Mensagem do Papa Francisco por ocasião do evento ECONOMY OF FRANCESCO – Assis 6 a 8 outubro 2023

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO
POR OCASIÃO DO EVENTO “ECONOMY OF FRANCESCO”

[Assis, 6-8 de outubro de 2023]

Caríssimas e caríssimos jovens

É bom encontrar-vos um ano depois do evento de Assis e saber que o vosso trabalho para reanimar  a economia prossegue com fruto, entusiasmo e empenho.

Já me ouvistes dizer muitas vezes que a realidade é superior à ideia (EG 217-237). No entanto, as ideias inspiram e há uma que, desde os meus tempos de jovem estudante de teologia, me fascina. Em latim, chama-se coincidentia oppositorum, ou seja, a unidade dos contrários. De acordo com esta ideia, a realidade é feita de polos opostos, de pares que se opõem entre si. Alguns exemplos são o grande e o pequeno, a graça e a liberdade, a justiça e o amor, etc. O que fazer com estes opostos? Certamente pode-se procurar escolher um e eliminar o outro. Ou, como sugeriam os autores que eu estudava, na tentativa de conciliar os opostos, poder-se-ia fazer uma síntese, evitando a eliminação de um polo ou de outro, para resolvê-los num plano superior, onde, no entanto, a tensão não seja eliminada.

Caros jovens, toda a teoria é parcial, limitada, não pode pretender encerrar ou resolver completamente os opostos. Assim é também todo o projeto humano. A realidade escapa sempre. Então, como jovem jesuíta, esta ideia da unidade dos opostos pareceu-me um paradigma eficaz para compreender o papel da Igreja na história. Mas se pensarmos bem, é útil para compreender o que se passa na economia atual. O grande e o pequeno, a pobreza e a riqueza e muitos outros opostos existem também na economia. A economia são as bancas do mercado, assim como os centros da finança internacional; há a economia concreta, feita de rostos, de olhares, de pessoas, de pequenos bancos e empresas, e há a economia tão grande que parece abstrata das multinacionais, dos Estados, dos bancos, dos fundos de investimento; há a economia do dinheiro, dos bónus e dos salários altíssimos ao lado de uma economia do cuidado, das relações humanas, dos salários demasiado baixos para se poder viver bem. Onde está a coincidência entre estes opostos? Encontra-se na natureza autêntica da economia: ser um lugar de inclusão e de cooperação, uma geração contínua de valor a criar e a fazer circular com os outros. O pequeno precisa do grande, o concreto do abstrato, o contrato da dádiva, a pobreza da riqueza partilhada.

Mas, não vos esqueçais, há oposições que não geram qualquer harmonia. A economia que mata não coincide com a economia que faz viver; a economia de enormes riquezas para poucos não se harmoniza interiormente com os demasiados pobres que não têm onde viver; o gigantesco negócio das armas nunca terá nada em comum com a economia da paz; a economia que polui e destrói o planeta não encontra síntese alguma com a que o respeita e preserva.

É precisamente nesta tomada de consciência que reside o coração da nova economia a favor da qual estais comprometidos. A economia que mata, que exclui, que polui, que produz a guerra, não é economia: outros chamam-lhe economia, mas é apenas um vazio, uma ausência, é uma doença, uma perversão da própria economia e da sua vocação. As armas produzidas e vendidas para as guerras, os lucros obtidos à custa da pele dos mais vulneráveis e indefesos, como aqueles que deixam a sua terra em busca de um futuro melhor, a exploração dos recursos e dos povos que roubam a terra e a saúde: tudo isto não é economia, não é um bom polo da realidade, a manter. É apenas prepotência, violência, é apenas um esquema predatório do qual libertar a humanidade.

Gostaria de vos propor uma segunda ideia que me é muito cara, ligada ao que acabo de vos dizer sobre as tensões no seio da economia: a economia da terra e a economia do caminho. A economia da terra vem do primeiro significado da palavra economia, o de cuidar da casa. A casa não é apenas o lugar físico onde vivemos, mas é a nossa comunidade, as nossas relações, são as cidades que habitamos, as nossas raízes. Por extensão, a casa é o mundo inteiro, o único que temos confiado a todos nós. Pelo simples facto de termos nascido, somos chamados a tornar-nos guardiães desta casa comum e, portanto, irmãos e irmãs de todos os habitantes da terra. Fazer economia significa cuidar da casa comum, e isso não será possível se não tivermos olhos treinados para ver o mundo a partir das periferias: o olhar dos excluídos, dos últimos. Até agora, o olhar sobre a casa que se impôs foi o dos homens, do masculino, geralmente do Ocidente e do Norte do mundo. Deixámos de fora durante séculos — entre outros — o olhar das mulheres: se elas estivessem presentes, ter-nos-iam feito ver menos mercadorias e mais relações, menos dinheiro e mais redistribuição, mais atenção aos que têm e aos que não têm, mais realidade e menos abstração, mais corpo e menos mexericos. Não podemos continuar a excluir os olhares diferentes da prática e da teoria económica, bem como da vida da Igreja. Por isso, uma alegria especial para mim é ver quantas mulheres jovens são protagonistas da The Economy of Francesco. A economia integral é aquela que se faz compara os pobres — em todas as formas de ser pobre hoje — os excluídos, os invisíveis, aqueles que não têm voz para se fazerem ouvir. Precisamos de estar lá, nas linhas de fratura da história e da existência e, para aqueles que se dedicam ao estudo da economia, também nas periferias do pensamento, que não são menos importantes. Perguntemo-nos então: quais são hoje as periferias da ciência económica? Não basta um pensamento sobrepara os pobres, mas com os pobres, com  os excluídos. Até na teologia, muitas vezes “estudámos os pobres”, mas estudámos pouco “com os pobres”: de objeto de ciência, devem tornar-se sujeitos, porque cada pessoa tem histórias para contar, tem um pensamento sobre o mundo: a primeira pobreza dos pobres é serem excluídos de ter uma palavra a dizer, excluídos da própria possibilidade de exprimir um pensamento considerado sério. Trata-se de dignidade e respeito, demasiadas vezes negados.

Eis então a economia do caminho. Se olharmos para a experiência de Jesus e dos primeiros discípulos, ela é a do “Filho do homem que não sabe onde reclinar a cabeça” (Lc  9). Uma das formas mais antigas de descrever os cristãos era: “os que estão a caminho”. E quando Francisco de Assis, que nos é tão querido, começou a sua revolução, também económica, só em nome do Evangelho, voltou mendigo, errante: pôs-se a caminho, deixando a casa do seu pai Bernardone. Qual o caminho, então, para quem quer renovar a economia a partir das raízes? O caminho do peregrino sempre foi arriscado, entrelaçado com a confiança e a vulnerabilidade. Quem o empreende tem de reconhecer rapidamente a sua dependência dos outros ao longo do caminho: assim, compreende que também a economia é mendiga de outras disciplinas e conhecimentos. E assim como o peregrino sabe que o seu caminho será poeirento, também vós sabeis que o bem comum exige um empenhamento que suja as mãos. Só as mãos sujas sabem mudar a terra: vive-se a justiça, encarna-se a caridade e, solidários nos desafios, persevera-se corajosamente neles. Ser economistas e empresários “de Francisco” hoje significa necessariamente ser mulheres e homens de paz: não se dar paz pela paz.

Queridos jovens, não tenhais medo das tensões e dos conflitos, procurai habitá-los e humanizá-los, todos os dias. Confio-vos a tarefa de guardar a casa comum e de ter a coragem do caminho.

É difícil, mas sei que o conseguireis porque já o estais a fazer. Sei que não é imediato inserir os vossos esforços e partilhar os vossos sonhos nas vossas Igrejas e nas realidades económicas dos territórios que habitais. A realidade parece já configurada, muitas vezes tão impermeável como um solo sobre o qual não chove há demasiado tempo. Não vos faltem a paciência e o engenho para vos dardes a conhecer e para estabelecerdes progressivamente ligações mais estáveis e fecundas. O desejo de um mundo novo é mais generalizado do que parece. Não vos fecheis em vós próprios: os oásis no deserto são lugares a que todos devem ter acesso, encruzilhadas onde se pode parar e de onde se pode voltar a partir diferentes. Por isso, mantende-vos abertos e procurai os vossos colegas, os vossos bispos, os vossos concidadãos com determinação e entusiasmo. E nisto, repito, que os pobres estejam convosco. Dai voz e forma a um povo, porque a concretude da economia e as soluções que estais a estudar e a experimentar dizem respeito à vida de todos. Hoje há mais espaço para vós do que parece. Por isso, peço-vos que vos mantenhais ativamente unidos, construindo verdadeiras pontes entre os continentes sobre questões operacionais, que libertem definitivamente a humanidade da era colonial e das desigualdades. Dai rostos, conteúdos e projetos a uma fraternidade universal. Sede pioneiros a partir da vida económica e empresarial do desenvolvimento humano integral.

Confio em vós e, nunca vos esqueçais: amo-vos muito.

Francisco

 

Mensagem do Papa Francisco por ocasião do evento ECONOMY OF FRANCESCO – Assis 6 a 8 outubro 2023