Catequeses do Papa Francisco

PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Praça São Pedro
Quarta-feira, 19 de junho de 2024

 

Ciclo de Catequese.
O Espírito e a Esposa. O Espírito Santo conduz o povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança.

Catequese IV
O Espírito ensina a Noiva a orar. Os Salmos, sinfonia de oração na Bíblia
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Em preparação para o próximo Jubileu, convidei a dedicar o ano de 2024 «a uma grande “sinfonia” de oração». [1] Com a catequese de hoje, gostaria de recordar que a Igreja já possui uma sinfonia de oração, cujo compositor é o Espírito Santo, e é o Livro dos Salmos.
Como em cada sinfonia, nele há vários “movimentos”, ou seja, diferentes tipos de oração: louvor, ação de graças, súplica, lamentação, narração, reflexão sapiencial e outros, tanto na forma pessoal como na forma coral de todo o povo. São os cânticos que o próprio Espírito pôs nos lábios da Esposa, a Igreja. Como recordei da última vez, todos os Livros da Bíblia são inspirados pelo Espírito Santo, mas o Livro dos Salmos também o é, no sentido de que está cheio de veia poética.
Os salmos ocuparam um lugar privilegiado no Novo Testamento. Com efeito, houve e ainda há edições que contêm o Novo Testamento e os Salmos juntos. Na minha escrivaninha tenho uma edição em ucraniano do Novo Testamento e dos Salmos, de um soldado que morreu durante a guerra, que me foi enviada; ele rezava na frente com este livro. Nem todos os salmos – nem tudo de cada salmo – podem ser repetidos e feitos próprios pelos cristãos e ainda menos pelo homem moderno. Às vezes eles refletem uma situação histórica e uma mentalidade religiosa que já não são nossas. Isto não significa que não sejam inspirados mas que, sob certos aspetos, estão ligados a um período e a uma fase provisória da revelação, como acontece também com grande parte da legislação antiga.
O que mais nos recomenda a aceitação dos salmos é que eles constituíram a oração de Jesus, de Maria, dos Apóstolos e de todas as gerações cristãs que nos precederam. Quando os recitamos, Deus ouve-os com aquela grandiosa “orquestração”, que é a comunhão dos santos. Segundo a Carta aos Hebreus, Jesus entra no mundo com o versículo de um salmo no coração: «Eis que venho, ó Deus, para cumprir a tua vontade» (cf. Hb 10, 7; Sl 40, 9); e, segundo o Evangelho de Lucas, deixa o mundo com outro salmo nos lábios: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46; cf. Sl 31, 6).
Ao uso dos salmos no Novo Testamento segue-se o dos Padres e de toda a Igreja, que fazem deles um elemento fixo na celebração da Missa e na Liturgia das horas. «Toda a Sagrada Escritura exala a bondade de Deus – diz Santo Ambrósio – mas de modo particular o doce Livro dos Salmos». [2] O doce livro dos salmos. Pergunto-me: recitais às vezes os salmos? Lede a Bíblia e recitai um salmo. Por exemplo, quando estais um pouco tristes por ter pecado, recitais o salmo 50? Há muitos salmos que nos ajudam a ir em frente. Adquiri o hábito de recitar os salmos, garanto-vos que no final sereis felizes.
Mas não podemos viver apenas da herança do passado: é necessário fazer dos salmos a nossa oração. Escreveu-se que, num certo sentido, devemos tornar-nos nós mesmos “autores” dos salmos, fazendo-os nossos e rezando com eles. [3] Se há salmos, ou apenas versículos, que falam ao nosso coração, é bom repeti-los e recitá-los durante o dia. Os salmos são orações “para todas as estações”: não há estado de espírito nem necessidade que não encontre neles as melhores palavras para os transformar em oração. Diversamente de todas as outras preces, os salmos não perdem a eficácia por causa da repetição, aliás, aumentam-na. Porquê? Porque são inspirados por Deus e “exalam” Deus cada vez que alguém os lê com fé.
Se nos sentimos sobrecarregados de remorsos e culpas, pois somos pecadores, podemos repetir com David: «Tende piedade de mim, ó Deus, no vosso amor; / na vossa grande misericórdia» (Sl 51, 3). Se quisermos exprimir uma forte ligação pessoal com Deus, digamos: «Ó Deus, Vós sois o meu Deus, / procuro-vos desde a aurora, / a minha alma tem sede de Vós, / a minha carne anseia por Vós / numa terra árida, sedenta, sem água» (Sl 63, 2). Não foi por acaso que a Liturgia inseriu este salmo nas Laudes do Domingo e das solenidades. E se o medo e a angústia nos assaltam, vêm em nosso socorro aquelas palavras maravilhosas: «O Senhor é o meu pastor […]. Ainda que eu atravesse um vale escuro, / nada temerei» (Sl 23, 1.4).
Os salmos permitem-nos não empobrecer a nossa oração, reduzindo-a apenas a pedidos, a um contínuo “dai-me, dai-nos…”. Aprendamos com o nosso Pai, que antes de pedir o “pão nosso de cada dia” diz: “Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino, seja feita a vossa vontade”. Os salmos ajudam-nos a abrir-nos a uma prece menos centrada em nós mesmos: uma oração de louvor, de bênção, de ação de graças; e ajudam-nos também a tornar-nos voz de toda a criação, envolvendo-a no nosso louvor.
Irmãos e irmãs, que o Espírito Santo, que ofereceu à Igreja Esposa as palavras para rezar ao seu divino Esposo, nos ajude a fazê-las ressoar na Igreja de hoje e a fazer deste ano de preparação para o Jubileu uma verdadeira sinfonia de oração.
Obrigado!

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[1] Carta a D. Fisichella para o Jubileu de 2025 (11 de fevereiro de 2022).

[2] Comentário aos Salmos I, 4, 7: CSEL 64, 4-7.

[3] JOÃO CASSIANO, Conlationes, X, 11: SCh 54, 92-93.

 

PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Praça São Pedro
Quarta-feira, 12 de junho de 2024

 

Ciclo de Catequese

O Espírito e a Esposa. O Espírito Santo conduz o povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança.

Catequese III

“Toda a Escritura é inspirada por Deus”. Conhecer o amor de Deus nas palavras de Deus

Estimados irmãos e irmãs, bom dia, bem-vindos!

Continuemos as catequeses sobre o Espírito Santo, que guia a Igreja para Cristo, nossa esperança. Ele é o guia! Da última vez contemplamos a obra do Espírito na criação; hoje vejamo-lo na revelação, da qual a Sagrada Escritura é testemunho inspirado por Deus e fidedigno.

A segunda carta de São Paulo a Timóteo contém esta afirmação: «Toda a Escritura é inspirada por Deus» (3, 16). E outra passagem do Novo Testamento diz: «Inspirados pelo Espírito Santo é que os homens… falaram em nome de Deus» (2 Pd 1, 21). Esta é a doutrina da inspiração divina da Escritura, aquela que proclamamos como artigo de fé no Credo, quando dizemos que o Espírito Santo «falou através dos profetas». A inspiração divina da Bíblia!

O Espírito Santo, que inspirou as Escrituras, é também Aquele que as explica e as torna perenemente vivas e ativas. De inspiradas, torna-as inspiradoras. «As Sagradas Escrituras, inspiradas por Deus – diz o Concílio Vaticano II – e redigidas de uma vez para sempre, comunicam imutavelmente a palavra do próprio Deus, fazendo ressoar a voz do Espírito Santo nas palavras dos profetas e dos apóstolos» (Dei Verbum, 21). Deste modo, o Espírito Santo continua, na Igreja, a ação de Jesus Ressuscitado que, depois da Páscoa, «abriu a mente dos discípulos à compreensão das Escrituras» (cf. Lc 24, 45).

Com efeito, pode acontecer que um determinado trecho da Escritura, que lemos muitas vezes sem qualquer emoção particular, um dia o leiamos num clima de fé e oração, e que, repentinamente, aquele texto se ilumine, nos fale, lance luz sobre um problema que vivemos, tornando clara a vontade de Deus para nós numa certa situação. A que se deve esta mudança, a não ser a uma iluminação do Espírito Santo? As palavras da Escritura, sob a ação do Espírito, tornam-se luminosas; e, em tais casos, toca-se com as próprias mãos como é verdadeira a afirmação da Carta aos Hebreus: «A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes […]» (4,12).

Irmãos e irmãs, a Igreja alimenta-se da leitura espiritual da Sagrada Escritura, isto é, da leitura feita sob a orientação do Espírito Santo que a inspirou. No seu centro, como farol que tudo ilumina, está o evento da morte e ressurreição de Cristo, que cumpre o desígnio da salvação, realiza todas as figuras e profecias, revela todos os mistérios escondidos, oferecendo a verdadeira chave de leitura de toda a Bíblia. A morte e a ressurreição de Cristo são o farol que ilumina toda a Bíblia, mas também a nossa vida. O Apocalipse descreve tudo isto com a imagem do Cordeiro que rompe os selos do livro “escrito por dentro e por fora, mas sigilado com sete selos” (cf. 5, 1-9), a Escritura do Antigo Testamento. A Igreja, Esposa de Cristo, é intérprete fidedigna do texto inspirado da Escritura, a Igreja é medianeira da sua proclamação autêntica. Dado que a Igreja é dotada do Espírito Santo – por isso é intérprete – é «coluna e sustentáculo da verdade» (1 Tm 3, 15). Porquê? Porque é inspirada, corroborada pelo Espírito Santo. E a tarefa da Igreja consiste em ajudar os fiéis e quantos procuram a verdade a interpretar corretamente os textos bíblicos.

Um modo de fazer a leitura espiritual da Palavra de Deus chama-se lectio divina, uma expressão que talvez não entendamos o que significa. Consiste em dedicar um momento do dia à leitura pessoal e meditativa de uma passagem da Escritura. E isto é muito importante: todos os dias reservar um tempo para escutar, para meditar, lendo um trecho da Escritura. E por isso recomendo: tende sempre um Evangelho de bolso e levai-o na bolsa, no bolso… Assim, quando viajardes ou quando tiverdes um pouco de tempo livre, lede-o… Isto é muito importante para a vida! Pegai num Evangelho de bolso e, durante o dia, lede-o uma, duas vezes, quando for preciso. Mas a leitura espiritual da Escritura por excelência é a leitura comunitária que se faz na Liturgia, na Missa. Ali vemos como um acontecimento ou um ensinamento, dado no Antigo Testamento, encontra o seu pleno cumprimento no Evangelho de Cristo. E a homilia, o comentário que o celebrante faz, deve ajudar a transferir a Palavra de Deus do livro para a vida. Por isso, a homilia há de ser breve: uma imagem, um pensamento e um sentimento. A homilia não deve durar mais de oito minutos, porque depois, com o tempo, perde-se a atenção e as pessoas adormecem, e com razão. A homilia deve ser assim. E é isto que quero dizer aos sacerdotes, que tantas vezes falam muito, e não se entende o que dizem. Homilia breve: um pensamento, um sentimento e uma pista para a ação, para o modo de agir. Não mais de oito minutos. Pois a homilia deve ajudar a transferir a Palavra de Deus do livro para a vida. E entre as numerosas palavras de Deus que ouvimos todos os dias na Missa ou na Liturgia das horas, há sempre uma destinada em particular a nós. Algo que toca o coração! Acolhida no coração, pode iluminar o nosso dia, animar a nossa oração. Trata-se de não a deixar cair no vazio!

Concluamos com um pensamento que pode ajudar-nos a apaixonar-nos pela Palavra de Deus. Como certas peças musicais, também a Sagrada Escritura tem uma nota de fundo que a acompanha do princípio ao fim, e esta nota é o amor de Deus. «Toda a Bíblia – observa Santo Agostinho – só narra o amor de Deus». [1] E São Gregório Magno define a Escritura «uma carta de Deus todo-poderoso à sua criatura», como uma carta do Esposo à esposa, exortando-nos a «aprender a conhecer o coração de Deus nas palavras de Deus». [2] «Em virtude desta revelação – diz o Vaticano II – Deus invisível, na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos e convive com eles para os convidar e admitir à comunhão com Ele» (Dei Verbum, 2).

Prezados irmãos e irmãs, ide em frente com a leitura da Bíblia! Mas não vos esqueçais do Evangelho de bolso: levai-o na bolsa, no bolso e lede uma passagem num momento do dia. Isto aproximar-vos-á muito do Espírito Santo que está na Palavra de Deus. O Espírito Santo, que inspirou as Escrituras e agora emana das Escrituras, nos ajude a sentir este amor de Deus nas situações concretas da vida.

Obrigado!

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[1] De catechizandis rudibus, I, 8, 4: PL 40, 319.

[2] Registrum Epistolarum, V, 46 (ed. Ewald-Hartmann, pp. 345-346).

 

Sublinhado e negrito nosso

PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Praça São Pedro
Quarta-feira, 5 de junho de 2024

 

Ciclo de Catequese

O Espírito e a Esposa. O Espírito Santo conduz o povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança.

Catequese II

“O vento sopra onde quer”. Onde há o Espírito de Deus há liberdade

 

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Na catequese de hoje, gostaria de refletir convosco sobre o nome com que o Espírito Santo é chamado na Bíblia.

O primeiro aspeto que conhecemos de uma pessoa é o nome. É com ele que a chamamos, que a distinguimos e a recordamos. A terceira pessoa da Trindade também tem um nome: chama-se Espírito Santo. Mas “Espírito” é a versão latinizada. O nome do Espírito, aquele com que os primeiros destinatários da revelação o conheceram, com que os profetas, os salmistas, Maria, Jesus e os Apóstolos o invocaram, é Ruach, que significa sopro, vento, respiro.

Na Bíblia, o nome é tão importante que quase se identifica com a própria pessoa. Santificar o nome de Deus significa santificar e honrar o próprio Deus. Nunca é uma designação meramente convencional: diz sempre algo sobre a pessoa, a sua origem, a sua missão. Assim é também no caso do nome Ruach. Ele contém a primeira revelação fundamental sobre a pessoa e a função do Espírito Santo.

Foi precisamente observando o vento e as suas manifestações que os escritores bíblicos foram orientados por Deus a descobrir um “vento” de natureza diferente. Não foi por acaso que, no Pentecostes, o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos acompanhado pelo “ruído de um vento impetuoso” (cf. At 2, 2). Era como se o Espírito Santo quisesse assinar o que acontecia.

Então, o que nos diz o seu nome Ruach sobre o Espírito Santo? A imagem do vento serve sobretudo para manifestar o poder do Espírito Santo. “Espírito e poder”, ou “poder do Espírito” é um binómio frequente em toda a Bíblia. Com efeito, o vento é uma força impetuosa, uma força indomável, capaz de mover até os oceanos.

Mas também neste caso, para descobrir o sentido pleno das realidades da Bíblia, não podemos limitar-nos ao Antigo Testamento, mas devemos chegar a Jesus. Além do poder, Jesus colocará em evidência outra caraterística do vento, a da sua liberdade. A Nicodemos, que o visita à noite, Jesus diz solenemente: «O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que nasceu do Espírito» (Jo 3, 8).

O vento é a única coisa que não pode absolutamente ser limitada, que não pode ser “engarrafada”, nem encaixotada. Procuremos “engarrafar” ou encaixotar o vento: não é possível, ele é livre! Procurar encerrar o Espírito Santo em conceitos, definições, teses ou tratados, como às vezes o racionalismo moderno procurou fazer, significa perdê-lo, anulá-lo ou reduzi-lo a um espírito puramente humano, a um simples espírito. Há, porém, uma tentação semelhante também no campo eclesiástico, que consiste em desejar encerrar o Espírito Santo em cânones, instituições, definições. O Espírito cria e anima as instituições, mas ele próprio não pode ser “institucionalizado”, “coisificado”. O vento sopra “onde quer”, assim o Espírito distribui os seus dons “como quer” (1 Cor 12, 11).

São Paulo fará de tudo isto a lei fundamental do agir cristão: «Onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade» (2 Cor 3, 17), diz. Uma pessoa livre, um cristão livre, é aquele que tem o Espírito do Senhor. Trata-se de uma liberdade muito especial, deveras diferente da que é geralmente entendida. Não é a liberdade de fazer o que se quer, mas a liberdade de fazer livremente o que Deus quer! Não é a liberdade de praticar o bem ou o mal, mas a liberdade de praticar o bem e de o fazer livremente, isto é, por atração, não por obrigação. Em síntese, liberdade de filhos, não de escravos!

São Paulo está bem consciente do abuso ou da incompreensão que se pode ter desta liberdade; aos Gálatas, escreve: «Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Mas que esta liberdade não se torne um pretexto para a carne; através do amor, colocai-vos ao serviço uns dos outros» (Gl 5, 13). Trata-se de uma liberdade que se manifesta naquilo que parece ser o seu contrário, exprime-se no serviço, pois é no serviço que há a verdadeira liberdade.

Sabemos bem quando esta liberdade se torna um “pretexto para a carne”. Paulo apresenta uma lista, sempre atual: «Fornicação, impureza, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizade, discórdia, ciúme, dissensões, divisões, fações, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes» (Gl 5, 19-21). Mas assim é a liberdade que permite aos ricos explorarem os pobres, é uma liberdade negativa, que permite aos fortes explorarem os fracos e a todos explorarem impunemente o meio ambiente. Trata-se de uma liberdade negativa, não é a liberdade do Espírito!

Irmãos e irmãs, onde encontramos esta liberdade do Espírito, tão contrária à liberdade do egoísmo? A resposta está nas palavras que, um dia, Jesus dirigiu aos seus ouvintes: «Se o Filho vos libertar, sereis verdadeiramente livres» (Jo 8, 36). Esta é liberdade que Jesus nos concede. Peçamos a Jesus que, mediante o seu Espírito Santo, faça de nós homens e mulheres verdadeiramente livres. Livres para servir, no amor e na alegria.

Obrigado!

Sublinhado e negrito nosso

PAPA FRANCISCO

AUDIÊNCIA GERAL

Praça São Pedro
Quarta-feira, 29 de maio de 2024

 

Ciclo de Catequese

O Espírito e a Esposa. O Espírito Santo conduz o povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança.

Catequese I

O Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas

Caríssimos irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje, com esta catequese, damos início a um ciclo de reflexões sobre o tema “O Espírito e a Esposa – a Esposa é a Igreja. O Espírito Santo conduz o povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança”. Faremos este percurso através das três grandes etapas da história da salvação: o Antigo Testamento, o Novo Testamento e o tempo da Igreja. Sempre com o olhar fixo em Jesus, que é a nossa esperança.

Nestas primeiras catequeses sobre o Espírito no Antigo Testamento, não faremos “arqueologia bíblica”. Ao contrário, descobriremos que aquilo que é dado como promessa no Antigo Testamento se realizou plenamente em Cristo. Será como seguir o caminho do sol desde o amanhecer até ao meio-dia.

Comecemos pelos dois primeiros versículos de toda a Bíblia: «No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra era informe e deserta, e as trevas cobriam o abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas» (Gn 1, 1-2). O Espírito de Deus aparece-nos como a força misteriosa que faz passar o mundo do seu estado inicial informe, deserto e sombrio para o seu estado ordenado e harmonioso. Porque o Espírito faz a harmonia, a harmonia na vida, a harmonia no mundo. Em síntese, é Ele que faz a transição do caos para o cosmos, isto é, da confusão para algo de belo e ordenado. Este é, com efeito, o significado da palavra grega kosmos, bem como da palavra latina mundus, ou seja, algo belo, algo ordenado, puro e harmonioso, porque o Espírito é harmonia.

Este indício ainda vago da ação do Espírito na criação torna-se mais preciso na revelação seguinte. Num salmo, lê-se: «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, pelo sopro dos seus lábios foram criados todos os seus exércitos» (Sl 33, 6); e ainda: «Se lhe enviais o Vosso espírito, voltam à vida, e renovais a face da terra» (Sl 104, 30).

Esta linha de desenvolvimento torna-se muito clara no Novo Testamento, que descreve a intervenção do Espírito Santo na nova criação, utilizando precisamente as imagens que lemos a propósito da origem do mundo: a pomba estava sobre as águas do Jordão no batismo de Jesus (cf. Mt 3,16); Jesus que, no Cenáculo, sopra sobre os discípulos e diz: «Recebei o Espírito Santo» (Jo 20, 22), tal como no princípio Deus soprou sobre Adão (cf. Gn 2, 7).

O apóstolo Paulo introduz um elemento novo nesta relação entre o Espírito Santo e a criação. Fala de um universo que «geme e sofre como que dores de parto» (cf. Rm 8, 22). Sofre por causa do homem, que o submeteu à «escravidão da corrupção» (cf. vv. 20-21). É uma realidade que nos toca de perto e de forma dramática. O Apóstolo vê a causa do sofrimento da criação na corrupção e no pecado da humanidade, que a arrastou para a sua alienação de Deus. Isto continua a ser tão verdadeiro hoje como era então. Vemos o dano que a humanidade fez e continua a fazer na criação, especialmente na parte que tem maior capacidade de explorar os seus recursos.

São Francisco de Assis mostra-nos uma bela solução para regressar à harmonia do Espírito: o caminho da contemplação e do louvor. Ele quis que das criaturas brotasse um cântico de louvor ao Criador. Recordemos: «Louvado sejas, meu Senhor…», o cântico de Francisco de Assis.

Um salmo (18, 2) diz assim: «Os céus narram a glória de Deus», mas precisam que o homem e a mulher deem voz ao seu grito silencioso. E no “Santo” da Missa, repetimos sempre: «Os céus e a terra estão cheios da tua glória». Eles estão, por assim dizer, “grávidos” dela, mas precisam das mãos de uma boa parteira para dar à luz este seu louvor. A nossa vocação no mundo, recorda-nos ainda Paulo, é sermos «louvor da sua glória» (Ef 1, 12). Trata-se de antepor a alegria da contemplação à alegria da posse. E ninguém se alegrou mais com as criaturas do que Francisco de Assis, que não queria possuir nenhuma.

Irmãos e irmãs, o Espírito Santo, que no princípio transformou o caos em cosmos, trabalha para realizar esta transformação em cada pessoa. Através do profeta Ezequiel, Deus promete: «Dar-vos-ei um coração novo, porei em vós um Espírito novo… Porei em vós o meu Espírito» (Ez 36, 26-27). Com efeito, o nosso coração assemelha-se ao abismo deserto e obscuro dos primeiros versículos do Génesis. Nele agitam-se sentimentos e desejos opostos: da carne e do espírito. Num certo sentido, todos nós somos aquele “reino dividido em si mesmo” de que fala Jesus no Evangelho (cf. Mc 3, 24). Ao nosso redor, podemos dizer que existe um caos externo, um caos social, um caos político: pensemos nas guerras, pensemos em tantos meninos e meninas que não têm o que comer, em tantas injustiças sociais, este é o caos externo. Mas há também um caos interior: o caos interior de cada um de nós. Não se pode curar o primeiro, se não se começar a curar o segundo! Irmãos e irmãs, trabalhemos bem para transformar a nossa confusão interior numa claridade do Espírito Santo: é o poder de Deus que o faz; e nós, abramos o coração para que Ele o possa fazer.

Que esta reflexão suscite em nós o desejo de experimentar o Espírito criador. Há mais de mil anos que a Igreja põe nos nossos lábios o clamor, para o pedir: “Veni creator Spiritus!”, Vem, ó Espírito criador! Visita a nossa mente. Enche de graça celeste os corações que criaste! Peçamos ao Espírito Santo que venha a nós e nos torne pessoas novas, com a novidade do Espírito.

Obrigado!

 

Ciclo de reflexões sobre o tema O Espírito e a Esposa – a Esposa é a Igreja. O Espírito Santo conduz o povo de Deus ao encontro de Jesus, nossa esperança – Papa Francisco