessoas que eu sou?» (8,27), para acrescentar logo de seguida: «E vós, quem dizeis que eu sou?» (8,29). A pergunta é única em todo o arco da Escritura. Ninguém, antes ou depois de Jesus, em toda a Escritura, fez ou fará uma pergunta semelhante.
Para o povo, JESUS é um profeta. Um entre muitos. Mas para Pedro, Jesus não é apenas um entre muitos. Ele é Único e Último (cf. Marcos 12,1-12), o Rei definitivo, o Cristo, o Messias, que traz todo o bem para o seu povo («Fez tudo bem feito»: Marcos 7,37). E assim, à questão direta e enfática – «E vós, quem dizeis que eu sou?» (8,29) – posta por JESUS aos seus discípulos que de há muito o seguiam, Pedro responde: «Tu és o Cristo!». Note-se bem que JESUS não pergunta simplesmente: «Quem sou Eu?», mas: «Quem dizeis vós que Eu sou?». Dizer é mais do que um saber. Implica o compromisso, a vida, de quem diz.
À primeira vista, parece que Pedro respondeu acertadamente. Mas o contexto mostra que o discípulo não reunia competência sobre a matéria, não estava ainda em condições de fazer as operações mentais e afetivas necessárias para uma resposta correta que reunisse todos os elementos necessários de modo a implicar na resposta o respondedor. O dizer de Pedro ainda era um dizer antigo, tradicional e convencional, sem implicações pessoais. Pedro ainda não tinha nascido de novo e do alto e do Espírito. Como podia dizer JESUS? «Tu és o Cristo!», respondeu Pedro. Fosse qual fosse a ideia que Pedro tivesse de «Cristo», vê-se logo no seguimento do texto, que no «Cristo» de Pedro não entrava o sofrimento, a rejeição, a morte, a ressurreição (8,31-32). Muito menos a adesão pessoal de Pedro a este «Cristo». Na verdade, Pedro recrimina JESUS pelo CAMINHO de rejeição, sofrimento e morte que Ele acaba de mostrar como sendo o verdadeiro CAMINHO de «Cristo» segundo JESUS. O CAMINHO de «Cristo» segundo Pedro só inclui triunfo e sucesso.
Por isso, porque Pedro acertou com a resposta – na verdade, JESUS é o «Cristo» –, mas não é o «Cristo» como Pedro pensa que é, JESUS impõe soberanamente silêncio (8,30). O silêncio imposto por JESUS aos seus discípulos pode passar falsamente a ideia do chamado «segredo messiânico», segundo o qual JESUS não quereria que a sua identidade, uma vez descoberta, fosse divulgada. Trata-se, antes, de impedir que respostas, porventura certas nas palavras, mas erradas nos conteúdos, e elaboradas apenas com base em elementos convencionais e tradicionais (o «Cristo» do judaísmo), que não implicam um verdadeiro dizer pessoal, um novo nascimento do alto e do Espírito, sejam transmitidas boicotando assim o nascimento do conhecimento profundo e verdadeiro da novidade de JESUS e a implicação pessoal de quem diz JESUS e se diz face a JESUS. O verdadeiro sujeito deste dizer não o pode ser só por fazer parte de alguma instituição que confere credibilidade ao seu dizer já antes de começar a dizer, como, por exemplo, os escribas ou os próprios discípulos de JESUS.
Porque há muita coisa que os discípulos ainda têm de aprender, antes de saberem dizer JESUS, soberanamente JESUS começou a ensinar (8,31). É grandemente sintomático que o narrador empregue a mesma expressão («E começou a ensiná-los») quando JESUS ensina a semente (Marcos 4,1-2), quando ensina o pão (Marcos 6,34s.), e quando ensina a Paixão, Morte e Ressurreição (Marcos 8,31s.). Em boa verdade, JESUS é a semente e é também o pão, linguagem que ilumina e é iluminada pela Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Veja-se o dito condensado de João 12,24: «Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto».
Já sabemos que Pedro respondeu antes do tempo com um punhado de palavras convencionais, que vinham na corrente da tradição judaica. Ainda não tinha nascido do alto e do Espírito, como sujeito novo de ação [= dizer e fazer], face à novidade de JESUS. Falta-lhe fazer aquele «caminho» transitivo e intransitivo, longo, gradual e tortuoso, da Galileia até à Cruz, que JESUS aponta logo de seguida aos seus discípulos e ao leitor. Aí nascerá para a Glória a humanidade de JESUS, enquanto nascerá Pedro como sujeito apto para dizer JESUS e se dizer face a JESUS. Por agora, Pedro e os discípulos e a multidão e o leitor devem «dizer energicamente não» (aparnéomai) a si mesmos e ocupar o seu lugar «atrás de» JESUS, para seguir o Mestre ao longo do CAMINHO. Este «dizer não» a si mesmo implica uma forte conotação de rejeição, que Isaías usa para a rejeição dos ídolos: «Naquele dia, Israel rejeitará (aparnéomai) os seus ídolos de prata e os seus ídolos de ouro, trabalho das vossas mãos pecadoras» (Isaías 31,7). Marcos só usa esta expressão aqui e no anúncio feito por Jesus da negação de Pedro (Marcos 14,30-31) e na recordação desse anúncio por parte de Pedro (Marcos 14,72). A lição é clara: ou «dizemos não» a nós mesmos ou acabaremos sempre por «dizer não» a JESUS.
Ocupar o seu lugar «atrás de» JESUS. Note-se a tradução correta: «Vai para trás de MIM» (hypáge opísô mou) (8,33), e não: «Afasta-te de MIM», como se vê em muitas traduções. «Atrás de MIM» é o lugar do discípulo, que segue o Mestre passo a passo, que deve ter em consideração as coisas de Deus, e não as dos homens. É, de resto, a mesmíssima linguagem posta na boca de JESUS aquando do chamamento de Pedro e André: «Vinde atrás de Mim (deûte ôpísô mou)» (Marcos 1,17).
Seguindo atentamente «atrás de» Jesus neste caminho de formação que constitui a secção central de Marcos (8,27-10,52), estes sete Domingos fazem-nos viver, episódio após episódio, importantes situações pedagógicas.
O chamado «Terceiro Canto do Servo de YHWH» (Isaías 50,5-9) faz eco ao caminho do Filho do Homem e de todo aquele que o quiser seguir, aberto no Evangelho de hoje em duas vagas sucessivas (Marcos 8,31-33 e 8,34-35). Este itinerário de Jesus para a Cruz e a Ressurreição será ainda acentuado por mais duas vezes (Marcos 9,30-31 e 10,32-34), mas esta declaração será sempre acompanhada de uma declaração paralela sobre o seu discípulo (Marcos 9,35 e 10,43-45). O retrato do discípulo de Jesus deve decalcar os traços do retrato do Mestre. Tal como Jesus, também o seu discípulo tem de ser o homem da doação total, sem reservas. Assim é também o Servo de YHWH que caminha, sem recuos, enfrentando determinado o sofrimento, mas sempre assistido pelo seu Deus. Esta determinação aparece traduzida pela expressão: «Tornei o meu rosto duro como pedra» (Isaías 50,7), que é como quem diz que tomou uma decisão da qual não poderá voltar atrás. Lucas pediu emprestada a Isaías esta forma de dizer para vincar a determinação com que Jesus orienta o seu rosto na direção de Jerusalém (Lucas 9,51).
Outra vez a lição oportuna e contundente de S. Tiago (2,14-18), a lembrar-nos que a fé que professamos é um dom de Deus, e tem de ser professada, não apenas com os lábios, mas com gestos concretos de caridade. A fé com alegria recebida deve ser com alegria dita e com alegria feita em pequenos gestos de amor. Não. Não se trata da fé contra as obras, nem de Tiago contra Paulo. Veja-se o dizer de Paulo aos Gálatas: «Em Cristo Jesus nada conta… senão a fé que opera por meio da caridade» (Gálatas 5,6).
O Salmo 116 apresenta-se composto por dois painéis, que formam um díptico. O primeiro integra os v. 1-9, e abre com: «Eu amo». O segundo reúne os v. 10-19, e abre com: «Eu acreditei». O painel de hoje, o primeiro, abre, como vimos, com «Eu amo». O objeto deste amor do orante é Deus, o seu Deus, e são logo evocadas as razões pelas quais o orante ama o seu Deus. Porque ouviu a sua súplica, se debruçou sobre ele, salvou a sua vida, transformou as suas lágrimas em alegria, porque é bom, justo e compassivo. Sim, o nosso Deus é digno de confiança, está sempre atento à nossa vida, caminha connosco. É bom, belo e justo que nós caminhemos também com Ele.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXIV do Tempo Comum – Ano B – 15.09.2024 (Is 50, 5-9a)
- Leitura II do Domingo XXIV do Tempo Comum – Ano B – 15.09.2024 (Tg 2, 14-18)
- Domingo XXIV do Tempo Comum – Ano B – 15.09.2024 – Lecionário
- Domingo XXIV do Tempo Comum – Ano B – 15.09.2024 – Oração Universal
- Domingo XXIV do Tempo Comum – Ano B – 15.09.2024-refletindo
- Da Religião ao Evangelho – 5 reflexões de Ariel Álvarez Valdés-v1
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXIII do Tempo Comum – Ano B – 08.09.2024
Viver a Palavra
“Effata!” “Abre-te!” Esta palavra tão simples é na realidade muito perigosa. Como diz o dicionário, abrir é fazer com que o que está fechado não o fique mais. Óbvio, mas cheio de consequências! Os Judeus de Jerusalém tinham consciência de serem o Povo eleito por Deus, posto à parte pelos outros povos. Nem pensar misturar-se aos outros povos, aos pagãos, aos estrangeiros!
E eis que Jesus faz o contrário. Sai das fronteiras de Israel, vai junto dos pagãos, fazendo mesmo milagres em seu favor. É o mundo ao contrário! Ele não teme mesmo ter contacto físico com este surdo-mudo, impuro aos olhos dos Judeus fiéis. Antes de abrir os ouvidos do infeliz, é Jesus que Se abre aos estrangeiros, tornando-Se um impuro aos olhos dos Judeus. Evidentemente, é muito arriscado, ainda hoje, abrir a sua porta, mas primeiro o seu coração aos estrangeiros. Porque é preciso olhá-los ultrapassando os preconceitos, aceitando outras maneiras de pensar e de viver. Aquele que segue Jesus não pode esquivar-se à interrogação: E eu, onde estou quanto à minha abertura de coração? Jesus quer sempre vir até mim, tocar os meus ouvidos para que eu ouça melhor o grito dos meus irmãos em angústia, tocar os meus olhos para que procure encontrar o olhar de Deus sobre os outros.
A um visitante que lhe perguntava para que servia um concílio, João XXIII respondeu:” o concílio é a janela aberta. Ou ainda, é tirar a poeira e varrer a casa, e pôr flores e abrir a porta dizendo a todos: Vinde e vede, aqui é a casa do bom Deus!” Na manhã de Páscoa, já houve uma abertura, quando a pedra que fechava o túmulo de Jesus foi retirada. E antes ainda, tinha havido já uma abertura, quando o soldado romano tinha aberto o lado de Jesus com um golpe de lança. Estas duas aberturas nunca foram fechadas.
Participando em cada Eucaristia, vimos beber a água e o sangue que brotam para que o grito de Jesus seja eficaz também em nós: “Effata!” “Abre-te!”. in Dehonianos.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Isaías 35,4-7a
Dizei aos corações perturbados:
«Tende coragem, não temais.
Aí está o vosso Deus;
vem para fazer justiça e dar a recompensa;
Ele próprio vem salvar-nos».
Então se abrirão os olhos dos cegos
e se desimpedirão os ouvidos dos surdos.
Então o coxo saltará como um veado
e a língua do mudo cantará de alegria.
As águas brotarão no deserto
e as torrentes na aridez da planície;
a terra seca transformar-se-á em lago
e a terra árida em nascentes de água.
CONTEXTO
Os capítulos 34-35 do Livro de Isaías constituem aquilo a que os biblistas chamam o “pequeno apocalipse de Isaías” (para distinguir do “grande apocalipse de Isaías”, que aparece nos capítulos 24-27). Descrevem o castigo definitivo das nações inimigas de Israel, particularmente de Edom, o povo nascido de Esaú, irmão de Jacob (capítulo 34), e a vitória definitiva do Povo de Deus sobre os inimigos (capítulo 35).
Estes dois capítulos, pelos motivos e pela temática, parecem poder ser relacionados com os capítulos 40-55 do Livro de Isaías (cujo autor é o profeta designado por Deutero-Isaías, que atuou na Babilónia entre os exilados, na fase final do Exílio). Por que razão estes dois capítulos se apresentam separados do seu “ambiente natural” (Is 40-55)? Provavelmente, foram atraídos pelas peças escatológicas soltas de Is 28-33 (especialmente pelo capítulo 33).
O autor destes dois capítulos escreve na fase final do exílio do Povo de Deus na Babilónia (por volta do ano 550 a.C.). A sua intenção é consolar os exilados, desanimados, frustrados e mergulhados no desespero, porque a libertação tarda e parece que Deus os abandonou (uma temática que será desenvolvida e aprofundada nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías).
Depois de apresentar o julgamento de Deus sobre as nações (cf. Is 34,1-4) e o castigo de Edom (cf. Is 34,5-15), o autor descreve, por contraste, a alegria do Povo de Deus porque chegou a hora da libertação. A própria terra (o Líbano glorioso, o belo monte Carmelo e a policromada planície do Saron) alegrar-se-á, vestir-se-á das suas melhores cores, encher-se-á de flores para celebrar a iniciativa salvadora de Deus e para acolher os exilados que regressam triunfalmente (cf. 35,1-2).in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Para uns, o nosso tempo é um tempo fascinante, cheio de realizações, de descobertas, de conquistas, que abrem aos seres humanos possibilidades infinitas. Para outros, no entanto, o nosso tempo é um tempo assustador, marcado pelo sobreaquecimento do planeta, pela subida do nível do mar, pela destruição da camada do ozono, pela eliminação das florestas, pela poluição dos rios e mares, pelo espectro da fome e da miséria de biliões de seres humanos, pelas guerras cada vez mais violentas e destruidoras, pelo risco de holocausto nuclear… Para todos, é um tempo de desafios, de interpelações, de procura, de risco… Como é que nós nos relacionamos com este mundo? Vemo-lo com os olhos da esperança, ou com os óculos escuros do pessimismo?
- Os crentes, seja qual for a avaliação que façam do mundo e das suas cores, não podem esquecer que “Deus está aí”: Ele preside à história humana, Ele conhece e acompanha a caminhada dos homens, Ele abraça a humanidade inteira com o seu carinho e a sua ternura de pai e de mãe. É Ele que faz com que o deserto se revista de vida nova e que na planície árida do desespero brote a flor da esperança; é Ele que ilumina o caminho para que não andemos aos tropeções, na escuridão; é Ele que desperta os surdos do seu isolamento e da sua autossuficiência e os convida a escutar os gritos de sofrimento dos pobres; é Ele que devolve aos coxos, presos por cadeias de opressão, de injustiça e de pecado, a possibilidade de serem livres. É com a certeza da presença salvadora e amorosa de Deus e com a convicção de que Ele não nos deixará abandonados nas mãos das forças da morte que somos convidados a caminhar pela vida e a enfrentar a história. Confiamos em Deus, na sua providência, na sua solicitude, no seu amor?
- O profeta é o homem que rema contra a maré… Quando todos cruzam os braços e se afundam no desespero, o profeta é capaz de olhar para o futuro com os olhos de Deus e ver, para lá do horizonte do sol poente, um amanhã novo. Ele vai então gritar aos quatro ventos a esperança, fazer com que o desespero se transforme em alegria e que o imobilismo se transforme em luta empenhada por um mundo melhor. E nós, chamados a ser no mundo sinais vivos de Deus, somos profetas da desgraça, ou arautos e testemunhas da esperança? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)
Refrão 1: Ó minha alma, louva o Senhor.
Refrão 2: Aleluia.
O Senhor faz justiça aos oprimidos,
dá pão aos que têm fome
e a liberdade aos cativos.
O Senhor ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor levanta os abatidos,
o Senhor ama os justos.
O Senhor protege os peregrinos,
ampara o órfão e a viúva
e entrava o caminho aos pecadores.
O Senhor reina eternamente;
o teu Deus, ó Sião,
é rei por todas as gerações.
LEITURA II – Tiago 2,1-5
Meus irmãos:
A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo
não deve admitir aceção de pessoas.
Pode acontecer que na vossa assembleia
entre um homem bem vestido e com anéis de ouro
e entre também um pobre e mal vestido;
talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais:
«Tu, senta-te aqui em bom lugar»,
e ao pobre: «Tu, fica aí de pé»,
ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés».
Não estareis a estabelecer distinções entre vós
e a tornar-vos juízes com maus critérios?
Escutai, meus caríssimos irmãos:
Não escolheu Deus os pobres deste mundo
para serem ricos na fé
e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?
CONTEXTO
O autor da “Carta de Tiago” apresenta-se a si próprio como “servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tg 1,1). A tradição identifica-o com o Tiago “irmão do Senhor”, figura de referência na comunidade cristã de Jerusalém (cf. At 12,17; 15,13-21; 21,18-25), que foi martirizado no ano 62. No entanto, é pouco provável que esse Tiago tenha sido o autor deste escrito. Também não parece provável que a carta tenha sido escrita por Tiago, filho de Zebedeu e irmão de João (cf. Mc 1,19; 3,17), ou pelo outro Tiago, o “filho de Alfeu” (cf. Mc 3,18), que fazia parte do grupo dos Doze apóstolos.
A carta é endereçada “às doze tribos da Dispersão” (Tg 1,1). Isso pode querer dizer que o documento se destinava a cristãos de origem judaica que viviam fora da Palestina; no entanto, as “doze tribos da Dispersão” também podem, em sentido figurado, ser as comunidades cristãs dispersas pelo mundo greco-romano.
Seja como for, o autor desta carta é um escritor exímio, que se exprime muito bem na língua grega, apesar de usar diversos semitismos. Tem um vocabulário rico e utiliza recursos estilísticos de belo efeito.
A Carta de Tiago não é um tratado de teologia. É, digamos assim, um conjunto de reflexões de um mestre cristão empenhado em propor, a partir da mensagem de Jesus, um caminho de vida cristã autêntica. Os discípulos de Jesus, destinatários da carta, são exortados a acolher a sabedoria que vem do alto e a deixar que ela os guie pelo caminho da fé e da vida.
O texto que a liturgia deste vigésimo terceiro domingo do tempo comum nos propõe como segunda leitura pertence à segunda parte da carta (cf. Tg 2,1-26), que reflete sobre a fé. De uma forma muito prática, este “sábio” cristão ensina que a fé se concretiza no amor ao próximo, sem qualquer tipo de discriminação ou de aceção de pessoas (cf. Tg 2,1-13); e que a fé se expressa, não através de ritos formais ou de palavras ocas, mas de ações concretas em favor do homem (cf. Tg 2,14-26). De acordo com o autor da Carta de Tiago, a fé dos crentes deve ser uma fé operativa, que se traduz num compromisso social e comunitário. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O autor da Carta de Tiago tem razão: a nossa fé em Cristo Jesus é incompatível com qualquer atitude que sugira a aceção de pessoas. Sabemos como Jesus viveu: Ele sentou-se à mesa com os desclassificados, acolheu os doentes, estendeu a mão aos leprosos, chamou um publicano para fazer parte do seu grupo de discípulos, disse que os pobres eram os filhos queridos de Deus, amou aqueles que a sociedade religiosa do tempo considerava amaldiçoados e condenados… Ora, a comunidade cristã é hoje, no meio do mundo, o rosto vivo de Cristo; por isso, deve ser a “casa de família” onde todos os filhos de Deus, sem exceção, se sentem acolhidos, queridos e amados. Isto é, naturalmente, uma evidência que ninguém contesta… Mas, na prática, todos são acolhidos na nossa comunidade cristã com respeito e amor? Na nossa comunidade cristã tratamos com a mesma delicadeza e com o mesmo respeito quem é rico e quem é pobre, quem tem uma posição social relevante e quem a não tem, quem tem um título universitário e quem é analfabeto, quem se dá bem com o padre e quem tem uma atitude crítica diante de certas opções dos responsáveis da comunidade?
- Na nossa vida do dia a dia deparamo-nos, a cada passo – no nosso círculo de relações, no nosso universo profissional, no nosso prédio, talvez até na nossa família – com pessoas que têm ideias diferentes, das nossas, que têm comportamentos que reprovamos, que talvez levam vidas pouco recomendáveis, que vivem “fora da caixa” e não são social ou politicamente corretas… Como lidamos com as pessoas “diferentes”, com aqueles que a sociedade marcou, julgou e condenou? Somos, para todos e em todos os momentos, testemunhas daquele Jesus que nunca fez aceção de pessoas e que acolheu até aqueles que a sociedade julgava e condenava?
- Deus tem uma relação privilegiada com os pobres. Isto não quer dizer, contudo, que Deus tenha uma opção de classe e que privilegie uns em detrimento de outros… Na verdade, Deus oferece o seu amor, a sua graça e a sua vida a todos; contudo, uns acolhem os seus dons e outros não… Os “pobres” são aqueles que, na sua simplicidade e humildade estão disponíveis para acolher os dons de Deus. Estamos conscientes de que temos de despir-nos do orgulho, da autossuficiência, dos preconceitos, das ostentações, das vaidades, para que nos nossos corações haja espaço para os desafios e as propostas de Deus? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 7,31-37
Naquele tempo,
Jesus deixou de novo a região de Tiro
e, passando por Sidónia, veio para o mar da Galileia,
atravessando o território da Decápole.
Trouxeram-Lhe então um surdo que mal podia falar
e suplicaram-Lhe que impusesse as mãos sobre ele.
Jesus, afastando-Se com ele da multidão,
meteu-lhe os dedos nos ouvidos
e com saliva tocou-lhe a língua.
Depois, erguendo os olhos ao Céu,
suspirou e disse-lhe:
«Effathá», que quer dizer «Abre-te».
Imediatamente se abriram os ouvidos do homem,
soltou-se-lhe a prisão da língua
e começou a falar corretamente.
Jesus recomendou que não contassem nada a ninguém.
Mas, quanto mais lho recomendava,
tanto mais intensamente eles o apregoavam.
Cheios de assombro, diziam:
«Tudo o que faz é admirável:
faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».
CONTEXTO
Na fase final da “etapa da Galileia”, multiplicam-se as reações negativas contra Jesus e contra o seu projeto, apesar do rasto de esperança que Ele vai deixando pelas aldeias e cidades por onde passa. As últimas discussões com os fariseus e com doutores da Lei a propósito de questões legais e da “tradição dos antigos” (cf. Mc 7,1-23) são uma espécie de gota de água que faz Jesus abandonar o território judeu e a passar, por algum tempo, ao território pagão.
Marcos refere, neste contexto, uma viagem de Jesus pela Fenícia, que o leva até Tiro e Sídon, cidades da faixa costeira oriental do mar Mediterrâneo, no Líbano atual (cf. Mc 7,24). Aí teria curado a filha de uma mulher pagã, siro-fenícia de origem (cf. Mc 7,25-30). No regresso dessa incursão pela Fenícia, Jesus não teria vindo diretamente na direção do Mar da Galileia, mas teria dado uma longa volta pelo território pagão da Decápole (cf. Mc 7,31). O nome Decápole servia para designar uma liga de dez cidades (Damasco, Filadélfia, Rafana, Bet-Shean, Gadara, Hipos, Diom, Pela, Gerasa e Canata), que se formou depois da conquista da Palestina pelos romanos (ano 63 a.C.). Essas cidades situavam-se a oriente do Mar da Galileia e estavam sob a administração do legado romano da Síria. Eram centros de cultura grega, e cada uma delas tinha um certo grau de autonomia. Os judeus, por sua vez, viam a Decápole como um território pagão, completamente à margem dos caminhos da salvação.
É nesse ambiente geográfico e humano que Marcos situa a cura, por Jesus, de um homem surdo-mudo. Provavelmente o catequista Marcos está a sugerir, com este enquadramento, que o anúncio do Evangelho aos pagãos – que alguns anos mais tarde, após o Concílio de Jerusalém, vem a ser uma aposta firme da comunidade cristã – foi algo que estava já nos planos e na prática de Jesus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A “surdez” e a “mudez” que atacam os seres humanos não estavam no plano original de Deus para a humanidade. Deus criou o ser humano para a relação, para o diálogo, para a comunhão (“não é conveniente que o homem esteja só” – disse Deus no início de tudo – cf. Gn 2,18). A “surdez” e a “mudez” que nos paralisam e nos tornam infelizes não vêm de Deus, mas são consequência das escolhas erradas feitas pelo homem. Contudo, Deus nunca se conformou com essa opção que priva os seres humanos de Vida verdadeira. Para nos curar da nossa “surdez” e da nossa “mudez”, enviou-nos o seu Filho, a sua “Palavra eterna”. Cumprindo a missão que o Pai Lhe entregou, Jesus convidou-nos insistentemente a superar o egoísmo, a autossuficiência, o isolamento, e a abrir o coração à comunhão, à partilha, ao amor (“effathá”, “abre-te”). Estamos disponíveis para nos encontrar com Jesus, para acolher o desafio que Ele nos veio propor, para assumir os valores do Reino de Deus, para O seguir até à cruz, até ao dom da vida por amor? Estamos convictos de que escolher viver na “surdez” e na “mudez” é uma opção estúpida, que impede a nossa realização plena, a nossa felicidade?
- O “surdo-mudo”, incapaz de escutar a Palavra de Deus, pode perfeitamente representar aqueles homens e mulheres que vivem fechados aos projetos e aos desafios de Deus, que não têm espaço nem disponibilidade para Deus e para as suas propostas. Essa é, aliás, uma das “doenças” mais significativas do nosso tempo. O que carateriza o séc. XXI não é o ateísmo; mas é a indiferença em relação a Deus. Muitos dos nossos contemporâneos optam por permanecer surdos a Deus e às suas indicações; o que Deus diz e propõe não lhes interessa. O que é que as propostas de Deus significam para nós? Damos ouvidos aos apelos e desafios de Deus, ou aos valores e propostas que o mundo nos apresenta?
- O “surdo-mudo” pode também ser figura daqueles que não se preocupam em comunicar, em escutar e acolher os outros, em partilhar a vida, em deixar-se questionar pelas achegas e sugestões dos irmãos… Os “surdos-mudos” são que não precisam dos irmãos para nada, que vivem instalados nas suas certezas e nos seus preconceitos, convencidos de que são donos absolutos da verdade; são aqueles que não têm tempo nem disponibilidade para ouvir os outros com paciência e compaixão, que não conseguem compreender os erros e as falhas dos outros e não sabem perdoar… Uma vida de “surdez” é uma vida vazia, estéril, triste, egoísta, fechada, sem amor. Temos consciência de que nesse caminho nunca encontraremos a nossa realização e a nossa felicidade?
- O “surdo-mudo” representa ainda aqueles que se fecham no egoísmo e no comodismo e ficam indiferentes aos apelos do mundo… Somos “surdos-mudos” quando escutamos os gritos dos injustiçados e lavamos as nossas mãos; somos “surdos-mudos” quando toleramos estruturas que geram injustiça, miséria, sofrimento e morte; somos “surdos-mudos” quando pactuamos com valores que tornam o homem mais escravo e mais dependente; somos “surdos-mudos” quando encolhemos os ombros, indiferentes, face à guerra, à fome, à injustiça, à doença, ao analfabetismo; somos “surdos-mudos” quando nos demitimos das nossas responsabilidades e deixamos que sejam os outros a comprometer-se e a arriscar; somos “surdos-mudos” quando calamos a nossa revolta por medo, cobardia ou calculismo; somos “surdos-mudos” quando nos resignamos a vegetar no nosso espaço de conforto, sem nos empenharmos na construção de um mundo novo… Uma vida comodamente instalada nesta “surdez-mudez” descomprometida é uma vida que vale a pena ser vivida?
- O “surdo-mudo” de que o Evangelho deste vigésimo terceiro domingo comum nos fala foi trazido e apresentado a Jesus por outras pessoas. Isto deve fazer-nos pensar na nossa obrigação de fazer a ponte entre os irmãos que vivem prisioneiros da “surdez-mudez” e a proposta libertadora de Jesus. Poderemos ficar de braços cruzados quando algum dos nossos irmãos se instala em esquemas de fechamento, de egoísmo, de autossuficiência, e renuncia assim à possibilidade de construir uma vida com sentido? O que poderemos fazer – respeitando sempre as opções e a liberdade de cada um – para que os “surdos-mudos” que encontramos nos caminhos da vida descubram a alegria do encontro, da comunhão, da partilha, do serviço, do amor?
- Antes de curar o “surdo-mudo”, Jesus “ergueu os olhos ao céu”. O gesto de Jesus recorda-nos que é preciso manter sempre, no meio da ação, a referência a Deus. Não conseguiremos ser arautos de uma nova humanidade – de uma humanidade liberta do egoísmo e da autossuficiência – se não nos mantivermos conectados com Deus, em diálogo com Deus, atentos aos projetos e desafios de Deus, fortalecidos pelo Espírito de Deus. Deus é a nossa referência, a razão última de tudo aquilo que fazemos? Procuramos encontrar tempo para o escutar, para lhe colocar as nossas dúvidas e questões, para falar com Ele e para entender os seus caminhos e projetos? Quando tentamos fazer alguma coisa em favor de alguém, sentimos que agimos em nome de Deus e não em nome de nós próprios ou dos nossos projetos e interesses? in Dehonianos
Para os leitores:
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Em termos de caixilho geográfico, a cura de um surdo-mudo narrada no Evangelho deste Domingo XXIII (Marcos 7,31-37) decorre fora das fronteiras de Israel, a oriente do mar da Galileia, na Decápole. Além do episódio de hoje, o Evangelho de Marcos regista apenas mais três episódios fora das fronteiras de Israel: também na Decápole (Gerasa), a cura de um endemoninhado (5,1-20) e a segunda «multiplicação» dos pães (8,1-9), e a Noroeste, na região de Tiro, o episódio da mulher sirofenícia (7,24-30). Estas saídas do Evangelho em pessoa para terra pagã baralham os nossos esquemas de «antes» e «depois» [primeiro os judeus, depois os gregos], próprios da nossa mentalidade fechada, mas que não cabem no amor de Deus. Além disso, podem ser vistos ainda como uma prolepse da futura pregação do Evangelho entre os pagãos.
Sendo um entre muitos relatos de cura por parte de Jesus, este episódio da cura de um surdo-mudo apresenta uma fisionomia própria assente em traços singulares. As pessoas trazem o pobre homem, incapaz de falar e de ouvir e inapto para entrar na assembleia de Deus, e pedem a Jesus que lhe imponha as mãos (Marcos 7,32). Em vez disso, Jesus faz uma série de ações: 1) toma-o à parte, para longe da multidão; 2) toca os órgãos privados da sua função: ouvidos e língua; 3) ergue os olhos para o céu; 4) suspira; 5) diz para o surdo-mudo: «Effatha, abre-te!».
Jesus atende sempre a nossa súplica. Mas não do modo que lhe pedimos. Assim: não impôs as mãos ao surdo-mudo, mas tocou com as suas mãos os ouvidos e a língua daquele homem. Entenda-se já este gesto e mais do que este gesto: é tocando com as suas mãos tudo o que está doente, que Jesus o assume e o cura. É assumindo a nossa carne toda de pecado, de recusa e violência, que Jesus cura a nossa humanidade ferida e pecadora. Ergue os olhos para o céu: gesto sacerdotal da oração sacerdotal de Jesus (João 17,1). Suspirou: suspirar (stenázô) é rezar e interceder por nós à maneira do Espírito, que intercedia por nós com «suspiros sem palavras» (stenagmòs alálêtos) (Romanos 8,26). O gesto de erguer os olhos para o céu, gesto de oração, logo traduzido no suspiro mostra que Jesus age em especialíssima relação com o Pai. De resto, no contexto de uma cura, só aqui Jesus ergue os olhos para o céu; do mesmo modo, só Marcos recorda o suspiro de Jesus (7,34; 8,12). Riquíssima simbologia. Também só aqui (Effatha) e em Marcos 5,41 (Thalitha kûm), a ordem de Jesus aparece pronunciada em aramaico, e depois traduzida em grego. Effatha (etftah, de ptah, abrir).
Depois desta sequência de gestos de Jesus, que culmina com aquela ordem (Effatha), o sucesso surge imediatamente: o surdo-mudo abre-se, e começa a ouvir e a falar (Marcos 7,35). E a multidão reage manifestando um estado de maravilha (exeplêssonto: imperf. pass. de ekplêssô) para além de todas as medidas (hyperperismòs) (Marcos 7,37a), expressão que não encontramos em mais nenhum lugar do Evangelho. E a palavra que acompanha o espanto: «Bem todas as coisas fez: os surdos faz ouvir e os mudos falar» (Marcos 7,37b). remete claramente para a obra da criação (Génesis 1).
Serve de chão ao Evangelho de hoje o texto de Isaías 35,4-7, que se integra no chamado «Pequeno Apocalipse de Isaías» (Isaías 34-35). Neste díptico, que reúne a destruição de Edom (34) e a resturação de Judá (35), fica à vista um belo link, que fecha, como em analepse, a linha desgraçada que pervade Isaías 1-33, e aponta, em prolepse, para a nova página, paisagem renovada, que aparecerá em Isaías 40-48. Se o Capítulo 34 aparece construído sobre um mundo de castigo e de julgamento, de cólera e destruição, o Capítulo 35 transporta-nos para um mundo de paz e de alegria, pondo em destaque a marcha de todo um povo que se levanta da miséria para a esperança e liberdade. É neste contexto de felicidade, novo Êxodo e nova Criação, que se leem as expressões: «Então se abrirão os olhos dos cegos, e os ouvidos dos surdos hão de desobstruir-se. Então o coxo saltará como um veado, e a língua do mudo cantará de alegria» (Isaías 35,5-6). O Evangelho de hoje mostra a realização deste sonho. A exuberância de Isaías 35 não encaixa diretamente na estrada descrita em Isaías 40,3-5, e que é a estrada geográfica que conduz da Babilónia até Judá, no regresso do Exílio. Isaías 35 apresenta um colorido fortemente escatológico, que constitui uma metáfora para dizer a passagem deste mundo para o mundo novo que há de vir. Não se pode, portanto, sem mais, acostar Isaías 35 a Isaías 40 e ao chamado «segundo Isaías», e alinhá-los em continuidade. Há um problema de monta a considerar para evitar cair nessa tentação, e esse problema consiste em que as particularidades históricas de Isaías 40-55 estão completamente ausentes de Isaías 35, que apresenta um cenário completamente a-histórico, semelhante a uma projeção imaginária para o futuro, de colorido não histórico, mas de teor muito mais escatológico, ético e espiritual, que será, de resto, o sentido que se irá encontrar, com o mesmo vocabulário, em Isaías 57,14 e 62,10. Isto chega para mostrar que a estrada de Isaías 35 se associa, não tanto com o chamado «segundo-Isaías», mas mais com o chamado «trito-Isaías». É a todos os níveis compreensível que a auto estrada histórico-geográfica de Isaías 40,3-5 seja expandida e transformada na auto estrada espiritual de Isaías 35, Isaías 57,14 e Isaías 62,10. E é assim também que o tema da auto estrada espiritual chegará a João Batista, o qual, nos alvores do Novo Testamento, e postando-se expressamente na linha de Isaías, continua a convocar o povo para a construção da ponte da conversão que leva a uma vida nova (cf. Mateus 3,3; Marcos 1,3; Lucas 3,4; João 1,23).
S. Tiago continua, na incisiva lição de hoje (2,1-5), a reclamar a nossa atenção carinhosa para com os pobres, que são os escolhidos de Deus. E adverte-nos de que não podemos encher os olhos com os ricos, e pôr de lado os pobres, pois não pode haver disjunção entre culto e vida, fé e empenho eclesial. Na verdade, a nossa fé em Cristo tem de se traduzir em obras compatíveis. A atenção e o carinho que pusermos no nosso relacionamento com os pobres será sempre o exame e a verificação da nossa fé.
É assim que o Salmo 146, que é uma espécie de carrilhão musical, nos convida a cantar os «doze belíssimos nomes» de Deus, decalcando aqui a expressão muçulmana que exalta os «99 belíssimos nomes» de Allah. É claro que os doze nomes que passaremos em revista não celebram tanto a essência divina, mas a sua ação em favor das suas criaturas, sobretudo dos mais pobres e desfavorecidos. É assim que o Salmo evoca o Deus que fez o céu, a terra, o mar, o Deus Criador (1), o Deus da verdade (ʼemet) (2), o Deus que faz justiça aos oprimidos, defensor dos últimos (3), que dá pão aos famintos (4), que liberta os prisioneiros (5), que abre os olhos aos cegos (6), que levanta os abatidos (7), que ama os justos (8), que protege os estrangeiros (9), que sustenta o órfão e a viúva (10), que entrava o caminho dos ímpios (11), o Deus que reina eternamente (12). Este maravilhoso Salmo faz-nos saborear musicalmente toda a liturgia de hoje.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXIII do Tempo Comum – Ano B – 08.09.2024 (Is 35, 4-7a)
- Leitura II do Domingo XXIII do Tempo Comum – Ano B – 08.09.2024 (Tg 2, 1-5)
- Domingo XXIII do Tempo Comum – Ano B – 08.09.2024 – Lecionário
- Domingo XXIII do Tempo Comum – Ano B – 08.09.2024 – Oração Universal
- Domingo XXIII do Tempo Comum – Ano B – 08.09.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXII do Tempo Comum – Ano B – 01.09.2024
Viver a Palavra
A Liturgia da palavra deste domingo propõe-nos uma reflexão sobre a “Lei” de Deus, que não se esgota no mero cumprimento de ritos ou de práticas vazias de significado. A “Lei” de Deus (1.ª Leitura) é o caminho seguro para a felicidade e para a vida em plenitude. Para Jesus (Evangelho) a verdadeira religião não se centra no cumprimento formal das “leis”, mas num processo de conversão que leve o homem à comunhão com Deus e com os irmãos. Por isso (2.ª Leitura) a Palavra escutada e acolhida no coração tem de tornar-se um compromisso de amor, de partilha, de solidariedade com o mundo e com os homens. in Voz Portucalense.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Deuteronómio 4,1-2.6-8
Moisés falou ao povo, dizendo:
«Agora escuta, Israel,
as leis e os preceitos que vos dou a conhecer
e ponde-os em prática,
para que vivais e entreis na posse da terra
que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais.
Não acrescentareis nada ao que vos ordeno,
nem suprimireis coisa alguma,
mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus,
tal como eu vo-los prescrevo.
Observai-os e ponde-os em prática:
eles serão a vossa sabedoria e a vossa prudência
aos olhos dos povos,
que, ao ouvirem falar de todas estas leis, dirão:
‘Que povo tão sábio e tão prudente é esta grande nação!’
Qual é, na verdade, a grande nação
que tem a divindade tão perto de si
como está perto de nós o Senhor, nosso Deus,
sempre que O invocamos?
E qual é a grande nação
que tem mandamentos e decretos tão justos
como esta lei que hoje vos apresento?»
CONTEXTO
O Livro do Deuteronómio é o “livro da Lei” (ou parte dele) que, de acordo com a notícia de 2 Re 22, 8-13, foi descoberto no Templo de Jerusalém no décimo oitavo ano do reinado de Josias (622 a.C.). Nesse livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os elementos principais da sua visão teológica: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com Ele uma Aliança eterna; o Povo de Deus é propriedade pessoal de Javé e deve viver para o serviço de Deus; nenhum outro Deus deve ocupar, no coração do Povo, o lugar que é de Javé por direito.
Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, antes de o Povo atravessar o rio Jordão para tomar posse da Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua aliança com Javé.
O texto que a liturgia do vigésimo segundo domingo comum nos propõe como primeira leitura apresenta-se como parte do primeiro discurso de Moisés (cf. Dt 1,6-4,43). Na primeira parte desse discurso (cf. Dt 1,6-3,29), em estilo narrativo, o autor deuteronomista põe na boca de Moisés um resumo da história do Povo, desde a estadia no Horeb/Sinai, até à chegada ao monte Pisga, na Transjordânia; na parte final desse discurso (cf. Dt 4,1-43), o autor apresenta, em estilo exortativo, um pequeno resumo da Aliança e das suas exigências. Esta secção final do primeiro discurso de Moisés começa com a expressão “e agora, Israel…”. Isso indica que, na perspetiva dos teólogos deuteronomistas, o compromisso que agora se vai pedir a Israel se apoia nos acontecimentos históricos anteriormente expostos: a ação de Deus ao longo da caminhada do Povo pelo deserto deve conduzir ao compromisso.
O capítulo 4 do Livro do Deuteronómio é um texto redigido, muito provavelmente, na fase final do Exílio do Povo de Deus na Babilónia. Perdido numa terra estrangeira e mergulhado numa cultura estranha, hostilizado quando tentava afirmar a sua fé em Javé e celebrá-la através do culto, impressionado com o esplendor ritual e as solenidades do culto babilónico, o Povo bíblico corria o risco de trocar Javé pelos deuses babilónicos. Neste contexto os teólogos da escola deuteronomista vão convidar o Povo a olhar para a sua história (cf. Dt 1,6-3,29), a redescobrir nela a presença salvadora e amorosa de Javé e a comprometer-se de novo com Deus e com a Aliança. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Na catequese de Israel, as leis e os preceitos dados por Javé são vistos como o resultado do amor e da solicitude de Deus pelo seu Povo. O Deus criador, libertador e salvador acompanha os passos que Israel dá na história e, a cada instante, oferece-lhe indicações seguras sobre o caminho a seguir. A escuta e o acolhimento dessas “palavras” de Deus garantem, quer em termos pessoais, quer em termos comunitários, felicidade, harmonia, paz, Vida em abundância. Ora, o tesouro da Palavra de Deus continua à nossa disposição hoje. Os tempos são diferentes, mas as indicações de Deus não têm prazo de validade: continuam a dizer, aos homens e mulheres do séc. XXI, o que devem fazer para construírem vidas com sentido. Que importância é que as palavras de Deus assumem na construção da nossa vida e na escolha dos nossos caminhos? No meio da azáfama e do ativismo em que a nossa vida decorre, conseguimos encontrar tempo e disponibilidade para escutar, para meditar e para interiorizar a Palavra eterna de Deus?
- Há quem considere que as leis e preceitos de Deus condicionam a autonomia e limitam a liberdade do homem; há quem veja nas leis e preceitos de Deus expressões de uma moral ultrapassada, que não condiz com os valores do nosso tempo e que deve permanecer, coberta de pó, no museu da história. Em contrapartida, há quem olhe para as leis e preceitos de Deus como um caminho sempre válido, que ajuda os seres humanos a construírem vidas com sentido, livres de todas as escravidões e balizadas por valores verdadeiros, como o amor, a partilha, o serviço, o dom da vida… E nós, como vemos e entendemos as leis e preceitos de Deus?
- Uma das recomendações do texto é a de não adulterar a Palavra de Deus, ao sabor dos interesses pessoais ou grupais. Existe sempre o perigo, quer na nossa reflexão pessoal, quer na nossa partilha comunitária, de torcermos a Palavra ao sabor dos nossos interesses, de limarmos a sua radicalidade, de lhe cortarmos os aspetos mais questionantes, ou de a fazermos dizer coisas que não vêm de Deus… É preciso perguntarmo-nos constantemente se a Palavra que vivemos e anunciamos é a Palavra de Deus ou é a nossa “palavra”, se ela transmite os valores de Deus ou os nossos valores pessoais, se ela testemunha a lógica de Deus ou a nossa lógica humana. Este processo de discernimento é mais fácil quando é feito em comunidade, no diálogo e no confronto com os irmãos que caminham connosco, que nos questionam e que partilham connosco a sua perspetiva das coisas. Que Palavra testemunhamos: a de Deus, ou a nossa? Aceitamos que a nossa visão pessoal das coisas seja confrontada com perspetivas ou entendimentos diferentes? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 14 (15)
Refrão 1: Quem habitará, Senhor, no vosso santuário?
Refrão 2: Ensinai-nos, Senhor: quem habitará em vossa casa?
O que vive sem mancha e pratica a justiça
e diz a verdade que tem no seu coração
e guarda a sua língua da calúnia.
O que não faz mal ao seu próximo nem ultraja o seu semelhante,
o que tem por desprezível o ímpio,
mas estima os que temem o Senhor.
O que não falta ao juramento, mesmo em seu prejuízo,
e não empresta dinheiro com usura,
nem aceita presentes para condenar o inocente.
Quem assim proceder jamais será abalado.
LEITURA II – Tiago 1,17-18.21-22.27
Caríssimos irmãos:
Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vêm do alto,
descem do Pai das luzes,
no qual não há variação nem sombra de mudança.
Foi Ele que nos gerou pela palavra da verdade,
para sermos como primícias das suas criaturas.
Acolhei docilmente a palavra em vós plantada,
que pode salvar as vossas almas.
Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes,
pois seria enganar-vos a vós mesmos.
A religião pura e sem mancha,
aos olhos de Deus, nosso Pai,
consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações
e conservar-se limpo do contágio do mundo.
CONTEXTO
O autor da Carta de onde foi extraída a segunda leitura deste vigésimo segundo domingo comum apresenta-se a si próprio como “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (cf. Tg 1,1). A tradição liga-o ao Tiago “irmão” (parente) do Senhor, que presidiu à Igreja de Jerusalém e do qual os Evangelhos falam acidentalmente como filho de Maria (cf. Mt 13,55; 27,56). De acordo com Flávio Josefo, teria sido martirizado em Jerusalém no ano 62. No entanto, a atribuição deste escrito a tal personagem levanta bastantes dificuldades. O mais certo é estarmos perante um outro qualquer Tiago, desconhecido até agora (o “Tiago, filho de Alfeu” – de que se fala em Mc 3,18 – e o “Tiago, filho de Zebedeu” e irmão de João – de que se fala em Mc 1,19 – também não se encaixam neste perfil). É, de qualquer forma, um autor que escreve em excelente grego, recorrendo até a recursos retóricos como a “diatribe” (um género muito usado pela filosofia popular helénica), a perguntas retóricas e a jogos de paradoxos e contrastes. Inspira-se particularmente na literatura sapiencial, para extrair dela lições de moral prática; mas depende também profundamente dos ensinamentos do Evangelho. Trata-se de um sábio judeo-cristão que repensa, de maneira original, as máximas da sabedoria judaica, em função do cumprimento que elas encontraram nas palavras e no ensinamento de Jesus.
A carta de Tiago foi enviada “às doze tribos que vivem na Diáspora” (Tg 1,1). Provavelmente, a expressão alude a cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina – como a Síria ou o Egipto; mas, também pode referir-se, em termos metafóricos, à totalidade da comunidade de Jesus, dispersa pelo mundo greco-romano. Exorta os crentes a que não percam os valores cristãos autênticos herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo. Apela a que os cristãos vivam com coerência e verdade a própria fé.
O texto pertence à primeira parte da carta (cf. Tg 1,2-26). Aí, o autor apresenta, aparentemente sem ordem nem lógica, um conjunto de desenvolvimentos e de sentenças sobre a autenticidade e a coerência da fé. Convida os cristãos a enfrentarem com alegria as provações (Tg 1,2-18), a escutarem e a porem em prática a Palavra de Deus (cf. Tg 1,19-27), a viverem no amor (cf. Tg 2,1-13) e a conciliarem a fé com obras concretas em favor dos irmãos (cf. Tg 2,14-26). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Na nossa época há uma marcada tendência para a superabundância de palavras. As redes sociais, de forma especial, deram-nos possibilidades quase ilimitadas de fazer ouvir a nossa voz e de dar a nossa opinião sobre tudo o que nos apetecer. Isso abre-nos canais de comunicação, de diálogo e de partilha que nos enriquecem e nos aproximam uns dos outros. Mas, por outro lado, faz-nos viver imersos num ruído de fundo – muitas vezes feito de fake news, de opiniões pouco fundamentadas, de ditos pouco sérios, de pronunciamentos agressivos, de conversas sem conteúdo – que vai degradando o poder e a força das palavras. Habituamo-nos, para nossa defesa, a não levar demasiado a sério todas as palavras que escutamos, a relativizar aquilo que vamos ouvindo aqui e ali… E a Palavra eterna de Deus, como a situamos e valorizamos no meio de tudo isto? Ela tem, na nossa vida, um valor superlativo, ou é mais ou menos igual a tantas outras palavras que todos os dias ferem os nossos ouvidos e intoxicam a nossa mente?
- Por vezes, nos nossos “tiques” de autossuficiência, temos a tentação de encarar as sugestões que nos são apresentadas como ingerências estranhas, que põem em causa a nossa autonomia e a nossa liberdade. Como reação, fechamo-nos no casulo das nossas certezas e rejeitamos aquilo que nos é proposto, correndo o risco de passar ao lado de desafios importantes. É por isso que o autor da Carta de Tiago nos convida a acolher a Palavra de Deus com docilidade, com boa vontade, com um coração disponível e obediente. Deus não é um adversário dos homens; as palavras que Ele diz nunca serão um atentado contra a nossa liberdade. Deus, ao propor-nos a “Palavra da verdade”, apenas pretende vestir a nossa vida de sentido e apontar-nos caminhos seguros para chegarmos à Vida em plenitude. Alguma vez encaramos as indicações de Deus como intromissões que limitam as nossas escolhas ou a nossa liberdade?
- A Palavra de Deus que escutamos e que acolhemos deve conduzir-nos à ação e ao compromisso. Se ficamos apenas pela escuta e pela contemplação da Palavra, ela torna-se estéril e inútil. A Palavra de Deus leva-nos efetivamente a uma mudança de vida, a um refazer as nossas prioridades, a uma purificação dos valores que sustentam a nossa caminhada? A Palavra de Deus faz-nos sair de nós próprios, abandonar a nossa zona de conforto e envolver-nos na luta pela justiça, pela paz, pela dignidade dos nossos irmãos, pelos direitos dos mais pobres, por um mundo mais humano e mais fraterno?
- A vivência da religião, sem a escuta atenta e comprometida da Palavra de Deus, pode facilmente tornar-se o mero cumprimento de ritos e práticas devocionais, a simples preservação de uma tradição que herdámos dos nossos antepassados, a adoção de práticas que tornam mais fácil a nossa inserção num determinado meio social… A Palavra de Deus põe-nos em diálogo com Deus, faz-nos conhecer os projetos de Deus, envolve-nos na vida de Deus, chama-nos a viver na obediência a Deus, compromete-nos com Deus e com o projeto que Ele tem para o mundo e para os homens. Que lugar tem a Palavra de Deus na nossa vivência religiosa? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 7,1-8.14-15.21-23
Naquele tempo,
reuniu-se à volta de Jesus
um grupo de fariseus e alguns escribas
que tinham vindo de Jerusalém.
Viram que alguns dos discípulos de Jesus
comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.
– Na verdade, os fariseus e os judeus em geral
não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos,
conforme a tradição dos antigos.
Ao voltarem da praça pública,
não comem sem antes se terem lavado.
E seguem muitos outros costumes
a que se prenderam por tradição,
como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –.
Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:
«Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos,
e comem sem lavar as mãos?»
Jesus respondeu-lhes:
«Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
como está escrito:
‘Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim.
É vão o culto que Me prestam,
e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’.
Vós deixais de lado o mandamento de Deus,
para vos prenderdes à tradição dos homens».
Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão
e começou a dizer-lhe:
«Ouvi-Me e procurai compreender.
Não há nada fora do homem
que ao entrar nele o possa tornar impuro.
O que sai do homem é que o torna impuro;
porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos:
imoralidades, roubos, assassínios,
adultérios, cobiças, injustiças,
fraudes, devassidão, inveja,
difamação, orgulho, insensatez.
Todos estes vícios saem lá de dentro
e tornam o homem impuro».
CONTEXTO
Enquanto andava pela Galileia a anunciar a chegada do Reino de Deus, Jesus era frequentemente questionado pelos fariseus e doutores da Lei (cf. Mc 2,6.16.18.24; 3,6.22).
Os fariseus eram uma presença determinante no universo religioso judaico. Procuravam a cada passo – nomeadamente na liturgia sinagogal – contagiar o povo com o amor que eles próprios sentiam pela Tora (a Lei). Apoiando-se nos “escribas” (ou “doutores da Lei”), ensinavam as regras (“halakot”) que deviam dirigir cada passo da vida dos israelitas. A santidade, para eles, não estava reservada aos sacerdotes, mas era algo que dizia respeito a todo o povo. Chegava-se à santidade, cumprindo todas as exigências da Lei. E quando todo o povo cumprisse a Lei, o Messias viria trazer a salvação a Israel. Nesse sentido, vigiavam atentamente para que o Povo não se afastasse das “tradições dos antigos”.
Essa “tradição dos antigos” não se cingia – na visão dos fariseus – às normas escritas contidas na Tora, mas abrangia um imenso conjunto de leis orais onde apareciam as decisões e as sentenças dos Rabis acerca dos mais diversos temas. Na época de Jesus, essa “tradição dos antigos” constava de 613 leis (tantas quantas as letras do Decálogo dado a Moisés no Monte Sinai), das quais 248 eram preceitos de formulação positiva e 365 eram preceitos de formulação negativa. Essas leis – que o Povo tinha dificuldade em conhecer na sua totalidade e que tinha, ainda mais, dificuldade em praticar – eram, para os fariseus, o caminho para tornar Israel um Povo santo e para apressar a vinda libertadora do Messias. Vai ser, precisamente, à volta desta temática que se vai centrar a polémica entre Jesus e os fariseus que o Evangelho de hoje nos relata.
Quando Marcos escreveu o seu Evangelho (durante a década de 60), a questão do cumprimento da Lei judaica ainda era uma questão “quente”. Para os cristãos vindos do judaísmo, a fé em Jesus devia ser complementada com o cumprimento rigoroso das leis judaicas… No entanto, a imposição dos costumes judaicos levaria, certamente, ao afastamento dos cristãos vindos do paganismo. Como proceder? O cumprimento da Lei de Moisés era importante para a experiência cristã? Para que o Reino que Jesus propôs se concretizasse, era necessário o cumprimento integral da Lei judaica? O Concílio de Jerusalém (realizado por volta do ano 49) já havia dado uma primeira resposta à questão: para os cristãos, o fundamental é a pessoa de Jesus e o seu Evangelho; não é lícito impor aos cristãos vindos do paganismo o fardo da Lei de Moisés. No entanto, o problema continuou a colocar-se durante algumas décadas mais, nomeadamente a propósito dos tabus alimentares hebraicos, que os cristãos vindos do judaísmo pretendiam impor a toda a Igreja (cf. Rm 14,1-15,6).
O evangelista Marcos está ciente, na altura em que escreve o seu Evangelho, de que esta questão ainda levanta problemas à convivência entre cristãos vindos do mundo judaico e cristãos vindos do mundo pagão. Neste relato, recorrendo à autoridade de Jesus, Marcos pretende responder a esta problemática. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Muitas pessoas estão mais à vontade com definições claras, objetivas e seguras; mas não se sentem tão à vontade no campo nem sempre bem balizado da consciência e do coração. Têm medo do imprevisto, do que é novo e diferente, daquilo que não é claramente “branco” ou “preto”. Por isso, sentem necessidade de leis que lhes digam, sem margem para dúvidas, o que devem fazer e o como devem viver. Preferem que seja outra pessoa – talvez até o padre – a pensar por elas, a decidir por elas, a dizerem-lhe o que está certo e o que está errado. Escondem-se atrás de leis e sentem-se de consciência tranquila porque descarregaram a sua responsabilidade nas leis. As leis são a sua salvaguarda, as leis definem o seu caminho, as leis são uma proteção segura para lidar com aquilo que as ultrapassa. Vivem a religião das leis. Se transgredirem as leis, confessam-se e voltam a estar de consciência tranquila. O problema é que esta forma de viver a religião não liberta, não traz alegria, não enche o coração de paz. Também não ajuda a abraçar a religião de Jesus, a religião do amor. As leis, na sua rigidez de pedra, deixam pouco espaço para o amor, a misericórdia, a compaixão. Era esse o problema de Jesus com a religião das leis e com os fariseus, os arautos dessa experiência religiosa. E nós? A nossa vivência religiosa está presa a leis que balizam tudo aquilo que fazemos e dizemos, ou é a religião do amor, da tolerância, da misericórdia, do Evangelho, da abertura de coração aos desafios sempre novos de Deus?
- “Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim”, diz Jesus, citando o profeta Isaías. Esse é o risco de uma vivência religiosa que assenta na simples repetição de orações decoradas, na mera reprodução mecânica de respostas não assumidas interiormente, em hábitos e gestos rotineiros, em tradições fixas e imutáveis, num aparato externo que não envolve o coração e uma clara opção por Deus e pelas suas propostas. A nossa forma de viver e de celebrar a fé tem alguma coisa a ver com isto?
- “A doutrina que ensinam são preceitos humanos”, diz Jesus. É inevitável: com o passar do tempo, as religiões vão acumulando normas, costumes, devoções, hábitos, tradições, rituais, fórmulas teológicas, que nasceram num determinado contexto cultural, social e religioso e que se transformaram em património inalienável. Todas essas coisas podem ser úteis e fazer bem; mas também podem fazer mal, se nos distraem e afastam da Palavra de Deus e do seguimento radical de Jesus. Os “preceitos humanos” nunca devem ter a primazia. Seria um erro grave se a comunidade de Jesus ficasse prisioneira das tradições humanas do passado e não buscasse, antes de tudo, a fidelidade a Jesus e ao Evangelho; seria uma falha grave se nos esforçássemos por manter intactas as tradições do passado, sem nos preocuparmos em dar testemunho vivo do Reino de Deus com a linguagem que os homens e mulheres do nosso tempo entendem; seria um grave equívoco se dessemos a mesma importância a certas leis da Igreja (sobre a liturgia, o jejum, o celibato dos padres, a organização paroquial, por exemplo) e às palavras de Jesus. Na nossa vivência da fé, a que é que damos o primeiro lugar: a tradições e a doutrinas humanas, ou à Palavra eterna e sempre nova de Deus?
- “É vão o culto que me prestam”, diz Jesus. Ao dizer isto, Jesus poderia perfeitamente estar a falar de certas celebrações litúrgicas cheias de pompa e circunstância que todos os domingos se desenrolam nas nossas igrejas, mas que não correspondem, para aqueles que nelas participam, a uma opção clara por Deus e pela Vida de Deus: há celebrações do matrimónio que são meros acontecimentos de caráter social; há celebrações de batismo que não passam de atos impostos pela tradição familiar ou pela cultura ambiente; há celebrações da primeira caminhão que são vistos como simples “rituais de passagem” na história de vida de uma criança. Todas as nossas belas, solenes e elevadas celebrações litúrgicas são um encontro sincero com Deus? Quando vamos celebrar a fé preparamos o coração para o encontro com Deus?
- “É do interior dos homens que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez”, diz Jesus. É verdade. Podemos criar todo o tipo de mecanismos legais que combatam a injustiça, a corrupção, a violência, as desigualdades sociais, a indiferença diante da miséria, a deterioração moral da sociedade… Mas nada disso modificará substancialmente o estado do nosso mundo se não atuarmos ao nível dos corações. A conversão é sempre um processo pessoal, que implica uma renovação do coração, um redirecionar o coração para Deus e para as propostas de Deus. Estamos disponíveis para uma conversão, para uma mudança do coração que nos leve a viver segundo Deus?
- A “religião das leis” pode ter efeitos perversos na nossa forma de vermos Deus e de situarmos a nossa relação com Deus… Quando absolutizamos as leis, elas podem tornar-se para nós um fim e não um caminho. Vivemos de acordo com as leis, procuramos cumpri-las integralmente, ficamos satisfeitos e descansados, sentimo-nos em regra com Deus e com a nossa consciência… Na sequência, corremos o risco de nos tornarmos orgulhosos e autossuficientes, pois sentimos que somos nós que, com o nosso esforço para estar em regra, conquistamos a nossa salvação. Deixamos de precisar de Deus, ou só precisamos d’Ele para apreciar o nosso esforço e para nos dar aquilo que julgamos ser uma “justa recompensa”. O culto que prestamos a Deus pode tornar-se, nesse caso, um processo interesseiro de compra e venda de favores e não uma manifestação do nosso amor a Deus. Tenho consciência de que o mero cumprimento das leis não torna Deus meu devedor? Sei que a salvação é um dom de Deus e não o resultado de uma conquista que eu fiz ao cumprir as leis? in Dehonianos
Para os leitores:
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Depois de termos feito durante cinco Domingos consecutivos, desde o XVII ao XXI, uma incursão pelo Capítulo VI do Evangelho segundo S. João, regressamos, neste Domingo XXII do Tempo Comum, ao Evangelho segundo S. Marcos, em que nos é dado escutar, ainda que com alguns cortes, o texto de Marcos 7,1-23.
O texto referido divide-se claramente em três partes: Marcos 7,1-13, em que os interlocutores de Jesus são os fariseus e os escribas (1); Marcos 7,14-16, em que Jesus constitui um novo auditório, chamando a multidão e falando para todos (2); Marcos 7,17-23, em que Jesus entra em casa e fala para os seus discípulos (3).
No caso dos fariseus e escribas, são estes que fazem uma pergunta a Jesus: «Porque é que os teus discípulos não seguem a tradição (parádôsis) dos antigos, e comem o pão com as mãos impuras?» (Marcos 7,5). Jesus inicia a sua resposta com uma citação de Isaías 29,13: «Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; é vazio (mátên) o culto que me prestam, e as doutrinas que ensinam são preceitos humanos» (Marcos 7,6-7). Note-se que o texto hebraico de Isaías 29,13 abre assim: «Este povo aproxima-se (nagash) de mim só com palavras e honra-me com os lábios, pois o seu coração está longe de mim». Esta versão é fortíssima, pois reclama Jeremias 30,21 que, ao pôr Deus a fazer aproximar (nagash) de si o novo chefe que será posto à frente da comunidade que vem do exílio, justifica assim: «Na verdade, quem empenharia o coração (ʽarab ʼet-libô), aproximando-se (nagash) de mim?». «Empenhar o coração» é pôr o coração no prego, numa casa de penhores. É, portanto, igual a morrer. Portanto, o que Jesus começa por criticar aos fariseus e escribas é o facto de erguerem à sua volta uma muralha de palavras, de ficarem enredados nas palavras, e de não arriscarem a vida. Neste sentido, são apostrofados por Jesus por três vezes (modo enfático), quase com as mesmas palavras: «Vós abandonais / violais / anulais o mandamento de Deus em favor da vossa tradição» (Marcos 7,8.9.13).
Na parte do discurso dirigido aos fariseus e escribas (Marcos 7,1-13), Jesus pôs a nu o culto vazio e exterior, sem Deus e a vida nova que d’Ele vem, e só com rodeios humanos. É quanto Jesus diz com as expressões «só com os lábios, e não com o coração», «só com preceitos humanos, e sem os preceitos de Deus». Na nova vaga agora iniciada (Marcos 7,14-16), Jesus chama para junto de si a multidão, que tinha sido referida pela última vez em Marcos 6,34, e lança dois imperativos a todos: «Escutai-me e compreendei» (Marcos 7,14). É assim que Jesus reclama de todos a máxima atenção. Posto este novo cenário, Jesus enuncia então o novo princípio ético do Novo Testamento: a pureza do coração. De fora para dentro. Da fisiologia (lavar as mãos, os jarros…) para a ética assente na limpeza e na pureza do coração: «Nada há fora do homem, que entrando nele, o possa tornar impuro; são as coisas que saem do homem que tornam o homem impuro» (Marcos 7,15).
Proclamado diante de todos o novo princípio ético fundamental (o que se passa no coração é a chave da ética), Jesus separa-se da multidão e entra em casa, novo espaço relacional, e aí e desse modo, explica aos seus discípulos o princípio sapiencial, o mashal, proposto à escuta e compreensão de todos. Note-se, todavia, que são os discípulos que pedem explicações em casa (Marcos 7,17). Só eles estão com Jesus «em casa», e pretendem, não tirar-se de razões, atropelar-se com palavras, mas compreender melhor o dizer sapiencial (mashal) de Jesus à multidão. E Jesus adverte-os, como quem espera deles e de nós uma melhor compreensão. Mas explica, apontando outra vez o dedo ao coração: «Não compreendeis que tudo o que, de fora, entra no homem, não o pode tornar impuro, porque não entra no seu coração, mas no ventre, e vai para a fossa? E dizia: o que sai do homem, isso sim, torna o homem impuro. Na verdade, é de dentro do coração dos homens que saem as más intenções, imoralidades, roubos, homicídios, adultérios, cobiças, malvadez, fraudes, luxúria, mau-olhado, calúnia, soberba, insensatez. Todas estas coisas más vêm de dentro, e tornam o homem impuro» (Marcos 7,18-23). Notável elenco de vícios. E como nos dá Jesus uma extraordinária e incisiva explicação, pondo completamente a nu a nossa vida antiga, e ensinando-nos novíssimas maneiras de viver.
Vê-se bem que não basta lavar por fora. O essencial não é o «envelope» no bolso, à entrada da porta, por cima ou por baixo da mesa. Não basta, portanto, a «lavagem das mãos», a chamada netilat yadayim, como forma exterior de traduzir a pureza interior, do coração. Na verdade, é sempre necessário manter puro o coração, e nada de exterior pode iludir ou camuflar esta ação fundamental.
Acompanha a proclamação do Evangelho de hoje a leitura do Livro do Deuteronómio 4,1-8. Fantástico discurso de Moisés ao povo reunido à entrada da Terra Prometida. O Deuteronómio inteiro é formado por quatro longos discursos proferidos por Moisés no último dia da sua vida. O assunto é insistentemente o mesmo: para viver feliz na Terra Prometida em que o povo de Israel está para entrar, isto é, para entrar e viver na Casa de Deus, perto de Deus, Israel tem de escutar e praticar os mandamentos de Deus.
E S. Tiago, na sua Carta, também hoje lida (1,17-27), insiste no mesmo tom: sede fazedores (poiêtaì) e não apenas ouvintes da Palavra de Deus (1,22) todos os dias e em todas as circunstâncias, atentos sempre aos mais pobres. É pela nossa atitude para com os pobres e necessitados (1,27), que podemos verificar se somos ou não fazedores da Palavra de Deus.
O Salmo 15 é uma «Liturgia de ingresso» no santuário, ou uma «Liturgia das portas». Constituía, na prática, uma espécie de liturgia penitencial ou exame de consciência feito à porta do Templo, para se aquilatar se a pessoa reúne condições para poder entrar no Templo. Quer isto dizer que, para alguém poder transpor o limiar do Templo, para poder ir à presença de Deus, tem de preencher uma série de requisitos morais e existenciais, e não apenas de pureza ritual, que nem sequer é falada no Salmo. Nas fachadas dos santuários do Egito e da Mesopotâmia estavam inscritas as condições requeridas para se aceder ao culto. Tratava-se, em quase todos os casos, de preceitos de natureza ritual ou exterior. Também o Talmude lembrava que «o homem não deve subir ao monte do Templo com sapatos ou bolsa ou com os pés cheios de pó; não deve reduzir os átrios do templo a entradas apressadas, e muito menos cuspir neles». Como se vê, o nosso Salmo não se entretém com ritualismos exteriores, mas requer comportamentos como o cumprimento de atos éticos e existenciais, que envolvam a justiça e a verdade, que evitem a calúnia e o insulto e a usura. Tenha-se presente que, no mundo oriental, o empréstimo interesseiro atingia, por vezes, níveis altíssimos. Por exemplo, na Mesopotâmia, as taxas de empréstimo chegaram a variar entre 17 e 50%. O nosso Salmo apela à generosidade.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXII do Tempo Comum – Ano B – 01.09.2024 (Dt 4, 1-2.6-8)
- Leitura II do Domingo XXII do Tempo Comum – Ano B – 01.09.2024 (Tg 1, 17-18.21-22.27)
- Domingo XXII do Tempo Comum – Ano B – 01.09.2024 – Lecionário
- Domingo XXII do Tempo Comum – Ano B – 01.09.2024 – Oração Universal
- Domingo XXII do Tempo Comum – Ano B – 01.09.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XXI do Tempo Comum – Ano B – 25.08.2024
Viver a Palavra
A liturgia do 21.º Domingo do Tempo Comum fala-nos de opções. Lembra-nos que podemos gastar a vida a perseguir valores estéreis ou, em contrapartida, a apostar em valores eternos, capazes de dar pleno sentido à nossa existência. Deus aponta-nos o caminho; mas a decisão final é sempre nossa. In Dehonianos
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Josué 24,1-2a.15-17.18b
Naqueles dias,
Josué reuniu todas as tribos de Israel em Siquém.
Convocou os anciãos de Israel,
os chefes, os juízes e os magistrados,
que se apresentaram diante de Deus.
Josué disse então a todo o povo:
«Se não vos agrada servir o Senhor,
escolhei hoje a quem quereis servir:
se os deuses que os vossos pais serviram no outro lado do rio,
se os deuses dos amorreus em cuja terra habitais.
Eu e a minha família serviremos o Senhor».
Mas o povo respondeu:
«Longe de nós abandonar o Senhor para servir outros deuses;
porque o Senhor é o nosso Deus,
que nos fez sair, a nós e a nossos pais,
da terra do Egipto, da casa da escravidão.
Foi Ele que, diante dos nossos olhos,
realizou tão grandes prodígios
e nos protegeu durante o caminho que percorremos
entre os povos por onde passámos.
Também nós queremos servir o Senhor,
porque Ele é o nosso Deus».
CONTEXTO
O Livro de Josué é uma reflexão sobre a história do Povo de Deus no período que vai desde a sua entrada em Canaã até à morte de Josué (talvez por meados do séc. XII a.C.). Descreve sobretudo a conquista da Terra Pronetida (cf. Js 1,1-12,24) e a distribuição do território pelas tribos (cf. Js 13,1-21,45). Um apêndice final, redigido provavelmente durante o Exílio na Babilónia, apresenta outro material, nomeadamente refere a despedida e a morte de Josué, bem como a notícia de uma reunião geral de tribos em Siquém, antes da morte de Josué (cf. Js 22,1-24,33).
Em geral, a preocupação dos autores da “escola deuteronomista” que compuseram este livro é mais de caráter teológico do que histórico. Por exemplo, a conquista da Terra é apresentada como uma campanha fulgurante e fácil em que as doze tribos a uma só voz, sob a liderança de Josué, se apoderaram facilmente de toda a Terra. Mas, historicamente as coisas não aconteceram dessa forma… O livro dos Juízes, muito mais realista, fala de uma conquista lenta, difícil (cf. Jz 1) e incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente. Mais do que descrever factos históricos, os autores do livro estão interessados em afirmar o poder de Javé, posto ao serviço do seu Povo. Foi Deus – e não a capacidade militar das tribos – que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; Israel, por sua vez, deve responder a esse dom mantendo-se fiel à Aliança e aos mandamentos.
O texto que a liturgia deste vigésimo domingo comum nos propõe como primeira leitura situa-nos na fase final da vida de Josué. Sentindo aproximar-se a morte, Josué teria reunido em Siquém os líderes das tribos e ter-lhes-ia proposto uma cerimónia de renovação da Aliança com Javé. Terá sido uma assembleia onde participaram as doze tribos que, mais tarde (na época de David) vão constituir uma unidade nacional? Os biblistas acham que não. Na “assembleia de Siquém” não estaria certamente a tribo de Judá, já que os contactos entre Judá e a “casa de José” só se estabeleceram na época do rei David. Por outro lado, a “casa” de Josué, referida no texto, reuniria provavelmente apenas as tribos do centro do país (Efraim, Benjamim e Manassés), as tribos que viveram a experiência da libertação do Egito, da caminhada pelo deserto e da Aliança do Sinai e que há muito tempo tinham aderido a Javé e à Aliança. E as outras tribos, convidadas a comprometer-se com Javé? Seriam, provavelmente, as tribos do norte do país (Issacar, Zabulón, Neftali, Asher e Dan), que não tinham estado no Egito e não tinham experimentado a maravilhosa aventura da libertação.
Alguns pensam que a “assembleia de Siquém”, referida em Js 24, foi a primeira tentativa histórica de estabelecer laços entre as tribos instaladas no centro e as tribos instaladas no norte da Palestina. Na perspetiva de Josué, a ligação deveria fazer-se à volta de uma fé comum num mesmo Deus. Na realidade, a união das tribos do norte e do centro não se deu de uma vez; mas foi uma caminhada lenta e progressiva, que só se completou muitos anos depois de Josué ter desaparecido de cena.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Vivemos mergulhados na cultura do efémero e do contingente. Somos condicionados para acreditar que, enquanto andarmos na terra, a nossa vida nunca estará fechada. As condições alteram-se, as pessoas mudam, os cenários variam, a nossa compreensão das coisas vai-se modificando. O que hoje nos parece perfeitamente adquirido, amanhã é-nos apresentado como incerto e variável. Dizem-nos que nada é definitivo e que a nossa liberdade de tudo rever é ilimitada. Neste vórtice, perguntamo-nos a cada instante: que caminhos escolher? Que valores privilegiar? Em que cenário de fundo queremos desenhar a nossa vida? É neste contexto que hoje somos convidados a escutar o desafio colocado por Josué ao Povo de Deus na “assembleia de Siquém”: “escolhei hoje a quem quereis servir”. A expressão interpela-nos acerca das nossas opções fundamentais, dos valores que sustentam a nossa caminhada, das nossas referências e prioridades… O que é que para nós é decisivo e inegociável? Quais são os “deuses” que nos fazem correr? Que lugar é que Deus e as suas propostas ocupam na construção da nossa vida? Como queremos realmente viver?
- Israel aceitou “servir o Senhor” e comprometer-se com Ele, não por obrigação, mas pela convicção de que era esse o caminho para ser feliz e encontrar Vida. Foi uma escolha livre de um povo que, depois de ver como Deus atuava, acreditou na bondade e no amor de Deus. Nós não somos escravos de Deus, obrigados a cumprir as regras que Ele impõe; Deus não é um concorrente do homem, um adversário controlador e ciumento que limita a nossa independência e que rouba a nossa liberdade. Deus apenas está interessado na nossa libertação, na nossa realização e na nossa felicidade. Como é que nós entendemos as propostas e os mandamentos de Deus: como exigências que condicionam e reprimem, ou como indicações seguras, fruto do amor e da bondade de Deus, para nos fazerem chegar à nossa plena realização?
- Josué, o líder que sucedeu a Moisés na condução do Povo de Deus, teve um papel fundamental no sentido de ajudar o Povo a discernir os caminhos mais adequados para construir um futuro com sentido. O discurso de Josué não é um discurso populista ou politicamente correto; o procedimento de Josué não procura condicionar as escolhas do Povo e obrigá-lo a fazer opções que não desejava; o pronunciamento de Josué não é um pronunciamento irresponsável e descomprometido… Josué, com firmeza, mas também com respeito, limitou-se a afirmar os seus valores e a oferecer o seu testemunho de forma clara, coerente e incisiva: “eu e a minha família serviremos o Senhor”. É assim – com esta lisura, com esta verdade e com esta coerência – que vemos proceder aqueles que têm a responsabilidade de presidir à comunidade (religiosa ou civil)? E nós próprios, quando temos a responsabilidade de animar uma comunidade, é assim que procedemos? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Os olhos do Senhor estão voltados para os justos
e os ouvidos atentos aos seus rogos.
A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal,
para apagar da terra a sua memória.
Os justos clamaram e o Senhor os ouviu,
livrou-os de todas as suas angústias.
O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado
e salva os de ânimo abatido.
Muitas são as tribulações do justo,
mas de todas elas o livra o Senhor.
Guarda todos os seus ossos,
nem um só será quebrado.
A maldade leva o ímpio à morte,
os inimigos do justo serão castigados.
O Senhor defende a vida dos seus servos,
não serão castigados os que n’Ele se refugiam.
LEITURA II – Efésios 5,21-32
Irmãos:
Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor,
porque o marido é a cabeça da mulher,
como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo,
do qual é o Salvador.
Ora, como a Igreja se submete a Cristo,
assim também as mulheres
se devem submeter em tudo aos maridos.
Maridos, amai as vossas mulheres,
como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela.
Ele quis santificá-la,
purificando-a no batismo da água pela palavra da vida,
para a apresentar a Si mesmo como Igreja cheia de glória,
sem mancha nem ruga, nem coisa alguma semelhante,
mas santa e imaculada.
Assim devem os maridos amar as suas mulheres,
como os seus corpos.
Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo.
Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo,
antes o alimenta e lhe presta cuidados,
como Cristo à Igreja;
porque nós somos membros do seu Corpo.
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua mulher,
e serão dois numa só carne.
É grande este mistério,
digo-o em relação a Cristo e à Igreja.
CONTEXTO
Paulo passou em Éfeso, no decurso da sua terceira viagem missionária, e ficou lá um pouco mais de dois anos (cf. At 19,8.10). Éfeso era, por essa altura, a capital da Província romana da Ásia e um dos mais importantes centros comerciais e religiosos do mundo greco-romano. O seu templo de Artémis, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo, era conhecido em toda a bacia mediterrânea.
A partir do trabalho missionário de Paulo, formou-se em Éfeso uma comunidade cristã dinâmica, viva e fervorosa. Paulo viveu esse tempo de estadia em Éfeso de forma muito intensa, criando uma relação privilegiada com a comunidade, como ficou patente quando o apóstolo, no final dessa viagem, quis encontrar-se com os anciãos de Éfeso, em Mileto, numa despedida carregada de emoção e de sentimento (cf. At 20,17-38).
Estranhamento, na Carta aos Efésios não transparece essa ligação pessoal entre Paulo e os cristãos de Éfeso. É uma carta com uma reflexão madura e cuidada, mas bastante formal e impessoal. Isso tem contribuído para que alguns neguem a autenticidade paulina da Carta aos Efésios, considerando-a como obra tardia de um discípulo de Paulo. O mais provável, contudo, é que se trate de uma “carta circular”, enviada por Paulo a diversas igrejas do ocidente da Ásia Menor (atual Turquia), entre as quais se contava também a comunidade cristã de Éfeso.
O texto que a liturgia deste vigésimo primeiro domingo comum nos apresenta como primeira leitura está incluído na parte moral e parenética da Carta aos Efésios (cf. Ef 4,1-6,20). Aí, o autor da Carta aos Efésios lembra aos crentes, de forma bastante concreta, a opção que fizeram no dia do seu Batismo e que os obriga a viver como Homens Novos, à imagem de Jesus.
Na secção de Ef 5,21-6,9 são apresentadas algumas das normas que devem reger as relações familiares. De forma especial referem-se os deveres dos esposos, cuja união é apresentada como figura da união de Cristo com a sua Igreja. Trata-se de um dos temas mais importantes da teologia desenvolvida na Carta aos Efésios. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O compromisso com Jesus mexe com a totalidade da vida dos seres humanos e tem consequências em todos os níveis da existência, nomeadamente ao nível da relação familiar. Para além de ser oásis de amor e de felicidade, o espaço da relação familiar também é, para os casais cristãos, um lugar onde se vivem e se manifestam os valores do Reino de Deus. Com a sua partilha de amor, com a sua união, com a sua comunhão de vida, o casal cristão é chamado a ser sinal e reflexo da união de Cristo com a sua Igreja. Por isso, a Igreja pede: “os esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa ordem verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afeto e de pensamento e com mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio da vida, se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua morte e ressurreição” (Gaudium et Spes, 52). Os casais cristãos estão conscientes de que são chamados a dar testemunho no mundo, com o seu amor, com a sua entrega, com a sua harmonia, com a sua vida partilhada, da união entre Cristo e a sua Igreja?
- O amor de Cristo, manifestado em todos os gestos da sua vida, mas tornado patente de forma superlativa na cruz, é o modelo para todos os nossos “amores”, incluindo o amor dos esposos. O amor dos casais cristãos é um amor definido pelo dom total de si próprio em favor do outro; é um amor que vive de olhos postos no bem do outro; é um amor que não procura ser servido, mas servir e dar vida; é um amor que não é competição de direitos e deveres, mas comunidade de partilha e de serviço; é um amor que não é arrogante, nem orgulhoso, nem injusto, nem prepotente; é um amor que compreende os erros e as falhas do outro, e que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Co 13,4-7). É assim que vivem e amam aqueles de entre nós que foram chamados à vocação matrimonial?
- Paulo, dirigindo-se às mulheres, recomenda-lhes que assumam, frente aos maridos uma atitude de “submissão” (poderíamos traduzir também a palavra utilizada pelo apóstolo como “docilidade”). Evidentemente, temos de enquadrar a recomendação de Paulo no contexto sociocultural da época, em que o marido era considerado a referência fundamental da ordem familiar (“porque o marido é a cabeça da mulher” – diz Paulo). Seja como for, esta “palavra” de Paulo nunca poderá ser utilizada como pretexto para justificar qualquer atitude de discriminação baseada no sexo ou de imposição da autoridade do homem sobre a mulher: nem na sociedade, nem na Igreja, nem no contexto familiar. Aliás, Paulo dirá, noutras circunstâncias, que “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Respeitamos a dignidade de cada pessoa, sem discriminar e sem tratar de forma menos própria aqueles que caminham connosco? in Dehonianos.
EVANGELHO – João 6,60-69
Naquele tempo,
muitos discípulos, ao ouvirem Jesus, disseram:
«Estas palavras são duras.
Quem pode escutá-las?»
Jesus, conhecendo interiormente
que os discípulos murmuravam por causa disso,
perguntou-lhes:
«Isto escandaliza-vos?
E se virdes o Filho do homem
subir para onde estava anteriormente?
O espírito é que dá vida,
a carne não serve de nada.
As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.
Mas, entre vós, há alguns que não acreditam».
Na verdade, Jesus bem sabia, desde o início,
quais eram os que não acreditavam
e quem era aquele que O havia de entregar.
E acrescentou:
«Por isso é que vos disse:
Ninguém pode vir a Mim,
se não lhe for concedido por meu Pai».
A partir de então, muitos dos discípulos afastaram-se
e já não andavam com Ele.
Jesus disse aos Doze:
«Também vós quereis ir embora?»
Respondeu-Lhe Simão Pedro:
«Para quem iremos, Senhor?
Tu tens palavras de vida eterna.
Nós acreditamos
e sabemos que Tu és o Santo de Deus».
CONTEXTO
Depois de Jesus ter saciado a fome da multidão que o seguia (cf. Jo 6,1-15), gerou-se uma situação equívoca. A multidão esperava que Jesus fosse um messias-rei que lhe oferecesse uma vida confortável e pão em abundância; e Jesus estava bem consciente de que a sua missão não era “dar coisas”, mas sim oferecer-se a si próprio para que a humanidade tivesse Vida. A multidão esperava de Jesus uma proposta humana que conduzisse ao triunfo e à glória; e Jesus sabia claramente que o caminho que tinha para propor era o caminho da cruz, da vida dada até ao extremo, por amor. Percebendo que a multidão e Ele não estavam no mesmo comprimento de onda, Jesus não quis alimentar mal-entendidos; e, no “discurso do pão da vida” (cf. Jo 6,22-59), procurou deixar clara a sua proposta. Depois de escutarem Jesus, os seus interlocutores perceberam que tinham de fazer uma opção decisiva: ou continuar a viver numa lógica humana, virada para os bens materiais e para as satisfações mais imediatas, ou assumir a lógica de Deus, seguindo o exemplo de Jesus e fazendo da vida um dom de amor para ser partilhado.
O texto do Evangelho que a liturgia deste vigésimo primeiro domingo comum nos propõe refere a reação negativa de “muitos discípulos” às propostas que Jesus deixou no ar, naquele discurso feito na sinagoga de Cafarnaum, no dia a seguir à partilha dos pães e dos peixes. Nem todos os discípulos que, até agora, o seguiam pelas aldeias e vilas da Galileia estão dispostos a identificar-se com Jesus (“comer a sua carne e beber o seu sangue”) e a oferecer a sua vida como dom de amor que deve ser partilhado com toda a humanidade.
Poderá ser útil também, para entendermos a “catequese” aqui feita pelo autor do Quarto Evangelho, lembrarmos o contexto em que vivia a comunidade joânica, nos finais do séc. I, quando o Evangelho segundo João foi escrito… Os cristãos eram discriminados e perseguidos em todo o Império romano; muitos discípulos afastavam-se, recusando-se a seguir Jesus no caminho do dom da vida; outros, confusos e perplexos, questionavam-se se para ser cristão seria preciso percorrer um caminho tão radical e de tanta exigência… A proposta que Jesus tinha apontado aos seus conduziria, efetivamente, à felicidade e à Vida plena, ou ao fracasso e à morte? Neste cenário – um cenário que exigia opções decisivas – o “catequista” João procura, recorrendo às palavras de Jesus, encontrar respostas que devolvam aos cristãos o ânimo e a esperança. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Um dos mais belos dons de Deus é a liberdade. Contudo, no exercício da liberdade, somos a cada passo confrontados com escolhas; e, muitas vezes as escolhas que fazemos são decisivas para o êxito ou o fracasso da nossa vida. É essa a grande questão que atravessa o Evangelho que escutamos neste domingo. De um lado está um projeto de vida – alimentado e cultivado por alguns dos discípulos que seguem Jesus – alicerçado na ambição pessoal, que busca glória humana, poder, bens materiais, resposta imediata a interesses próprios; é um projeto que responderá a determinadas necessidades básicas do homem, mas que dificilmente preencherá uma vida com sentido. Do outro lado está o projeto de Jesus, que propõe uma vida feita dom, concretizada em gestos de serviço, de partilha, de generosidade, de amor até ao extremo; é um projeto que, muitas vezes, implica andar contra a corrente e enfrentar a incompreensão e a perseguição, mas que conduz à Vida verdadeira e eterna. Como nos situamos face a isto? Qual a nossa opção?
- Confrontados com a radicalidade do projeto de Jesus, “muitos discípulos” decidiram que aquilo não era para eles e foram-se embora. Estavam demasiado reféns dos seus sonhos de riqueza fácil, dos seus desejos egoístas, dos seus valores fúteis, dos seus jogos de poder e de influência, dos seus comodismos e seguranças… Provavelmente tinham ido atrás de Jesus pelas razões erradas. Trata-se de um “equívoco” que tem tendência a repetir-se: em cada época da história há “discípulos” de Jesus – talvez até figuras de referência nas nossas comunidades cristãs – que andam com Ele pelas razões erradas e que assumem um estilo de vida claramente divorciado da proposta de Jesus. Cultivam valores ocos, vivem obcecados com os bens materiais, tratam os irmãos com prepotência e arrogância, não têm escrúpulos em pôr os outros a servi-los, tratam a comunidade como sua propriedade privada, não olham a meios para atingir determinados fins. Este quadro diz-nos alguma coisa? O quê?
- Os Doze ficaram com Jesus, pois estavam convictos de que só Ele tem “palavras de Vida eterna”. Ao lado de Jesus descobriram outra maneira de viver; a mensagem de Jesus apontou-lhes uma Vida verdadeira e definitiva que eles antes não conheciam. Por isso, estão decididos a deixarem-se conduzir por Jesus. Não veem ninguém que os ajude, melhor do que Jesus, a dar sentido às suas vidas. Esses Doze representam aqueles que não se conformam com a banalidade de uma vida construída sobre valores efémeros e que querem ir mais além; representam aqueles que não estão dispostos a conduzir a sua vida ao sabor da preguiça, do comodismo, da instalação; representam aqueles que aderem sinceramente a Jesus, se comprometem com o seu projeto e se esforçam por viver em coerência com a opção por Jesus que fizeram no dia do seu Batismo. Vemos esses Doze como modelo da nossa adesão a Jesus e ao seu projeto? Mesmo com as falhas que resultam da nossa fragilidade, procuramos viver com coerência e verdade o nosso compromisso com o seguimento de Jesus?
- Jesus não parece estar tão preocupado com o número de discípulos que continuarão a segui-l’O, quanto com o manter a verdade e a coerência do seu projeto. Ele não faz cedências fáceis para ter êxito ou para captar a benevolência e os aplausos das multidões, pois o Reino de Deus não é um concurso de popularidade… O Evangelho que Jesus veio propor conduz à Vida plena, mas por um caminho que é de radicalidade e de exigência e que muitas vezes está em contradição com as ideias e valores que o mundo privilegia. “Suavizar” as exigências do Evangelho, a fim de que ele seja mais facilmente aceite pelos homens do nosso tempo, pode ser desvirtuar a proposta de Jesus e despojar o Evangelho daquilo que ele tem de verdadeiramente transformador. O que deve inquietar-nos não é tanto o número de pessoas que vão à Igreja, mas é mais o mantermos a fidelidade ao programa de Jesus. Anunciamos e testemunhamos o Evangelho de Jesus sem cedências fáceis e sem prescindirmos da sua radicalidade e exigência?
- Um dos elementos que sobressai no Evangelho deste domingo é a serenidade com que Jesus encara o “não” de alguns discípulos ao projeto que Ele veio propor. Diante desse “não”, Jesus não força as coisas, não protesta, não ameaça, mas respeita absolutamente a liberdade de escolha dos seus discípulos. Jesus mostra, assim, o respeito de Deus pelas decisões (mesmo erradas) do homem, pelas dificuldades que o homem sente em comprometer-se, pelos caminhos diferentes que o homem escolhe seguir. O nosso Deus é um Deus que respeita o homem, que o trata como adulto, que aceita que ele exerça o seu direito à liberdade. É bom caminharmos sentindo que Deus respeita a nossa autonomia e liberdade. Por outro lado, um Deus tão compreensivo e tolerante convida-nos a dar mostras de misericórdia, de respeito e de compreensão para com os irmãos que seguem caminhos diferentes, que fazem opções diferentes, que conduzem a sua vida de acordo com valores e critérios diferentes dos nossos. É esse o testemunho que damos? Procuramos respeitar as diferenças, os “diferentes”, sem assumirmos atitudes de marginalização ou de exclusão? Respeitamos a legítima liberdade dos homens e das mulheres que caminham ao nosso lado? in Dehonianos
Para os leitores:
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Neste Domingo XXI do Tempo Comum, escutaremos a sexta e última Parte do Capítulo VI do Quarto Evangelho, que contempla os últimos versículos (João 6,60-69), e estende a discussão antes havida da multidão (João 6,25-40) e dos judeus (João 6,41-58) com Jesus, também aos discípulos em geral, que entram agora em cena em João 6,60, para pouco depois saírem de cena, para fora da ação de Jesus, em João 6,66, sendo então a vez dos Doze e de Pedro entrarem em cena (João 6,67-69).
Veja-se a gradação: multidão, judeus, discípulos, Doze e Pedro. Curiosamente, os discípulos, numa espécie de imbricação, retomam a atitude dos judeus, que os precederam em cena: murmuram (goggýzô) como eles contra o escândalo da incarnação e das origens divinas de Jesus (João 6,61), e classificam como duro (sklêrós), incompreensível, intragável (João 6,60), o discurso de Jesus sobre a sua carne-vida dada em alimento para a vida verdadeira.
Além de «murmurar» como os judeus de Cafarnaum e do deserto (Êxodo 15,24; 16,2 e 7-8; 17,3; Números 14,2.27.29.36), muitos dos discípulos abandonam Jesus e «voltam para trás» (João 6,66), configurando-se como anti discípulos e anti povo de Deus, que, no deserto, também pretende voltar para trás, para o Egito (Êxodo 14,12; 16,3; 17,3; Números 14,3-4). Ora, o discípulo verdadeiro é aquele que vai atrás de Jesus, seguindo-o, e não o que volta para trás, abandonando-o.
De notar ainda que, no caso dos discípulos, e de forma diferente da multidão e dos judeus, é Jesus que faz a pergunta e dá a resposta. Os discípulos apenas murmuram, não ouvem, não respondem e vão-se embora. No caso dos Doze, é Jesus que faz a pergunta, e é Pedro que, em nome dos Doze e em contraponto com todos os grupos anteriores, não se limita apenas a responder, mas profere uma verdadeira profissão de fé (João 6,68-69).
Vendo bem, neste Capítulo VI do Evangelho de João, que hoje atinge o seu ápice, as diversas reações aos acontecimentos de Jesus, a que a exegese chama «crise galilaica», antecipam e leem já as crises sucessivas que vão aparecer na Igreja. Trata-se sempre da grande decisão de fé pró ou contra a humildade da Incarnação, da Cruz e da Eucaristia. A Palavra de Jesus que se ouve aqui, e continua a ouvir-se ainda hoje, será sempre como um bisturi que divide, julga e purifica.
A mesma grande decisão ou incisão está patente no grande texto de Josué 24,1-18. Josué profere diante de todo o povo reunido um dos mais belos e completos «módulos narrativos» de toda a Escritura, mostrando ao povo que foi Deus que conduziu a inteira história de Israel, com amor poderoso, desde o outro lado do Rio Eufrates, chamando e conduzindo os passos de Abraão, libertando depois o povo da opressão do Egito, guiando-o pelo deserto, libertando-o dos inimigos poderosos que o ameaçavam por todos os lados, e fazendo-o entrar na Terra de Canaã (Josué 24,2-14). Depois desta descrição maravilhosa que tem Deus por sujeito, Josué abre o tempo das decisões, em que «servir» é a palavra-chave, que se ouve por 14 vezes. Servir ou não servir, eis a questão posta por Josué ao povo: «Se não vos agrada servir o Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir» (Josué 24,15a). Josué avança a sua escolha e decisão: «Eu e a minha família serviremos o Senhor!» (Josué 24,15b). Então, o povo repassa outra vez na memória do coração todos os benefícios que lhe fez o Senhor, desde a libertação do Egito, aos sinais e prodígios realizados em seu favor, à proteção assegurada pelo Senhor ao longo do caminho percorrido e perante os adversários (Josué 24,16-18a), para afirmar logo convictamente: «Nós também serviremos o Senhor» (Josué 24,18b).
E, na Carta aos Efésios 5,21-32, o «serviço» chama-se amor. O texto hoje lido constitui um extrato de um dos «Códigos familiares», que se encontram nas chamadas Cartas editadas de S. Paulo. Estas Cartas que remontam a Paulo, mas que são editadas depois da sua morte, já não traduzem o esforço evangelizador patente nas Cartas autênticas, mas procuram levar o Evangelho a situações concretas da vida, como sejam a família e o trabalho. O texto de hoje realça sobretudo a relação marido-esposa, que deve retratar a relação sublime e salutar Cristo-Igreja. Mas, se a leitura continuasse, também veríamos o Evangelho a renovar as relações pais-filhos e patrões-empregados.
Voltamos, pelo terceiro Domingo consecutivo, à música do Salmo 34. Desta vez para nos apercebermos melhor que Deus atende sempre com solicitude os gritos de socorro do justo perseguido (v. 16.18), ao mesmo tempo que apaga da terra a memória dos malfeitores (v. 17.22). Esta certeza é muitas vezes a única e a última defesa do justo que sofre às mãos dos ímpios. Os Salmos de imprecação, ou as suas partes mais violentas, foram abolidos da oração oficial, como se não fossem, na verdade, Palavra inspirada. Pecado nosso, que assim mostramos não compreender o realismo e a eficácia da oração bíblica, e dificultamos aos aflitos o poder extravasar diante de Deus as suas amarguras, e deixamos os violentos a maquinar tranquilamente as suas crueldades, como se Deus não visse nem ouvisse nem lhes pedisse contas.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XXI do Tempo Comum – Ano B – 25.08.2024 (Jos 24, 1-2a.15-17.18b)
- Leitura II do Domingo XXI do Tempo Comum – Ano B – 25.08.2024 (Ef 5, 21-32)
- Domingo XXI do Tempo Comum – Ano B – 25.08.2024 – Lecionário
- Domingo XXI do Tempo Comum – Ano B – 25.08.2024 – Oração Universal
- Domingo XXI do Tempo Comum – Ano B – 25.08.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XX do Tempo Comum – Ano B – 18.08.2024
Viver a Palavra
Não convém interromper o Discurso, o Evangelho, o Sermão do Pão.
Um convite. Ler em contínuo todo o Capítulo 6 do Evangelho de João, que foi “partido” ao longo de 5 domingos
XVII DTC – Jo 6, 1-15 “De onde comprareis pão para dar de comer a esta gente toda?”
XVIII DTC – Jo 6, 24-35 “O meu pai é que vos dá o Pão, o do céu, o verdadeiro.”
XIX DTC – Jo 6, 41-51 “Eu sou o Pão Vivo, o do Céu.”
XX DTC – Jo 6, 51-58 “Assim como eu vivo do Pai, quem me comer viverá de mim.”
XXI DTC – Jo 6, 60-69 “Vós não quereis ir-vos embora, pois não?”
Jo 6, 51-58
51Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei de dar é a minha carne, pela vida do mundo.»52Então, os judeus, exaltados, puseram-se a discutir entre si, dizendo: «Como pode Ele dar-nos a sua carne a comer?!» 53Disse-lhes Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes mesmo a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. 54Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei de ressuscitá-lo no último dia, 55porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. 56Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. 57Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim. 58Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os antepassados comeram, pois eles morreram; quem come mesmo deste pão viverá eternamente.»
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Provérbios 9,1-6
A Sabedoria edificou a sua casa e levantou sete colunas.
Abateu os seus animais,
preparou o vinho e pôs a mesa.
Enviou as suas servas
a proclamar nos pontos mais altos da cidade:
«Quem é inexperiente venha por aqui».
E aos insensatos ela diz:
«Vinde comer do meu pão e beber do vinho que vos preparei.
Deixai a insensatez e vivereis;
segui o caminho da prudência».
CONTEXTO
O “Livro dos Provérbios” apresenta diversas coleções de ditos, de sentenças, de máximas, de provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência (“sabedoria”) de várias gerações de “sábios” antigos (israelitas e alguns não israelitas). O objetivo desses provérbios é definir uma espécie de “ordem” do mundo e da sociedade que, uma vez apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará a uma integração plena no meio em que está inserido. Dessa forma, o indivíduo poderá viver sem traumas nem sobressaltos que destruam a sua harmonia interior e o incapacitem para dar o seu contributo à comunidade. Ficará, assim, de posse da chave para viver em harmonia consigo mesmo e com os outros, e assegurará uma vida feliz, tranquila e próspera.
O livro apresenta-se como tendo sido composto por Salomão (cf. Pr 1,1), o rei “sábio”, conhecido pelos seus dotes de governação, pelos seus dons literários, por numerosas sentenças sábias (cf. 1 Re 3,16-28; 5,7; 10,1-9.23) e que se tornou uma espécie de “padrão” da tradição sapiencial… Na realidade, não podemos aceitar, de forma acrítica, essa indicação: a leitura atenta do livro revela que estamos diante de coleções de proveniência diversa, compostas em épocas diversas. Alguns dos materiais apresentados no livro podem ser do séc. X a.C., a época de Salomão (embora isso não nos garanta que venham do próprio Salomão); outros, no entanto, são bem mais recentes.
O texto que nos é proposto como primeira leitura neste vigésimo domingo comum integra uma secção que poderíamos intitular, genericamente, “instruções e advertências” (cf. Pr 1,8-9,18). Trata-se de um conjunto de exortações e de instruções de um pai/educador, convidando o filho a adquirir a “sabedoria”. É dentro desta secção que nos aparece a antítese entre a “senhora sabedoria” e a “senhora insensatez” (cf. Pr 9,1-6.13-18) – um dos textos emblemáticos do “Livro dos Provérbios”. A nossa leitura é, precisamente, a primeira parte da antítese (a apresentação da “senhora sabedoria”).
Segundo os especialistas, esta secção é a parte mais recente do “Livro dos Provérbios” e não pode ser anterior ao séc. IV ou III a.C. Provavelmente, foi escrita como introdução ao livro quando todas as outras secções já estavam organizadas. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A questão das opções é absolutamente determinante na construção da nossa vida. O que são opções corretas? O que é que determina o êxito ou o fracasso da nossa existência? O que é que nos faz viver uma vida com sentido? Em que caminhos podemos encontrar a nossa felicidade e a nossa realização plena? Todos os dias nos deparamos com mil e uma respostas a estas questões. Os líderes políticos, os publicitários, os “fazedores de opinião”, os agentes dos lobbies, não cessam de nos soprar indicações que, segundo eles, nos garantem o sucesso, o êxito, a realização, a felicidade. Como discernir, no meio desse vendaval de propostas, aquilo que nos ajuda e aquilo que nos prejudica? Em quem acreditar? Para os cristãos, há uma “sabedoria” que não pode ser ignorada: Jesus, a “sabedoria de Deus”. Andaremos bem-avisados se as propostas de Jesus forem o critério decisivo para sabermos o que nos serve e o que não nos serve, aquilo que nos realiza e aquilo que nos prejudica, aquilo que nos traz paz e aquilo que nos rouba a paz, aquilo que nos leva à Vida e aquilo que nos leva à morte. Procuramos conduzir a nossa vida pela “sabedoria” que é Jesus? As palavras e os gestos de Jesus são indicações decisivas para construirmos a nossa vida?
- Os que são admitidos na casa da “dona Sabedoria” e que participam do banquete que ela preparou são os “simples” e os “insensatos que querem deixar a insensatez e seguir o caminho da prudência”. Os “simples” são aqueles que não têm o coração demasiado cheio de si próprio, que não se fecham no orgulho e na autossuficiência, que reconhecem a sua pequenez e finitude e que se entregam com humildade e confiança nas mãos de Deus; os “insensatos que buscam o caminho da prudência” são aqueles que estão dispostos a mudar, que não se conformam com a vida do homem velho e querem ir mais além… Uns e outros são o paradigma de uma determinada atitude: a atitude de abertura aos dons de Deus, de disponibilidade para acolher a Vida de Deus… Como é que nos situamos diante de Deus, das suas indicações e propostas? Reconhecemos a nossa pequenez e a nossa incapacidade para encontrarmos, contando apenas connosco, o caminho para a realização, para a felicidade, para a Vida plena? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Temei o Senhor, vós os seus fiéis,
porque nada falta aos que O temem.
Os poderosos empobrecem e passam fome,
aos que procuram o Senhor não faltará riqueza alguma.
Vinde, filhos, escutai-me,
vou ensinar-vos o temor do Senhor.
Qual é o homem que ama a vida,
que deseja longos dias de felicidade?
Guarda do mal a tua língua
e da mentira os teus lábios.
Evita o mal e faz o bem,
procura a paz e segue os seus passos.
LEITURA II – Efésios 5,15-20
Irmãos:
Vede bem como procedeis.
Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes.
Aproveitai bem o tempo, porque os dias que correm são maus.
Por isso não sejais irrefletidos,
mas procurai compreender qual é a vontade do Senhor.
Não vos embriagueis com o vinho, que é causa de luxúria,
mas enchei-vos do Espírito Santo,
recitando entre vós salmos, hinos e cânticos espirituais,
cantando e salmodiando em vossos corações,
dando graças, por tudo e em todo o tempo, a Deus Pai,
em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
CONTEXTO
Éfeso, situada na costa ocidental da Ásia Menor era, na antiguidade, considerada a segunda cidade do Império romano, logo a seguir a Roma. A sua numerosa população, o seu importante porto de mar e o seu templo dedicado a Ártemis (considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo), tornavam-na conhecida em todo o Mediterrâneo.
Paulo esteve em Éfeso mais de dois anos, no decurso da sua terceira viagem missionária. Durante esse tempo ensinou “na escola de Tirano” (At 19,9), propondo a Boa nova de Jesus. Como resultado da ação do apóstolo, nasceu uma comunidade cristã viva e fervorosa, que vivia com entusiasmo o seu compromisso com Jesus. Os laços entre Paulo e os cristãos de Éfeso eram fortes. Ao embarcar para a Palestina, no final dessa viagem missionária, Paulo despediu-se dos representantes da Igreja de Éfeso com um discurso veemente e apaixonado, revelador dos laços que o uniam aos cristãos dessa cidade (cf. At 20,1738).
Estranhamente, a carta aos Efésios é uma carta algo impessoal, onde não aparecem sinais dessa relação forte que unia Paulo à comunidade. Alguns consideram, por isso, que a Carta aos Efésios não seria um texto paulino, mas um texto redigido por um seu discípulo de Paulo, alguns anos após a morte do apóstolo. Muitos consideram, no entanto, que se trataria de uma “carta circular”, redigida por Paulo enquanto estava na prisão (em Cesareia Marítima? Em Roma?) e dirigida a diversas comunidades do ocidente da Ásia Menor, entre as quais se contava também a comunidade cristã de Éfeso.
O texto que nos é proposto como primeira leitura neste vigésimo domingo comum pertence à segunda parte da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Nessa “exortação aos batizados”, Paulo retoma alguns dos temas tradicionais do catecismo primitivo e convida os cristãos a deixarem a antiga forma de viver para assumir a nova, revestindo-se de Cristo (cf. Ef 4,17-31), imitando Deus (cf. Ef 4,32-5,2), passando das trevas à luz (cf. Ef 5,3-20). Como cenário de fundo da reflexão paulina está sempre a necessidade de os cristãos deixarem a vida do homem velho, para assumirem a vida do Homem Novo. É neste sentido que devem ser entendidos essas normas práticas de conduta que Paulo apresenta aos seus cristãos no texto que nos é proposto. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Não resulta fácil vivermos sempre a cem por cento os compromissos que assumimos no nosso batismo. Com o passar do tempo, com o cansaço, com a monotonia, com o desencanto, com as preocupações e problemas que a vida traz, chegam a acomodação, a instalação, a tentação de “deixar correr” e passamos a viver a fé de uma forma “morna”, pouco empenhada, às vezes pouco consentânea com os compromissos que assumimos com Cristo. O autor da Carta aos Efésios diz, a propósito disto, que é uma estupidez termos descoberto e experimentado a Vida verdadeira e deixarmos que o homem velho do egoísmo e do pecado nos domine de novo… Não necessitaremos de “acordar” do sono que nos paralisa e de reencontrar o entusiasmo, a novidade de Deus, o desafio da fé? O que podemos fazer para revitalizar o nosso compromisso com a Vida nova que nos foi oferecida no dia do nosso batismo?
- A todos os instantes somos bombardeados com propostas de valores que, pretensamente, nos asseguram o êxito, o triunfo, a popularidade, a realização, a felicidade. No entanto, já reparamos que muitos vezes os valores que nos “vendem” não fazem mais do que aumentar a frustração e o vazio que enche a nossa vida de nada. O autor da Carta aos Efésios diz-nos para não acolhermos, de forma acrítica, os valores que nos são propostos. A verdadeira sabedoria está em conseguir discernir aquilo que nos ajuda a viver uma vida mais humana e mais digna daquilo que nos traz desilusão e sofrimento. Quais são os valores a que damos importância e que dirigem a nossa vida? Esses valores ajudam-nos a encontrar a paz, a viver uma vida com sentido, uma vida mais feliz e realizada?
- O viver “no Espírito” implica ainda, na perspetiva de Paulo, a oração, o louvor, a ação de graças. Um crente que tem Deus como a coordenada fundamental da sua existência e que se sente chamado a fazer parte da família de Deus é um crente que vive em diálogo contínuo com Deus. É nesse diálogo que ele percebe os planos e os projetos de Deus para si próprio e para o mundo e encontra a coragem para percorrer o caminho da fidelidade e do compromisso. Conseguimos, no meio da azáfama e da tensão em que a nossa vida diária decorre, encontrar tempo e disponibilidade para falar com Deus e para escutar as propostas que Ele nos apresenta? Estamos conscientes dos dons de Deus e respondemos-Lhe com o louvor e a ação de graças? in Dehonianos.
EVANGELHO – João 6,51-58
Naquele tempo,
disse Jesus à multidão:
«Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei-de dar é minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».
Os judeus discutiam entre si:
«Como pode ele dar-nos a sua carne a comer?»
E Jesus disse-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Se não comerdes a carne do Filho do homem
e não beberdes o seu sangue,
não tereis a vida em vós.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem a vida eterna;
e Eu o ressuscitarei no último dia.
A minha carne é verdadeira comida
e o meu sangue é verdadeira bebida.
Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
permanece em Mim e eu nele.
Assim como o Pai, que vive, Me enviou
e eu vivo pelo Pai,
também aquele que Me come viverá por Mim.
Este é o pão que desceu do Céu;
não é como o dos vossos pais, que o comeram e morreram:
quem comer deste pão viverá eternamente».
CONTEXTO
Jesus está na sinagoga de Cafarnaum. À sua volta estão muitos daqueles que, no dia anterior, tinham sido agraciados com uma refeição de pão e de peixe (cf. Jo 6,1-15). Jesus diz-lhes que devem correr atrás, não do alimento que perece, mas do alimento que dá a Vida eterna (cf. Jo 6,22-58). Fala-lhes também de si próprio como o “pão que desceu do céu para dar Vida ao mundo”; e convida-os a comer desse pão. Também estão ali alguns líderes judaicos (os “judeus”) que recebem com hostilidade as palavras de Jesus.
No trecho do “discurso do pão da Vida” que a liturgia deste vigésimo domingo comum nos serve, Jesus avança um pouco mais e convida os seus interlocutores a comer a sua carne e a beber o seu sangue. São palavras inauditas, impossíveis de ser entendidas pelos interlocutores de Jesus, se as situarmos no cenário da sinagoga de Cafarnaum. Elas só são compreensíveis após a instituição da eucaristia, na última ceia.
Alguns biblistas pensam que este trecho poderia ser uma reflexão da primitiva comunidade cristã, que reinterpretou a primeira parte do “discurso do pão da Vida”, explicitando-a a partir da celebração eucarística posterior. Outros, contudo, pensam que João reelaborou e colocou neste lugar uma série de materiais que estavam inicialmente incluídos no relato da última ceia, mas que foram deslocados para aqui por conveniências teológicas, já que na sua versão da última ceia, o autor do Quarto Evangelho preferiu dar relevo à cena do lava pés (no entanto, dada a relevância que o discurso eucarístico de Jesus assumiu na tradição cristã, João não quis omiti-lo completamente, transladando-o para o lugar que lhe pareceu mais apropriado: o cenário do discurso sobre “o pão descido do céu para dar Vida ao mundo).
Seja como for, o discurso sobre o “pão da vida” (cf. Jo 6,22-58) ficou, no esquema final do Quarto Evangelho, com a seguinte sequência lógica: os homens buscam o pão material; Jesus traz-lhes o “pão do céu que dá vida ao mundo”; e o pão eucarístico realiza, de forma plena, a missão de Jesus no sentido de dar Vida ao homem. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A parte final do “discurso do pão da Vida” (Jo 6,26-58) – precisamente o texto que escutamos neste vigésimo domingo comum – coloca-nos, indubitavelmente, em contexto eucarístico. Leva-nos às palavras e aos gestos de Jesus na última ceia, quando Ele deu aos discípulos o pão e o cálice e os convidou a “comer” o seu corpo e a “beber” o seu sangue (cf. Mc 14,22-25). A eucaristia revive e atualiza a vida, os gestos, as palavras de Jesus, a sua paixão, morte e ressurreição. A eucaristia é uma experiência central para os seguidores de Jesus; a Igreja vive e alimenta-se da eucaristia. Ora, um dos sinais mais graves da crise da fé cristã entre nós é o abandono tão generalizado da eucaristia dominical. Revela indiferença por Jesus, pelo projeto de Jesus, pela Vida que Jesus quer oferecer. Que importância é que a eucaristia assume na nossa vida e na nossa existência cristã? Para nós, a eucaristia é um rito tradicional a que “assistimos” por obrigação, para acalmar a consciência ou para cumprir as regras do “religiosamente correto”, ou é um encontro pessoal e comunitário com esse Jesus que é fonte inesgotável de Vida? O que podemos fazer – inclusive ao nível do ritual eucarístico – para tornar a celebração da eucaristia uma experiência forte, sentida e inolvidável de encontro com Jesus?
- Muito novos ainda, depois de uma preparação mais ou menos conseguida, aproximamo-nos da mesa eucarística e fizemos a “primeira comunhão”. Tinham-nos ensinado que, no momento de comungar, Jesus vinha ao nosso encontro e ficava connosco pela graça do sacramento da eucaristia. Depois disso, entramos numa espiral de comunhões, muitas vezes rotineiras e pouco sentidas. Em cada celebração eucarística, no momento previsto, colocamo-nos distraidamente na fila para cumprir o rito sacramental de receber o pão consagrado e voltamos ao nosso lugar, sem mais consequências nem desenvolvimentos… Como é que sentimos e vivemos o encontro com Jesus feito “pão” para nos dar Vida? O momento em que recebemos Jesus no pão eucarístico é sentido por nós como o momento em que O acolhemos no coração, em que nos abrimos à sua verdade, em que acolhemos o seu Evangelho, em que interiorizamos o seu estilo de vida, em que O colocamos no centro da nossa vida?
- Na Eucaristia, o alimento servido é o próprio Jesus. Quem acolhe (quem “come”) essa Vida que Ele oferece torna-se, portanto, um com Ele. “Comer” cada domingo (ou cada dia) o alimento que Jesus oferece e que é a sua própria pessoa, leva os crentes a uma comunhão total de vida com Ele. É a Vida de Jesus que passa a circular em nós e a animar tudo aquilo que fazemos. Celebrar a Eucaristia é aprofundar os laços familiares que nos unem a Jesus, é identificarmo-nos com Ele. Quando comungamos, temos a consciência clara de que ficamos intimamente ligados a Jesus e que Jesus fica connosco, a alimentar a nossa vida a partir de dentro?
- Na conceção judaica, a partilha do mesmo alimento à volta da mesa gera entre os convivas familiaridade e comunhão. Assim, os crentes que participam da Eucaristia passam a ser irmãos: em todos circula a mesma Vida, a Vida que brota da mesma “videira” que é Jesus. Dessa forma, a participação na eucaristia tem de resultar no reforço da comunhão dos irmãos. Uma comunidade que celebra a eucaristia e que vive depois na divisão, no ciúme, no conflito, no orgulho, na autossuficiência, na indiferença para com as dores e as necessidades dos irmãos, é uma comunidade que não está a ser coerente com aquilo que celebra; e, nesse caso, a celebração eucarística é uma incoerência e uma mentira. O pão eucarístico que partilhamos com outros irmãos leva-nos a ser testemunhas e sinais de união e de comunhão? A participação na eucaristia torna-nos menos egoístas e mais atentos aos irmãos e irmãs que caminham ao nosso lado?
- “Comer a carne” e “beber o sangue” de Jesus implica um compromisso com esse mesmo projeto que Jesus procurou concretizar em toda a sua vida, em todos os seus gestos, em todas as suas palavras. Como Jesus, o crente que celebra a Eucaristia tem de levar ao mundo e aos homens essa vida que aí recebe… Tem de lutar, como Jesus, contra a injustiça, o egoísmo, a opressão, o pecado; tem de esforçar-se, como Jesus, por eliminar tudo o que desfeia o mundo e causa sofrimento e morte; tem de construir, como Jesus, um mundo de liberdade, de amor e de paz; tem de testemunhar, como Jesus, que a vida verdadeira é aquela que se faz amor, serviço, partilha, doação até às últimas consequências. Se a Eucaristia for, de facto, uma experiência profunda e sentida de adesão a Cristo e ao seu projeto, dela resultará o imperativo de uma entrega semelhante à de Cristo em favor dos nossos irmãos e da construção de um mundo novo. A Vida que recebemos de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo?
- Jesus apresenta-se como fonte de Vida para todos aqueles que aceitam a sua proposta e decidem caminhar atrás d’Ele. Ele garante poder saciar a nossa fome de Vida eterna e verdadeira. Na verdade, todos nós andamos à procura dessa Vida, de uma Vida que nos realize. Muitas vezes fazemo-lo em caminhos equivocados e temos, depois, de lidar com a frustração e a desilusão. Constatamos, a partir de experiências amargas, que o dinheiro, o poder, a ambição, o êxito social, a marca do carro que utilizamos, a qualidade da urbanização onde vivemos, a capacidade do nosso smartphone, não saciam nossa fome de Vida. Na nossa busca de Vida, há lugar para Jesus e para a proposta de Vida que Ele faz? Estamos disponíveis para acolher as indicações de Jesus, mesmo que elas nos pareçam desfasadas dos valores que a nossa sociedade cultiva e impõe? in Dehonianos
Para os leitores:
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
UMA NOVA POSSIBILIDADE NA HISTÓRIA HUMANA
Neste Domingo XX do Tempo Comum, temos a graça de escutar o texto que compõe a quinta secção (João 6,52-59) [ver Domingo XIX] da quinta Parte (João 6,25-59) do Capítulo 6.º do Quarto Evangelho [ver Domingo XVII]. Na verdade, o Evangelho deste Domingo XX começa no v. 51 e termina no v. 58, estendendo-se assim por João 6,51-58. Portanto, o v. 51, que abre o Evangelho deste Domingo XX fecha a quarta secção (João 6,41-51), e já foi lido no passado Domingo XIX. Mas, no v. 51, Jesus não está a responder à «multidão», como nos faz ler a versão oficial do texto que vai ser proclamado, mas aos «judeus», que entram em cena em João 6,41. Curiosamente, a versão do Domingo XIX está correta!
Já tivemos oportunidade de referir que cada uma das secções que compõem a quinta Parte deste Capítulo VI do Quarto Evangelho (João 6,25-59) estão ritmadas segundo o modelo «pergunta-resposta», sendo a pergunta sempre formulada pela «multidão» ou pelos «judeus», e a resposta sempre oferecida por Jesus. A pergunta dos judeus: «Não é este, Jesus, o filho de José, de quem conhecemos o pai e a mãe? Como é que diz agora: “Eu desci do céu?”» (João 6,42), que abria a quarta secção (João 6,41-51), despoletou a resposta de Jesus sobre a sua verdadeira identidade: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu […], pão que é a minha carne, que dá a vida» (João 6,51). A pergunta que abre a quinta secção (João 6,52-59) e que sai também da boca dos judeus, e que vem na continuidade da resposta acima referida por Jesus, soa assim: «Como pode este dar-nos a sua carne (sárx) a comer?» (João 6,52).
Esclarecedor é que o verbo «comer» apareça conjugado com «carne» (sárx) (João 6,52.53.54.56), com «pão» (ártos) (João 6,51.58) e «comigo» (me) [«o que me come»] (João 6,57). Fica claro que «comer o pão descido do céu» é «comer a carne do Filho do Homem», e que as duas expressões são equivalentes de «comer a pessoa» de Jesus, a sua identidade, o seu modo de viver. Só assim a vida verdadeira, a vida eterna, entra em nós e transforma a nossa vida, configurando-a com a de Jesus. Uma nova possibilidade entra na história humana. Tudo o que fica para trás, resume-se assim: «No deserto, os vossos pais comeram o maná, e morreram» (João 6,49). Que a vida eterna, que é Jesus, entre em nós e transforme, transfigure e configure a nossa vida à maneira de viver de Jesus, eis a temática da transparência e da mútua imanência e pertença entre nós e Jesus: «Permanece em Mim e Eu nele» (João 6,56). É a melhor e mais realista tradução da nossa comunhão eucarística. Até o verbo «comer» ganha nesta secção particular sabor e realismo. De facto, para dizer «comer», o grego do Novo Testamento usa habitualmente o verbo esthíô. Todavia, em João 6,54.56.57.58, é usado um verbo «comer» muito mais forte, o verbo trôgô [= trincar, mastigar]. De forma significativa, este verbo só é usado nas passagens atrás assinaladas e em João 13,18, no contexto da ceia da Páscoa.
A lição do Livro dos Provérbios, que hoje escutamos (Provérbios 9,1-6), mostra-nos a Sabedoria personificada, que edifica a sua casa, prepara o banquete, escolhe o vinho, põe a mesa, e convida todas as pessoas [= toda a humanidade] para o seu banquete. Para significar que o convite para uma nova maneira de viver é feito a todos, sem exceção, é dito que é feito dos pontos mais altos da cidade (Provérbios 9,3).
E a Carta de São Paulo aos Efésios 5,15-20 reclama também de nós uma vida nova, assente num coração inteligente que saiba ler o tempo em que estamos, discernir a vontade de Deus, decantar quotidianamente em música a Palavra de Deus e levantar a Deus permanente ação de graças. A não ser assim, teremos de nos haver com a crítica certeira de Nietzsche, que refere: «Se a Boa Nova da vossa Bíblia estivesse também escrita no vosso rosto, não teríeis necessidade de insistir tanto para que as pessoas acreditem. As vossas obras e ações deviam tornar quase supérflua a Bíblia, porque vós mesmos seríeis Bíblia nova e Boa Nova».
A música do Salmo 34, a que já nos referimos no Domingo passado (XIX), continua hoje a acompanhar-nos, realçando-se sobretudo o sabor sapiencial dos conselhos da Sabedoria personificada: «Vinde, meus filhos, escutai-me: ensinar-vos-ei o temor do Senhor» (v. 12); «afasta-te do mal e faz o bem: procura a paz e segue-a sempre» (v. 15). E continuamos hoje a cantar repetidamente o refrão: «Saboreai e vede que Bom é o Senhor». Versão grega dos LXX: «Geúsasthe kaì ídete hóti chrêstós ho Kýrios», ou, na pronúncia viva: «Geúsasthe kaì ídete hóti christós ho Kýrios», o que dá lugar a um jogo de palavras (chrêstós/christós) com resultados à vista na tradição patrística, que lê o texto em clave cristológica e eucarística, cujos primeiros resultados se podem ver já na Primeira Carta de S. Pedro: «Como crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual, para crescerdes com ele para a salvação, se é que já saboreastes que bom é o Senhor» (hóti chrêstòs ho kýrios) (1 Pedro 2,2-3). Em pronúncia viva: «que Cristo é o Senhor». Sim, vê-se daqui melhor a Bondade e o Amor fiel e comprometido, com Rosto e com Nome, que nos acompanha sempre.
António Couto
ASSUNÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA – 15 agosto 2024
Ainda que com títulos diferentes, mas com temas e conteúdos idênticos, as Igrejas do Oriente e do Ocidente, portanto a Igreja inteira, a Una e Santa, celebra no dia 15 de agosto a maior e mais antiga festa da Mãe de Deus, a Virgem Santa Maria. No Oriente, é a festa da «Dormição» (koímêsis), enquanto, no Ocidente, prevalece a tonalidade da «Assunção» (análêmpsis).
O Evangelho deste grande Dia relata o belíssimo episódio da «Visitação» (Lucas 1,39-45) seguido do cântico da «Exultação» ou «Magnificat» (Lucas 1,46-56). Note-se outra vez uma pequena diferença de tonalidade: o episódio evangélico que o Ocidente conhece por «Visitação», recebe no Oriente o nome de «Saudação» (aspasmós). E o episódio que precede e motiva esta «Visitação» ou «Saudação» recebe no Ocidente o nome de «Anunciação» e no Oriente o nome de «Evangelização» (euangelismós) (Lucas 1,26-38). Verdadeiramente é a Leveza e a Alegria em trânsito, a caminho, ao ritmo do vento do Espírito, música nova, inefável e bendita. Vinda de Deus até Maria, até Isabel, até João Baptista, outra vez até Deus. Lembra uma pequena parábola rabínica que, quando David andava fugido de Saul, buscando refúgio nas montanhas (1 Samuel 22 e seguintes), um dia dependurou a sua harpa numa árvore, e adormeceu. Mas o vento, passando, fez as cordas da harpa exalar uma suave melodia. Verdadeira música do Espírito.
É igualmente sugestiva a intuição dos Mestres judaicos, registada por Martin Buber nos seus «Contos dos Justos». Citando o Salmo 147,1, em que se lê: «É bom cantar ao nosso Deus», Buber apresenta logo a bela interpretação que Rabbí Elimelek dava deste versículo: «É bom se o homem faz cantar Deus nele». Música divina. Assim Maria correndo sobre os montes e saudando Isabel, em casa de quem permanece cerca de três meses, e cantando as maravilhas de Deus no Magnificat, assim Isabel bendizendo Maria e bendizendo Deus, assim João Baptista, dançando ao som dessa nova música inefável, no ventre de Isabel.
Maria correndo sobre os montes: feliz evocação do mensageiro de boas notícias de Isaías 52,7: «Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia boas novas a Sião…». Feliz evocação também do amado do Cântico dos Cânticos 2,8, assim cantado pela amada: «A voz do meu amado: ei-lo que vem correndo sobre os montes». Assim, com este simples acorde montanhoso, o narrador e grande retratista do terceiro Evangelho traça o perfil de Maria movida, não por uma pressa qualquer, mas por uma grande notícia e pelo amor. A aclamação de Isabel: «Bendita tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre» [= «Bendita tu e bendito Deus»], lembra o duplo «Bendito» na aclamação de Judite (13,18). A locução maravilhada de Isabel: «E de onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?» (Lucas 1,43), remete para o atónito dizer de David: «E de onde me é dado que venha ao meu encontro a Arca do Senhor?» (2 Samuel 6,9). E a «dança de João» reclama a dança de David na presença da Arca do Senhor (2 Samuel 6,5.14.16.21). E os «cerca de três meses» de permanência de Maria em casa de Isabel, regressando então a sua casa (Lucas 1,56), não são, como vulgarmente se pensa, para indicar que Maria está presente no nascimento de João Baptista, pois este apenas é narrado no versículo seguinte (Lucas 1,57). É, antes, outra vez o acerto com a Arca do Senhor, que permanece cerca de três meses na casa de Obed-Edom (2 Samuel 6,11). Os acordes textuais evidentes mostram Maria como a Arca da Aliança, como, de resto, é aclamada pelo Povo de Deus, quando recita a ladainha de Nossa Senhora.
O que verdadeiramente me extasia e inebria é esta música outra, ventilando as cordas do nosso humano, e quase sempre orgulhoso, coração. Vem outra vez a propósito a velha sabedoria judaica, que nos legou esta bela pequena história: «Conta-se que, quando David terminou o Livro dos Salmos, se sentiu muito orgulhoso. Então disse para Deus: “Senhor do mundo, quem de entre todos os seres que criaste, canta melhor do que eu a tua glória?”. Naquele momento, apareceu uma rã que lhe disse: “David, não te envaideças. Eu canto melhor do que tu a glória de Deus”» (Sefer ha-Haggadah, 89b).
Aí está, a descoberto, na lição do Livro do Apocalipse (11,19; 12,1-6.10), a Arca da Aliança, a Mulher messiânica, que é a Igreja, ao mesmo tempo perseguida e preservada, grávida de um filho varão, e que sofre já as dores de parto, que dá à luz, não obstante a guerra em que está envolvida. Pode ver-se sempre por detrás também a figura de Maria. Resulta, todavia, surpreendente que este filho varão, mal nasceu foi logo arrebatado para junto de Deus. Vê-se bem que esta surpreendente representação da vida de Jesus (nasce, e é logo elevado ao céu!) cai fora das pautas tradicionais, que fazem Jesus nascer em Belém, atravessar a Paixão e a Cruz, e só depois vem a Ressurreição e a Ascensão. É claro que este nascimento messiânico dorido e vitorioso, descrito no Apocalipse, não é o de Belém, mas o da manhã de Páscoa, sendo as dores da maternidade as dores de parto da comunidade dos discípulos, vista como uma mulher que sofre para dar à luz, mas logo se alegra quando nasce o filho (cf. Jo 16,19-22). Nova maneira de ler o Calvário! Este nascimento do homem novo é visto como um «sinal» para sempre aceso e legível da presença viva e ativa de Deus no meio de nós, como a luz de uma vela, para a celebração festiva dos filhos de Deus reunidos. Avista-se, porém, outro «sinal» de sinal contrário, o do Dragão de cor vermelha, que serve para nos manter unidos e atentos no meio das dificuldades e perseguições desta vida, que, todavia, não devem toldar-nos a vista da salvação e da vitória, claramente a descoberto no horizonte onde brilha a esperança: «Agora cumpriu-se a salvação, a força e o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo» (Apocalipse 12,10).
O final da Primeira Carta aos Coríntios (15,20-27) põe um imenso selo de luz e de esperança na celebração luminosa deste Dia. Com a Ressurreição de Cristo salta à vista a poeira de toda a iniquidade e falsidade e morte, e já se vê a «assunção» da nossa frágil humanidade em Cristo e por Cristo até Deus Pai. «Cristo foi ressuscitado (egêgertai: perf. pass. de egeírô) dos mortos, primícias (aparchê) dos que adormeceram» (1 Coríntios 15,20). Ele é, portanto, o primeiro Homem a ser ressuscitado. E se é o primeiro e primícias, então representa-nos a todos e constitui promessa e certeza para todos. Nele a morte foi vencida para todos. A esperança fundamenta-se na certeza deste Acontecimento principal da Vida do Senhor, que dá significado a todos os outros acontecimentos da sua Vida, ao inteiro Antigo Testamento, à Igreja e à vida de todos os homens.
O belíssimo Canto de Amor, que é o Salmo 45, serve hoje para celebrar a Igreja Esposa e Mãe, e Maria Esposa e Mãe. Este belo hino, como o Cântico dos Cânticos, canta o Amor, que é sempre divino e humano. Na verdade, no amor humano pode ler-se o amor revelado por Deus, pelo que, se existe o amor, existe Deus. Não admira, por isso, que este Salmo tenha sido interpretado em clave messiânica quer no judaísmo quer no cristianismo.
Pela Constituição Apostólica Munificentissimus Deus, de 1 de novembro de 1950, o Papa Pio XII proclamava a Assunção da Virgem Maria como dogma de fé. Mas é desde os primeiros séculos do Cristianismo que o Povo de Deus aclama, proclama e vive com amor intenso esta realidade. Quantas igrejas, paróquias e dioceses a têm como padroeira! E, neste particular, este recanto Peninsular, terra de Santa Maria, não podia ser exceção. O Povo de Deus desde muito cedo aclamou a Assunção de Maria, Mãe de Deus e esperança da nossa frágil humanidade.
Um lugar guarda esta memória em Jerusalém. É preciso descer ao vale que corre a Oriente da cidade, o famoso vale do Cédron. Deixando à direita o Getsémani com as suas oliveiras seculares e a Basílica da Agonia de Jesus, muito próximo da Gruta dos Apóstolos ou da Prisão de Jesus, chega-se a um pátio pavimentado que dá para uma monumental fachada, que é o que resta de uma grande Igreja aí construída pelos Cruzados. Por detrás dessa fachada, estende-se uma escadaria que nos leva a uma cripta situada nas entranhas do vale do Cédron. É esta cripta que guarda um túmulo do século I, que a tradição cristã identifica com o túmulo de Maria, em forma de banco escavado na rocha, e que se apresenta bastante degradado devido à tentação dos peregrinos que, ao longo dos tempos, não resistiram a levar consigo um pedacinho da rocha que esteve em contacto com o corpo da «Bendita».
No dia da Solenidade da Assunção, é comovente ver aquela escadaria escura iluminada como um tapete de luz, devido às velas que os fiéis colocam em cada degrau. Conduzindo embora para um túmulo, a sensação que se cria é que aquela escadaria descendente, feita tapete de luz, abre para uma ianua coeli, «porta do céu», como também cantamos na litania de Maria.
No seguimento lógico da Assunção de Maria, a Igreja celebra oito dias depois, em 22 de agosto, a Memória da Virgem Santa Maria, Rainha, proclamação também devida a Pio XII, através da Carta Encíclica Ad Coeli Reginam, de 11 de outubro de 1954. Mãe Elevada aos Céus, mas Mãe que vela carinhosamente pelos seus filhos. O Rei e a Rainha não são, na Bíblia, títulos de nobreza, mas traduzem a dupla função de quem deve estar particularmente próximo de Deus e particularmente próximo dos homens. Para acolher de perto toda a Palavra que vem do coração de Deus, e para trazer à humanidade a prosperidade, o bem-estar e a felicidade. Tal é a função do Rei e da Rainha.
António Couto
ANEXOS:
- Assunção da Virgem Santa Maria – Ano B – 15.08.2024 – Lecionário
- Assunção da Virgem Santa Maria – Ano B – 15.08.2024 – Oração Universal
- Leitura I do Domingo XX do Tempo Comum – Ano B – 18.08.2024 (Prov 9, 1-6)
- Leitura II do Domingo XX do Tempo Comu m – Ano B – 18.08.2024 ( Ef 5, 15-20)
- Domingo XX do Tempo Comum – Ano B – 18.08.2024 – Lecionário
- Domingo XX do Tempo Comum – Ano B – 18.08.2024 – Oração Universal
- Domingo XX do Tempo Comum – Ano B – 18.08.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XIX do Tempo Comum – Ano B – 11.08.2024
51Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente;
e o pão que Eu hei de dar é a minha carne, pela vida do mundo. Jo 6, 51
Viver a Palavra
«Somos aquilo que comemos!».
Esta expressão é popularmente repetida e hoje aparece frequentemente ligada a planos alimentares e programas nutricionais, para sublinhar que o que comemos diz muito sobre nós, sobre o que somos e sobre aquilo que defendemos. Esta frase que parece recentemente inventada por algum publicitário remonta a Hipócrates, pai da medicina, que há mais de 2500 anos divulgou esta ideia, acrescentando: «que o vosso alimento seja o vosso primeiro medicamento».
Sabemos que a alimentação é fundamental para uma vida saudável e, hoje mais do que nunca, sabemos do impacto que as nossas escolhas alimentares têm na nossa vida. Conscientes que esta página não se destina a refletir sobre planos alimentares e nutricionais, estas linhas servem apenas de prelúdio para tomarmos consciência que o «Pão vivo que desceu do Céu» não só sustenta a nossa caminhada como a configura e lhe aponta o rumo a traçar.
Como Elias temos consciência que temos um longo caminho a percorrer, ainda que tantas vezes possamos ser vencidos pelo desânimo e procuremos um junípero onde carpir as nossas misérias e soltar o nosso último suspiro. Também não nos contentamos com um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água que entremeie o estado de apatia ou letargia em que nos encontramos, como se estivéssemos resignados a comer, beber e dormir até que o curso dos dias ache o seu fim.
Somos filhos do Deus do amor e da vida, chamados a inscrever a nossa existência num horizonte de eternidade que preenche de sentido os dias e as horas do nosso caminhar. Por isso, como nos exorta S. Paulo: «seja eliminado do meio de vós tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade». Afastemos de nós o que nos afasta de Deus e dos irmãos e sejamos construtores de uma vida verdadeiramente plena que possa fazer ecoar no coração de cada homem e de cada mulher as palavras que cantamos no Salmo: «saboreai e vede como o Senhor é bom».
Na verdade, é isto mesmo que nos revela Jesus: o nosso Deus bom e misericordioso é um Deus que somos chamados a saborear. A Sua vida entregue sem medida é pão partido e repartido para a redenção do mundo. Apresentando-se como o «Pão que desceu do Céu», Jesus depara-se com a perplexidade e admiração dos judeus que murmuram entre si sobre a loucura destas palavras. Um homem que se apresenta como alimento e, mais ainda, um alimento que vem do céu, quando eles até conhecem bem o Seu pai e Sua mãe.
Acostumados a estas palavras, não nos sentimos interpelar com a força que elas deveriam provocar em nós. Não somos alimentados por um pão qualquer, tampouco somos alimentados pelo maná que não evitou a morte daqueles que o comeram. Somos nutridos pelo Pão Vivo descido do Céu, pelo alimento que oferece vida em plenitude e prenhe de eternidade.
Jesus desce do céu, faz-se pão e oferece-se em alimento. Este é o dinamismo da incarnação que deve moldar a vida de todos aqueles que dele se alimentam: descer, fazer-se pão e oferecer-se. Nestas três formas verbais encontramos os pilares de uma vida verdadeiramente eucarística. Na verdade, se quando ingerimos algum alimento, os seus nutrientes são assimilados pelo nosso organismo, também todas as vezes que nos alimentamos do Pão da Eucaristia somos chamados a configurar a nossa vida com a vida Daquele que se quer fazer presente em nós. in Voz Portucalense
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Neste Domingo XIX do Tempo Comum tem início em Portugal a Semana Nacional da Mobilidade Humana. O tempo de férias e descanso não pode permitir esquecer quantos por motivações tão diferentes têm de se deslocar e fazer a experiência de serem estrangeiros e peregrinos. As comunidades cristãs devem estar atentas e criar processos de acolhimento e integração para que possamos anunciar a certeza que «Deus caminha com o Seu Povo», como escreve o Papa na sua mensagem para o 110º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, a celebrar no dia 29 de setembro de 2024. A oração proposta pelo Papa, no final da mensagem, pode ser distribuída pelos fiéis e ser rezada nas diversas Eucaristias desta semana, convidando-os a terem essa intenção presente na sua oração pessoal.in Voz Portucalense
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – 1 Re 19,4-8
Leitura do Primeiro Livro dos Reis
Naqueles dias,
Elias entrou no deserto e andou o dia inteiro.
Depois sentou-se debaixo de um junípero
e, desejando a morte, exclamou:
«Já basta, Senhor. Tirai-me a vida,
porque não sou melhor que meus pais».
Deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero.
Nisto, um Anjo do Senhor tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come».
Ele olhou e viu à sua cabeceira
um pão cozido sobre pedras quentes e uma bilha de água.
Comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
O Anjo do Senhor veio segunda vez, tocou-lhe e disse:
«Levanta-te e come,
porque ainda tens um longo caminho a percorrer».
Ele levantou-se, comeu e bebeu.
Depois, fortalecido com aquele alimento,
caminhou durante quarenta dias e quarenta noites
até ao monte de Deus, Horeb.
CONTEXTO
Elias actua no Reino do Norte (Israel) durante o século IX a.C., num tempo em que a fé jahwista é posta em causa pela preponderância que os deuses estrangeiros (especialmente Baal) assumem na cultura religiosa de Israel. Provavelmente, estamos diante de uma tentativa de abrir Israel a outras culturas, a fim de facilitar o intercâmbio cultural e comercial… Mas essas razões políticas não são entendidas nem aceites pelos círculos religiosos de Israel. O ministério profético de Elias desenvolve-se sobretudo durante o reinado de Acab (873-853 a.C.), embora a sua voz também se tenha feito ouvir no reinado de Ocozias (853-852 a.C.).
Elias é o grande defensor da fidelidade a Jahwéh. Ele aparece como o representante dos israelitas fiéis que recusavam a coexistência de Jahwéh e de Baal no horizonte da fé de Israel. Num episódio dramático, o próprio profeta chegou a desafiar os profetas de Baal para um duelo religioso que terminou com um massacre de quatrocentos profetas de Baal no monte Carmelo (cf. 1 Re 18). Esse episódio é, certamente, uma apresentação teológica dessa luta sem tréguas que se trava entre os fiéis a Jahwéh e os que abrem o coração às influências culturais e religiosas de outros povos.
Para além da questão do culto, Elias defende a Lei em todas as suas vertentes (veja-se, por exemplo, a sua defesa intransigente das leis da propriedade em 1 Re 21, no célebre episódio da usurpação das vinhas de Nabot): ele representa os pobres de Israel, na sua luta sem tréguas contra uma aristocracia e uns comerciantes todo-poderosos que subvertiam a seu bel-prazer as leis e os mandamentos de Jahwéh.
Após o massacre dos 400 profetas de Baal no monte Carmelo, Acab e a sua esposa fenícia juraram matar Elias; e o profeta fugiu para o sul, a fim de salvar a vida. Chegado à zona de Beer-Sheba, Elias internou-se no deserto. É precisamente nesse contexto que o episódio do Livro dos Reis que hoje nos é proposto nos situa. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- No quadro que o texto nos apresenta, Elias aparece como um homem vencido pelo medo e pela angústia, marcado pela deceção e pelo desânimo, que experimentou dramaticamente a sua impotência no sentido de mudar o coração do seu Povo e que, por isso, desistiu de lutar; a sua desilusão é de tal forma grande, que ele prefere morrer a ter de continuar. “Este” Elias testemunha essa condição de fragilidade e de debilidade que está sempre presente na experiência profética. É um quadro que todos nós conhecemos bem… A nossa experiência profética está, muitas vezes, marcada pelas incompreensões, pelas calúnias, pelas perseguições; outras vezes, é o sentimento da nossa impotência no sentido de mudar o mundo que nos angustia e desanima; outras vezes ainda, é a constatação da nossa fragilidade, dos nossos limites, da nossa finitude que nos assusta… Como responder a um quadro deste tipo e como encarar esta experiência de fragilidade e de debilidade? A solução será baixar os braços e abandonar a luta? Quem pode ajudar-nos a enfrentar o drama da desilusão e da deceção?
- O nosso texto garante-nos que Deus não abandona aqueles a quem chama a dar testemunho profético. No “pão cozido sobre pedras quentes” e na “bilha de água” com que Deus retempera as forças de Elias, manifesta-se o Deus da bondade e do amor, cheio de solicitude para com os seus filhos, que anima os seus profetas e lhes dá a força para testemunhar, mesmo nos momentos de dificuldade e de desânimo. Quando tudo parece cair à nossa volta e quando a nossa missão parece condenada ao fracasso, é em Deus que temos de confiar e é n’Ele que temos de colocar a nossa segurança e a nossa esperança.
- Como nota marginal, atentemos na forma de atuar de Deus: Ele não resolve magicamente os problemas do profeta, nem Se substitui ao profeta… O profeta deve continuar a sua missão, enfrentando os mesmos problemas de sempre; mas Deus “apenas” alimenta o profeta, dando-lhe a coragem para continuar a sua missão. Por vezes, pedimos a Deus que nos resolva milagrosamente os problemas, com um golpe mágico, enquanto nós ficamos, de braços cruzados, a olhar para o céu… O nosso Deus não Se substitui ao homem, não ocupa o nosso lugar, não estimula com a sua ação a nossa preguiça e a nossa instalação; mas está ao nosso lado sempre que precisamos d’Ele, dando-nos a força para vencer as dificuldades e indicando-nos o caminho a seguir.
- A “peregrinação” de Elias ao Horeb/Sinai, para se reencontrar com as origens da fé israelita e para recarregar as baterias espirituais, sugere-nos a necessidade de, por vezes, encontrarmos momentos de “paragem”, de reflexão, de “retiro”, de reencontro com Deus, de redescoberta dos fundamentos da nossa missão… Essa “paragem” não será nunca um tempo perdido; mas será uma forma de recentrarmos a nossa vida em Deus e de redescobrirmos os desafios que Deus nos faz, no âmbito da missão que nos confiou. in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)
Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.
A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.
Enaltecei comigo o Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.
Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.
O Anjo do Senhor protege os que O temem
e defende-os dos perigos.
Saboreai e vede como o Senhor é bom:
feliz o homem que n’Ele se refugia.
LEITURA II – Ef 4,30-5,2
Leitura da Epístola do apóstolo São Paulo aos Efésios
Irmãos:
Não contristeis o Espírito Santo de Deus,
que vos assinalou para o dia da redenção.
Seja eliminado do meio de vós
tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência
e toda a espécie de maldade.
Sede bondosos e compassivos uns para com os outros
e perdoai-vos mutuamente,
como Deus também vos perdoou em Cristo.
Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados.
Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo,
que nos amou e Se entregou por nós,
oferecendo-Se como vítima agradável a Deus.
CONTEXTO
A nossa segunda leitura apresenta-nos, mais uma vez, um texto dessa “carta circular” que Paulo escreveu a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor (inclusive aos cristãos de Éfeso), enquanto estava na prisão (em Roma, durante os anos 61-63?). Esta carta (escrita na fase final da vida de Paulo) é uma carta onde o apóstolo expõe aos cristãos, de forma serena e refletida, as principais exigências da vida nova que resulta do Batismo,
Na secção que vai de 4,1 a 6,20, temos uma “exortação aos batizados”: é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. A perícope de 4,14-15,14 (que inclui o nosso texto) deve ser entendida como um convite a viver de acordo com a condição de Homem Novo, que o cristão adquiriu no dia do seu Batismo.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Pelo Batismo, os cristãos tornam-se filhos amados de Deus e passam a integrar a comunidade de Deus. O Batismo não é, portanto, uma tradição familiar, um rito cultural, ou uma obrigação social; mas é um momento sério de opção por Deus e de compromisso com os valores de Deus. Tenho consciência de que me comprometi com a família de Deus e que devo viver como filho de Deus? Tenho consciência de que assumi o compromisso de testemunhar no mundo, com os meus gestos e atitudes, os valores de Deus? Tenho consciência de que devo, portanto, procurar ser perfeito “como o Pai do céu é perfeito” (cf. Mt 5,48)?
- Para os batizados, o modelo do “Filho amado de Deus” que cumpre absolutamente os planos do Pai, é Jesus… A vida de Jesus concretizou-se na contínua escuta dos projetos do Pai e no amor total aos homens. Esse amor (que teve a sua expressão máxima na cruz) expressou-se sempre em gestos de entrega aos homens, de serviço humilde aos irmãos, de dom de Si próprio, de acolhimento de todos os marginalizados, de bondade sem fronteiras, de perdão sem limites… Dessa forma, Jesus foi o paradigma do Homem Novo, o modelo que Deus propõe a todos os outros seus filhos. Como é que me situo face a esse “modelo” que é Jesus? Como Ele, vivo numa atenção constante às propostas de Deus e disposto a responder positivamente aos seus desafios? Como Ele, estou disposto a despir-me do egoísmo, a caminhar na caridade e a fazer da minha vida um dom total aos irmãos?
- Seguir Cristo e ser um Homem Novo implica, na perspetiva de Paulo, assumir uma nova atitude nas relações com os irmãos. O apóstolo chega a especificar que o azedume, a irritação, os rancores, os insultos, as violências, a má-língua, a inveja, os orgulhos mesquinhos devem ser totalmente banidos da vida dos cristãos. Esses “vícios” são manifestações do “homem velho” que não cabem na existência de um “filho de Deus”, cuja vida foi marcada com o selo do Espírito. É necessário que estejamos cientes desta realidade: quando na nossa vida pessoal ou comunitária nos deixamos levar pelo rancor, pelo ciúme, pelo ódio, pela violência, pela mesquinhez e magoamos os irmãos que nos rodeiam, estamos a ser incoerentes com o compromisso que assumimos no dia do nosso Batismo e a cortar a nossa relação com a família de Deus.in Dehonianos.
EVANGELHO – Jo 6,41-51
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
os judeus murmuravam de Jesus, por Ele ter dito:
«Eu sou o pão que desceu do Céu».
E diziam: «Não é ele Jesus, o filho de José?
Não conhecemos o seu pai e a sua mãe?
Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?»
Jesus respondeu-lhes:
«Não murmureis entre vós.
Ninguém pode vir a Mim,
se o Pai, que Me enviou, não o trouxer;
e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia.
Está escrito no livro dos Profetas:
‘Serão todos instruídos por Deus’.
Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino
vem a Mim.
Não porque alguém tenha visto o Pai;
só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai.
Em verdade, em verdade vos digo:
Quem acredita tem a vida eterna.
Eu sou o pão da vida.
No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram.
Mas este pão é o que desce do Céu
para que não morra quem dele comer.
Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.
Quem comer deste pão viverá eternamente.
E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne,
que Eu darei pela vida do mundo».
CONTEXTO
No seu “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56), João apresenta-nos um conjunto de cinco catequeses sobre Jesus; e, em cada uma delas, usando diferentes símbolos, Jesus é apresentado como o Messias que veio ao mundo para cumprir o plano do Pai e fazer aparecer um Homem Novo. Todas essas catequeses (“Jesus, a água que dá a vida” – cf. Jo 4,1-5,47; “Jesus, o verdadeiro pão que sacia todas as fomes” – cf. Jo 6,1-7,53; “Jesus, a luz que liberta o homem das trevas” – cf. Jo 8,12-9,41; “Jesus, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas” – cf. Jo 10,1-42; “Jesus, vida e ressurreição para o mundo” – cf. Jo 11,1-56) terminam com uma secção onde se manifesta a oposição dos judeus a essa vida nova que Jesus veio propor aos homens. João vai, dessa forma, preparando os seus leitores para aquilo que vai acontecer em Jerusalém no final da caminhada histórica de Jesus: a morte na cruz.
O texto que nos é hoje proposto apresenta-nos uma dessas histórias de confronto entre Jesus e os judeus. No final do discurso explicativo da multiplicação dos pães e dos peixes, pronunciado na sinagoga de Cafarnaum (cf. Jo 6,22-40), Jesus propusera-Se como “o Pão da vida” e convidara os seus interlocutores a aderirem à sua proposta para nunca mais terem fome. O nosso texto é a sequência desse episódio. Refere a murmuração dos judeus a propósito das palavras de Jesus e descreve a controvérsia que se seguiu. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Repetindo o tema central do texto que refletimos no passado domingo, também o Evangelho que hoje nos é proposto nos convida a acolher Jesus como o “pão” de Deus que desceu do céu para dar a vida aos homens… Para nós, seguidores de Jesus, esta afirmação não é uma afirmação de circunstância, mas um facto que condiciona a nossa existência, as nossas opções, todo o nosso caminho. Jesus, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, com o seu amor, com a sua proposta, veio dizer-nos como chegar à vida verdadeira e definitiva. Que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? É à volta d’Ele que construímos a nossa existência? O projeto que Ele veio propor-nos tem um real impacto na nossa caminhada e nas opções que fazemos em cada instante?
- “Quem acredita em Mim, tem a vida eterna” – diz-nos Jesus. “Acreditar” não é, neste contexto, aceitar que Ele existiu, conhecer a sua doutrina, ou elaborar altas considerações teológicas a propósito da sua mensagem… “Acreditar” é aderir, de facto, a essa vida que Jesus nos propôs, viver como Ele na escuta constante dos projetos do Pai, segui-l’O no caminho do amor, do dom da vida, da entrega aos irmãos; é fazer da própria vida – como Ele fez da sua – uma luta coerente contra o egoísmo, a exploração, a injustiça, o pecado, tudo o que desfeia a vida dos homens e traz sofrimento ao mundo. Eu posso dizer, com verdade e objetividade, que “acredito” em Jesus?
- No seu discurso, Jesus faz referência ao maná como um alimento que matou a fome física dos israelitas em marcha pelo deserto, mas que não lhes deu a vida definitiva, não lhes transformou os corações, não lhes assegurou a liberdade plena e verdadeira (só o “pão” que Jesus oferece sacia verdadeiramente a fome de vida do homem). O maná pode representar aqui todas essas propostas de vida que, tantas vezes, atraem a nossa atenção e o nosso interesse, mas que vêm a revelar-se falíveis, ilusórias, parciais, porque não nos libertam da escravidão nem geram vida plena. É preciso aprendermos a não colocar a nossa esperança e a nossa segurança no “pão” que não sacia a nossa fome de vida definitiva; é necessário aprendermos a discernir entre o que é ilusório e o que é eterno; é preciso aprendermos a não nos deixarmos seduzir por falsas propostas de realização e de felicidade; é necessário aprendermos a não nos deixarmos manipular, aceitando como “pão” verdadeiro os valores e as propostas que a moda ou a opinião pública dominante continuamente nos oferecem…
- Porque é que os judeus rejeitam a proposta de Jesus e não estão dispostos a aceitá-l’O como “o pão que desceu do céu”? Porque vivem instalados nas suas grandes certezas teológicas, prisioneiros dos seus preconceitos, acomodados num sistema religioso imutável e estéril e perderam a faculdade de escutar Deus e de se deixar desafiar pela novidade de Deus. Eles construíram um Deus fixo, calcificado, previsível, rígido, conservador, e recusam-se a aceitar que Deus encontre sempre novas formas de vir ao encontro dos homens e de lhes oferecer vida em abundância. Esta “doença” de que padecem os líderes e “fazedores” de opinião do mundo judaico não é assim tão rara… Todos nós temos alguma tendência para a acomodação, a instalação, o aburguesamento; e quando nos deixamos dominar por esse esquema, tornamo-nos prisioneiros dos ritos, dos preconceitos, das ideias política ou religiosamente corretas, de catecismos muito bem elaborados mas parados no tempo, das elaborações teológicas muito coerentes e muito bem arrumadas mas que deixam pouco espaço para o mistério de Deus e para os desafios sempre novos que Deus nos faz. É preciso aprendermos a questionar as nossas certezas, as nossas ideias pré-fabricadas, os esquemas mentais em que nos instalamos comodamente; é preciso termos sempre o coração aberto e disponível para esse Deus sempre novo e sempre dinâmico, que vem ao nosso encontro de mil formas para nos apresentar os seus desafios e para nos oferecer a vida em abundância. in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, deve ter-se em atenção à palavra «junípero» que se repete duas vezes durante a leitura, para uma correta acentuação da palavra. Deve ter-se também em consideração as frases curtas e as intervenções em discurso direto, para uma leitura articulada e fluente.
Na segunda leitura, estar atento às formas verbais na forma imperativa que evidenciam o tom exortativo que deve pautar a proclamação deste texto. Deve haver ainda um especial cuidado com a proclamação enumeração presente no texto: «azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade».
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
Continuamos, neste Domingo XIX do Tempo Comum, a revisitar o chão textual e a saborear o pão espiritual do grande Evangelho de João 6. Hoje temos a graça de escutar a secção de João 6,41-51. Importa, desde já, lembrar o leitor que esta secção se enquadra na quinta Parte deste grande Capítulo, que se estende pelos versículos 25-59 (ver atrás, Domingo XVII). Podemos agora mostrar, para efeitos de clareza e melhor compreensão, como se apresenta estruturada esta quinta Parte (João 6,25-59), para nos ocuparmos depois, mais de perto, do texto deste Domingo (João 6,41-51).
João 6,25-59 apresenta-se ritmado pelo esquema «pergunta-resposta». As perguntas saem da boca de uma «multidão» não identificada ou dos «judeus», a que se seguem as respostas de Jesus. Seguindo este ritmo, o texto de João 6,25-59 mostra-se organizado em cinco secções: João 6,25-29 (a), João 6,30-33 (b), João 6,34-40 (c), João 6,41-51 (d) e João 6,52-59 (e).
O texto que nos ocupa neste Domingo forma, portanto, a quarta secção (João 6,41-51). O leitor atento começa logo por verificar que «a multidão» (ho óchlos) não identificada que até aqui seguia Jesus (João 6,2.5.22.24) se transforma subitamente, e sem qualquer explicação, em «os judeus» (hoi ioudaîoi) (João 6,41). É visível também que, com esta súbita transformação, cresce a hostilidade e a agressividade contra Jesus, aqui traduzida pela presença do verbo «murmurar» (goggýzô), que lembra o comportamento dos Israelitas no deserto (Êxodo 15,24; 16,2 e 7-8; 17,3; Números 14,2.27.29.36). A «murmuração» (goggysmós) é uma espécie de rebelião interior, assente na insatisfação, desconfiança, inveja, ciúme e azedume contra as pessoas e contra Deus, neste caso, contra Jesus.
E qual é a razão desta «murmuração» dos judeus contra Jesus? Radica no facto de estes judeus conhecerem bem o «histórico» de Jesus, o seu pai e a sua mãe, as suas raízes humanas bem humildes, e de não poderem conciliar estes dados muito humanos com a sua origem divina (João 6,42-43). Note-se também que a «murmuração» consiste em falar mal de alguém, não diretamente, tu a tu, mas indiretamente, em 3.ª pessoa: «Não é este, Jesus, o filho de José, de quem conhecemos o pai e a mãe? Como é que diz agora: “Eu desci do céu?”» (João 6,42).
Os judeus dizem conhecer o pai de Jesus. Mas Jesus responde, apelando ao fim da murmuração: «Não murmureis entre vós» (João 6,43), e apontando o seu verdadeiro Pai, que os judeus não conhecem (ironia joanina): «Ninguém pode vir a Mim (eltheîn prós me), se o Pai, que me enviou, não o arrastar (élkô)» (João 6,44). Jesus põe, portanto, fim à murmuração, isto é, ao falar mal de alguém, em 3.ª pessoa, abrindo um discurso novo, direto, pessoal, tu a tu: «Vir a Mim» subverte completamente o «falar de Mim». Mas este «Vir a Mim» é obra, não dos homens, que não o sabem nem podem fazer por conta própria, mas de Deus: «Todos serão ensinados por Deus» (cf. Isaías 54,13), e conclui: «Todo aquele que escutou do Pai, e aprendeu, vem a Mim» (João 6,45). Os judeus falam do pai de Jesus, José. Mas Jesus fala do seu verdadeiro Pai, Deus. De pai para Pai. Jesus aponta o verdadeiro Pai, o único que nos leva a Jesus, o pão vivo descido do céu, que é a sua «carne», isto é, a sua forma de viver, a sua identidade. Claramente: só nos identificando com Jesus, aderindo à sua forma de viver, fazendo nossa a sua vida, deixamos entrar em nós a vida eterna. Notável interligação: o IV Evangelho já nos tinha ensinado que é Jesus que explica o Pai (João 1,18) e que conduz ao Pai (João 14,6). Nesta passagem, é o Pai que explica Jesus e que conduz a Jesus.
Notar-se-á por debaixo do falar de Jesus o teclado do Antigo Testamento. Em dois momentos. Um deles é aquele: «Todos serão ensinados por Deus» (João 6,45), que é uma citação de Isaías 54,13. Todavia, a música é diferente: o texto de Isaías é restritivo, pois fala de «Todos os teus filhos» (de Jerusalém). Jesus alarga a perspetiva, falando de todos em geral. O outro é aquele: «Ninguém pode vir a Mim (eltheîn prós me), se o Pai, que me enviou, não o arrastar (élkô)» (João 6,44), que tem por debaixo Jeremias 31,3 [38,3 LXX], que refere: «Com um amor eterno, Eu te amei; por isso te arrastei (mashak TM; élkô LXX) com carinho». É demasiado pobre não reparar nisto. É demasiado belo reparar nisto. Há neste amor de Deus por nós uma paixão declarada, força ou coação que o verbo (hebraico e grego) traduz bem. Entenda-se: Deus não desiste de nós, já não pode passar sem nós!
Como os judeus cortam laços e cavam fossos, murmurando, também Elias (1 Reis 19,4-8) se afasta de Deus e do mundo e de si mesmo. Murmurando. De acordo com a murmuração de Elias, Deus não age como devia agir, o mundo está todo pervertido, de pernas para o ar, já não faz sentido continuar a viver. Porque Deus não age como ele quer, porque o mundo não é como ele quer, Elias, desgostoso e desanimado, corre para a morte, que ele vê como a única saída para a sua vida sem Deus e sem sentido. Tudo somado, Elias não é mesmo melhor do que os seus pais (1 Reis 19,4), os do tempo do Êxodo e da travessia do deserto, e, tal como eles, também murmura, falando mal de Deus, dos outros e do mundo.
Mas Deus, o verdadeiro Deus, não fala mal de Elias, mas ama Elias, e vai conduzi-lo ao caminho certo. Não deixa morrer Elias, e vai dar-lhe lições de vida verdadeira. Manda o seu anjo, que lhe toca (como toca em nós um anjo?), fala-lhe, alimenta-o, e abre-lhe um caminho imenso para uma nova nascente. Também não fala mal de nós, mas ama-nos.
Na linha do que bem faz hoje o Apóstolo Paulo para nós na Carta aos Efésios (4,30-5,2): «Nada de azedumes, irritação, cólera, insultos, maledicências, maldade» (Efésios 4,31). Em vez disso, bons (chrêstoí, leitura viva: christoí) uns para com os outros, misericordiosos, perdoadores (Efésios 4,32), «imitadores (mimêtês) de Deus, como filhos amados» (Efésios 5,1). Outra vez: Deus não fala mal de nós, mas ama-nos! E vistas as coisas do nosso lado: «o amor não faz mal ao próximo» (Romanos 13,10).
O Salmo 34 põe nos lábios dos pobres a bênção (berakah), que os une a Deus para sempre, e o louvor jubiloso e intenso (tehillah), que é a sua verdadeira razão de viver (v. 2-3). O pobre enche o olhar de Deus e fica radiante, luminoso (v. 6), sabe que Deus o escuta e o salva, e convida a saborear a bondade de Deus (v. 9), como cantamos hoje repetidamente no refrão: «Saboreai e vede que Bom é o Senhor». Versão grega dos LXX: «Geúsasthe kaì ídete hóti chrêstós ho Kýrios», ou, na pronúncia viva: «Geúsasthe kaì ídete hóti christós ho Kýrios», o que dá lugar a um jogo de palavras (chrêstós/christós) com resultados à vista na tradição patrística, que lê o texto em clave cristológica e eucarística, cujos primeiros resultados se podem ver já na Primeira Carta de S. Pedro: «Como crianças recém-nascidas, desejai o puro leite espiritual, para crescerdes com ele para a salvação, se é que já saboreastes que bom é o Senhor» (hóti chrêstòs ho kýrios) (1 Pe 2,2-3). Em pronúncia viva: «que Cristo é o Senhor». Sim, vê-se daqui melhor a Bondade e o Amor fiel e comprometido, com Rosto e com Nome. Deus segue sempre o pobre de perto, cerca-o de amor (v. 8), protege até os seus ossos para não serem quebrados (v. 21), tal como é dito do cordeiro pascal, o mais alto símbolo de libertação. No seu Caminho de perfeição, Santa Teresa de Ávila deixa-nos, talvez, um dos mais belos e e incisivos discursos sobre a pobreza: «A pobreza é um bem que contém em si todos os bens do mundo; ela confere um império imenso, torna-nos verdadeiramente donos de todos os bens cá de baixo desde o momento em que os faz cair aos pés».
À entrada de agosto,
Com o sol no rosto,
Dá Deus o descanso
De um ribeiro manso,
Uma roseira brava,
Um silêncio em lava,
Uma bilha de água,
Pão folhado a arder na frágua
Um anjo à cabeceira,
Celestial pulseira,
Com que o céu nos guia
De noite e de dia,
Pelo deserto ardente,
Rumo à nascente
Da alegria.
António Couto
ANEXOS:
- Leitura I do Domingo XIX do Tempo Comum – Ano B – 11.08.2024 (1 Re 19, 4-8)
- Leitura II do XIX Domingo do Tempo Comum – Ano B – 11.08.2024 (Ef 4, 30-5, 2)
- Domingo XIX do Tempo Comum – Ano B – 11.08.2024 – Lecionário
- Domingo XIX do Tempo Comum – Ano B – 11.08.2024 – Oração Universal
- Domingo XIX do Tempo Comum – Ano B – 11.08.2024-refletindo
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XVIII do Tempo Comum – Ano B – 04.08.2024
Viver a Palavra
Atravessamos um contexto social e cultural marcado por rápidas e profundas transformações e se há uma constante no tempo em que vivemos é estar em estado permanente de mudança. Na verdade, no coração de cada homem e de cada mulher reside uma insatisfação que o faz partir à procura de um garante de estabilidade e equilíbrio que lhe ofereça um horizonte de plenitude e de sentido. Contudo, tantas vezes gastamos o nosso tempo e as nossas energias naquilo que não é capaz de satisfazer a verdade que o nosso coração anseia. Acredito que mesmo quando alguém entra num caminho mais árduo e exigente por escolhas menos acertadas e desviantes, o faz procurando o bem e a verdade, mas erra o alvo e os objetivos saem frustrados.
Num contexto marcado pela diversificação e a diferenciação, a proposta da fé emerge como uma entre tantas outras e o itinerário crente torna-se mais exigente, pois pode carecer de atração e entusiasmo diante de tantas propostas aparentemente mais atrativas e entusiasmantes. Há, de facto, no coração humano um desejo de vida nova que tantas vezes é camuflado e aliviado pelas mudanças exteriores. Basta ver como na publicidade, repetidas vezes, surgem propostas de mudança de vida pela transformação da aparência física, com dietas e operações estéticas que procuram uma eterna juventude ou uma mudança de vida que rompa com o passado. «Sinta-se bem consigo mesmo!» é refrão que caracteriza uma sociedade do bem-estar que procura a satisfação imediata e a autorrealização pessoal. A proposta da vida cristã convida a percorrer o itinerário que nos conduz do «bem-estar» ao «bem-maior», isto é, à procura de um horizonte de plenitude e felicidade que nos faz entrar num caminho de renovação interior que cria em nós um modo novo de ser e de estar porque nos abre a um modo novo de servir e amar: «renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência e revesti-vos do homem novo, criado à imagem de Deus na justiça e santidade verdadeiras».
As grandes transformações que o mundo anseia começam a partir de dentro, a partir do coração de cada homem e de cada mulher, e manifestam-se na vida concreta que o amor de Deus faz florescer quando a humanidade pela fé adere livremente à proposta que Deus lhe dirige. Não é uma mudança interior porque acontece no íntimo da pessoa e aí fica resguardada e escondida, mas interior porque nasce de uma opção fundamental que começa no íntimo do homem e se manifesta exteriormente, pela coerência de vida, nas ações concretas, no modo de ser e de estar no mundo.
Aquela multidão que procura Jesus precisa ainda de purificar as suas motivações. A frontalidade das palavras de Jesus – «vós procurais-Me, não porque vistes milagres, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados» – é o convite a recentrar a nossa busca. A procura daquela multidão está ainda centrada na lógica da satisfação das necessidades mais imediatas e prementes e não na gratuidade de Deus que nos oferece muito mais do que o nosso coração deseja e nos desconcerta pelo excesso de graça que Dele recebemos. Enquanto procuramos coisas que possam preencher os nossos vazios, Deus oferece-nos uma Pessoa, Jesus Cristo, feito pão partido e repartido, que sustenta a nossa caminhada.
Para atravessar o limiar que nos oferece vida nova e verdadeira é necessário acolher a vida plena e eterna que nos oferece o Pão que desceu do Céu, conscientes que a obra de Deus não se realiza pela conjugação do verbo fazer, mas pela capacidade de deixar Deus acontecer nas nossas vidas pela fé que depositamos no Seu amor e na Sua graça.in Voz Portucalense
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Do Domingo XVII ao Domingo XXI do Tempo Comum, interrompemos a leitura do Evangelho de S. Marcos, evangelista deste Ano Litúrgico, para escutarmos o capítulo seis do Evangelho de S. João. O capítulo do Pão da Vida, como tantas vezes é designado, é o convite a recentrar a vida cristã na Eucaristia e descobrir em Jesus, Pão Vivo descido do Céu, o alimento que sacia a nossa fome e oferece novo sentido e configuração à nossa vida. Que estes Domingos sejam a oportunidade de caminharmos juntos, renovando a consciência que a Eucaristia é «fonte e centro da vida cristã» (LG 11) e, preparando o novo ano pastoral, que possa ser a oportunidade de criativamente fazer da Eucaristia o centro da vida de cada comunidade.in Voz Portucalense
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Êxodo 16,2-4.12-15
Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do Senhor na terra do Egipto,
quando estávamos sentados ao pé das panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor, vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em alimento».
CONTEXTO
A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto dos hebreus libertados da escravidão no Egito. Aqui estamos, ainda, na primeira etapa dessa marcha, a que vai desde a passagem do mar (cf. Ex 14,15-31), até ao Sinai.
Ao longo desta etapa, o tema da murmuração do Povo contra Moisés e contra Deus aparece em três episódios (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7). Em geral, esta temática desenvolve-se à volta de um esquema semelhante: diante das dificuldades que encontra no caminho, o Povo murmura, revolta-se contra Moisés e acusa Deus pelos desconfortos da caminhada; Moisés intervém e intercede junto de Deus; finalmente, Deus acaba por conceder ao Povo os bens de que este sente necessidade. Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, . prodigiosa de Deus em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm por base dificuldades concretas sentidas pelos hebreus no seu caminho pelo deserto em direção à Terra Prometida. Essas dificuldades ficaram na memória coletiva; e, mais tarde, foram utilizadas pelos teólogos de Israel com um objetivo catequético. O objetivo dos catequistas que nos legaram estes relatos nunca foi apresentar uma reportagem factual dos acontecimentos do caminho, mas sim fazer catequese. Percebe-se nas entrelinhas que a grande preocupação de quem compôs estes relatos é pôr o Povo de sobreaviso contra a tentação de procurar refúgio e segurança longe de Javé.
O episódio que hoje nos é proposto – o episódio em que Deus oferece ao seu Povo codornizes e maná como alimento – é situado no deserto de Sin, “que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra do Egipto” (Ex 16,1). Os estudiosos identificam o referido espaço geográfico com o território que vai de Kadesh Barnea para ocidente, nomeadamente para noroeste, onde está o Wadi El Arish.
A história das codornizes tem por base um fenómeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar com facilidade. A história do maná deve ter por base a secreção de uma pequena árvore (“tamarix mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um inseto, segrega uma substância granulosa e aguada, de cor branca e com sabor a mel, que logo se coagula; os beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (a que chamam “man”), derretem-na ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos – elementos que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto – que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no texto da primeira leitura deste décimo oitavo domingo comum. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Peregrinar pelos caminhos desolados do deserto e experimentar privações e carências de todo o tipo não é uma realidade improvável para nós, gente sedentária e acomodada que vive no séc. XXI e que tem mais ou menos garantidas as respostas às necessidades mais prementes. Também nós, à medida que caminhamos, experimentamos a precariedade da existência, o cansaço da caminhada, a expetativa do que nos espera lá para a frente, a instabilidade que os problemas de todos os dias trazem, a tentação de nos acomodarmos e de ficarmos para trás, o medo de deixarmos a nossa tranquila zona de conforto… E também nós, como os escravos hebreus que Javé salvou do Egito e acompanhou no caminho para a liberdade, experimentamos a presença de Deus, desse Deus libertador e salvador que nos acompanha com solicitude e amor, dando-nos a mão, pegando-nos ao colo e oferecendo-nos, com ternura, o “alimento” que nos fortalece e que nos permite continuar a caminhar. Temos consciência da presença de Deus ao nosso lado no caminho que fazemos todos os dias? Vamos reparando no seu amor previdente que nos cerca, que nos protege e que nos salva? A presença salvadora e amorosa de Deus ao nosso lado é incentivo e alimenta a nossa esperança?
- As “saudades” que os israelitas sentem do Egipto, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado tranquilamente numa vida sem perspetivas e sem saída, incapaz de enfrentar a novidade, de querer mais, de arriscar a liberdade que se constrói na luta e no compromisso. Esta mentalidade de escravidão continua, nos nossos dias, a marcar a vida e as opções de muita gente… É a mentalidade dos que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade dos que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de exposição mediática; é a mentalidade dos que têm como único objetivo na vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade dos que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus preconceitos e se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos desafios de Deus; é a mentalidade dos que vivem voltados para o passado, que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a mentalidade dos que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos; Ele vem ao nosso encontro, desafia-nos a ir mais além, convida-nos a crescer e a dar passos firmes em direção à liberdade e à Vida nova… Como nos enquadramos em tudo isto? Vivemos agarrados às velhas certezas e seguranças, de olhos postos no chão, ou vivemos de cabeça levantada, sempre à procura da novidade de Deus e dispostos a confrontar-nos com os desafios sempre novos que a vida traz?
- A ideia de que Deus dá ao seu Povo, dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do “ter”, da ambição desmedida. É um convite a não nos deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos leva ao encontro da Vida definitiva. Onde está a nossa esperança? Como é que está organizada a nossa escala de prioridades e qual o lugar que Deus ocupa nela? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)
Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.
Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.
Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita conquistou.
LEITURA II – Efésios 4,17.20-24
Irmãos:
Eis o que vos digo e aconselho em nome do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer a Cristo,
se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.
CONTEXTO
A controversa carta de Paulo aos Efésios é tradicionalmente incluída nas “cartas do cativeiro”. Teria sido escrita por Paulo quando estava na prisão (em Cesareia Marítima? Em Roma?). No entanto, há quem a considere obra de um discípulo do apóstolo, que a escreveu no último terço do séc. I (depois da morte de Paulo) para combater doutrinas judaico-gnósticas que ameaçavam algumas comunidades cristãs da Ásia Menor. Embora reconhecendo que a Carta apresenta uma linguagem, um estilo e até alguns desenvolvimentos teológicos diferentes dos que encontramos nas cartas genuinamente paulinas, muitos consideram, contudo, que a Carta aos Efésios poderá ser uma “carta circular” escrita por Paulo e endereçada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, incluindo a de Éfeso. Convencido de que tinha concluído o seu trabalho missionário no oriente, Paulo apresenta, de forma serena e refletida, uma amadurecida síntese do seu pensamento e da sua teologia. O autor da Carta expõe “o Mistério”, isto é, o projeto salvador de Deus, oculto durante séculos até ser finalmente revelado em Cristo e concretizado no testemunho e na vida da Igreja, Corpo de Cristo. Da execução desse projeto nasce um novo Povo de Deus, um Povo de Homens novos que vivem do Espírito.
A secção da Carta aos Efésios que vai de 4,1 a 6,20 é um texto parenético, que tem por objetivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com o seu Batismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef 4,7-13), o autor da Carta exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo oitavo domingo comum é parte dessa exortação.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A interpelação de Paulo atinge-nos especialmente a nós que fomos batizados em Cristo. É possível que não guardemos memória do dia do nosso batismo, desse momento decisivo em que o “homem velho” que existia em nós ficou sepultado na água e nasceu o “homem novo”, animado e conduzido pelo Espírito. No entanto, a opção que nesse dia fomos convidados a fazer tornou-se explícita mais tarde e, possivelmente, foi renovada em diversos momentos do nosso caminho. Talvez hoje seja um dia propício para revisitarmos o nosso batismo e para nos apercebermos das suas implicações… A celebração do nosso batismo não foi um momento de folclore religioso ou uma ocasião de cumprimento de um ritual cultural qualquer; foi o momento do nosso encontro com Cristo e da nossa adesão ao seu Evangelho; foi o momento em que aderimos à família de Deus e passamos a integrá-la; foi o momento em que recebemos o Espírito e aceitamos que a nossa vida fosse animada pelo Seu dinamismo. Temos vivido de forma coerente com essa opção?
- Paulo convida insistentemente os crentes a deixar a vida do “homem velho”. O “homem velho” é o homem dominado pelo egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, o bem-estar…), que se deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta. Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em que negligenciamos os valores de Deus para abraçar valores que nos escravizam?
- Paulo apela a que os crentes vivam a vida do “homem novo”. O “homem novo” é o homem continuamente atento às propostas de Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade, a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor, na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e simplicidade, dos valores de Deus. É este o nosso “projeto” de vida? Os nossos gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um “homem novo”, que vive em comunhão com Deus, que é “sal da terra e luz do mundo, que testemunha o amor e a bondade de Deus na vida dos seus irmãos?
- Mesmo que a nossa opção fundamental por Deus e pelos seus valores tenha sido há muito plenamente assumida, não podemos esquecer que a construção do “homem novo” nunca é um processo terminado… A monotonia, o cansaço, os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias tintas”, na não exigência, na acomodação. O “homem velho” espreita-nos a cada esquina e, na primeira oportunidade, volta a assumir o controle das nossas vidas. Precisamos de ter consciência de que em cada minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de Deus. Vivemos de braços cruzados, considerando que já atingimos um nível satisfatório de perfeição, ou vivemos numa atitude de vigilância e de conversão, questionando a cada passo a direção que a nossa vida vai tomando? in Dehonianos.
EVANGELHO – João 6,24-35
Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar, disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se perde,
mas pelo alimento que dura até à vida eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá sede».
CONTEXTO
Depois da partilha dos pães e dos peixes Jesus, “sabendo que estavam prestes a vir apoderar-se dele para o fazer rei, retirou-se sozinho para o monte” (Jo 6,15). Provavelmente demorou-se por lá em oração, pois no final de cada dia Ele sentia necessidade de conversar longamente com o Pai. Os discípulos, por sua vez, meteram-se no barco dispostos a voltar a Cafarnaum. Navegaram sozinhos durante algum tempo, até que Jesus veio ter com eles, caminhando sobre o mar. Depois de Jesus ter entrado no barco, logo chegaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
O episódio que o Evangelho deste décimo oitavo domingo comum nos apresenta situa-nos em Cafarnaum (cf. Jo 6,59), no dia imediatamente a seguir aos factos anteriormente narrados. Passada a noite, a multidão que tinha sido agraciada com os pães e os peixes, não encontrando Jesus e os discípulos, conjeturou que eles tinham voltado a Cafarnaum e dirigiu-se para lá. Cafarnaum, a cidade de pescadores situada na margem ocidental do Mar da Galileia, era a cidade onde Jesus se tinha instalado depois de deixar Nazaré. A sua importância advinha de estar ao lado da estrada onde passavam as caravanas provenientes da Síria. De Cafarnaum Jesus podia facilmente dirigir-se a qualquer aldeia ou cidade da Galileia para proclamar a chegada do Reino de Deus. Alguns dos discípulos de Jesus – Simão e seu irmão André, Tiago e seu irmão João – viviam em Cafarnaum.
Jesus estava na sinagoga quando a multidão veio ao seu encontro. Naturalmente, os acontecimentos do dia anterior foram tema de conversa; e Jesus, sentindo que era necessário deixar as coisas bem claras, teve com aquela gente uma longa conversa. O que Ele disse nesse dia à multidão, na sinagoga de Cafarnaum, ficou conhecido como o “discurso do pão da vida” (cf. Jo 6,22-59. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O pão de que necessitamos diariamente para saciar a nossa fome física é algo sem o qual não podemos viver; mas não é tudo. Temos sempre a impressão de que nos falta algo para que a nossa vida seja mais plena e mais realizada. Temos sempre “fome” de mais qualquer coisa: de amor, de felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de liberdade, de realização, de verdade, de transcendência, até dessas coisas mais ou menos fúteis que nos asseguram bem-estar e segurança… Procuramos, de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos, tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade, em valores efémeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só geram escravidão e dependência. Por vezes, a nossa procura conduz-nos ao beco sem saída da frustração e do pessimismo; outras vezes, a nossa busca sempre repetida leva-nos ao cinismo ou ao cansaço… É esta também a nossa experiência? Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de Vida?
- O Evangelho que escutámos neste décimo oitavo domingo comum diz-nos que Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”. É em Jesus e através de Jesus que Deus responde à fome dos homens e lhes oferece a Vida em plenitude. Que papel desempenha Jesus na nossa vida? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um homem excecional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos Vida em plenitude? Ele é “mais uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
- O que é preciso fazer para ter acesso a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir a Jesus não é, no entanto, cumprir corretamente um código de práticas e observâncias rituais, ou termos os nossos nomes nos livros de registos de batismos, de crismas ou de casamentos na nossa paróquia; mas é criar uma ligação a Jesus, caminhar atrás d’Ele, escutar as suas palavras, aprender com os seus gestos, viver ao estilo d’Ele, identificar-se com Ele, pensar, sentir, amar, trabalhar, sofrer e viver como Ele. Como é que vivemos a nossa adesão a Jesus: como religião de crenças e de práticas externas, ou como uma religião de discípulos que seguem e vivem ao estilo do Mestre? Identificamo-nos realmente com Jesus e com o seu projeto?
- No Evangelho deste domingo, Jesus mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos. Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas. Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos com Cristo… É um equívoco procurar o Batismo porque é uma tradição da nossa cultura; é um equívoco celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a cerimónia é mais espetacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos autopromovermos ou para resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida menos problemática; é um equívoco praticarmos certos atos de piedade para que Jesus nos recompense, nos livre de desgraças, nos resolva algumas das nossas necessidades materiais… Porque é que um dia aderimos a Jesus? Porque é que ainda mantemos a nossa adesão a Jesus? Estamos plenamente convictos de que só Jesus é o “pão” que sacia a nossa fome de Vida?
- A recusa de Jesus em realizar gestos espetaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma inequívoca, a sua autoridade e o seu poder; mas Deus atua na vida dos homens de forma discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus, propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projeto, ensina-lhe os caminhos do amor, da partilha, do serviço. Procuramos ler todos os dias, nas páginas que registam a nossa caminhada pela terra, as indicações discretas que Deus vai colocando para que nós possamos chegar à Vida? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, ter em consideração as diferentes intervenções em discurso direto que devem ser articuladas com o texto narrativo, tendo particular atenção nas introduções ao discurso direto. A frase final deve ser lida afirmativa e pausadamente como conclusão de todo o texto.
A proclamação da segunda leitura deve ser marcada pelo tom exortativo, tendo especial atenção às formas verbais no modo imperativo
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
SENHOR, DÁ-NOS SEMPRE DESSE PÃO!
Continuamos, neste Domingo XVIII do Tempo Comum, a revisitar a página Evangélica de João 6, no caso de hoje, 6,24-35. Depois do episódio do CONDIVISÃO dos pães, Jesus afastou-se sozinho para o monte (João 6,15), e os seus discípulos entraram na Barca e atravessaram o Mar da Galileia, na direção de Cafarnaum (João 6,16-17). Em pleno Mar, foram apanhados pelo escuro, por um vento grande e pelo medo (João 6,17-20). Na verdade, iam sós, pois Jesus ainda não tinha vindo ter com eles. Mas vem, e com ele vem também a calma e a serenidade, e logo encontram rumo seguro para terra (João 6,21). Definitivamente: os discípulos de Jesus não podem andar sozinhos, sem Jesus: quando o fazem, invade-os a noite, a tormenta, o medo.
Com o afastamento de Jesus para o monte, também a multidão ficou sozinha, mas leva mais tempo até se aperceber da sua solidão e da ausência de Jesus. O escuro não os preocupa. Passam a noite a dormir descansadamente. Só no dia seguinte se apercebem da falta de Jesus, da falta que Jesus lhes faz, e vão à procura d’Ele (João 6,22-24). Encontram-no, e manifestam a confusão neles instalada, perguntando: «Rabbî, quando vieste para aqui?» (João 6,25).
Sem contemplações e com palavras duríssimas, Jesus desvenda logo, de forma clara e solene, a sonolência e incompreensão que os habita: «Em verdade, em verdade, vos digo: “Vós procurais-me, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e enchestes a barriga como animais (chortázô)”» (João 6,26). A comparação é forte e de denso sabor profético. O verbo usado é chortázô, derivado de chórtos, que significa «erva seca», «feno», «palha». No dizer de Jesus, aquela multidão comeu como comem os animais. E, no fim, deitam-se a dormir. Até ao dia seguinte. A comida dos animais também é dom de Deus, mas eles não se apercebem, nem agradecem. Do mesmo modo, a multidão come e dorme. Não vê nem lê «sinais». O alimento recebido não dá que pensar e que rezar. Não se apercebe que o alimento é dom de Deus, e que remete, portanto, para Deus.
E tão-pouco entendem que está ali o verdadeiro pão da vida (João 6,35). Não veem nem ouvem Jesus, e o sentido novo que traz para a vida das pessoas. Limitam-se a contar a história antiga do maná antigo que os seus pais comeram no deserto. Como quem diz (e nós repetimos muitas vezes o mesmo refrão viciado): «antigamente é que era!».
E esse maná antigo era, afinal, bem pouca coisa. Mas foi «visto» como sinal da providência de Deus em pleno deserto, como ensina a lição de hoje do Livro do Êxodo 16. Trata-se do maná chamado lecanora, que se encontra desde o Irão até ao Norte de África, portanto também no norte da Península sinaítica, que é granuloso e aguado, de dimensões bem reduzidas, minúsculas, do tamanho da semente do coentro [= cerca de 5 milímetros de diâmetro], de cor branca, e tem sabor a mel (Êxodo 16,31). Trata-se, na verdade, da secreção produzida pelo tamarisco, chamado tamarix gallica ou tamarix-mannifera, após a picada de um inseto, o coccus manniparus, ou de dois, a trabutina-mannipara e o naiacoccus serpentinus.
Afinal, é bem pouca coisa o maná. Tal como os cinco pães e os dois peixinhos. Mas, quando se vê como um dom de Deus, essa pouca coisa é tanto! Eis como admiravelmente escreve o Livro da Sabedoria, quando fala do maná: «nutriste o teu povo com um alimento de anjos, DESTE-lhe o PÃO do CÉU, com mil sabores: ele manifestava a tua DOÇURA (glykýtês, glicose). Assim os teus FILHOS QUERIDOS aprenderam, Senhor, que NÃO É A PRODUÇÃO DE FRUTOS que alimenta os homens, mas a tua Palavra que a todos sustenta» (Sabedoria 16,20-21.26). Aí está, claro, claríssimo, o indicador correto da compreensão da chamada «multiplicação» dos pães por Jesus. Não, Jesus não faz o papel de um qualquer produtor ou empresário que faz uma operação de multiplicação de bens, para satisfazer os desejos das pessoas, em termos de consumo e de mercado. Ele distribui, reparte, partilha a Palavra de Deus, fazendo nascer desta operação um mundo novo. Já todos devíamos saber que aumentar a produção pode aumentar a ganância, mas não resolve o problema da fome ou da pobreza. Aumentar a produção não é nenhum milagre. O milagre reside na partilha! O nosso povo simples, que guarda sempre uma inteligência grata e penetrante, diz bem que «o pouco com Deus é muito; o muito sem Deus é nada!». Admirável sabedoria e sintonia com o Evangelho de Jesus!
Jesus é a Palavra Viva, o Pão da Vida, que, no meio de nós, manifesta a Doçura ou a Glicose de Deus (cf. Sabedoria 16,21). É sempre tendo este Jesus como referência e fonte de vida nova, que devemos abandonar a antiga vida oca e vã (mátaios), a inteligência obscurecida (skótos), a alienação (apallotrióô) e a ignorância (agnôsía) de Deus, o coração endurecido (pôrôsis), que geram insensibilidade, dissolução, impureza e avidez, e, em Jesus, renovar a nossa inteligência, compreensão e sentido da vida, revestindo-nos (endýô) de hábitos novos, que não se vendem ou compram no pronto-a-vestir (Efésios 4,17-24).
Sim, Ele está no meio de nós, mas não é nosso. Não é um sistema de produção ou de abastecimento. Ele é o Amor, a Alegria, a Vida Vivente e Eterna, Vida divina, dita zôê (João 6,33) ou zôê aiônios (João 6,27), e não bíos ou psychê, vocábulos que dizem a nossa vida corrente e o seu sustento. Ele é o Céu e o Pão descido do Céu à nossa terra, para nos fazer viver felizes e nos elevar à sua condição de Filho, filhos no Filho. Está no meio de nós, mas não o podemos reter ou possuir. Ensina-nos bem Abraham Joshua Heschel que um dom é como um vaso cheio de afeto, que se quebra logo que o recebedor o comece a considerar como seu. Senhor Jesus, dá-nos sempre desse pão!
O Salmo 78 ensina-nos que a Bíblia é a longa história de uma salvação sempre oferecida, acolhida e, por vezes, rejeitada. Lembra-nos que as maravilhas de Deus não são para guardar no cofre da família, mas para passar, de mão em mão, de coração a coração, de pais para filhos, de geração a geração. A catequese é o anúncio de um acontecimento em carne viva que nos deve comprometer, e não de uma série de frias, enlatadas ou requentadas fórmulas ou teses teológicas.
António Couto
ANEXOS:
- Domingo XVIII do Tempo Comum – Ano B – 04.08.2024-refletindo
- Leitura I do Domingo XVIII do Tempo Comum – Ano B – 04.08.2024 (Ex 16, 2-4.12-15)
- Leitura II do Domingo XVIII do Tempo Comum – Ano B – 04.08.2024 (Ef 4, 17.20-24)
- Domingo XVIII do Tempo Comum – Ano B – 04.08.2024 – Lecionário
- Domingo XVIII do Tempo Comum – Ano B – 04.08.2024 – Oração Universal
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XVII do Tempo Comum – Ano B – 28.07.2024
IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos
Viver a Palavra
Jesus parte para o outro lado do mar… Jesus sobe ao monte… Jesus senta-se com os discípulos! O nosso Deus, em Jesus Cisto, é um Deus a caminho, que nos impele a atravessar para a outra margem, que nos conduz mais alto para contemplarmos o mundo e a humanidade de um modo novo, que nos liberta do nosso comodismo e nos ensina a arte de conceber a vida como um desafiante peregrinar. É curioso que grande parte da ação dos Evangelhos acontece a caminho, percorrendo as vilas e aldeias, o mar e o deserto, o alto do monte ou a planície. A vida cristã não é estática nem paralisadora, mas quando assumida com verdade e ousadia torna-se um lugar de inquietação e desacomodação.
Jesus coloca-se a caminho, convoca os discípulos para caminharem com Ele e no caminho educa o Seu coração para arte de serem peregrinos. Nós, como os discípulos de outrora, queremos aprender a arte de estarmos tranquilos e serenos, enquanto nos soubermos inquietos e despertos para a missão. A vida da fé não é um conjunto de conhecimentos a adquirir, mas a entrada num dinamismo de salvação e de vida que tem a marca da incarnação, isto é, que permanentemente parte ao encontro do mundo e da realidade, transformando tudo a partir de dentro. As grandes mudanças não acontecem pela condenação ou acusação, mas pela acção concerta, generosa e gratuita que faz do mundo um lugar favorável e uma imperdível oportunidade para que a obra de Deus se realize.
O relato da multidão saciada por Jesus é narrado pelos quatro evangelhos e Mateus e Marcos narram-no duas vezes. As diferentes versões deste relato convergem na apresentação de um Deus solícito e generoso, que em Jesus Cristo se faz próximo e sacia a nossa fome. O nosso Deus não é um Deus indiferente às nossas dores e angústias, alegrias e esperanças, fomes e sedes… É um Deus atento e misericordioso, que vê e assume consequentemente a tarefa de socorrer as nossas carências.
Na versão de S. João que escutamos este Domingo, sublinha-se ainda mais a gratuidade e a generosidade de Jesus. Este gesto de Jesus é soberanamente gratuito, uma verdadeira ação e não apenas uma reação a um pedido dos discípulos ou à compaixão pela multidão. A Páscoa aproxima-se e sobre o monte começa já a contemplar-se a plenitude da gratuidade de Deus que se antecipa aos nossos pedidos e que nos liberta da nossa autossuficiência e egocentrismo. Jesus ensina-nos a ter um olhar largo e amplo que não pensa apenas nas necessidades e carências próprias, mas que faz suas as carências e necessidades dos homens e mulheres que se cruzam connosco no caminho.
O primeiro aprendiz desta arte é aquele rapazito. No meio daquela multidão, tendo ouvido falar de que era necessário prover ao alimento de toda aquela gente, coloca à disposição de todos «cinco pães de cevada e dois peixes». Qual de nós teria a coragem de oferecer tão pouco para a fome de tantos? Contudo, a desproporção entre as nossas capacidades e potencialidades e as necessidades que temos diante de nós há-de sempre acompanhar-nos. Devemos aprender a confiar o nosso pouco nas mãos de Deus, para que se torne muito para bem de todos. O verdadeiro milagre acontece quando o meu pão passa a ser o nosso pão. A verdadeira surpresa é que a fome não acaba quando eu como o meu pão até ficar saciado, mas quando partilho o pouco que tenho. Ao contrário, a fome começa quando guardo só para mim o pão.
Uma vida colocada nas mãos de Jesus, feita ação de graças ao Pai pelos dons que deposita em nossas mãos, torna-se uma vida partida e repartida que rasga horizontes de esperança e nos fala da abundância da ternura e da misericórdia que nenhuma dúzia de cestos poderá conter. in Voz Portucalense
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No dia 28 de julho, XVII Domingo do Tempo Comum, celebramos o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, instituído pelo Papa Francisco, no dia 31 de janeiro de 2021. Para este ano, o Santo Padre escreveu uma mensagem (fica em anexo) intitulada «Na velhice, não me abandones (cf. Sal 71, 9)» e desafia-nos: «não deixemos de mostrar a nossa ternura aos avós e aos idosos das nossas famílias, visitemos aqueles que estão desanimados e já não esperam que seja possível um futuro diferente. À atitude egoísta que leva ao descarte e à solidão, contraponhamos o coração aberto e o rosto radioso de quem tem a coragem de dizer «não te abandonarei!» e de seguir um caminho diferente». Este Domingo pode ser a oportunidade para realizar um conjunto de iniciativas que manifestem a proximidade da comunidade para com os mais idosos e isolados. A cultura do cuidado é a resposta para a construção de um mundo mais fraterno, como lugar de comunhão e unidade. in Voz Portucalense (adaptado)
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – 2 Reis 4,42-44
Naqueles dias,
veio um homem da povoação de Baal-Salisa
e trouxe a Eliseu, o homem de Deus,
pão feito com os primeiros frutos da colheita.
Eram vinte pães de cevada e trigo novo no seu alforge.
Eliseu disse: «Dá-os a comer a essa gente».
O servo respondeu:
«Como posso com isto dar de comer a cem pessoas?»
Eliseu insistiu:
«Dá-os a comer a essa gente,
porque assim fala o Senhor:
‘Comerão e ainda há de sobrar’».
Deu-lhos e eles comeram,
e ainda sobrou, segundo a palavra do Senhor.
CONTEXTO
As tradições proféticas sobre Elias e Eliseu (os “ciclos” de Elias e Eliseu) ocupam um espaço significativo no Livro dos Reis (cf. 1 Re 17,1-21,29; 2 Re 1,1-13,21). Referem-se a um período bastante conturbado – quer em termos políticos, quer em termos religiosos – da vida do Reino do Norte (Israel). Elias exerce a sua missão profética durante os reinados de Acab (874-853 a.C.) e de Acazias (853-852 a.C.); Eliseu dá o seu testemunho profético durante os reinados de Jorão (853-842 a.C.), de Jeú (842-813 a.C.) e de Joacaz (813-797 a.C.).
Os reis de Israel, com a mira no desenvolvimento e na viabilidade do reino, procuraram estabelecer relações comerciais, económicas, políticas e militares com os povos circunvizinhos. Essa abertura de fronteiras teve, no entanto, os seus custos no que diz respeito à vivência religiosa, uma vez que os cultos aos deuses estrangeiros, com entrada livre no país, começaram a ocupar um lugar significativo na vida e no coração dos israelitas. É uma época de sincretismo religioso, em que a religião javista é, com a complacência e até com o apoio declarado dos reis de Israel, preterida em favor dos cultos de Baal e de Astarte. Em termos sociais, é uma época de instabilidade social e política, em que se multiplicam as injustiças contra os pobres e as arbitrariedades contra os fracos. Os israelitas fiéis viam em tudo isto um quadro de graves infidelidades contra Deus e contra a Aliança.
É contra este “mundo” que se levantam as vozes proféticas de Elias e de Eliseu. Elias aparece como o representante desses israelitas fiéis aos valores religiosos tradicionais, que recusavam a coexistência de Javé e de Baal no horizonte da fé de Israel; e a luta de Elias será continuada por um dos seus discípulos – Eliseu.
Parece que Eliseu – o ator principal da primeira leitura deste décimo sétimo domingo comum – fazia parte de uma comunidade de “filhos de profetas” (os “benê nebi’im” – 2 Re 2,3; 4,1). Trata-se de uma comunidade de homens que viviam pobremente (2 Re 4,1-7) e que eram os seguidores incondicionais de Javé. Encontramo-los em algumas localidades do reino de Israel, talvez em ligação com alguns santuários locais, como Betel, Jericó ou Guilgal. O Povo consultava-os regularmente e buscava neles apoio face aos abusos dos poderosos. Eliseu é apresentado muitas vezes, nas histórias narradas no “ciclo de Eliseu” (cf. 2 Re 2; 3,4-27; 4,1-8,15; 9,1-10; 13,14-21), como um profeta “dos milagres”, cujas ações poderosas mostram a presença da força e da vida de Deus no meio do seu Povo. Outras vezes, Eliseu é o profeta da intervenção política; a sua ação neste campo ultrapassa mesmo as fronteiras físicas de Israel e chega a Damasco (cf. 2 Re 8,7-15).
O cenário do episódio da primeira leitura deste décimo sétimo domingo comum é, provavelmente, Guilgal, o santuário situado a leste de Jericó onde tinha sido erguido um monumento de pedra para comemorar a passagem do rio Jordão pelos israelitas quando entraram na Terra Prometida (Jos 4,20). Havia em Guilgal uma comunidade de “filhos de profetas” que Eliseu costumava visitar (cf. 2 Re 4,38). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O “profeta” é o rosto de Deus no mundo. Ele fala e age em nome de Deus; ele “diz”, com as suas palavras e com os seus gestos, como é que Deus encara as dificuldades e as vicissitudes dos seus filhos que caminham pela terra. Assim, ao repartir com os seus irmãos famintos o pão que lhe tinha sido dado, Eliseu não está simplesmente, por sua iniciativa, a fazer um gesto gratuito de bondade; mas está a dizer solenemente – com a linguagem dos gestos, que é ainda mais expressiva do que a linguagem das palavras – que Deus não fica indiferente quando os seus filhos e filhas estão com “fome”: fome de pão, fome de amor, fome de liberdade, fome de justiça, fome de dignidade, fome de paz, fome de realização plena, fome de esperança. Que sentimos quando ouvimos alguém dizer que Deus abandonou os homens à sua sorte e não quer saber da “fome” dos seus filhos? Como é que nós próprios entendemos e avaliamos a preocupação de Deus com os seus filhos que caminham pela história?
- Como é que Deus atua para saciar a fome de vida dos homens? É fazendo chover do céu, milagrosamente, o “pão” de que o homem necessita? A primeira leitura deste domingo sugere que Deus atua de forma mais simples e mais normal… É através da generosidade e da partilha dos homens (primeiro do homem que decide oferecer o fruto do seu trabalho; depois, do profeta que manda distribuir o alimento) que o “pão” chega aos necessitados. Normalmente, Deus serve-Se dos homens para intervir no mundo e para fazer chegar ao mundo os seus dons. Muitas vezes sonhamos com gestos espetaculares de Deus e vivemos de olhos fixos no céu à espera que Deus Se digne intervir no mundo; e acabamos por não perceber que Deus já veio ao nosso encontro e que Ele Se manifesta na ação generosa de tantos homens e mulheres que praticam, sem publicidade, gestos de partilha, de solidariedade, de generosidade, de doação, de entrega. É preciso que aprendamos a detetar a presença e o amor de Deus nesses gestos simples que todos os dias testemunhamos e que ajudam a construir um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário. Temos consciência de que é através de nós, seus profetas, que Deus sacia a “fome” do mundo?
- O gesto de partilha de Eliseu é um manifesto contra o egoísmo, contra o açambarcamento, contra a ganância, contra o fechamento em si próprio. Diz-nos que a partilha nunca empobrece, mas multiplica infinitamente os dons que Deus põe à nossa disposição. É um gesto que anuncia um mundo novo, um mundo transformado, um mundo solidário, um mundo construído ao estilo de Deus, um mundo onde todos os filhos e filhas de Deus têm lugar à mesa da Vida e da esperança. Acreditamos nesse mundo e estamos genuinamente apostados em construí-lo? Quando somos chamados a fazer opções – inclusive políticas e ideológicas – temos em conta o projeto de Deus para o mundo? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 144 (145)
Refrão: Abris, Senhor, as vossas mãos e saciais a nossa fome.
Graças Vos deem, Senhor, todas as criaturas
e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso reino
e anunciem os vossos feitos gloriosos.
Todos têm os olhos postos em Vós,
e a seu tempo lhes dais o alimento.
Abris as vossas mãos
e todos saciais generosamente.
O Senhor é justo em todos os seus caminhos
e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor está perto de quantos O invocam,
de quantos O invocam em verdade.
LEITURA II – Efésios 4,1-6
Irmãos:
Eu, prisioneiro pela causa do Senhor,
recomendo-vos que vos comporteis
segundo a maneira de viver a que fostes chamados:
procedei com toda a humildade, mansidão e paciência;
suportai-vos uns aos outros com caridade;
empenhai-vos em manter a unidade de espírito
pelo vínculo da paz.
Há um só Corpo e um só Espírito,
como existe uma só esperança na vida a que fostes chamados.
Há um só Senhor, uma só fé, um só Batismo.
Há um só Deus e Pai de todos,
que está acima de todos, atua em todos
e em todos Se encontra.
CONTEXTO
Éfeso, antiga capital da província romana da Ásia, era, nos tempos apostólicos, um dos principais centros comerciais e culturais do Mediterrâneo. Estava situada na costa oeste da Ásia Menor, junto da foz do rio Cayster, ao lado da moderna Selçuk (Turquia). A sua população rondava os 250.000 habitantes. Chegou a ser a segunda maior cidade do Império Romano, logo a seguir a Roma. As suas escolas filosóficas eram famosas em todo o Império. A vida religiosa da cidade girava muito à volta do culto a Ártemis, cujo templo era considerado umas das sete maravilhas do mundo antigo.
Paulo contactou a comunidade cristã de Éfeso durante a sua terceira viagem missionária e acabou por permanecer na cidade durante cerca de dois anos (cf. At 19,1-40). Aí desenvolveu um meritório trabalho apostólico, do qual resultou uma Igreja viva, fervorosa e comprometida.
A Carta aos Efésios é considerada uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo na altura em que estava na prisão (discute-se se em Cesareia Marítima, se em Roma, ou em qualquer outro lugar). No entanto, alguns biblistas consideram que a carta não foi escrita por Paulo. Há uma forte hipótese de ser uma “carta circular”, não dirigida especificamente à comunidade cristã de Éfeso, mas antes a um conjunto de comunidades da zona ocidental da Ásia Menor.
Seja como for, a Carta aos Efésios é um texto bem trabalhado, que apresenta uma catequese sólida e bem elaborada. Poderia ser um texto da fase “madura” de Paulo. Muitos consideram que a Carta aos Efésios é uma espécie de síntese do pensamento paulino.
O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo sétimo domingo comum é o início da parte moral e parenética da carta (cf. Ef 4,1-6,20). Temos, nesses três capítulos, uma espécie de “exortação aos batizados”, na qual Paulo reflete longamente sobre a edificação e o crescimento do “Corpo de Cristo” (a Igreja). Em termos sempre bastante concretos, Paulo dá pistas aos cristãos acerca da forma como eles devem viver os seus compromissos com Cristo, de maneira a serem “Homens Novos”, homens que vivem a partir do dinamismo do Espírito.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A lógica do autor da Carta aos Efésios é irrebatível: a comunidade nascida de Jesus não pode viver de outra forma senão na unidade e na comunhão. Os membros da comunidade cristã têm o mesmo Pai (Deus), têm um projeto comum (o projeto de Jesus), têm o mesmo objetivo (fazer parte da família de Deus e encontrar a Vida em plenitude), caminham na mesma direção animados pelo mesmo Espírito, têm a mesma missão (dar testemunho no mundo do projeto de amor que Deus tem para os homens). Só vivendo unidos eles podem dar um testemunho coerente de Cristo e do mandamento do amor. No entanto, não é raro encontrarmos comunidades cristãs feridas por divisões, rivalidades, invejas, ciúmes, divergências inconciliáveis, jogos de influência… Quando isso acontece é porque os membros da comunidade ainda não descobriram os fundamentos da sua fé. Como é que as comunidades cristãs de que fazemos parte vivem o sagrado “sacramento” da unidade e da comunhão? O nosso envolvimento comunitário ajuda a consolidar a unidade e a comunhão, ou é fator de divisão e de conflito?
- Para que a unidade seja possível, Paulo recomenda aos destinatários da Carta aos Efésios a humildade, a mansidão e a paciência. São atitudes que não se coadunam com esquemas de egoísmo, de orgulho, de autossuficiência, de preconceito em relação aos irmãos. Como é que eu me situo face aos outros? A minha relação com os irmãos é marcada pelo egoísmo ou pela disponibilidade para acolher, servir e partilhar? Procuro estar atento às necessidades dos outros e ir ao encontro de cada irmão ou irmã que necessita de mim, ou levanto muros de orgulho e de autossuficiência que impedem a comunicação, a relação, a comunhão? Estou aberto às diferenças e disposto a dialogar, ou vivo entrincheirado nos meus preconceitos, catalogando e marginalizando aqueles que não concordam comigo?
- A Igreja é uma unidade; mas é também uma comunidade de pessoas muito diferentes, em termos de raça, de cultura, de língua, de condição social ou económica, de maneiras de ser e de ver a vida… As diferenças legítimas nunca devem ser vistas como algo negativo, mas como uma riqueza para a vida da comunidade; não devem levar ao conflito e à divisão, mas a uma unidade cada vez mais estreita, construída no respeito e na tolerância. A diversidade é um valor, que não pode nem deve anular a unidade e o amor dos irmãos. Como é que lidamos com as diferenças e as “originalidades” dos irmãos que caminham connosco? Vemo-las como algo que nos enriquece a todos, ou como ameaças à nossa “ordem” e aos nossos esquemas pessoais? in Dehonianos.
EVANGELHO – João 6,1-5
Naquele tempo,
Jesus partiu para o outro lado do mar da Galileia,
ou de Tiberíades.
Seguia-O numerosa multidão,
por ver os milagres que Ele realizava nos doentes.
Jesus subiu a um monte
e sentou-Se aí com os seus discípulos.
Estava próxima a Páscoa, a festa dos judeus.
Erguendo os olhos
e vendo que uma grande multidão vinha ao seu encontro,
Jesus disse a Filipe:
«Onde havemos de comprar pão para lhes dar de comer?»
Dizia isto para o experimentar,
pois Ele bem sabia o que ia fazer.
Respondeu-Lhe Filipe:
«Duzentos denários de pão não chegam
para dar um bocadinho a cada um».
Disse-Lhe um dos discípulos, André, irmão de Simão Pedro:
«Está aqui um rapazito
que tem cinco pães de cevada e dois peixes.
Mas que é isso para tanta gente?»
Jesus respondeu: «Mandai sentar essa gente».
Havia muita erva naquele lugar
e os homens sentaram-se em número de uns cinco mil.
Então, Jesus tomou os pães, deu graças
e distribuiu-os aos que estavam sentados,
fazendo o mesmo com os peixes;
E comeram quanto quiseram.
Quando ficaram saciados,
Jesus disse aos discípulos:
«Recolhei os bocados que sobraram,
para que nada se perca».
Recolheram-nos e encheram doze cestos
com os bocados dos cinco pães de cevada
que sobraram aos que tinham comido.
Quando viram o milagre que Jesus fizera,
aqueles homens começaram a dizer:
«Este é, na verdade, o Profeta que estava para vir ao mundo».
Mas Jesus, sabendo que viriam buscá-l’O para O fazerem rei,
retirou-Se novamente, sozinho, para o monte.
CONTEXTO
A liturgia propõe-nos hoje – e durante os próximos domingos – a leitura do capítulo 6 do Evangelho segundo João. O texto integra uma parte do Quarto Evangelho que alguns biblistas designam como o “Livro dos Sinais” (cf. Jo 4,1-11,56). Nesse “livro”, a partir de alguns símbolos com um especial poder evocador (a “água” – cf. Jo 4,1-5,47; o “pão” – cf. Jo 6,1-71; a “luz” – cf. Jo 8,12-9,41; o “pastor” – cf. Jo 10,1-42; a “ressurreição” – cf. Jo 11,1-56), são-nos propostas diversas catequeses que definem Jesus como aquele que veio de Deus para recriar, dar Vida, fazer nascer uma humanidade nova.
No centro da catequese que o capítulo 6 nos apresenta, está um desses símbolos: o pão. O pão era, no mundo bíblico, o elemento básico na alimentação de todos os dias. O homem bíblico não podia viver sem pão. Muitas vezes era mesmo o único alimento disponível, especialmente para os pobres. Pão era vida. Ora, esse alimento fundamental para viver era considerado um dom de Deus. Por isso, pedia-se continuamente a Deus que desse ao seu Povo o pão necessário para a subsistência de cada dia (cf. Mt 6,11). “Ter pão” era gozar do favor de Deus; “ter pão” era receber Vida de Deus. O pão acabou mesmo por ser considerado o símbolo por excelência de todos os dons de Deus. Via-se a época escatológica que havia de chegar como o tempo em que Deus ofereceria ao seu Povo um pão abundante, nutritivo e saboroso (cf. Is 30,23), o “pão da Vida” definitiva. Por outro lado, o pão era para ser partilhado. “Partilhar o pão” era reunir outras pessoas à mesa familiar; “partilhar o pão” com alguém era estabelecer laços íntimos, laços familiares com essa pessoa; partilhar o pão era criar comunidade, uma comunidade unida por laços fraternos. Tudo isto está subjacente à catequese sobre Jesus como “Pão da Vida” que este capítulo nos apresenta.
O cenário do episódio que o Evangelho deste décimo sétimo domingo comum nos apresenta situa-nos “na outra margem” do Lago de Tiberíades, no cimo de um monte não identificado (no capítulo anterior, Jesus estava em Jerusalém, no centro da instituição judaica; agora, sem transição, aparece na Galileia). A tradição cristã considera que essa “outra margem” não seria o lado oriental do lago, mas sim a zona de Tabga, não longe de Cafarnaum. Em termos cronológicos, João nota que estava perto a Páscoa, a festa mais importante do calendário religioso judaico, que celebrava a libertação do Povo de Deus da opressão do Egipto. É possível que a referência à Páscoa funcione, nesta catequese joânica, como um convite a que o leitor entenda a narração como figura da Páscoa e da instituição da eucaristia. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A preocupação de Jesus com a “fome” daquela multidão que O segue, sinaliza a preocupação de Deus em dar a todos os seus filhos e filhas Vida em abundância. É uma boa e bela notícia: Deus preocupa-se connosco, com a nossa carências e dificuldades, e está verdadeiramente empenhado em proporcionar-nos o “alimento” de que necessitamos para construirmos vidas com sentido. Estamos e estaremos sempre no coração de Deus; Ele encontrará sempre forma de vir ao nosso encontro para nos oferecer a sua Vida. Sabemos isto? Sentimo-nos acompanhados por Deus, mesmo quando nos parece que caminhamos de mãos e de coração vazio? Confiamos na bondade, no cuidado e no amor de Deus?
- Apesar da generosidade de Deus, os dons que Ele coloca à nossa disposição nem sempre chegam à mesa de todos. Sabemos porquê: alguns homens e mulheres, por egoísmo e ganância, açambarcam os dons que pertencem a todos os filhos e filhas de Deus. Isso é subverter o projeto de Deus e condenar os irmãos a passar necessidades. Que sentimos em relação a isso? Temos consciência de que os nossos hábitos consumistas e esbanjadores podem estar a causar sofrimento e dificuldade aos irmãos que caminham ao nosso lado? A nossa preocupação excessiva com o nosso bem-estar não será uma injustiça que priva muitos dos nossos irmãos de dons de Deus que também lhes pertencem por direito?
- O “pão” que Jesus faz distribuir à multidão faminta refere-se a algo mais do que o pão material que mata a nossa fome física. Aquelas pessoas que correm atrás de Jesus para saciar a sua “fome” são aqueles homens e mulheres que, todos os dias encontramos nos caminhos que percorremos e que, de alguma forma, estão privados daquilo que é necessário para viver uma vida digna… Os “que têm fome” são os que são explorados e injustiçados e que não conseguem libertar-se; são os que vivem na solidão, sem família, sem amigos e sem amor; são os que têm que deixar a sua terra e enfrentar uma cultura, uma língua, um ambiente estranho para poderem oferecer condições de subsistência à sua família; são os marginalizados, abandonados, segregados por causa da cor da sua pele, por causa do seu estatuto social ou económico, ou por não terem acesso à educação e aos bens culturais de que a maioria desfruta; são as crianças que sofrem violência; são as vítimas da economia global, cuja vida dança ao sabor dos interesses das multinacionais; são os que são espezinhados pelos interesses dos grandes do mundo… Que outras “fomes” conhecemos e que poderíamos acrescentar a esta lista?
- Jesus dirige-Se aos seus discípulos e diz-lhes, referindo-se à multidão faminta: “dai-lhes vós mesmos de comer”. Fica assim clara a responsabilidade dos discípulos de Jesus em saciar a “fome” do mundo e em repartir o “pão” que mata a fome de vida, de justiça, de liberdade, de esperança, de felicidade de que os homens sofrem. Depois disto, nenhum discípulo de Jesus pode olhar tranquilamente os seus irmãos com “fome” e dizer que isso não lhe diz respeito; depois dasquelas palavras de Jesus, o egocentrismo e a autossuficiência deixaram de ser opção para todos aqueles que se comprometeram a construir o Reino de Deus… Como é que nos situamos em relação aos nossos irmãos vítimas do sofrimento, da maldade, da injustiça, da indiferença? Estamos conscientes de que a “fome” que faz sofrer os nossos irmãos também é um problema que nos diz respeito?
- Os discípulos, questionados por Jesus, constatam que, recorrendo ao sistema económico vigente, é impossível responder à “fome” dos necessitados. O sistema capitalista vigente – que, quando muito, distribui a conta gotas migalhas da riqueza para adormecer a revolta dos explorados – será sempre um sistema que se apoia na lógica egoísta do lucro e que só cria mais opressão, mais dependência, mais necessidade. Não chega criar melhores programas de assistência social ou programas de rendimento mínimo garantido, ou outros sistemas que apenas perpetuam a injustiça e a dependência… Jesus propõe algo de realmente diferente: propõe uma lógica de partilha solidária. Os discípulos de Jesus são convidados a reconhecer que os bens são um dom de Deus para todos os homens e que pertencem a todos; são convidados a quebrar a lógica do açambarcamento egoísta dos bens e a pôr os dons de Deus ao serviço de todos. Como resultado, não se obtém apenas a saciedade dos que têm fome, mas um novo relacionamento fraterno entre quem dá e quem recebe, feito de reconhecimento e harmonia, que enriquece ambos e é o pressuposto de uma nova ordem, de um novo relacionamento entre os homens. Para nós, esta proposta faz sentido? Estamos disponíveis para a acolher e implementar na nossa vida e no nosso mundo?
- No seu serviço aos “famintos”, os discípulos de Jesus nunca deverão apresentar-se com arrogância ou com tiques de superioridade; e nunca deverão usar a “caridade” para servir os seus interesses ou os seus projetos pessoais. Deverão agir com humildade e simplicidade (a “criança” do Evangelho), apenas preocupados em servir os irmãos com “fome”. Como é que nos apresentamos diante dos irmãos que necessitam da nossa ajuda para saciar a sua “fome” de Vida? Com arrogância e superioridade, ou com humildade e amor? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura devem ter cuidado na pronunciação da palavra Baal-Salisa (Báál-Salisa) e ter em atenção os verbos que introduzem o discurso: «disse», «respondeu» e «insistiu».
A segunda leitura é constituída por duas partes distintas e a proclamação deve refletir isso mesmo. Devem ter especial cuidado na repetição da expressão: «Há um só…». As repetições devem ser proclamadas com especial cuidado para que se possa aproveitar toda a expressividade do texto.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
O grande texto que forma o Capítulo 6 do Evangelho de João, e que vamos ter a graça de escutar nestes cinco Domingos, pode dividir-se em seis Partes: a primeira Parte, que funciona como Introdução ou preparação do cenário, engloba os v. 1-4 e apresenta as personagens (Jesus, uma grande multidão, os discípulos), o lugar (na «outra margem do mar da Galileia», na «montanha») e o tempo («estava próxima a Páscoa dos judeus»); a segunda Parte, que se estende pelos v. 5-15, abre com uma pergunta pedagógica de Jesus dirigida a Filipe («Filipe, onde compraremos pão para que eles comam?»), não corretamente respondida por Filipe e André, mas resolvida por Jesus; a terceira Parte, que compreende os v. 16-21, mostra-nos os discípulos a atravessar, no escuro, o mar encapelado, e Jesus vindo ao seu encontro caminhando sobre o mar; a quarta Parte, entre os v. 22-24, apresenta-nos um novo começo, no dia seguinte, mostrando-nos a multidão que nota a ausência de Jesus e parte à sua procura para Cafarnaum; a quinta Parte, que compreende a longa extensão de texto entre os v. 25-59, traz para a cena a importante discussão, travada entre Jesus e a multidão ou os judeus, sobre o pão vindo do céu; a sexta Parte, que contempla os últimos versículos (v. 60-71), estende a discussão aos discípulos, mostrando a deserção de muitos (v. 60-66), em contraponto com a confissão de fé de Pedro (v. 67-71).
Dois Capítulos à frente de João 4, em João 6 (este agrafo de João 4 a João 6 é oportuno e necessário), diz-nos o narrador que Jesus subiu à montanha, que se sentou lá com os seus discípulos, e que uma grande multidão acorria a Jesus (João 6,3 e 5). É nessas circunstâncias que Jesus retoma o tema do alimento. Descendo agora ao nível dos discípulos, Jesus diz a Filipe: «Onde (póthen) compraremos (agorázô) pão para que eles comam?» (João 6,5). De facto, o verbo comprar é corrente nos lábios dos discípulos, mas é estranho na boca de Jesus. No cenário anterior, de Jesus e da Samaritana (João 4), os discípulos passam quase o tempo todo a comprar, enquanto Jesus fala de dar, e dá-se mesmo.
Na chamada «primeira multiplicação dos pães», que podemos ler nos Evangelhos de Mateus e de Marcos, Jesus recusa mesmo a solução de comprar (agorázô), avançada pelos discípulos, e propõe a de dar (dídômi) (Mateus 14,15-16; Marcos 6,36-37). Por que será, então, que Jesus fala agora de comprar, ainda para mais conjugando o verbo na 1.ª pessoa do plural, Ele incluído: «Onde compraremos»? Mas a questão não é apenas sobre comprar. É sobre «Onde comprar». Face à lógica da misericórdia, da condivisão e da partilha proposta por Jesus, já os discípulos, céticos, se tinham perguntado: «“De onde” (póthen) poderá alguém saciar estas pessoas de pães num lugar deserto?» (Marcos 8,4). Esse «Onde» (póthen) já tinha sido ouvido em João 1,48, quando Natanael pergunta a JESUS: «“De onde” (póthen) me conheces?». Será também ouvido em João 2,9, em que o narrador nos informa que o chefe-de-mesa «não sabia “de onde” (póthen) era» a água feita vinho. Da mesma forma, Nicodemos também não sabe, acerca do Espírito, «“de onde” (póthen) vem nem para onde vai» (João 3,8). Tal como a mulher samaritana não sabe «“de onde” (póthen) Jesus tira a água-viva (João 4,11). E as autoridades de Jerusalém confirmam que, «quando vier o Cristo, ninguém saberá “de onde” (póthen) Ele é» (João 7,27). E, mais à frente, em polémica com os fariseus, Jesus afirma: «Eu sei “de onde” (póthen) venho; vós, porém, não sabeis “de onde” (póthen) venho» (João 8,14). E na cena da cura do cego de nascença, os fariseus acabam por afirmar acerca de Jesus: «Esse não sabemos “de onde” (póthen) é» (João 9,29), ao que o cego curado responde, apontando a cegueira deles: «Isso é espantoso: vós não sabeis “de onde” (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (João 9,30). Na narrativa do IV Evangelho, tudo isto conflui para a questão posta por Pilatos: «“De onde” (póthen) és TU?» (João 19,9). E, no Evangelho de Lucas, Isabel também exclama: «“De onde” (póthen) a mim isto: “Que venha a mãe do meu Senhor ter comigo?”» (Lucas 1,43). E, no Evangelho de Marcos, como no de Mateus, os conterrâneos de JESUS, apontando as Suas humildes e bem conhecidas raízes geográficas e familiares que, na mentalidade antiga, determinam a identidade e a capacidade da pessoa, exclamam acerca d’ELE: «“De onde” (póthen) a ESTE estas coisas, e que sabedoria é esta a ESTE dada, e os prodígios que pelas mãos d’ELE vêm?» (Marcos 6,2; cf. Mateus 13,54.56).
Retornando à pergunta feita a Filipe: «Onde comparemos pão para que eles comam?» (João 6,5), o narrador anota outra vez com perspicácia que Jesus disse isto para pôr Filipe à prova (peirázô), pois bem sabia o que havia de fazer (João 6,6). Com esta anotação, o narrador deixa-nos declaradamente perante uma pergunta pedagógica, um teste, pelo que ficamos à espera de saber se Filipe reúne ou não competência para resolver o problema. E, enquanto temos os olhos postos em Filipe, e dado que se trata de um teste, também nós nos vamos perguntando: «E eu, será que saberei responder e resolver o teste?
Não temos de esperar muito tempo. Filipe é rápido a fazer contas, e diz logo que duzentos denários (um denário corresponde ao salário de um dia) de pão não chegam para que cada um receba ainda que seja só uma migalhinha (João 6,7). O leitor atento, mas incauto, é com certeza levado a concordar com Filipe. Se a pergunta é: «Onde comprar pão», o leitor pensará logo certamente como Filipe no dinheiro e no shopping. E será também levado a concluir que, para tanta gente, feitas as contas em termos de mercado, pouco ou nada haverá a fazer. Mas o «leitor implícito» ou «leitor modelo», que a análise narrativa ou narratologia define como aquele que está apto a fazer as operações mentais e afetivas que o mundo do relato dele requer, terá certamente estranhado que Filipe se tenha deixado levar tão depressa pelo verbo «comprar» da pergunta de Jesus, dado que se trata de um verbo que Jesus não só não usa, como até recusa.
André, que estava ali ao lado e que também terá ouvido a pergunta, passa a Jesus a informação preciosa de que havia ali um rapazito (paidárion) que tinha cinco pães de cevada e dois peixinhos, mas apressou-se logo a minar a utilidade do achado, dada a imensa desproporção entre tão pouco alimento e tanta gente (João 6,8-9). Se a lógica de mercado de Filipe o levou, e a nós com ele, a desistir rapidamente de apresentar uma solução positiva à pergunta de Jesus, a lógica de André levou-o, e a nós outra vez também com ele, a desvalorizar os dons que descobrimos nos outros, nomeadamente nos nossos irmãos mais pequeninos.
Parece agora claro para o leitor que a pergunta de Jesus: «Onde compraremos pão para que eles comam?», não obteve de Filipe a resposta adequada, e que a ajuda de André tão-pouco se terá revelado satisfatória.
Filipe ouviu a pergunta de Jesus. E André, pelos vistos, também a ouviu. Mas nem Filipe nem André sabiam que se tratava de uma prova, de um teste. Só o leitor o sabe, porque foi disso informado pelo narrador. E então a pergunta agora é: e eu e tu, leitores informados, será que sabemos resolver a questão que Filipe e André deixaram sem resposta? Ou será que preferimos prestar toda a nossa atenção ao desempenho de Jesus, dado que também fomos informados de que ele sabia bem o que havia de fazer? A ação de Jesus reclama a nossa atenção.
Soberanamente, Jesus, que bem sabia o que havia de fazer, ordenou àqueles discípulos, com certeza estupefactos, que fizessem reclinar (anapíptô) as pessoas (ánthrôpoi) para comer (João 6,10). O verbo usado, anapíptô, implica mesmo dispor-se à mesa para comer. O narrador anota agora que «os homens (ándres) eram em número de cerca cinco mil», a que acrescenta a sugestiva anotação de que «havia muita erva (chórtos) naquele lugar» (João 6,10). Depois, Jesus, que preside à mesa, RECEBEU (lambánô) os pães, e TENDO DADO GRAÇAS (eucharistéô), DISTRIBUIU-OS (diadídômi) ele mesmo aos que estavam reclinados à mesa (anakeiménois), e o mesmo fez com os peixinhos, tanto quanto queriam (João 6,11). Ficámos a saber que Jesus recolheu a informação preciosa de André acerca dos pães e dos peixinhos do rapazito, e que, ao contrário de André, não os depreciou. E quando todos foram saciados (eneplêsthêsan), Jesus, que preside à mesa, deu ordens aos seus discípulos para que reunissem (synágô) os pedaços que sobraram (perisseúô). Note-se que o verbo usado para dizer «sobrar» é o verbo perisseúô, que implica o excesso que ultrapassa toda a medida e a abundância que transborda, tornando curtas todas as nossas normas, regras e medidas. É assim normal que o narrador nos informe de que, com os pedaços que sobraram, os discípulos encheram doze cestos (João 6,12-13), símbolo da plenitude transbordante e inesgotável.
De notar que, aos olhos atónitos dos discípulos e dos nossos, Jesus não fez uma operação de «multiplicação» dos pães, mas de «divisão» e «com-divisão», «partilha» dos pães! O milagre de Jesus – aquilo que suscita surpresa e maravilha – não consiste em aumentar a quantidade do pão (que permanece a mesma), mas em abrir os olhos aos seus discípulos e a nós que, como cegos, só conhecemos e pensamos na lógica do mercado, do vender e do comprar, e não chegamos a saborear a lógica da gratuidade, que é a do nosso Pai celeste que faz nascer o sol para os bons e para os maus. Entrar nesta lógica é acreditar na força do dom, e ir por este mundo consumista, partindo o pão e dividindo-o, com a clara consciência de que onde isto acontecer, não só se instaura o necessário para todos («todos comeram e foram saciados»), mas instaura-se igualmente o «excesso», a superabundância da graça («os discípulos encheram doze cestos»).
A multidão, porém, face ao sucedido, não viu o «excesso», a superabundância da graça (Romanos 5,20; 1 Timóteo 1,14), mas tornou-se apenas materialmente dependente de Jesus, procurando-o por toda a parte (João 6,24), como se de verdadeira fonte de rendimento se tratasse (velha lógica consumista). E, quando o encontra no «outro lado do mar» (João 6,25), é duramente recriminada por Jesus, com estas palavras solenes: «Em verdade, em verdade, vos digo: “vós procurais-me, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos enchestes (chortázô)”» (João 6,26). E continua: «Trabalhai, não pelo alimento que perece, mas pelo que permanece até à vida eterna» (João 6,27).
Pouco depois, Jesus revelará: «Eu sou o pão da vida» (João 6,35 e 48) e «Eu sou o pão vivo descido do céu» (João 6,41 e 51), e retirará daí um rol de consequências em termos da sua carne e do seu sangue dados para a vida do mundo. Jesus compreende então que os judeus e os seus discípulos murmuravam por causa disso (João 6,61), e o narrador informa-nos que muitos deles se afastaram de Jesus (João 6,66). É então a hora decisiva de Jesus perguntar aos Doze: «Vós também quereis ir embora?» (João 6,67), ao que Simão Pedro responderá exemplarmente: «Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna» (João 6,68).
O leitor que seguiu atentamente tudo desde o princípio, desde a primeira pergunta pedagógica de Jesus: «Onde compraremos pão para que eles comam?», e que assistiu ao falhanço das respostas dos discípulos, e que terá, porventura, verificado a sua própria incapacidade para responder, e que prestou depois toda a atenção ao desempenho de Jesus, e que viu entretanto a deserção de judeus e discípulos dececionados, terá com certeza compreendido a última resposta de Simão Pedro: «Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna», como a verdadeira resposta à primeira pergunta pedagógica de Jesus. Com a resposta de Pedro, fica estabelecida a conjunção entre palavra e alimento. Mas falta ainda um agrafo que explique aquele estranho verbo comprar, estranhamente usado por Jesus. É um trabalho de casa que o leitor competente tem de fazer sozinho. E nem é difícil, pois ele sabe que é preciso conhecer as Escrituras. Percorrendo-as, encontrará esta passagem de Isaías:
«Todos vós, que tendes sede, vinde às águas! Vós, que não tendes dinheiro, vinde! Comprai (agorázô LXX) cereal e comei! Comprai cereal sem dinheiro, e sem pagar, vinho e leite. (…) Ouvi-me, ouvi-me, e comei o que é bom!» (Isaías 55,1-2).
Está aqui o elo que faltava: o verbo comprar, significativamente não agrafado com dinheiro. Comprar cereal sem dinheiro. Mas esta lição de Isaías reforça ainda a conjunção entre palavra e alimento, com aquela proposta: «Ouvi-me, ouvi-me e comei!», que soa também a abrir o Livro do grande profeta: «Se vierdes e escutardes, o melhor da terra (tûb ha’arets) comereis» (Isaías 1,19), clarificada pelo confronto: «Mas se vos recusardes (ma’na) e vos rebelardes (marah), será a espada que vos comerá» (Isaías 1,20). Mas também sai esclarecida ainda aquela disjunção mostrada por Jesus entre «o alimento que perece» e «o que permanece até à vida eterna» (João 6,27). O que perece é a «erva» (ou «feno») (chórtos), seja ela qual for, que compramos com dinheiro e nos cala a boca e enche (chortázô) o estômago, fartando-nos como animais (cf. João 6,26). O que permanece é a palavra que Deus diz, e que é por nós ouvida, recebida e respondida. Mas esta disjunção, a que podemos agora acrescentar a sugestiva anotação de que «havia muita erva (chórtos) naquele lugar» (João 6,10), pode ainda ser mais bem explicitada se lermos outro texto de Isaías:
«(…) Toda a carne é erva (chórtos LXX), e toda a sua graça como a flor do campo. Seca a erva (chórtos LXX) e murcha a flor, mas a palavra do Senhor permanece para sempre» (Isaías 40,6 e 8).
Os leitores que se julgam supercompetentes, mas que na verdade nada entendem, gostam de ver na anotação de que «havia muita erva naquele lugar» a evocação do Salmo 23,2:
«O Senhor é meu pastor, nada me falta: num lugar de ‘erva verde’ (tópos chlóês LXX) me faz repousar».
Nem reparam que o vocabulário não é o do Salmo. O leitor instruído nas Escrituras saberá agora responder à estranha pergunta de Jesus: «Onde compraremos pão para que eles comam?» É claramente em Deus. Também este cenário transborda de pedagogia. Jesus que, no cenário anterior (João 4), desceu ao nível da mulher da Samaria para ganhar a mulher da Samaria, desce agora ao nível dos discípulos para ganhar os discípulos (João 6). A iniciativa é sempre de Jesus. Os discípulos tinham ficado na linha do comprar (João 4). É aí que Jesus os vai buscar, formulando a pergunta: «Onde compraremos pão, para que eles comam?» (João 6,5). Vimos atrás que o verbo «comprar» é estranho na boca de Jesus, mas usual na dos discípulos. Usando agora o verbo «comprar», Jesus desce ao nível dos discípulos. Não, porém, simplesmente para dizer com eles, mas para os levar a dizer com ele. Depois de muitos mal-entendidos e deserções, uma última interpelação de Jesus acaba por lhes dar a oportunidade de se dizerem com Jesus. A multidão é levada pelo interesse meramente material, tornando-se dependente, no mau sentido, de Jesus. É duramente recriminada por Jesus. O leitor encontra, neste cenário, um jogo de muitas surpresas, de muitos olhares. E é o leitor o que mais tem a ganhar, se verdadeiramente entrar no jogo empenhativo do relato.
A narrativa do Segundo Livro dos Reis (4,42-44) reclama já as diferentes cenas de «multiplicação» dos pães presentes nos Evangelhos. Nos Evangelhos, é Jesus o protagonista. Em 2 Reis 4,42-44 é o profeta Eliseu que, com vinte pães de cevada alimenta até à saciedade cem pessoas. Claro que por detrás do profeta está sempre a Palavra de Deus que tudo orienta e clarifica: «Comerão e ainda sobrará» (2 Reis 4,43). E assim sucedeu. E assim sucederá ao longo das páginas da Escritura Santa. Experimente o leitor.
São Paulo lembra-nos, na lição da sua Carta aos Efésios 4,1-6, que a fome não é só de pão. É também de paz e de unidade. A matar esta fome que nos vai matando, lá está, reafirma Paulo, um só Senhor, um único Espírito, um só Deus e Pai de todos. Não há dúvida: uma comunidade unida e reunida sabe partilhar com alegria. E é assim que se resolvem todas as fomes, também a de pão.
Fica bem hoje cantar com alegria renovada o grande hino alfabético que é o Salmo 145, até que vibrem as cordas do nosso coração. E enquanto saboreamos as imensas riquezas que nos vêm de Deus: a sua graça, misericórdia, amor e bondade (Salmo 145,8-9), usando, para o efeito, toda a gama de sabores e todas as letras do alfabeto, continuemos a cantar: «Abris, Senhor, a vossa mão, e saciais a nossa fome!» (Salmo 145,16).
António Couto
ANEXOS:
- Domingo XVII do Tempo Comum – Ano B – 28.07.2024-refletindo
- Leitura I do Domingo XVII do Tempo Comum – Ano B – 28.07.2024 (2 Re 4, 42-44)
- Leitura II do Domingo XVII do Tempo Comum – Ano B – 28.07.2024 (Ef 4, 1-6)
- Domingo XVII do Tempo Comum – Ano B – 28.07.2024 – Lecionário
- Domingo XVII do Tempo Comum – Ano B – 28.07.2024 – Oração Universal
- Mensagem Papa Francisco para o IV Dia Mundial dos Avós e dos Idosos – 28.07.2024
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
Domingo XVI do Tempo Comum – Ano B – 21.07.2024
Viver a Palavra
O Evangelho deste Domingo parece colocar-nos em sintonia com o tempo de férias que se avizinha. Poderia ser até um bom slogan para uma agência de viagens: «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». Contudo, não se trata da instituição bíblica das férias, nem uma canonização do nada fazer, mas a certeza de que Deus quer que todo o trabalhador conheça o merecido repouso e que todo aquele que se gasta possa descansar.
Os apóstolos regressam da sua primeira grande missão! Tinham sido enviados por Jesus com uma missão muito concreta e indicações precisas. Tinham partido dois a dois e, seguindo as instruções de Jesus, contemplaram maravilhas e milagres que, efetivamente, nunca tinham pensado realizar: «os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento, expulsaram muitos demónios, ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos» (Mc 6,12). Agora é hora de regressar a Jesus e começam a contar tudo quanto tinham feito e ensinado. Como foi bela esta partilha! Cada a um a seu modo a narrar as maravilhas que Deus tinha realizado através deles. Com certeza, acontecimentos e milagres tão diferentes, mas todos preenchidos pela alegria da missão, pela certeza de que é Deus quem opera através das suas frágeis mãos.
Jesus não é indiferente aos trabalhos e canseiras daqueles que são enviados em missão. Escutando paciente e atenciosamente a partilha que faz cada um deles, desafia-os a um tempo de repouso num lugar isolado. Jesus quer o nosso merecido repouso. Jesus deseja que cada um possa encontrar o merecido tempo de serenidade e tranquilidade para renovar as forças e partir de novo em missão. Mas, mais do que isso, que cada um saiba fazer do tempo de repouso um tempo privilegiado de encontro com Deus, nosso rochedo seguro onde podemos encontrar abrigo e conforto.
Diante da missão que o Senhor deposita em nossas mãos, é fácil e tentador deixarmo-nos levar por um ativismo estéril que cria em nós a ilusão de estarmos sempre em trabalho indispensável e imprescindível, esquecendo que o descanso é querido por Deus e condição necessária para a missão que realizamos: «devemos conceber a nossa vida como um serviço por amor. As vinte e quatro horas do nosso dia. Porque mesmo quando estamos a dormir estamos em serviço de Deus que depois do nosso trabalho quer o nosso merecido repouso» (Padre Virginio Rotondi). Descansar é um modo de servir o Senhor, quando o tempo de repouso é lugar para ganhar forças para o caminho e tempo privilegiado de encontro com Aquele que é o refúgio e conforto para as nossas fadigas e feridas.
Como seria belo se o nosso tempo de repouso e descanso pudesse ser tempo e lugar para contar a Jesus quanto temos feito e ensinado como fizeram os discípulos. Neste tempo de férias que se aproxima, poderia ser este o nosso compromisso: encontrar tempo para estar com Jesus, para reler a nossa vida à luz da Sua palavra e da Sua graça. Jesus conhece a nossa vida e sabe bem o que temos feito. Contudo, mais do que Ele, somos nós que precisamos de tomar consciência quais as prioridades da nossa vida, o que tem marcado o ritmo dos nossos dias, ao serviço de quem temos colocado as nossas forças…
Que o olhar compassivo de Jesus sobre as multidões que são como «ovelhas sem pastor» eduque o nosso olhar, afine o nosso coração e marque o ritmo da nossa existência. E nos dias mais exigentes e difíceis sintamos este olhar de Jesus ser derramado sobre nós e encontremos no Seu coração manso e humilde o alento e conforto de que precisamos. in Voz Portucalense
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Tempo de (FÉ) rias. «Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco». As palavras de Jesus no Evangelho deste Domingo são um bom mote para este período estival em que muitas famílias aproveitam para gozar um tempo de férias e descanso. Que as merecidas férias do trabalho e do frenesim diário não permitam um tempo de férias para a fé e para a nossa relação com Cristo. Pelo contrário, que este tempo possa ser uma ocasião privilegiada para um renovado encontro com Cristo quer a nível pessoal, quer em família e em comunidade. Descansar com Jesus, encontrar Nele descanso e como os discípulos aproveitar esse tempo para lhe dizer «tudo o que tinham feito e ensinado»: eis um bom programa para férias que em nada diminui o lazer e o descanso, mas que oferece novo sentido ao tempo. Que possa ser um tempo de reler a vida com Jesus e ganhar um novo folgo e entusiasmo para o regresso ao trabalho e aos afazeres quotidianos. in Voz Portucalense (adaptado)
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Jeremias 23,1-6
Diz o Senhor:
«Ai dos pastores que perdem e dispersam
as ovelhas do meu rebanho!»
Por isso, assim fala o Senhor, Deus de Israel,
aos pastores que apascentam o meu povo:
«Dispersastes as minhas ovelhas
e as escorraçastes, sem terdes cuidado delas.
Vou ocupar-Me de vós e castigar-vos,
pedir-vos contas das vossas más ações
– oráculo do Senhor.
Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas
de todas as terras onde se dispersaram
e as farei voltar às suas pastagens,
para que cresçam e se multipliquem.
Dar-lhes-ei pastores que as apascentem
e não mais terão medo nem sobressalto;
nem se perderá nenhuma delas – oráculo do Senhor.
Dias virão, diz o Senhor,
em que farei surgir para David um rebento justo.
Será um verdadeiro rei e governará com sabedoria;
Há de exercer no país o direito e a justiça.
Nos seus dias, Judá será salvo e Israel viverá em segurança.
Este será o seu nome: ‘O Senhor é a nossa justiça’».
CONTEXTO
Jeremias, o profeta nascido em Anatot por volta de 650 a.C., exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.). O cenário da atividade do profeta é o reino do Sul (Judá), e sobretudo a cidade de Jerusalém.
A primeira fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei – preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus – leva a cabo uma grande reforma religiosa destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período, traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Javé e à Aliança. No entanto, em 609 a.C., Josias é morto em Megido, em combate contra os egípcios. Depois de uns meses de instabilidade, o trono de Judá foi ocupado por Joaquim (609-597 a.C.).
Começa, por essa altura, a segunda fase da atividade profética de Jeremias. Com Joaquim no trono, a infidelidade de Judá à Aliança com Javé volta a estar na ordem do dia. Nesta fase, a voz profética de Jeremias denuncia as graves injustiças sociais, às vezes fomentadas pelo próprio rei, e o abandono de Javé. A infidelidade religiosa de Judá manifesta-se de forma particular nas alianças políticas que Joaquim procura fazer com outras nações: em lugar de confiar em Deus, Judá coloca a sua segurança em exércitos estrangeiros. Jeremias, convencido de que Judá já ultrapassou todas as medidas, anuncia a iminência de uma invasão babilónica, que irá castigar os pecados do Povo de Deus. De facto, as previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém. No trono de Judá fica, então, Sedecias (597-586 a.C.).
A terceira fase da missão profética de Jeremias desenrola-se, precisamente, durante o reinado de Sedecias. Após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha política das alianças com o Egipto. Jeremias, uma vez mais, mostra o seu desacordo: a esperança de Judá deve estar em Javé e não em exércitos estrangeiros… Mas, nem o rei, nem os notáveis do país lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
Em 587 a.C., Nabucodonosor põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias anuncia o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr 37,11-16) e corre, inclusive, perigo de vida (cf. Jr 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a.C.).
Provavelmente, o texto que a liturgia deste décimo sexto domingo comum nos propõe como primeira leitura deve enquadrar-se no tempo que vai desde o primeiro exílio (após a primeira queda de Jerusalém, em 597 a.C.) ao segundo exílio (após a segunda tomada de Jerusalém pelos Babilónios, em 586 a. C.). É um tempo de desnorte nacional, em que Judá, sem líderes capazes, já perdeu as referências e a esperança no futuro. Pela voz de Jeremias, Deus denuncia a incompetência e a incúria dos “pastores” de Judá: com as suas políticas erráticas, eles dispersaram as ovelhas do rebanho. É, certamente, uma alusão ao exílio do Povo na Babilónia.
A utilização da imagem do “pastor” para falar dos líderes da nação é bastante frequente no Antigo Testamento. Aliás, a imagem adquiriu uma força especial na sequência de David, o pastor de Belém que Javé tirou da guarda do rebanho, ungiu e transformou em rei, encarregando-o de cuidar do rebanho do Povo de Deus. Aliás, na memória coletiva de Israel, David será sempre o pastor por excelência, que cuidou do seu Povo de acordo com as indicações recebidas de Deus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O quadro de desorientação, de confusão e de abandono que os habitantes de Judá experimentaram no início do séc. VI a.C., é um quadro que não nos é completamente estranho. Também nós conhecemos momentos conturbados da nossa história (coletiva ou pessoal), em que nos sentimos órfãos, perdidos, traídos e abandonados ao sabor dos ventos e das marés… As catástrofes que afetam o mundo, os conflitos que dividem os povos, a miséria que toca a vida de tantos dos nossos irmãos, os perigos dos fundamentalismos, as mudanças vertiginosas que o mundo todos os dias sofre, a perda dos valores em que apostávamos, as novas e velhas doenças, as crises pessoais, os problemas laborais, as dificuldades familiares trazem-nos a consciência da nossa pequenez e impotência frente aos grandes desafios que a vida nos apresenta. Sentimo-nos, então, “ovelhas” sem rumo e sem destino, abandonadas à nossa sorte. A Palavra de Deus que nos chega neste domingo pela voz de Jeremias garante-nos que Deus é o “Pastor” que se preocupa connosco, que está atento a cada uma das suas “ovelhas”; Ele cuida das nossas necessidades e está permanentemente disposto a intervir na nossa história para nos conduzir por caminhos seguros e para nos oferecer a Vida e a paz. É n’Ele que temos de apostar, é n’Ele que temos de confiar. Esta constatação é, para nós que acreditamos na bondade, no amor e na solicitude de Deus, fonte de alegria, de esperança, de serenidade e de paz?
- A cada passo Por vezes, no nosso desespero, apostamos em “pastores” humanos que, em lugar de nos conduzirem para a vida e para a felicidade, nos usam para satisfazer a sua ânsia de protagonismo e para realizar os seus projetos egoístas…
- As palavras de Jeremias contra os “pastores” que se aproveitam do rebanho em benefício próprio talvez nos tenham levado a apontar imediatamente para alguns líderes humanos que conhecemos e que consideramos responsáveis por boa parte do sofrimento que desfeia o nosso mundo… Na verdade, a história humana – mesma a mais recente – está cheia de situações em que as pessoas encarregadas de cuidar da comunidade humana usam o “rebanho” em benefício próprio e magoam, torturam, roubam, assassinam, privam de vida e de felicidade as pessoas que Deus lhes confiam… Teremos alguma responsabilidade – pela nossa indiferença, pelo nosso comodismo, pela nossa instalação, pelo nosso receio de denunciar – em tudo isso? E nós próprios, como é que lidamos com aqueles cuja responsabilidade Deus nos confiou: na família, no emprego, na Igreja? Procuramos colocar o bem de cada pessoa que caminha ao nosso lado acima dos nossos interesses e projetos pessoais?
- O nosso texto faz referência a “um rei” que Deus vai enviar ao encontro do seu Povo e que governará com sabedoria e justiça. Jesus é a concretização desta promessa. Ele veio propor ao “rebanho” de Deus a Vida plena e verdadeira… As propostas de Jesus encontram eco na nossa vida? Estamos sempre dispostos a acolher as indicações e os valores que Ele continuamente nos apresenta com as suas palavras, com os seus gestos, com a sua vida? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 22 (23)
Refrão: O Senhor é meu pastor: nada me faltará.
O Senhor é meu pastor: nada me falta.
Leva-me a descansar em verdes prados,
conduz-me às águas refrescantes
e reconforta a minha alma.
Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome.
Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos,
não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo:
o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança.
Para mim preparais a mesa
à vista dos meus adversários;
com óleo me perfumais a cabeça,
e o meu cálice transborda.
A bondade e a graça hão de acompanhar-me
todos os dias da minha vida,
e habitarei na casa do Senhor
para todo o sempre.
LEITURA II – Efésios 2,13-18
Irmãos:
Foi em Cristo Jesus que vós, outrora longe de Deus,
vos aproximastes d’Ele, graças ao sangue de Cristo.
Cristo é, de facto, a nossa paz.
Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo
e derrubou o muro da inimizade que os separava,
anulando, pela imolação do seu corpo,
a Lei de Moisés com as suas prescrições e decretos.
E assim, de uns e outros,
Ele fez em Si próprio um só homem novo,
estabelecendo a paz.
Pela cruz reconciliou com Deus
uns e outros, reunidos num só Corpo,
levando em Si próprio a morte á inimizade.
Cristo veio anunciar a boa nova da paz,
paz para vós, que estáveis longe,
e paz para aqueles que estavam perto.
Por Ele, uns e outros podemos aproximar-nos do Pai,
num só Espírito.
CONTEXTO
Éfeso, cidade cosmopolita situada na costa da Jónia, na Ásia Menor (junto da atual Selçuk – Turquia), famosa pelo seu templo de Ártemis e pelo seu enorme teatro ao ar livre, era um dos principais centros comerciais e religiosos do mundo greco-romano. Durante o séc. I a.C. albergava uma população de cerca de 250.000 pessoas. No decurso da sua terceira viagem missionária, Paulo foi até Éfeso e permaneceu lá por cerca de dois anos (cf. At 19,10). Da pregação e da catequese de Paulo resultou uma comunidade viva, fervorosa, empenhada em dar testemunho de Jesus. No final dessa viagem missionária, antes de embarcar para Tiro, Paulo fez questão de chamar a Mileto os anciãos da Igreja de Éfeso, a fim de se despedir da comunidade (cf. At 20,17-38). Isso atesta a relação especial que havia entre Paulo e os cristãos de Éfeso.
Não conhecemos as circunstâncias que levaram Paulo a escrever a Carta aos Efésios. Mas, quando a escreveu, Paulo estava na prisão (em Roma? Em Cesareia Marítima?). O seu portador foi um tal Tíquico. Estamos, muito provavelmente, por volta dos anos 58/60.
No entanto, a carta não reflete a proximidade que Paulo tinha com os cristãos de Éfeso. Apresenta-se num tom impessoal, solene, desligado, que parece distante da forma como Paulo se costumava dirigir às comunidades a que se sentia especialmente ligado. Isso leva alguns a negar e sua autoria paulina, e outros a considerar que o texto que nos chegou com o título “carta aos efésios” poderá ser um dos exemplares de uma “carta circular” enviada por Paulo a várias Igrejas da Ásia Menor, incluindo a comunidade cristã de Éfeso. A questão permanece em aberto.
Considera-se, em geral, que a Carta aos Efésios apresenta uma espécie de síntese da teologia paulina, redigida numa altura em que Paulo sentia ter terminado a sua missão apostólica na Ásia. Prisioneiro por causa do Evangelho (cf. Ef 4,1), Paulo não sabe o que o futuro lhe reserva e entende deixar o seu testemunho às comunidades da Ásia Menor que tinha especialmente acompanhado.
O tema central da Carta aos Efésios é aquilo a que Paulo chama “o mistério”: o desígnio (ou projeto) salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, oculto durante séculos aos homens, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos, desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
O texto que nos é proposto como segunda leitura neste décimo sexto domingo comum integra a parte dogmática da carta. Depois de refletir sobre o papel de Cristo no projeto de salvação que Deus tem para os homens (cf. Ef 2,1-10), Paulo refere-se à reconciliação operada por Cristo, que com a sua doação uniu judeus e pagãos num mesmo Povo (cf. Ef 2,11-22). in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Domingo após domingo a palavra de Deus recorda-nos o projeto de salvação que Deus preparou em nosso favor. A repetição não incomoda: trata-se da questão mais decisiva quanto ao sentido da nossa vida, uma questão que deve estar sempre diante dos nossos olhos para dar sentido ao caminho que vamos percorrendo na história. No entanto, a segunda leitura deste décimo sexto domingo comum põe em relevo um aspeto essencial desse projeto: ele abrange todos os filhos e filhas de Deus, sem distinção de raças, de etnias, de diferenças sociais ou culturais, de experiências religiosas. Deus não faz aceção de pessoas, Deus não discrimina os seus filhos; a todos Ele quer salvar, a todos Ele quer reunir à sua volta. Nós, seres humanos, inventamos fronteiras para proteger as nossas possessões, criamos espaços onde só alguns privilegiados podem aceder, decidimos quem merece e não merece a nossa atenção e o nosso acolhimento; mas Deus enviou-nos o seu Filho Jesus para abolir as barreiras que nos separam, para destruir as velhas inimizades e para nos inserir numa única família, a família de Deus. Que implicações tem isto na nossa forma de ver Deus, de ver a vida e de ver os irmãos que caminham ao nosso lado?
- A Igreja é a comunidade daqueles que aceitam a oferta de salvação que Deus faz; é uma comunidade de irmãos e de irmãs que Cristo, com a sua entrega, reconciliou e ensinou a viver no amor; é um “corpo”, formado por uma grande diversidade de membros, unidos em Cristo e entre si numa efetiva fraternidade; é a família de Deus, chamada a dar testemunho no mundo da bondade, do amor e da Vida de Deus. É essa, de facto, a experiência que temos do viver em Igreja? As nossas comunidades cristãs são espaços de fraternidade, de acolhimento, de partilha, de amor anunciado e vivido? Nas nossas comunidades cristãs todos os irmãos são acolhidos e amados, ou há pessoas que são marginalizadas, condenadas, tratadas com menos consideração e estima?
- O fenómeno da globalização contribuiu para que nos aproximássemos dos outros homens e mulheres que partilham connosco esta casa comum que é o mundo. Ajudou-nos a conhecer o outro, a acolher a riqueza do outro, a aceitar com tolerância as diferenças. Contudo, subsistem muros – alicerçados nas diferenças rácicas, políticas, religiosas, sociais, afetivas – que impedem uma total experiência de fraternidade universal. Nós, os discípulos desse Cristo que veio reconciliar “judeus e gentios” e fazer de todos “um só povo”, temos o dever de dar testemunho de unidade e de lutar objetivamente contra tudo aquilo que impede os homens de caminharem de mãos dadas. Quais são, no séc. XXI, as principais barreiras que nos impedem de comunicar, de partilhar, de viver em fraternidade? Na nossa vida pessoal e na nossa experiência de caminhada comunitária, quais são os muros que nos dividem, que impedem o encontro e a comunhão? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 6,30-34
Naquele tempo,
os Apóstolos voltaram para junto de Jesus
e contaram-Lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
Então Jesus disse-lhes:
«Vinde comigo para um lugar isolado
e descansai um pouco».
De facto, havia sempre tanta gente a chegar e a partir
que eles nem tinham tempo de comer.
Partiram, então, de barco
para um lugar isolado, sem mais ninguém.
Vendo-os afastar-se, muitos perceberam para onde iam;
e, de todas as cidades, acorreram a pé para aquele lugar
e chegaram lá primeiro que eles.
Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão
e compadeceu-Se de toda aquela gente,
que eram como ovelhas sem pastor.
E começou a ensinar-lhes muitas coisas.
CONTEXTO
Depois de narrar o envio dos Doze em missão (cf. Mc 6,6b-13), Marcos faz um compasso de espera, como se tivéssemos de dar tempo aos enviados de Jesus para cumprir a missão que lhes foi entregue. Marcos aproveita, enquanto esperamos o regresso dos Doze, para retomar a questão da identidade de Jesus; e conta-nos que Herodes se interroga sobre Jesus, vendo n’Ele um João Batista redivivo (cf. Mc 6,14-16). A propósito, Marcos julga necessário narrar-nos o martírio do Batista, mandado decapitar por Herodes (cf. Mc 6,17-29) enquanto estava prisioneiro em Maqueronte, a fortaleza herodiana situada a leste do Mar Morto. A sequência parece não ser por acaso: ao entrelaçar o ministério de João Batista, de Jesus e dos discípulos, Marcos está a sugerir que se trata de uma única e mesma missão. A morte violenta de João converte-se em sinal premonitório do que mais tarde acontecerá com Jesus e com os Doze.
Depois deste parêntesis, Marcos retoma o fio condutor do seu Evangelho, apresentando o regresso dos Doze da missão. Marcos chama-lhes, agora, “apóstolos” (“enviados”): é a única vez que a palavra aparece no Evangelho segundo Marcos. Não há, no texto, qualquer indicação do lugar onde a cena se teria desenrolado.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Em pleno séc. XXI, são muitos os homens e as mulheres que caminham pelo mundo perdidos e sem rumo, “como ovelhas sem pastor”. As “ovelhas” perdidas e sem rumo são, nos nossos dias, as vítimas sem rosto e sem voz da economia global, os que são colocados à margem da sociedade e da vida, os estrangeiros que buscam noutro país condições dignas de vida mas não encontram lugar, os doentes que não têm acesso a um sistema de saúde eficiente, os idosos abandonados pela família e que sofrem em silêncio, as crianças que crescem nas ruas e que são maltratadas e violentadas, os “diferentes” que são marginalizados pela sociedade e pelas igrejas, os que carregam culpas que não conseguem esquecer, os que a vida magoou e que ainda não conseguiram sarar as suas feridas, as vítimas de todas as guerras e de todas as violências… Como os vemos, como nos abeiramos deles? Olhamo-los com o mesmo olhar de Jesus e sentimos compaixão? Sentimo-nos responsáveis por eles? A nossa consciência sente-se tranquila e em paz quando não respondemos às necessidades dos nossos irmãos sofredores?
- A Igreja será sempre a “casa de Jesus”, a casa onde Jesus a todos acolhe com amor. Muitos dos homens e mulheres que partilham connosco o caminho e que se sentem perdidos e desorientados “como ovelhas sem pastor” voltam-se para a comunidade cristã à procura de ajuda, de orientação, de compreensão, de acolhimento… Como é que a nossa comunidade cristã responde a essa procura? Com um elenco de normas, de obrigações, de mandamentos, de regras rígidas, de proibições, de discursos cheios de dogmas e de chavões teológicos, ou com o olhar compadecido e compreensivo de Jesus? As nossas comunidades cristãs são o “hospital de campanha” onde aqueles que a vida magoou podem curar as suas feridas e experimentar a compreensão, o amor, a ternura, a misericórdia de um Deus bom, que é pai e mãe para todos os seus filhos e filhas? A nossa Igreja é rosto de Jesus para os homens e mulheres do nosso tempo?
- Hoje como ontem, a missão dos “enviados” não pode desenrolar-se à margem de Jesus. É de Jesus que eles partem e é a Jesus que eles voltam. É imprescindível que os discípulos, apesar de todas as solicitações que lhes são feitas, arranjem tempo para estar com Jesus, para escutar as suas indicações, para lhe contar as coisas bonitas que viram acontecer ou os obstáculos que encontraram no caminho. Por vezes, os discípulos, genuinamente comovidos com a situação das “ovelhas sem pastor”, mergulham num ativismo descontrolado e acabam por perder as referências; deixam de ter tempo e disponibilidade para se encontrar com Jesus, para confrontar as suas opções e motivações com o projeto de Jesus… E passam a “vender”, como verdade libertadora, soluções que são parciais e que geram dependência e escravidão (e que não vêm de Jesus); ou tornam-se funcionários mais ou menos eficientes, que resolvem problemas sociais pontuais, mas sem oferecerem às “ovelhas sem pastor” uma libertação verdadeira e global; ou, então, cansam-se e abandonam a atividade e o testemunho… Vemos Jesus como o princípio e o fundamento do nosso apostolado? Estamos conscientes de que é a comunhão sempre renovada com Ele que nos permite redescobrir o sentido das coisas e renovar o nosso empenho? Procuramos encontrar tempo para rezar, para escutar a Palavra, para aprofundar a nossa comunhão com Jesus? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura, é importante ter presente a mensagem que Jeremias dirige aos maus pastores em nome do Senhor Deus, mas deve evitar-se um tom exageradamente dramático e acusatório. Além disso, deve haver um especial cuidado na pronunciação da expressão «oráculo do Senhor». Deve ser dito num tom diferente, mas deve haver o cuidado de não parecer a conclusão final do texto, evitando que as pessoas respondam antes da conclusão da leitura.
Na segunda leitura, temos algumas frases mais longas, orações curtas, muitas vírgulas. Deste modo, este texto para ser bem proclamado deve ser preparado tendo em conta as diversas pausas e respirações que são fundamentais para a compreensão do texto
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
JESUS, A NOSSA ÚNICA REFERÊNCIA
O Evangelho deste Domingo XVI do Tempo Comum (Marcos 6,30-34) insere-se numa bela sequência de preciosos textos. Importante não perder de vista o fio de ouro (ou de sentido) que entretece os episódios que, com extrema habilidade, Marcos coloca diante dos nossos olhos. Em Marcos 6,1-6, Jesus é rejeitado na sua pátria, prolepse de tudo o que lhe vai acontecer. No episódio seguinte, Marcos 6,7-13, Jesus envia os «Doze» em missão. Envia-os dois a dois, leves, sem nada a que se agarrar ou distrair. A sua única bagagem é o Evangelho. Logo a seguir, em Marcos 6,14-29, é narrada a versão popular do martírio de João Batista, que difere da versão política de Flávio Josefo. Em Marcos 6,30, «os Apóstolos» (hoi apóstolloi) reúnem-se junto de Jesus, e narraram-lhe tudo o que tinham feito e ensinado.
De notar, em primeiro lugar, que a missão dos «Doze» aparece premonitoriamente colocada entre a rejeição de Jesus e o martírio de João Batista. Esta leitura sai ainda reforçada se tivermos em conta que o episódio do martírio de João Batista rasga em duas partes a missão dos «Doze», intrometendo-se entre o envio, a partida de junto de Jesus e o anúncio feito pelos «Doze» (Marcos 6,7-13), e o regresso de «os Apóstolos» a Jesus (Marcos 6,30).
De notar, em segundo lugar, a permanente referência a Jesus por parte dos «Doze». Na verdade, é Jesus que os envia, e envia-os dois a dois, é d’Ele que partem, é d’Ele que são arautos, mensageiros ou testemunhas, é a Ele que regressam, é a Ele que fazem a «relação» do acontecido.
Uma inteligência mais profunda do envio «dois a dois»: não vão em nome próprio, mas são apenas testemunhas daquele que os enviou. E, porque é de testemunho que se trata, para que este seja válido, requer-se a presença de duas ou três testemunhas (cf. Deuteronómio 19,15 e João 8,17). Neste caso, as testemunhas estão vinculadas a Jesus. Mas o vínculo a Jesus sai ainda reforçado neste «dois a dois», se tivermos em conta a palavra de Jesus: «Onde estão dois ou três reunidos em meu nome, ali estou Eu no meio deles» (Mateus 18,20).
Esta centralidade de Jesus na vida dos «Doze» está ainda referida no facto de regressarem a Ele e de a Ele apresentarem a «relação» de tudo o que aconteceu. Note-se que não fazem uma «relação» por alto, mas uma «relação» exaustiva: «de tudo». Tudo o que fizeram e ensinaram tinha, na verdade, Jesus como única referência.
Depois de noticiado este regresso a Jesus e da menção ao relatório exaustivo da missão, os «Doze» são, pela primeira vez, chamados «os Apóstolos» (hoi apóstoloi) (Marcos 6,30). E Jesus retoma agora a iniciativa, vinculando-os ainda mais, se assim se pode dizer, a si mesmo, convidando-os à comunhão com Ele («Vinde»), separando-os para o efeito da multidão que os apertava (Marcos 6,31). «E partiram na barca para um lugar deserto, à parte» (Marcos 6,32). No Evangelho de Marcos, a «barca» (tò ploîon) demarca um espaço privilegiado que Jesus partilha unicamente com os seus discípulos.
Fica-se unicamente pela barca a estreita comunhão de Jesus com os seus discípulos. É mesmo só a comunhão que sai realçada, pois nada nos é dito sobre nenhum particular assunto de conversa durante a viagem. Saídos na barca da pressão da multidão, ei-los que, ao sair da barca, estão de novo no meio da multidão. E o narrador lá está para nos dizer que «Ele viu» (eîden) (Marcos 6,34). É a quinta vez, neste Evangelho, que o narrador nos diz que Jesus «viu» (Marcos 1,10; 1,16; 1,19; 2,14; 6,34). A primeira vez, «viu» os céus abertos e o Espírito a descer (Marcos 1,10). A segunda vez, «viu» Simão e André (Marcos,1,16). A terceira vez, «viu» Tiago e João (Marcos 1,19). A quarta vez, «viu» Levi (Marcos 2,14). Nestas quatro primeiras vezes, este «ver» de Jesus desencadeia um agir novo e decisivo. Também agora, na quinta vez, o olhar de Jesus abre para uma página de sublime misericórdia (esplagchnísthê) (Marcos 6,34), que leva Jesus a reunir e abraçar aquela multidão de ovelhas sem pastor, e a ensiná-las demoradamente, dando resposta plena à preocupação de Moisés no deserto, à entrada da Terra Prometida, pedindo a Deus um novo guia «para que a comunidade do Senhor não seja como um rebanho sem pastor» (Números 27,17). Depois, Jesus repartirá com eles o pão. Primeiro, ensiná-los-á demoradamente. Depois, repartirá com eles o pão. O grão do espírito precede o grão de trigo.
Jeremias 23,1-6 constitui um marco, traça uma fronteira entre um tempo velho e a cair de podre, marcado por aquele «Ai (hôy) dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas» (Jeremias 23,1), que retoma aquele «Ai» que arrasa o tirano rei Joaquim (609-597), e o toma como paradigma dos maus pastores (Jeremias 22,11 e 18). O grande profeta de Anatôt vê bem a ruína dos poderosos, mas vê e sente na própria pele também a desgraça que se abate sobre os pobres, porque não há pastores bons e justos que lhes indiquem os caminhos a seguir. Jeremias, o profeta do ramo de amendoeira (Jeremias 1,11), não pode ficar com os olhos enterrados na lama, mas já vê vir, lá ao longe, um «Gérmen justo» (tsemah tsaddîq), um pastor bom e justo, que trará a salvação, e o seu nome será «YHWH, nossa justiça» (YHWH tsidqenû) (Jeremias 23,6). Este nome novo, no plural, atinge e condena também o rei Sedecias (tsidqiyah) (597-587), cujo nome significa «YHWH, minha justiça», no singular, e que, devido aos seus cambalachos políticos entre a Babilónia e o Egito, acarretou sobre o povo de Judá o desastre de 587. Mas é sobretudo notório que o «Gérmen justo», que receberá o nome de «YHWH, nossa justiça», da descendência de David e que salvará o seu povo, aponta já para Jesus, o Bom e Belo Pastor, que sente compaixão pelas suas ovelhas, como se vê no Evangelho de hoje.
Na lição da Carta aos Efésios 2,13-18, Paulo põe diante de nós todos, judeus e pagãos, a ação salvadora e unificadora de Jesus Cristo. Nele, na sua Cruz, no seu Corpo, novo Templo, não há mais lugar para separações, cai o muro que, no velho Templo, separava o átrio dos pagãos do átrio dos judeus. Jesus Cristo, aproximando-se de todos, aproximou-nos a todos, os de longe e os de perto, destruiu ódios e toda a espécie de barreiras, e estabeleceu a Paz entre nós. O Evangelho, que é Cristo, une, reúne, enlaça, entrelaça, gera fraternidade. Bem à vista no Evangelho de hoje.
Quanto ao mais, todo o tempo é tempo para nos deixarmos conduzir pela mão carinhosa e pela voz maternal e melodiosa do Bom e Belo Pastor, cantando o Salmo 23. Sim, Ele recebe bem os seus hóspedes: faz-nos uma visita guiada pelos seus prados muito verdes, cheios de águas muito azuis, unge com óleo perfumado a nossa cabeça, estende no chão do seu céu a «pele de vaca» (shulhan), que é a sua mesa, serve-nos vinhos generosos… É a alegria da nossa família reunida. Confessou o filósofo francês Henri Bergson: «As centenas de livros que li nunca me trouxeram tanta luz e conforto como os versos do Salmo 23».
Deixamos já aberta a página que se segue no Evangelho de Marcos: o pão, o pão, o pão! No texto grego, original, o nome «Jesus» aparece em Marcos 6,30, para reaparecer depois só, 89 versículos depois, em Marcos 8,27. Escritura sublime: desaparece o nome «Jesus» e a paisagem textual enche-se com o nome «pão» (21 vezes). Claríssimo convite a aprendermos a ver Jesus no pão! Mas nos próximos cinco Domingos (XVII a XXI), não leremos Marcos, mas João 6, que contém o grande discurso do pão da vida.
António Couto
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo XVI do Tempo Comum – Ano B – 21.07.2024 (Jer 23, 1-6)
- Leitura II do Domingo XVI do Tempo Comum – Ano B – 21.07.2024 (Ef 2, 13-18)
- Domingo XVI do Tempo Comum – Ano B – 21.07.2024 – Lecionário
- Domingo XVI do Tempo Comum – Ano B – 21.07.2024 – Oração Universal
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
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Domingo XV do Tempo Comum – Ano B – 14.07.2024
7Chamou os Doze, começou a enviá-los dois a dois e deu-lhes poder sobre os espíritos malignos. Mc 6,7
Viver a Palavra
Ser amado, escolhido e destinatário da predileção de alguém é sempre momento de um contentamento humano profundo e de uma alegria e felicidade que nos calam fundo no coração. Se nas nossas relações interpessoais esta experiência é consoladora e gratificante, bem maior deveria ser a nossa alegria e júbilo por tomarmos consciência de que somos homens e mulheres profundamente amados por Deus. Além disso, não somos amados por Deus como recompensa pelos nossos méritos, pelas nossas boas ações ou pela atenção que lhe dispensamos. O amor de Deus é infinito, gratuito e prévio a qualquer iniciativa da nossa parte.
No belíssimo hino que a Liturgia da Palavra nos oferece na segunda leitura, S. Paulo recorda-nos que somos abençoados por Deus por meio de Jesus Cristo e que Nele fomos escolhidos antes da criação do mundo. Somos obra das mãos de Deus e fomos inscritos desde o início no Seu desígnio universal de salvação. Deus escolhe-nos como escolheu Amós, Maria, os Doze Apóstolos, Paulo e tantos outros ao longo da história, porém a Sua escolha e eleição não é uma imposição, mas uma escolha da nossa liberdade, da nossa vida prenhe de possibilidades e decisões.
Deus escolhe a nossa liberdade, retira-nos de uma vida autocentrada e egocêntrica e desafia o nosso comodismo e as nossas seguranças. Convoca-nos para a missão porque livremente O aceitamos seguir, nos deixamos seduzir pelo Seu amor e fizemos a experiência do encontro único, íntimo e decisivo com a Sua misericórdia.
Ele envia-nos dois a dois como enviou os Doze Apóstolos, libertando-nos de uma opção missionária autocentrada. S. Gregório Magno, no seu comentário aos Evangelhos, ensina-nos que os discípulos são enviados dois a dois, porque são dois os mandamentos da caridade e só o amor a Deus e aos irmãos entrelaçados como um único amor numa dupla direção, poderá ser protagonista da nossa missão. Na verdade, estando sozinho, o homem é levado a duvidar até de si próprio. Ao invés, caminhar juntos, percorrer unidos a mesma estrada e levar o mesmo Senhor no coração constitui a primeira e grande pregação. A comunhão e unidade constroem e estruturam a missão. O enviado não é um aventureiro isolado, mas um promotor da comunhão.
As indicações de Jesus para o caminho são precisas e radicais: «ordenou-lhes que nada levassem para o caminho, a não ser o bastão: nem pão, nem alforge, nem dinheiro; que fossem calçados com sandálias, e não levassem duas túnicas». Nestas palavras de Jesus encontramos a certeza que na missão evangelizadora o mais importante a levar não são os bens materiais ou as nossas seguranças, mas a Palavra de Jesus que antecede, acompanha e aponta a missão. Contudo, que o sentido espiritual deste envio de Jesus não impeça de ver a radicalidade que estas palavras encerram. Jesus envia os discípulos desprovidos não apenas do supérfluo, mas mesmo do essencial que poderia tornar a missão humanamente mais eficiente e produtiva: provisões de comida para o alforge ou dinheiro na bolsa para fazer frente a qualquer necessidade urgente. Jesus situa a missão cristã dentro do radicalismo evangélico que testemunha que a nossa única segurança e providência se encontra em Jesus Cristo.
Amados, escolhidos e enviados como testemunhas do amor e da misericórdia do Pai só podemos proclamar como Paulo: «Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto dos Céus nos abençoou com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo».in Voz Portucalense
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O Domingo XV do Tempo Comum será dia de ordenações presbiterais na Diocese do Porto. O dia de ordenações para uma diocese é sempre dia de louvor e ação de graças ao Senhor da Messe que não cessa de enviar pastores para a Sua seara e que continua a conduzir a Igreja através de homens escolhidos para serem para os seus irmãos sinal de Cristo Cabeça e Pastor. As comunidades cristãs são convidadas a unirem-se neste dia de júbilo e de festa através da oração. É imperioso e necessário preparar este dia em comunhão orante, invocando sobre os neo-presbíteros o dom do Espírito Santo, podendo realizar-se momentos de oração comunitária agradecendo o dom dos que serão ordenados e pedindo ao Senhor que continue a despertar no coração dos jovens a docilidade de coração para o seguirem no ministério ordenado. As comunidades cristãs, sobretudo nas atividades de encerramento do ano catequético, podem organizar momentos de reflexão e testemunho vocacional, que ajudem as crianças, adolescentes e jovens a conhecer os diversos caminhos que o Senhor propõe para o serviço da Igreja e do Mundo.
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Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.
E faremos isso….
Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.
LEITURA I – Amós 7,12-15
Naqueles dias,
Amasias, sacerdote de Betel, disse a Amós:
«Vai-te daqui, vidente.
Foge para a terra de Judá.
Aí ganharás o pão com as tuas profecias.
Mas não continues a profetizar aqui em Betel,
que é o santuário real, o templo do reino».
Amós respondeu a Amasias:
«Eu não era profeta, nem filho de profeta.
Era pastor de gado e cultivava sicómoros.
Foi o Senhor que me tirou da guarda do rebanho e me disse:
‘Vai profetizar ao meu povo de Israel’».
CONTEXTO
Amós, o “profeta da justiça social”, exerceu o seu ministério profético no reino do Norte (Israel) em meados do séc. VIII a.C. (possivelmente, por volta de 762 a. C.), durante o reinado de Jeroboão II. É uma época de prosperidade económica e de estabilidade política: as conquistas de Jeroboão II alargaram consideravelmente os limites do reino e permitiram a entrada de tributos dos povos vencidos; o comércio e a indústria (mineira e têxtil) desenvolveram-se significativamente… As habitações da burguesia urbana atingiram um luxo e magnificência até então desconhecidos.
A prosperidade e o bem-estar das classes favorecidas contrastavam, porém, com a miséria de uma parte significativa da população do país. O sistema de distribuição estava nas mãos de comerciantes sem escrúpulos que, aproveitando o bem-estar económico, especulavam com os preços. Com o aumento dos preços dos bens essenciais, as famílias de menores recursos endividavam-se e acabavam por se ver espoliadas das suas terras em favor dos grandes latifundiários. A classe dirigente, rica e poderosa, dominava os tribunais e subornava os juízes, impedindo que o tribunal fizesse justiça aos mais pobres e defendesse os direitos dos menos poderosos.
Entretanto, a religião florescia num esplendor ritual nunca visto. Magníficas festas, abundantes sacrifícios de animais, um culto esplendoroso, marcavam a vida religiosa dos israelitas… O problema é que esse culto não tinha nada a ver com a vida: no dia a dia, os mesmos que participavam nesses ritos cultuais majestosos praticavam injustiças contra o pobre e cometiam toda a espécie de atropelos ao direito. Mais ainda: os ricos ofereciam a Deus abundantes ofertas, a fim de serenar as suas consciências culpadas e assegurar a cumplicidade de Deus para os seus negócios escuros… Além disso, a influência da religião cananeia estava a levar os israelitas para o sincretismo religioso: o culto a Javé misturava-se com rituais pagãos provenientes dos cultos a Baal e Astarte. Essa confusão religiosa punha em sérios riscos a pureza da fé javista.
É neste contexto que aparece o profeta Amós. Natural de Técua (uma pequena aldeia situada no deserto de Judá), Amós não é profeta de profissão; mas, chamado por Deus, deixa a sua terra, o seu trabalho e a sua família e parte para o reino vizinho (Israel) para gritar à classe dirigente a sua denúncia profética. A rudeza do seu discurso, aliada à integridade e afoiteza da sua fé, traz algo do ambiente duro do deserto e contrasta com a indolência e o luxo da sociedade israelita da época.
O episódio que a primeira leitura deste décimo quinto domingo comum nos relata leva-nos até ao santuário de Betel, no centro da Palestina. Trata-se de um lugar considerado sagrado, desde tempos imemoriais. De acordo com Gn 35,1-8, Jacob construiu aí um altar e dedicou-o a Javé. Mais tarde, Betel aparece como o local onde se reúne a assembleia de “todo o Israel” para “consultar Deus” (cf. Jz 20,18), para chorar diante de Deus a sua infelicidade (cf. Jz 20,26) e para se encontrar com Deus (cf. Jz 21,2). Tudo isto reflete a importância cultual do lugar.
Quando o Povo de Deus se dividiu em dois reinos, após a morte de Salomão (932 a.C.), os reis do norte (Israel) potenciaram o culto em Betel, para impedir que os seus súbditos se deslocassem a Jerusalém, situada no reino inimigo do sul (Judá), para se encontrarem com Deus. Então, Betel transformou-se numa espécie de “santuário oficial” do regime, onde o culto era financiado, em grande parte, pelo próprio rei. O sacerdote que presidia ao culto era uma espécie de “funcionário real”, encarregado de zelar para que os interesses do rei fossem defendidos, nesse local por onde passava uma parte significativa dos fiéis de Israel. Na época em que Amós exerce o seu ministério profético em Betel, o sacerdote encarregado do santuário era um tal Amasias.
Betel foi, portanto, um dos lugares onde se ouviu a denúncia profética de Amós. Aí o profeta criticou as injustiças cometidas pelo rei e pela classe dirigente; aí denunciou um culto que era aliado da injustiça e que procurava comprometer Deus com os esquemas corruptos dos poderosos.in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- O nosso caminho de todos os dias está semeado de obstáculos que nos fazem tropeçar, que nos mergulham no medo, que nos roubam a esperança. Sentimo-nos, a cada passo, inseguros e desprotegidos, sem saber por onde vamos e que garantias temos de chegar a porto seguro. Nesses momentos lembramo-nos de Deus e perguntamo-nos por onde andará Ele… Será que Deus desistiu de nós? Será que Ele fica indiferente diante dos nossos pequenos e grandes dramas? Será que Deus se recusa a interferir na história dos homens e assiste às nossas escolhas erradas sem mexer um dedo? O fenómeno profético diz-nos que Deus não se alheou da história e da vida dos seres humanos. Através dos “profetas”, Ele continua a vir ao nosso encontro, a falar-nos, a indicar-nos caminhos, a tentar dissuadir-nos de escolher caminhos de violência e de morte, a apontar-nos o sem sentido dos nossos valores errados, a abrir-nos horizontes de esperança. Os profetas são a voz e o rosto da solicitude de Deus pelos seus queridos filhos e filhas que peregrinam na terra. Estamos dispostos a escutar os profetas que nos trazem as indicações e propostas de Deus, mesmo quando a mensagem que proclamam vai contra a corrente e exige de nós tomadas de posição incómodas?
- O profeta é um homem de Deus. Escolhido por Deus, chamado por Deus, enviado por Deus, legitimado por Deus, o profeta tem Deus como a sua referência fundamental. Nenhuma pessoa se torna profeta por iniciativa própria ou para veicular propostas próprias. O profeta existe a partir de Deus e em função do serviço de Deus. Por isso, para ser um verdadeiro profeta, Ele deve manter uma ligação fundamental a Deus: deve escutar Deus e manter com Deus um diálogo permanente, a fim de conseguir discernir os projetos de Deus, antes de ir dizê-los aos homens. O profeta é, portanto, o homem da oração e da escuta da Palavra de Deus. Tem de manter uma ligação muito forte a Deus. Ora, nós crentes fomos constituídos profetas pelo Batismo. Foi-nos confiada a missão de dar testemunho de Deus e dos seus planos no mundo. Deus é a nossa referência? Encontramos tempo para falar com Ele, para escutar a sua Palavra, para tentar discernir os seus projetos?
- Amasias é o homem comodamente instalado nos seus privilégios e benesses, que cala a voz da própria consciência porque tem muito a perder e não quer arriscar; Amós é o profeta livre da preocupação com os bens materiais, que não está preocupado com a defesa dos próprios interesses, mas sim com a defesa intransigente dos interesses dos pobres e marginalizados, que são os interesses de Deus. A diferença entre os dois é a diferença entre aquele para quem os valores materiais são a prioridade fundamental e aquele para quem os valores de Deus são a prioridade fundamental. O verdadeiro profeta não pode colocar os bens materiais como a sua prioridade fundamental; se isso acontecer, perderá a sua liberdade profética e tornar-se-á um escravo de quem lhe paga. Enquanto profetas, quais são as nossas prioridades? Os interesses materiais, a salvaguarda da nossa posição ou da nossa imagem, a vontade de não ferir suscetibilidades, o comodismo e a instalação alguma vez nos impediram de cumprir a nossa missão profética?
- Este texto fala-nos também da promiscuidade entre a religião e o poder. Trata-se de uma combinação que não produz bons frutos (como, aliás, a história da Igreja tem demonstrado nas mais diversas épocas e lugares). A Igreja, para poder exercer com fidelidade a sua missão profética, tem de evitar colar-se aos poderosos e depender deles, sob pena de ser infiel à missão que Deus lhe confiou. Uma Igreja que está preocupada em não incomodar o poder para manter privilégios fiscais, ou para continuar a receber dinheiro para as instituições que tutela, será uma Igreja escrava, de mãos atadas, dependente, que está longe de Jesus Cristo e da sua proposta libertadora. Como vemos a missão profética que a Igreja é chamada a viver no mundo? Na nossa avaliação, essa missão vai-se cumprindo sem desvios nem transigências, na fidelidade radical ao Evangelho de Jesus? in Dehonianos.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 84 (85)
Refrão 1: Mostrai-nos, Senhor, o vosso amor
e dai-nos a vossa salvação.
Refrão 2: Mostrai-nos, Senhor, a vossa misericórdia.
Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis
e a quantos de coração a Ele se convertem.
A sua salvação está perto dos que O temem
e a sua glória habitará na nossa terra.
Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade,
abraçaram-se a paz e a justiça.
A fidelidade vai germinar da terra
e a justiça descerá do Céu.
O Senhor dará ainda o que é bom,
e a nossa terra produzirá os seus frutos.
A justiça caminhará à sua frente
e a paz seguirá os seus passos.
LEITURA II – Efésios 1,3-14
Bendito seja Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que do alto dos Céus nos abençoou
com toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.
N’Ele nos escolheu, antes da criação do mundo,
para sermos santos e irrepreensíveis,
em caridade, na sua presença.
Ele nos predestinou, de sua livre vontade,
para sermos seus filhos adotivos, por Jesus Cristo,
para que fosse enaltecida a glória da sua graça,
com a qual nos favoreceu em seu amado Filho.
N’Ele, pelo seu sangue,
temos a redenção, a remissão dos pecados.
Segundo a riqueza da sua graça,
que Ele nos concedeu em abundância,
com plena sabedoria e inteligência,
deu-nos a conhecer o mistério da sua vontade:
segundo o beneplácito que n’Ele de antemão estabelecera,
para se realizar na plenitude dos tempos:
instaurar todas as coisas em Cristo,
tudo o que há nos Céus e na terra.
Em Cristo fomos constituídos herdeiros,
por termos sido predestinados,
segundo os desígnios d’Aquele que tudo realiza
conforme a decisão da sua vontade,
para servir à celebração da sua glória,
nós que desde o começo esperámos em Cristo.
Foi n’Ele que vós também,
depois de ouvirdes a palavra da verdade,
o Evangelho da vossa salvação,
abraçastes a fé e fostes marcados pelo Espírito Santo prometido,
que é o penhor da nossa herança,
para a redenção do povo que Deus adquiriu
para louvor da sua glória.
CONTEXTO
A cidade de Éfeso, capital da Província romana da Ásia, estava situada na costa ocidental da Ásia Menor, a cerca de três quilómetros a sudoeste da moderna Selçuk, na província de Esmirna (Turquia). Era um dos principais centros comerciais e religiosos do mundo antigo. O seu importante porto e a sua numerosa população faziam de Éfeso uma cidade florescente. Era famosa pelo templo de Artémis, considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo, e pelo imponente teatro, que levava cerca de 25.000 pessoas.
Paulo passou em Éfeso no final da sua segunda viagem missionária (cf. Act 18,19-21). Mas foi mais tarde, durante a sua terceira viagem missionária, que ele se deteve na cidade (cf. At 19,1). Encontrou lá alguns cristãos escassamente preparados. Paulo procurou instruí-los e dar-lhes uma adequada formação cristã. De acordo com o Livro dos Atos dos Apóstolos, Paulo permaneceu na cidade durante um longo período (mais de dois anos, segundo At 19,10), ensinando na sinagoga e, depois, na “escola de Tirano” (At 19,9). Assim, reuniu à sua volta um número considerável de pessoas convertidas ao “Caminho” (At 19,9.23). Paulo viveu em Éfeso alguns momentos delicados, como o tumulto que se levantou contra ele quando foi acusado pelos comerciantes efésios de estar a destruir a fé em Artémis, pondo em causa o negócio de imagens da deusa (cf. Ef 19,23-40). Ainda de acordo com o autor dos Atos, foi aos anciãos da Igreja de Éfeso que Paulo confiou, em Mileto (cf. At 20,17-38), o seu testamento espiritual, apostólico e pastoral, antes de ir a Jerusalém, onde acabaria por ser preso. Tudo isto faz supor uma relação muito estreita entre Paulo e a comunidade cristã de Éfeso.
Curiosamente, a carta aos Efésios é bastante impessoal e não reflete essa relação. Alguns dos comentadores dos textos paulinos duvidam, por isso, que esta carta venha de Paulo. Outros, porém, acreditam que o texto que chegou até nós com o nome de “Carta aos Efésios” é um dos exemplares de uma “carta circular” enviada a várias igrejas da Ásia Menor, inclusive à comunidade cristã de Éfeso.
Em qualquer caso, a Carta aos Efésios apresenta-se como uma carta escrita por Paulo, numa altura em que o apóstolo está na prisão (em Roma?). O seu portador teria sido um tal Tíquico. Estamos por volta dos anos 58/60.
Alguns veem nesta carta uma espécie de síntese da teologia paulina, numa altura em que Paulo considerava ter terminado a sua missão no oriente. O tema mais importante da carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
O texto que nos é hoje proposto aparece no início da carta. É um hino litúrgico que deve ter circulado nas comunidades cristãs antes de ser enxertado aqui por Paulo. Pertence ao género da “bênção”, muito frequente na liturgia judaica. Expressa o louvor e o reconhecimento pelo maravilhoso projeto de salvação que Deus pôs em marcha. O hino tem uma estrutura trinitária: refere o projeto do Pai (cf. Ef 1,3-6), concretizada pelo Filho (cf. Ef 1,7-12), e selado do Espírito (cf. Ef 1,13-14).in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- Em pleno séc. XXI temos consciência, mais do que em qualquer outra época da história, das dimensões inabarcáveis deste universo, sempre em contínua expansão, onde Deus nos colocou. E nós, ao olhar para a imensidão do cosmos, sentimos especialmente a nossa pequenez de criaturas, finitas e limitadas; sentimo-nos pequenos grãos de pó perdidos num espaço cujos contornos nunca conseguiremos totalmente abarcar. Qual o nosso lugar e o nosso papel nesta fantástica arquitetura de Deus? Qual o nosso lugar no projeto de Deus para o universo? A propósito de tudo isto, o autor da Carta aos Efésios diz-nos algo muito belo e motivador: não somos um acidente de percurso na evolução inexorável do cosmos, nem somos imprestáveis grãos de pó perdidos na imensidão do universo; mas somos atores principais de uma história de amor que o nosso Deus sonhou e quis viver connosco… Deus “elegeu-nos” desde sempre, deu-nos um papel e um lugar centrais no seu projeto; e, ao longo da história, nunca se cansou de vir ao nosso encontro e de procurar relacionar-se connosco. No meio das nossas desilusões e dos nossos sofrimentos, da nossa finitude e do nosso pecado, dos nossos medos e dos nossos dramas, não esqueçamos que somos filhos amados de Deus, a quem Ele oferece continuamente a Vida definitiva, a verdadeira felicidade. Esta certeza alimenta a nossa peregrinação pela terra? Somos gratos a Deus por nos ter escolhido e amado, louvamo-l’O pela sua bondade e pelo seu amor?
- De acordo com o autor da Carta aos Efésios, Deus “elegeu-nos… para sermos santos e irrepreensíveis”. Os “santos” são aqueles que pertencem ao Deus santo, são aqueles que Deus chamou e consagrou para o seu serviço. Ora, essa consagração a Deus tem sempre implicações práticas. Requer que vivamos atentos a Deus, procurando descobrir e acolher os projetos que Ele tem para nós e para o mundo; implica procurarmos concretizar esses projetos, com verdade, fidelidade e radicalidade… Caminhamos pela vida conscientes desse chamamento que nos é feito à santidade? No meio das solicitações do mundo e das exigências da nossa vida profissional, social e familiar, conseguimos encontrar tempo para Deus, para dialogar com Ele e para tentar perceber os seus projetos e propostas? Temos disponibilidade e vontade de concretizar a “obra de Deus”, mesmo quando ela não parece conciliável com os nossos interesses pessoais?
- O hino da Carta aos Efésios que a liturgia deste domingo nos trouxe afirma a centralidade de Cristo nesta história de amor que Deus quis viver connosco… Jesus veio ao nosso encontro, mostrou-nos o amor que o Pai nos tem e deu-nos a conhecer o “mistério” da sua vontade. Ele apontou-nos o caminho que devemos percorrer para nos tornarmos “filhos de Deus”, herdeiros da Vida eterna. Cristo, o nosso irmão, o Deus que se fez um de nós e caminhou no meio de nós, é a nossa grande referência. Estamos conscientes disso e caminhamos atrás de Jesus, sem o perder de vista? As suas palavras e os seus gestos são para nós a suprema indicação do caminho que devemos percorrer? Aqueles que caminham pelo mundo ao nosso lado encontram nos nossos gestos e atitudes sinais vivos do amor de Deus revelado em Jesus? in Dehonianos.
EVANGELHO – Marcos 6,7-13
Naquele tempo,
Jesus chamou os doze Apóstolos
e começou a enviá-los dois a dois.
Deu-lhes poder sobre os espíritos impuros
e ordenou-lhes que nada levassem para o caminho,
a não ser o bastão:
nem pão, nem alforge, nem dinheiro;
que fossem calçados com sandálias,
e não levassem duas túnicas.
Disse-lhes também:
«Quando entrardes em alguma casa,
ficai nela até partirdes dali.
E se não fordes recebidos em alguma localidade,
se os habitantes não vos ouvirem,
ao sair de lá, sacudi o pó dos vossos pés
como testemunho contra eles».
Os Apóstolos partiram e pregaram o arrependimento,
expulsaram muitos demónios,
ungiram com óleo muitos doentes e curaram-nos.
CONTEXTO
Desde os primeiros instantes do seu ministério apostólico, Jesus aparece rodeado de discípulos. Esses discípulos – alguns pescadores do lago de Tiberíades, um cobrador de impostos chamado Mateus, um zelote chamado Simão, entre outros – formavam um grupo bastante heterogéneo. Eram homens e mulheres de origens diversas que tinham abandonado, pelo menos durante algum tempo, as suas casas, as suas famílias, as suas profissões, para acompanhar Jesus na sua atividade de profeta itinerante, pelas aldeias e vilas da Galileia. Eles seguiam Jesus, partilhavam a Sua vida, escutavam a mensagem que Ele ia repetindo de terra em terra, admiravam-se com os gestos curadores que Ele fazia, surpreendiam-se com a forma como Ele acolhia os pecadores e aqueles que a sociedade condenava, ajudavam-no a acolher as multidões… No final de cada dia, depois de a multidão ter ido embora, eles sentavam-se com Jesus e conversavam longamente… Era com eles que Jesus partilhava, de forma mais próxima, o seu sonho do Reino de Deus.
No entanto, estes discípulos não eram apenas os companheiros de jornada de Jesus na etapa da Galileia. Aos poucos, Jesus ia-os preparando para serem seus colaboradores na construção do Reino de Deus. Aliás, Ele tinha dito aos primeiros que O seguiram que contava com eles para serem “pescadores de homens” (Mc 1,17). A tarefa que lhes ia ser confiada consistia em libertar do mar do sofrimento, da opressão e da morte todos os homens e mulheres que aí estivessem mergulhados. Na verdade, tratava-se da mesma missão que o Pai do céu confiara a Jesus: proclamar a salvação de Deus a todos aqueles que necessitam de ser salvos.
A dada altura, de entre todos os discípulos que O seguiam, Jesus escolheu um grupo especial de doze. Eram, de entre os discípulos, o núcleo mais importante, os mais chegados a Jesus. Jesus chamou-os “para estarem com Ele e para os enviar a proclamar, com autoridade para expulsar os demónios” (Mc 3,14-15). A esses doze Marcos chama “apóstolos” (“enviados”). O número doze é simbólico. Era o número das doze tribos de Israel. Ao constituir este grupo de doze apóstolos, Jesus estaria a sinalizar o nascimento de um novo Povo de Deus. in Dehonianos
INTERPELAÇÕES
- A questão central, incontornável, no evangelho deste décimo quinto domingo comum é que Jesus associa os seus discípulos à missão que o Pai lhe confiou: anunciar, testemunhar, construir o Reino de Deus. Os discípulos que seguem Jesus e que o acompanham desde a Galileia a Jerusalém não são uma associação pia que se reúne de quando em quando para um momento de oração, mas são homens e mulheres com que Jesus conta e que Jesus envia para serem arautos de um mundo novo, de um mundo transformado. Trata-se de uma realidade que nós, discípulos de Jesus, não deveríamos esquecer. O nosso seguimento de Jesus concretiza-se na missão, uma missão que implica testemunho e intervenção no mundo. Como é que encaramos o nosso compromisso com Jesus e com o seu projeto? Somos cristãos de rituais, que se limitam a “espreitar” Jesus em certos momentos de oração e de celebração comunitária dentro dos espaços protegidos dos nossos templos, ou somos discípulos comprometidos, que aceitam ser enviados às periferias da vida para testemunhar e construir, com gestos concretos, o Reino de Deus?
- Qual é a missão dos discípulos de Jesus? É libertar e curar; é lutar objetivamente contra tudo aquilo que escraviza o homem, que o impede de ser feliz, que lhe rouba a Vida. É uma missão sempre atual, sempre necessária. O nosso mundo mantém estruturas que geram guerra, violência, terror, morte: a missão dos discípulos de Jesus é desmontá-las; o nosso mundo aposta em “valores” – frequentemente apresentados como o “último grito” da moda, do avanço cultural ou científico, das conquistas civilizacionais – que produzem escravidão, alienação, sofrimento: a missão dos discípulos de Jesus é recusá-los e denunciá-los; o nosso mundo aceita esquemas de exploração – disfarçados de sistemas económicos geradores de bem estar – que criam miséria, marginalização, debilidade: a missão dos discípulos de Jesus é combatê-los; o nosso mundo pactua com ideologias desumanas, que potenciam o racismo, a exclusão, a indiferença: a missão dos discípulos de Jesus é contestá-las. Aceitamos estes desafios?
- Jesus é a fonte, o inspirador e o modelo de ação dos seus enviados. É de Jesus que eles recebem autoridade para se apresentarem ao mundo como arautos do Reino. Eles devem atuar ao estilo de Jesus, com o amor e a solicitude de Jesus, dando testemunho, com gestos concretos, da ternura e da bondade de Deus para com todos os seus filhos. Eles não atuam em nome próprio nem proclamam as suas teorias pessoais, mas propõem o Evangelho de Jesus, o Evangelho do Reino. Ora, para que isso seja possível, esses enviados têm de manter-se vinculados a Jesus. Têm de manter com Ele uma relação viva, próxima, apaixonada, alimentada pelo encontro pessoal com Jesus. Se isso não acontecer, esses enviados facilmente se tornam gestores egoístas de projetos pessoais ou funcionários descomprometidos que executam um trabalho mecânico e sem alma. Nós, discípulos e enviados de Jesus, mantemo-nos ligados a Ele? Renovamos cada dia a nossa adesão a Ele e ao seu projeto? Confrontamo-nos com a sua Palavra e deixamo-nos questionar por ela? Encontramo-nos com Jesus e os outros irmãos da comunidade à mesa da Palavra e do Pão e acolhemos a Vida que Ele nos oferece e que somos convidados a levar ao mundo?
- Jesus apenas autoriza os seus enviados a levarem para o caminho um cajado, sandálias e uma túnica. Ele considera que quanto mais livres e despojados os discípulos se apresentarem, mais convincentes serão como testemunhas do Reino de Deus. No entanto, esta lógica parece ainda não nos ter convencido… Vinte e um séculos depois de Jesus, continuamos a interessar-nos por postos e lugares que nos assegurem autoridade e poder; continuamos a agarrar títulos que possam dar-nos prestígio social; continuamos a montar estruturas e estratégias que nos proporcionem visibilidade e capacidade de intervenção; continuamos a procurar recursos económicos que financiem os nossos projetos e nos permitam combater os “filhos das trevas”. É evidente que vivemos neste mundo e temos de ser realistas… Mas, em última análise, a abundância de meios será útil ou será prejudicial para a causa do Reino de Deus? A preocupação com o “ter” não roubará aos discípulos espaço, disponibilidade e liberdade para se lançarem na aventura do anúncio do Reino? A preocupação com os bens materiais, com as honras e privilégios, não poderá levar os discípulos a calarem-se perante a maldade e a injustiça, a fim de preservarem os seus interesses económicos e os seus benefícios particulares?
- O testemunho e a construção do Reino de Deus são o grande desafio que Jesus deixou aos seus seguidores. No entanto, todos nós, discípulos de Jesus, sabemos como é difícil que o nosso testemunho seja escutado e acolhido. Sentimos que temos uma ótima proposta para apresentar, mas que essa proposta nem sempre encontra o acolhimento que merece; parece que, por muito que nos esforcemos, o “mundo” não está interessado no testemunho que damos de Jesus. Porquê? A culpa é da sociedade e dos valores vigentes, ou é da forma como damos testemunho? O que é que torna pouco convincente e pouco credível aquilo que anunciamos? in Dehonianos
Para os leitores:
Na primeira leitura ter em atenção as palavras de mais difícil pronunciação e menos usuais: Amasias (deve ler-se: Amazias); Betel (deve ler-se: Betél) e Sicómoros (deve acentuar-se apenas a sílaba tónica: có).
A segunda leitura é um hino litúrgico das primeiras comunidades cristãs de louvor e ação de graças. A sua proclamação deve ser feita com a solenidade de um hino, mas também com atenção às pausas e respirações sobretudo nas frases mais longas e com diversas orações.
I Leitura: (ver anexo)
II Leitura: (ver anexo)
Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.
EXCESSO DE MEIOS, MÍNGUA DE FINS
O Evangelho deste Domingo XV do Tempo Comum, que narra o envio em missão dos «Doze» (Marcos 6,7-13), situa-se estrategicamente entre a rejeição de Jesus na sua pátria (Marcos 6,1-6) e o martírio de João Batista (Marcos 6,14-29). O contexto é, pois, claro, intenso e dramático acerca do destino dos missionários: entre a rejeição e martírio. Mas este destino sai ainda acentuado se tivermos em conta que o martírio do João Batista (Marcos 6,14-29) está colocado entre o envio em missão dos «Doze» (Marcos 6,7-13) e o seu regresso (Marcos 6,30). Dado o contexto, não é possível evitar o entrelaçamento de destinos de Jesus, João Batista e os missionários. Em todos os casos, a rejeição e o martírio derivam do facto de as pessoas (nós) não acreditarem que a missão (claríssimo no caso de Jesus) provém de Deus!
Mas este envio em missão dos «Doze» também não pode deixar de ser visto no seguimento de Marcos 3,13-15, em que, do cimo da montanha, Jesus chama os que quer (fórmula de eleição), deles faz «Doze» (belíssima fórmula de criação), para estarem com Ele (fórmula de aliança e de assistência), e, finalmente, para Ele os enviar (fórmula de missão). Bem se vê que o texto deste Domingo torna operativo este último aspeto, sem anular, diminuir ou diluir aquele fortíssimo «estar com Ele». Na verdade, quando regressarem da missão, todos se reúnem à volta de Jesus (Marcos 6,30), que é assim apresentado como o marco e a referência fundamental da vida deles e da nossa.
Quer através dos verbos narrativos, quer dos elocutivos, fica claro que a iniciativa da missão dos «Doze» é de Jesus, que é o verdadeiro Senhor da missão: é Ele que chama para a missão, que envia em missão, que dá autoridade para o serviço da missão (Marcos 6,7-8), que define a leveza do equipamento (Marcos 6,8-10) e o comportamento a assumir no serviço da missão (Marcos 6,10-11). Note-se bem aquelas levíssimas recomendações negativas: nada para o caminho, nem pão, nem alforge, nem dinheiro (Marcos 6,8). É fácil de ver que estas disposições tornam os «Doze» mais pobres, materialmente falando, do que os destinatários a quem são enviados. Assumidamente, não é o volume das coisas a medida do mundo dos discípulos de Jesus.
Este despojamento, ou empobrecimento, ou leveza, está na base da credibilidade da mensagem que devem transmitir. O narrador anota no final que os «Doze» cumpriram as diretivas de Jesus (Marcos 6,12-13). Bela maneira de testemunhar que o dizer de Jesus tem, sobre os missionários, carácter performativo: na verdade, não tendo nada de próprio para oferecer, limitam-se a desempenhar o encargo recebido e a transmitir a mensagem a eles confiada. O uso do verbo «anunciar» (kêrýssô), que significa transmitir, não a própria opinião, mas ser simplesmente arautos ou mensageiros transparentes do seu Senhor, define os «Doze» como completamente dependentes de Jesus. E a exiguidade do equipamento é para realçar a absoluta importância da mensagem, e que não se podem ocupar de nenhum outro negócio.
A lição do profeta Amós (7,12-15), que hoje temos também a graça de escutar, ilustra bem o Evangelho de hoje. Amós era provavelmente um importante criador de gado e agricultor bem-sucedido ao serviço do grande rei Ozias (787-736), sem dúvida o maior rei de Judá em termos de visão política e desenvolvimento, grande amante da terra e que em muito desenvolveu a agricultura, como se pode ver na descrição do Cronista (2 Crónicas 26,10). Amós seria, como diz a maioria dos estudiosos de hoje, um alto funcionário agrícola de Ozias. Mas quando Deus «pegou» nele, também Amós se despiu da riqueza da sua vida regalada e bem-sucedida, e foi para o Reino de Israel, do Sul para o Norte, equipado apenas com a mensagem que Deus o incumbiu de anunciar. Amós tinha, portanto, a sua profissão de grande agricultor e criador de gado, que lhe assegurava uma vida tranquila e sem percalços. Mas foi-lhe por Deus dada uma vocação e confiada uma missão. Nesse dia, acaba o profissional, o funcionário, e nasce o profeta. «Profeta» não é uma profissão, uma função ou uma herança. Não passa de pai para filho. É uma vocação e uma missão. E é a Palavra de Deus que, irrompendo sobre alguém, marca um final e um começo novo, constituindo-o profeta: «Não era profeta eu, nem filho de profeta eu, mas o Senhor…» (Amós 7,14-15).
Também São Paulo é modelo insigne de quem se sabe amado e escolhido por Deus desde a eternidade, desde antes de antes (Efésios 1,3-14). Por isso, não resmunga, mas exulta e exalta o único verdadeiro Senhor da sua vida, de quem dá a conhecer os desígnios da sua vontade, para que também nós o possamos servir e amar de coração inteiro.
João Batista, Jesus, os «Doze», Amós, Paulo, os missionários. São todos figuras em contracorrente de uma sociedade rica, insensível, anestesiada, medicada, dormente, autossuficiente, auto referente e indiferente. Porque sabe que é rica, é que se sente agora em crise! Estranha crise. Os textos de hoje ensinam-nos que a boa e verdadeira crise é desencadeada em nós pela Palavra de Deus. Só, de facto, Deus, Primeiro e Último, pode pôr em crise o segundo e penúltimo. Infelizmente, a crise que por aí anda parte do penúltimo e quer pôr em crise o Último. Edmund Pellegrino, médico e filósofo da medicina, recentemente falecido (2013), já nos tinha advertido seriamente que, no campo da medicina, há excesso de meios e míngua de fins. Mas podemos, sem medo de errar, alargar a análise de Edmund Pellegrino a todas as áreas da nossa sociedade de hoje, e dizer que vivemos na «noite do mundo», mergulhados numa cultura de excesso de meios e míngua de fins!
Escutemos, por isso, mais um pequeno extrato da Palavra pertinente do Profeta de hoje: «Eis que virão dias, oráculo do Senhor, em que enviarei a fome à terra; não fome de pão nem sede de água, mas de ouvir a Palavra do Senhor. Cambalearão de um mar a outro mar, andarão errantes do Norte até ao nascente, à procura da Palavra do Senhor, mas não a encontrarão» (Amós 8,11-12).
O Salmo 85 é um canto de júbilo pela restauração pós-exílica operada por Deus em favor do seu Povo maravilhado e agradecido. Com Deus, que vem viver e caminhar connosco, vem a paz, a justiça, a verdade, a fidelidade, a salvação, o bem. A nossa terra exulta. O nosso coração exulta. Mas também hoje podemos cantar esta ação maravilhosa de Deus, que sabe sempre renovar a nossa vida e a nossa história, mesmo quando, em pleno exílio, pouco vemos. O grande filósofo e místico hebreu, Abraham Joshua Heschel (1907-1972), já nos lembrava, há uns anos, que «estamos a perder a capacidade de cantar». E o famoso poeta inglês John Milton (1608-1674) lerá assim os versos 9-14 do nosso Salmo 85 numa Ode natalícia, datada de 1629: «Sim, Fidelidade e Justiça, então, / voltarão para junto dos homens, / envoltas num arco-íris, e, gloriosamente vestida, / a Bondade sentar-se-á no meio…/ E o céu, como para uma festa, / escancarará as portas do seu palácio excelso». Em consonância com Isaías, que grita: «Destilai, céus, lá do alto, e que as nuvens façam chover a justiça, que se abra a terra e germine a salvação, e ao mesmo tempo faça brotar a justiça». E a assinatura: «Eu, o Senhor, criei isto!» (Isaías 45,8). Mundo novo à vista.
António Couto
ANEXOS:
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- Leitura I do Domingo XV do Tempo Comum – Ano B – 14.07.2024 (Am 7, 12-15)
- Leitura II do Domingo XV do Tempo Comum – Ano B – 14.07.2024 (Ef 1, 3-14)
- Domingo XV do Tempo Comum – Ano B – 14.07.2024 – Lecionário
- Domingo XV do Tempo Comum – Ano B – 14.07.2024 – Oração Universal
- ANO B – O ano do evangelista Marcos
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Domingo XIV do Tempo Comum – Ano B – 07.07.2024
1E partiu dali. Foi para a sua terra, e os discípulos seguiam-no. 2Chegado o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Os numerosos ouvintes enchiam-se de espanto e diziam: «De onde é que isto lhe vem e que sabedoria é esta que lhe foi dada? Como se operam tão grandes milagres por suas mãos? 3Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?» E isto parecia-lhes escandaloso.
4Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e em sua casa.» 5E não pôde fazer ali milagre algum. Apenas curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos. 6Estava admirado com a falta de fé daquela gente. Mc 6, 1-6
Viver a Palavra
Se há marca que perpassa todo o Evangelho ao longo dos séculos é a da estupefação. O evangelho que a Liturgia da Palavra deste Domingo nos propõe é exemplo acabado disso. Os habitantes de Nazaré estão admirados com tudo o que sai da boca de Jesus e com a novidade que brota do Seu ensinamento. Jesus espanta-se com a falta de fé daquela gente. E nós, dois mil anos depois, estamos estupefactos com a resistência de coração dos patrícios de Jesus e com a atitude do «carpinteiro, Filho de Maria» que devido à fala de fé daquela gente opera apenas algumas curas e segue o Seu caminho.
O entusiasmo desvanece facilmente e, no itinerário crente, desafia à fidelidade que se constrói pela perseverança e pela capacidade de se deixar surpreender pelo devir dos dias e pela banalidade do nosso quotidiano. Os habitantes de Nazaré ao ouvirem Jesus não conseguem esconder o espanto pelas palavras que Ele dirige e, ao verem os Seus milagres, não conseguem ficar indiferentes aos prodígios por Ele realizados. Contudo, depressa passam do assombro ao menosprezo: «De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos? Não é Ele o carpinteiro, filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?».
Jesus abre o Seu coração e manifesta o seu descontentamento: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa». Todo o desprezo e rejeição são difíceis gerir, porém, o desprezo daqueles que nós conhecemos, que viveram e conviveram connosco e que nos viram crescer, torna-se assim mais difícil de gerir.
Mas Jesus é mesmo o «carpinteiro, filho de Maria», o «irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão» e «as suas irmãs estão aqui entre nós». Como é que algo de tão maravilhoso e espantoso pode acontecer na vida de quem conhecemos tão bem, de quem vimos crescer, até ajudamos a andar e pegamos Nele ao colo? É o espanto do mistério da incarnação! Deus faz-se homem, assume a nossa frágil humanidade e percorre os caminhos da nossa história. Em Jesus Cristo, Deus diz-se em linguagem humana e revela-se com mãos de carpinteiro, com sede e com fome, cansado e sofredor. Mas como é belo e consolador contemplar um Deus que toma a iniciativa de se dar a conhecer assumindo as alegrias e esperanças, os dramas e sofrimentos de cada homem e de cada mulher.
É fácil ficar admirado e espantado com um Deus que põe os cegos a ver, os coxos a andar, que ressuscita os mortos, que manda calar os ventos e as tempestades… Contudo, o nosso caminho de fé, ainda que possa ter início com um evento marcante e surpreendente, alimenta-se, cresce e fortalece-se no encontro com Jesus Cristo no quotidiano da nossa existência.
Amar e reconhecer a divindade de Jesus Cristo exige entrar no mistério da Sua humanidade. Mais, implica reconhecer que a