ANO B – O Ano do evangelista Marcos

ANO LITÚRGICO 2023/2024

ANO B – O Ano do evangelista Marcos

Evangelho de Marcos:

– É o primeiro a ser escrito. Ainda há muita memória da história e vida do Jesus de Nazaré histórico;
– É o Evangelho que começa no Batismo de Jesus;
– É o Evangelho mais pequeno – 16 Capítulos;
– Este Evangelho foi escrito, quase seguramente, em Roma;
– É um Evangelho onde Jesus é de poucas palavras… mais de ações;
– É o Evangelho do Jesus que toca, que diz quero – que vejas, que andes, que fales e ouças, que fiques sem
 lepra, que fiques sem os demónios que te apoquentam, etc…

Evangelho de Mateus:

– É o Evangelho maior em capítulos – 28 Capítulos (mas não o mais extenso);
– Foi construído sobre o Evangelho de Marcos. Leva-nos até Abraão;
– É um dos 2 Evangelhos – o outro é Lucas – que trata a infância de Jesus;
– Onde Jesus está quase sempre a falar, a fazer longos e belos discursos;
– Veja-se o Sermão da Montanha: começa no Capítulo 5 e só termina no final do Capítulo 7;
– É o Evangelho do Jesus que fala para os hebreus/judeus cristãos;
– É o Evangelho do Jesus que mais ligações faz ao A.T.;
– É o Evangelho de Jesus em modo de utilizador do A.T. versus a Nova Aliança.

Evangelho de Lucas:

– É o Evangelho do meio – 24 Capítulos (mas o maior em extensão);
– Foi, também, construído sobre o Evangelho de Marcos – Leva-nos até Adão;
– É um dos 2 Evangelhos – o outro é Mateus – que trata a infância de Jesus;
– Onde Jesus está quase sempre a contar estórias – as Parábolas;
– As Parábolas nos Evangelhos Sinóticos – ao todo são 40. Só no Evangelho de Lucas encontramos 29 e destas 16 só estão no Evangelho de Lucas;
– É o Evangelho do Jesus que fala para os pagãos, como nós, mas fundamentalmente para os gregos/ helenistas;
– É um Evangelho literariamente muito bem elaborado.

Evangelho de João:
– É um Evangelho não Sinótico – 21 Capítulos;
– Foi construído fora dos Sinóticos e vendo mais longe – leva-nos até Deus;
– É um Evangelho onde Jesus “adora” conversar. Começa sempre em forma de diálogo e termina em monólogo ensurdecedor. É um Jesus de catequeses;
– É o Evangelho dos Sinais – São 7, como não podia deixar de ser:
             – As Bodas de Caná;
             – A cura do filho do funcionário real;
             – A cura do paralíptico junto à piscina de Betzata;
             – Jesus caminha sobre as águas;
             – A mulher adúltera; 
             – A cura do cego de nascença;
             – A “ressurreição” de Lázaro (o sinal dos sinais);
– Hoje há muito poucas dúvidas que o seu autor não foi o apóstolo João, mas o autor procurou fontes nele – no discípulo amado;
– É um Evangelho “perfeito” em termos de catequese.

  

ANO B – O Ano do evangelista Marcos

 

O Evangelho de Marcos

Até aos finais do século XVIII/inícios do século XIX o Evangelho de Marcos era a “cinderela” o “mal-amado” o “ignorado” dos 4 Evangelhos. E porquê?

I – Apresentação do Evangelho de Marcos.

  • O mais pequeno dos 4 evangelhos:

Se comparamos o tamanho dos 4 Evangelhos canónicos, o de Marcos é de facto o mais pequeno. Apenas 16 capítulos quando comparado com os 28 capítulos do Evangelho de Mateus, com os 24 capítulos do Evangelho de Lucas (porém o maior Evangelho em número de versículos) e com os 21 capítulos do Evangelho de João. Durante 18 séculos a questão era a seguinte: se temos Evangelhos mais completos, porquê ler Marcos? Marcos era considerado como que um resumo do Evangelho de Mateus e Lucas. Veremos que esta abordagem não está correta. Porém, centrados na autoridade de St. Agostinho (que tomou posição) e a partir do século IV, a importância do Evangelho de Marcos era uma não questão. Voltou a sê-lo, e, com muito relevo, a partir de inícios do século XIX

  • Qual a sua linguagem:

Os 4 Evangelhos foram escritos em grego. Mas há dois livros do Novo Testamento que “desmerecem” a qualidade do grego em que foram, originalmente, escritos: falamos do Evangelho de Marcos e o do Livro do Apocalipse, escritos num grego simples e conhecido como o grego da “koiné”.

“O grego koiné era a língua do trabalhador, do camponês, do vendedor e da dona de casa — não havia nada de pretensioso nele. Era o vernáculo, ou linguagem vulgar, da época. As grandes obras da literatura grega foram escritas no grego clássico. Nenhum erudito hoje se importaria em estudar qualquer coisa escrita em grego koiné, exceto pelo facto de que é a língua do Novo Testamento. Deus estaria certo quando parecia querer que a Sua Palavra fosse acessível a todos e inspirou o escritor sagrado para usar a linguagem comum da época, o koiné.”

Assim, os dois livros referidos, parecem ter uma qualidade inferior na sua construção. Porém, cada um de nós, hoje, ao ler estes 2 livros do NT não o deteta. Tal só acontece tendo em conta o facto de as traduções “esconderem” a fraca qualidade dos originais.

  •  Quais as suas “lacunas” (do Evangelho de Marcos):

No Evangelho de Marcos não encontramos referências à infância de Jesus de Nazaré. Marcos começa o seu Evangelho no Batismo de Jesus. Por outro lado, não temos as “palavras ditas” de Jesus que abundam nos Evangelhos de Mateus e Lucas (fonte Q). Também nada é dito sobre as “aparições” de Jesus ressuscitado. Aqui e agora, uma nota adicional: o Evangelho de Marcos original, termina no versículo 8 do capítulo 16:

 1Passado o sábado, Maria de Magdala, Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram perfumes para ir embalsamá-lo. 2De manhã, ao nascer do sol, muito cedo, no primeiro dia da semana, foram ao sepulcro.3Diziam entre si: «Quem nos irá tirar a pedra da entrada do sepulcro?» 4Mas olharam e viram que a pedra tinha sido rolada para o lado; e era muito grande. 5Entrando no sepulcro, viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram assustadas.6Ele disse-lhes: «Não vos assusteis! Buscais a Jesus de Nazaré, o crucificado? Ressuscitou; não está aqui. Vede o lugar onde o tinham depositado. 7Ide, pois, e dizei aos seus discípulos e a Pedro: ‘Ele precede-vos a caminho da Galileia; lá o vereis, como vos tinha dito’.» 8Saíram, fugindo do sepulcro, pois estavam a tremer e fora de si. E não disseram nada a ninguém, porque tinham medo.

 

Todavia, o Evangelho de Marcos que conhecemos, só termina no versículo 20.

“A maioria dos estudiosos atuais concorda que um copista anónimo que trabalhava com os evangelhos no século II tenha acrescentado os versículos 9-20. Nessa altura terá tido acesso aos outros evangelhos e por isso foi capaz de fazer um resumo dos seus capítulos finais. É possível reconhecer esse tipo de influência em várias versões atuais. Mesmo assim, seria interessante refletir sobre as alternativas que F. Godet sugeriu. Ele apresenta as conclusões da crítica textual que mostram, segundo ele, que esse final não fazia parte do texto original do Evangelho:

            – Entre os versículos 8 e 9 há uma rutura evidente.
– O versículo 1 é repetido no versículo 9.
– O conteúdo dos versículos 9-20 consiste, em grande parte, num resumo breve dos acontecimentos da Páscoa, que, nos outros evangelhos, são descritos em detalhes.

O final breve de Marcos, atestado por alguns manuscritos de menor importância (cf. Gute Nachricht), provavelmente surgiu porque um Evangelho que terminasse com o versículo 8 era considerado incompleto. Com base no testemunho dos manuscritos e no estilo estranho ao texto, é fácil reconhecê-lo como acréscimo posterior.”

in https://bibliotecabiblica.blogspot.com/2009/08/unidade-do-evangelho-de-marcos.html

9Tendo ressuscitado de manhã, no primeiro dia da semana, Jesus apareceu primeiramente a Maria de Magdala, da qual expulsara sete demónios. 10Ela foi anunciá-lo aos que tinham sido seus companheiros, que viviam em luto e em pranto. 11Mas eles, ouvindo dizer que Jesus estava vivo e fora visto por ela, não acreditaram.12Depois disto, Jesus apareceu com um aspeto diferente a dois deles que iam a caminho do campo. 13Eles voltaram para trás a fim de o anunciar aos restantes. E também não acreditaram neles.14Apareceu, finalmente, aos próprios Onze quando estavam à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e a dureza de coração em não acreditarem naqueles que o tinham visto ressuscitado.15E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura. 16Quem acreditar e for batizado será salvo; mas, quem não acreditar será condenado.17Estes sinais acompanharão aqueles que acreditarem: em meu nome expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18apanharão serpentes com as mãos e, se beberem algum veneno mortal, não sofrerão nenhum mal; hão de impor as mãos aos doentes e eles ficarão curados.»19Então, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi arrebatado ao Céu e sentou-se à direita de Deus.20Eles, partindo, foram pregar por toda a parte; o Senhor cooperava com eles, confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam.
  • Qual o seu conteúdo:

Quase todo o Evangelho de Marcos está dentro dos Evangelhos de Mateus e Lucas. Quantificando, diríamos que cerca de 90%. Punha-se então a questão: se Marcos está em Mateus e em Lucas qual a razão para ler Marcos?

  • A sua “desorganização” (?) comparada com os outros Evangelhos:

 Em Mateus todos os discursos do Mestre estão ordenados e constituem um corpo sólido e coerente. Certamente até foram rearranjados. Em Lucas, ainda é melhor a organização literária. No Evangelho de Marcos a desorganização parece ser reinante (talvez esta conclusão referida durante dezoito séculos tenha sido conveniente, mas é muito exagerada, como veremos em breve). Tudo isto conspirava para a não leitura de Marcos.

Estas 5 razões, consideradas juntas, foram razão para que a tradição da Igreja sempre tenha depreciado e muito o Evangelho de Marcos. Assim aconteceu com:

  1. Os Padres da Igreja, conhecidos pelos Santos Padres latinos (do ocidente) ou gregos (do oriente);
  2. A liturgia. Nas missas católicas até ao século XIX nunca se lia Marcos. E esta opção resultou numa perda enorme, podemos dizer hoje. Em Marcos encontramos o Jesus de Nazaré mais humano, sofredor, próximo. Mateus e Lucas divinizam bastante o Jesus de Nazaré. Em João, ainda mais. Em João, Jesus de Nazaré é totalmente Divino. E tal é dito logo no Cap.1. Durante todos estes séculos não foi conhecida, não foi estudada a humanidade de Jesus de Nazaré. E hoje, a dificuldade em conhecer/descobrir o Jesus de Nazaré histórico deve-se, e muito, a este quase esquecimento pela leitura do Evangelho de Marcos;
  3. Os teólogos e biblistas. Só no Vaticano II se caminhou para a divisão da Liturgia da Palavra por 3 ciclos, dando igual importância a todos os evangelistas sinóticos. O Ano B foi referenciado como o ano do evangelista Marcos.

 Porém, no ano de 1835, século XIX, tudo muda. Esta mudança é devida ao teólogo alemão Karl Lachmann. Como da noite para o dia, a exegese bíblica retira o Evangelho de Marcos do silêncio e do esquecimento. Este teólogo estuda e descobre a prioridade de Marcos com relação a Mateus e Lucas.

E o que é que decorre desta “descoberta”?

Porquê esta alteração?

Quais os resultados daí decorrentes?

– O Evangelho de Marcos passa a ser o Evangelho mais próximo dos factos históricos;
– Passou a ser considerada a fonte de Mateus e de Lucas;
– Descobriu-se a sua verdadeira ordem e estrutura, combatendo a desordem e confusão de que vinha sendo acusado;
– Descobre-se que Marcos é o inventor deste género literário – Evangelho/Boa Notícia;
– Percebeu-se o estilo pitoresco e colorido com finos rasgos psicológicos.

 Agora, Marcos, é sempre o princípio:

Se queremos estudar/perceber o Batismo de Jesus, começamos por Marcos e depois estudamos o que os outros evangelistas acrescentaram ou retiraram. Como fizeram as suas catequeses;

                        Se queremos estudar/perceber a morte e ressurreição de Jesus, começamos por Marcos e depois…

                        Etc….

II – A questão sinótica e o Evangelho de Marcos

 

  • Em que consiste a questão sinótica.

 No NT, que é composto por 27 livros para os católicos, encontramos os 4 Evangelhos canónicos e que tratam, todos, a atividade missionária/profética de Jesus de Nazaré, a sua Paixão, Morte e Ressurreição. Porém e curiosamente:

  1. Não foram reunidos num só Evangelho;

Estranho, se atendermos a que, no AT, quando havia textos diferentes, mas sobre a mesma temática, ficavam reunidos num só texto, um a seguir ou próximo ao outro.

Exemplos: Há 2 relatos da criação (Génesis 1 e Génesis 2);

Há 2 relatos do dilúvio: (Génesis 6 e Génesis 9);

Etc…

  1. Não foi dada preferência por nenhum, embora durante muito tempo e como já vimos, o Evangelho de Marcos tenha sido quase esquecido. Mas a tradição geral da Igreja, nunca deu preferência a um em desfavor de outro. Os 4 eram inspirados. Os 4 eram Palavra de Deus.
  2. Mas, o mais surpreendente, é que têm incríveis semelhanças entre eles (os sinóticos) e, ao mesmo tempo, bastantes diferenças. E isto é um fenómeno único no contexto da literatura mundial. Ficou conhecido como o fenómeno da “concordância discordante” ou, o que é o mesmo, a “discordância concordante.”

E como foi resolvida esta “discordância concordante”?

Até ao século XVIII não se havia prestada atenção a tantas semelhanças e a tantas diferenças, ou se sim, ninguém ousara por na “ordem do dia” esta questão e que viria a ficar conhecida como: a “questão sinótica”.

Mas, no ano de 1776, Juan Jacobo Briesbach, teólogo alemão, publica uma obra fundamental – “Synopsis Evangeliorum”. Que novidade traz esta obra?

Juan Jacobo Griesbach coloca lado a lado e em cada página – quadro sinótico (syn = com e ótico= visão: com a mesma visão) – os Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas. E, ao colocá-los nesta disposição, é surpreendido com um resultado extraordinário: estes 3 Evangelho são, não só surpreendentemente parecidos, como também contraditórios. O Evangelho de João não encaixa nesta formulação e, por isso, não é sinótico e deve, sempre, ser estudado em separado.

Porém, resolvido um problema, advém outro e outro:

  1. Se os evangelistas não se conheceram entre eles (hoje há provas seguras deste facto), porque diferem tanto para o tratamento de assuntos iguais depois de a identificação do tema ser comum?
  2. E, se não se conheceram, porque se assemelham tanto?

 Duas questões que não estavam explicadas e mereceram esse trabalho feito a partir da investigação de Juan Jacobo Griesbach.

  •  As grandes semelhanças entre os Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas.

 Vamos procurar esclarecer as semelhanças entre os Evangelhos sinóticos a partir de 3 critérios:

            Critério 1: De ordem, ao longo do Evangelho

Os 3 começam pelo Batismo de Jesus. Retiramos os 2 primeiros capítulos de Mateus e Lucas que tratam a infância de Jesus de Nazaré e que não aparece no Evangelho de Marcos. Estamos a falar dos factos (?)/acontecimentos/catequeses partir da sua vida pública.

Assim:

Cap. 1 de Marcos, Cap. 3-4 de Mateus e Lucas:
Batismo de Jesus na Judeia, à volta de Betânia, no rio Jordão;
Cap. 1-9 de Marcos, Cap. 4-18 de Mateus e Cap. 4-9 de Lucas:
tratam o Ministério de Jesus de Nazaré na Galileia;
Cap. 10 de Marcos, Cap. 19-20 de Mateus e Cap. 9-18 de Lucas:
tratam a viagem de Jesus de Nazaré entre a Galileia e Jerusalém;
Cap. 11-16 de Marcos, Cap. 21-28 de Mateus e Cap. 19-24 de Lucas:
tratam a Paixão e Morte de Jesus de Nazaré

Nos sinóticos, Jesus de Nazaré só está uma vez em Jerusalém no quadro de viagens durante a sua vida pública.

Cronologia:

Judeia – viagem para a Galileia; Galileia – viagem para Jerusalém.

            Critério 2: De conteúdo

             Os Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas contêm, com divergências quase “desprezíveis” na enumeração, as mesmas parábolas, os mesmos milagres, os mesmos discursos, as mesmas disputas com fariseus, saduceus e herodianos. Em João nada disso: Zero parábolas, Zero exorcismos, Zero discursos. É outro quadro de referência teológica para os cristãos.

            Critério 3: De linguagem

A forma como são contados os mais diversos acontecimentos, divergem no estilo e no uso da linguagem. Ficam exemplos para posterior exploração:

Cura do endemoniado de Geraza: Marcos 5, 6-8; Lucas 8, 28-29;

A pregação de João Batista:
Mateus 3, 7-10 = 83 palavras;
Lucas 3, 7-9 = 84 palavras;
Nos 2 Evangelhos 80 palavras são iguais, ou seja, 96% do texto.

 

Conclusão:

É quase impossível que esta ocorrência não resulte da cópia de uma mesma fonte. Sim, da Fonte Q – os “ditos de Jesus”, pois, Mateus e Lucas nunca se conheceram. E porque dizemos que nunca se conheceram?

Sabemos hoje por estudos dos exegetas e biblistas. Mas nem era preciso tanto. Bastaria a dedução lógica: como seria possível a Lucas, se tivesse conhecido Mateus e o seu Evangelho, não ter incluído no seu Evangelho o extraordinário discurso do Juízo Final de Mateus – Mateus 25, 31-46

31Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há de sentar-se no seu trono de glória. 32Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. 33À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos.34O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. 35Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, 36estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’37Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? 38Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? 39E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ 40E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’41Em seguida dirá aos da esquerda: ‘Afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, que está preparado para o diabo e para os seus anjos! 42Porque tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, 43era peregrino e não me recolhestes, estava nu e não me vestistes, doente e na prisão e não fostes visitar-me.’ 44Por sua vez, eles perguntarão: ‘Quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?’ 45Ele responderá, então: ‘Em verdade vos digo: Sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer.’46Estes irão para suplício eterno, e os justos, para a vida eterna.»

 E como teria sido possível a Mateus, se tivesse conhecido Lucas e o seu Evangelho, deixar de incluir a extraordinária parábola do Pai Misericordioso/Filho Pródigo no seu Evangelho – Lucas 15, 11-32

 11Disse ainda: «Um homem tinha dois filhos. 12O mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde.’ E o pai repartiu os bens entre os dois. 13*Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá desperdiçou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. 14Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. 15Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. 16Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. 17E, caindo em si, disse: ‘Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! 18Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; 19já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros.’ 20E, levantando-se, foi ter com o pai. Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. 21O filho disse-lhe: ‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho.’22Mas o pai disse aos seus servos: ‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés. 23Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos, 24porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.’ E a festa principiou. 25Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. 26Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. 27Disse-lhe ele: ‘O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.’ 28Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. 29Respondendo ao pai, disse-lhe: ‘Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; 30e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.’ 31O pai respondeu-lhe: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.’»

  1. As grandes diferenças entre os Evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas.

 Trabalhemos este tema com base nos tipos de critérios que desenvolvemos acima, aquando da abordagem das semelhanças entre os sinóticos:

            Critério 1: De ordem, ao longo do Evangelho

                        O sermão da montanha:
                                    Mateus coloca-o ao longo de 3 capítulos-Cap. 5-7;
                                    Lucas, no equivalente, sermão da planície, coloca-o no Cap. 6 e no meio do capítulo.
                        As parábolas:
                                    Mateus coloca-as durante os diversos discursos de Jesus de Nazaré na Galileia-Cap. 13 e só num capítulo;
                                    Lucas coloca-as durante a viagem de Jesus de Nazaré e seus discípulos para Jerusalém-Cap. 10 e seguintes.

                       As aparições do Ressuscitado:
                                    Mateus e Marcos colocam-nas na Galileia – Mateus no Cap. 28 e Marcos no Cap. 16 (já falamos noutra parte do acrescento no Evangelho de Marcos a partir do versículo 8)
                                    Lucas coloca-as em Jerusalém – Cap. 24 (é muito conhecido o episódio de Emaús).
 

            Critério 2: De conteúdo

    • Sobre a infância de Jesus – Capítulos 1e 2 de Mateus e Lucas. Tantas diferenças.

                        Em Mateus:
                                    O Anjo aparece a José
                                    O nascimento de Jesus de Nazaré acontece em Belém, porque José era natural de Belém;
                                    Os Reis Magos;
                                    Reinava Herodes que ordena a matança dos inocentes;
                                    Família de Jesus foge para o Egito;
                                    Depois da morte de Herodes a família de Jesus regressa a Nazaré.

                        Em Lucas:
                                    O Anjo aparece a Maria;
                                    Maria visita sua prima Isabel;
                                    Viagem a Belém acontece por ocasião de um censo;
                                    40 dias depois do nascimento, Jesus é apresentado no Templo
                                    Depois regressa a Nazaré;
                                    Aos 12 anos volta a Jerusalém onde se perde em conversa com Doutores da Lei. Depois volta a Nazaré
           

    • Sobre a visita ao sepulcro.

                        Em Mateus:
                                    A visita ocorre no sábado à noite e vão 2 mulheres;
                                    Encontram no sepulcro o Anjo do Senhor

                        Em Marcos:
                                    São 3 as mulheres que se deslocam ao sepulcro;
                                    Encontram no sepulcro um jovem;

                        Em Lucas:
                                    São muitas as mulheres que vão ao sepulcro. Todas as mulheres da Galileia. E vão no Domingo de madrugada.
                                    Encontram no sepulcro dois homens vestidos de branco.
                       

    • Sobre ao Pai-Nosso:

Em Mateus:

Encontramos 7 petições.

Em Lucas:

Encontramos apenas 5 petições.
 

    • Sobre o Sermão da Montanha ou seu equivalente:

Em Mateus

                        Encontramos 9 bem-aventuranças

Em Lucas

                        Encontramos apenas 4 bem-aventuranças.

 

    • Sobre as palavras pronunciadas na Última Ceia. Todas diferentes nos diversos evangelistas.

Em Marcos 14, 22-25

                                    Em Mateus 26, 26-29;

                                    Em Lucas 22, 15-20;

                                    Em 1Cor 11, 23-25.

 

E estas diferenças são muito importantes, pois no missal e durante muito tempo (até Vaticano II) impunha-se que, no momento da consagração, os presbíteros lessem um mesmo texto que era deveras exigente.

 

            Critério 3: De linguagem

 

            A forma como são contados alguns acontecimentos divergem no estilo e no uso da linguagem. São diversos os exemplos.

Marcos 2, 3-4; Mateus 9, 2; Lucas 5, 18-Tema: Cura de paralítico;

Marcos 6, 14; Mateus 9, 2; Lucas 5, 18-Tema: Aparições de Jesus ressuscitado e confronto de Herodes Antipas;

      Marcos 10, 17-18; Mateus 19, 16-17-Tema: Episódio do jovem rico.

 

  • A busca de uma solução para a questão sinótica – CONCLUSÃO

 Por tudo o que ficou dito para trás, podemos concluir que o ano 1835 e Karl Lachmann representam um marco importante para a solução desta questão. E podemos concluir, portanto, que:

  1. O Evangelho de Marcos foi o 1º a ser escrito;
  2. Mateus e Marcos utilizam, no interior dos seus Evangelhos, a quase totalidade do Evangelho de Marcos;
  3. Mateus e Lucas coincidem na ordem e quando copiam Marcos;
  4. Mateus e Lucas melhoram substancialmente o conteúdo literário do Evangelho de Marcos;
  5. Algumas passagens de Mateus só ficam claras se lermos, antecipadamente, Marcos;
  6. Além de copiarem de Marcos, Mateus e Lucas usam a Fonte/Documento Q quase linha a linha.

III – Estrutura do Evangelho de Marcos.

 

         Preâmbulo

             Porquê analisar a estrutura de um livro bíblico?

Quando vamos a uma livraria em busca de um livro sobre um determinado tema, é hábito de cada um folhear alguns dos livros que aí se encontram. Se encontramos algum livro que nos tenha chamado a atenção pelo título, autor, etc., a primeira abordagem que encetamos é percorrer o índice em busca de informação sobre o assunto, tema principal, estilo de escrita etc.

Porém, nos livros bíblicos não há, nunca, um índice. O texto era escrito em papiros e sem interrupções de texto. Aparece-nos um texto corrido numa única frase de princípio ao fim. Nem sequer virgulas ou outro qualquer tipo de pontuação. Não há espaços em branco.

Aqui chegados, percebemos que faz todo o sentido para os autores modernos, biblistas e teólogos, que, querendo fazer um trabalho exegético, – o que nos quis dizer o autor para os destinatários daquele tempo –  sobre um qualquer livro bíblico dos 73 da Bíblia católica e em especial dos Evangelhos tenham, primeiro, de procurar a sua estrutura, se quiserem construir um índice, um fio condutor que permita entender o que planeou o autor e o quereria dizer sobre a pessoa ou assunto sobre o qual vai escrever.

E tal trabalho é fundamental para que pudessem/possamos construir um apoio de memória sobre o conteúdo do livro. Para alguns livros da Bíblia a construção da sua estrutura foi/é fácil e reuniu consenso entre os estudiosos. Para outros livros tal não aconteceu, mesmo quando se conseguiu construir a estrutura base. Há, porém, livros bíblicos, em que até hoje ainda não houve consenso sobre as mais diversas propostas de estrutura apresentadas. É o caso do livro do Eclesiastes (QOHÉLET), de difícil abordagem e de consenso complicado.

Ao iniciarmos um estudo mais aprofundado sobre o Evangelho de Marcos haverá que perguntar:

Qual a estrutura do Evangelho de Marcos?

  1. A estrutura geográfica do Evangelho de Marcos:

Marcos constrói o seu Evangelho segundo o que poderemos chamar “uma estrutura geográfica”. Isto quer, de imediato, dizer-nos que Marcos não nos apresenta a vida de Jesus de Nazaré tal qual ela aconteceu historicamente. Agrupa todo o seu material segundo uma “geografia”. Mas veremos que esta construção estrutural pouco tem a ver com a “geografia geográfica”, perdoem-nos a redundância. Veremos ao longo deste texto, que é uma construção baseada numa estrutura geográfica com fins teológicos, com a finalidade de fundamentar uma catequese sabiamente construída. Marcos apresenta os ensinamentos de Jesus de Nazaré, as parábolas, os discursos, os milagres e demais conteúdos de uma forma teológica. Não ordena o seu material de forma biográfica, pois não conheceu Jesus de Nazaré, não foi seu discípulo.

Para melhor seguirmos a “estrutura geográfica” associada ao Evangelho de Marcos, situemo-nos no mapa da Palestina do século I com as 3 regiões fundamentais – Judeia, Samaria e Galileia. Outras regiões próximas são importantes e a seu tempo falaremos delas. Partindo daqui, construamos a “estrutura geográfica”, ou seja, aquilo que poderá ser o índice a colocar no Evangelho de Marcos.

Marcos concentra todo o seu material de ensinamentos, parábolas, milagres e discursos de Jesus de Nazaré e coloca-o na Galileia – Capítulos 1 a 9. Depois constrói um capítulo 10 que corresponde à viagem da Galileia para a Judeia/Jerusalém. Finalmente os capítulos 11 a 16 são passados na Judeia/Jerusalém. Como perceberemos melhor com o desenvolvimento do texto, trata-se de uma estrutura construída com finalidade teológica e catequese.

Algumas notas:

      1. O Evangelho de Marcos não é uma biografia nem pretende ser uma qualquer aproximação a acontecimentos históricos;
      2. Se estivermos atentos, Marcos centra toda a vida pública (3 anos) de Jesus de Nazaré na Galileia;
      3. Deixa poucos dias para a viagem da Galileia para a Judeia/Jerusalém e outros poucos dias para a sua estadia na Judeia/Jerusalém onde viria a ser crucificado;
      4. Com esta estrutura, Jesus de Nazaré e durante os 3 anos da sua vida pública, apenas visitou Jerusalém por uma vez e em tempo de Páscoa. Historicamente isto não terá sido assim;

 

 

OBS: Texto completo no anexo ANO B – O ano do evangelista Marcos (PDF)