Instrumentum laboris – outubro 2024

XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA
DO SÍNODO DOS BISPOS

Como ser Igreja sinodal missionária

Instrumentum laboris
para a Segunda Sessão (outubro de 2024)

 

Sumário

Introdução

Três anos de caminho

Um intrumento de trabalho para a Segunda Sessão

Fundamentos

A Igreja Povo de Deus, sacramento de unidade

O significado partilhado de sinodalidade

A unidade como harmonia nas diferenças

Irmãs e irmãos em Cristo: uma reciprocidade renovada

Chamada à conversão e à reforma

Parte I – Relações

Em Cristo e no Espírito: a iniciação cristã

Para o Povo de Deus: carismas e ministérios

Com os Ministros ordenados: ao serviço da harmonia

Entre as Igrejas e no mundo: o concreto da comunhão

Parte II – Percursos

Uma formação integral e partilhada

O discernimento eclesial para missão

A articulação dos processos decisórios

Transparência, prestação de contas, avaliação

 

Parte III – Lugares

Territórios para caminhar juntos

As Igrejas locais na Igreja Católica única e una

Os laços que dão forma à unidade da Igreja

O serviço do Bispo de Roma em prol da unidade

Conclusão – A Igreja sinodal no mundo

SIGLAS

AG Concílio Vaticano II, Decr. Ad gentes (7 de dezembro de 1965)

CD Concílio Vaticano II, Decr. Christus Dominus (28 de outubro de 1965)

CIC Codex iuris canonici (25 de janeiro de 1983)

CTI Comissão Teológica Internacional, A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (2 de março de 2018)

DEC Secretaria Geral do Sínodo, Documento para a Etapa Continental (27 de outubro de 2022)

DV Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Dei Verbum (18 de novembro de 1965)

EG Francisco, Exort. Ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013)

GS Concílio Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes (7 de dezembro de 1965)

LG Concílio Vaticano II, Const. Dogm. Lumen gentium (21 de novembro de 1964)

LS Francisco, Carta Enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015)

PE Francisco, Const. Ap. Praedicate Evangelium (19 de março de 2022)

RdS XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Relatório de Síntese (28 de outubro de 2023)

SC Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium (4 de dezembro de 1963)

UR Concílio Vaticano II, Decr. Unitatis redintegratio (21 de novembro de 1964)

UUS S. João Paulo II, Carta Enc. Ut unum sint (25 de maio de 1995)

Introdução

Neste monte o Eterno, o Senhor dos Exércitos,

preparará um banquete de carnes gordas para todos os povos,

uma grande mesa de vinhos velhos, com carnes saborosas,

suculentas e muitos vinhos finos.

Neste monte ele destruirá o véu que envolve todos os povos,

a cortina que cobre todas as nações O Senhor Deus acabará para sempre com a morte.

Ele enxugará as lágrimas dos olhos de todos e fará desaparecer do mundo inteiro a vergonha que o seu povo está passando. O Senhor falou.

Is 25,6-8

O profeta Isaías apresenta a imagem de um banquete superabundante e delicioso preparado pelo Senhor no cimo do monte, símbolo de convivialidade e de comunhão, destinado a todos os povos. No momento de voltar para o Pai, o Senhor Jesus confia aos seus discípulos a missão de reunir todos os povos, para lhes servir um banquete feito de um alimento que é penhor de vida e alegria plenas. Através da sua Igreja, guiada pelo seu Espírito, o Senhor quer reacender a esperança no coração da humanidade, restituir a alegria e salvar a todos, em particular os que choram e que, na sua angústia, clamam por Ele. Os seus gritos chegam aos ouvidos de todos os discípulos de Cristo, homens e mulheres que caminham nas profundezas das vicissitudes humanas. Os seus gritos são ainda mais fortes neste tempo em que o caminho sinodal é acompanhado pela explosão de novas guerras e conflitos armados, que vieram a juntar-se aos muitos que continuam a ensanguentar o mundo.

No coração do Sínodo 2021-2024. Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão existe uma chamada à alegria e ao renovamento do Povo de Deus no seguimento do Senhor e no compromisso ao serviço da sua missão. A chamada a ser discípulos missionários assenta na identidade batismal comum, radica-se na diversidade de contextos em que a Igreja[1] está presente e encontra unidade no único Pai, no único Senhor e no único Espírito. Esta interpela todos os Batizados, sem exceção: «Todo o Povo de Deus é destinatário do anúncio do Evangelho. Assim, todo o Batizado é convocado a ser protagonista da missão, uma vez que todos somos discípulos missionários» (CTI, n. 53). Este renovamento manifesta-se numa Igreja que, congregada pelo Espírito mediante a Palavra e o Sacramento (cf. CD 11), anuncia a salvação, que continuamente experimenta, a um mundo carente de sentido e sedento de comunhão e solidariedade. É para este mundo que o Senhor prepara um banquete no cimo do seu monte.

Praticar a sinodalidade é o modo através do qual todos renovamos o nosso empenhamento nesta missão e constitui expressão da natureza da Igreja. Crescer como discípulos missionários significa, antes de tudo, responder ao chamamento de Jesus a segui-Lo, correspondendo ao dom recebido quando fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; e significa ainda aprendermos a acompanhar a história como Povo de peregrinos a caminho rumo a um destino comum: a Cidade celeste. Percorrendo este caminho, repartindo o pão da Palavra e da Eucaristia, transformamo-nos naquilo que recebemos. Saibamos compreender assim que a nossa identidade de Povo salvo e santificado tem uma imprescindível dimensão comunitária que envolve todas as gerações de crentes que nos precederam e que nos seguirão: a salvação a receber e a testemunhar é relacional, uma vez que ninguém se salva da sozinho. Ou melhor, utilizando as palavras do contributo de uma Conferência Episcopal asiática, saibamos crescer gradualmente nesta consciência: «A sinodalidade não é simplesmente um objetivo, mas um caminho de todos os Fiéis, a percorrer em conjunto, de mãos dadas. Compreendermos plenamente este sentido requer tempo»[2]. Santo Agostinho fala da vida cristão como de uma peregrinação solidária, um caminhar em conjunto «para Deus não com passos, mas com os afetos» (Sermão 306 B, 1), partilhando uma vida feita de oração, anúncio e amor ao próximo.

O Concílio Vaticano II ensina que «todos os homens são chamados a esta união com Cristo, luz do mundo, do qual vimos, por quem vivemos, e para o qual caminhamos» (LG 3). No coração do caminho sinodal está o desejo, antigo e sempre novo, de comunicar a todos a promessa e o convite do Senhor, guardados na tradição viva da Igreja, de reconhecer a presença do Ressuscitado no meio de nós e de acolher os múltiplos frutos da ação do seu Espírito. A visão da Igreja, Povo de peregrinos, que em cada parte da terra busca a conversão sinodal por amor da própria missão, guia-nos, enquanto avançamos, com alegria e esperança, no percurso do Sínodo. Esta visão contrasta duramente com a realidade de um mundo em crise, cujas feridas e desigualdades escandalosas ressoam dolorosamente no coração de todos os discípulos de Cristo, levando-nos a rezar por todas as vítimas da violência e da injustiça e a renovar o nosso compromisso ao lado das mulheres e dos homens que em toda as partes do mundo se empenham como obreiros de justiça e de paz.

Três anos de caminho

Após a abertura do processo sinodal, a 9-10 de outubro de 2021, as Igrejas locais de todo o mundo, com ritmos diferentes e expressões multiformes, empenharam-se numa primeira fase de escuta. Pertencer à Igreja significa estar inserido no único Povo de Deus, constituído por pessoas e comunidades que vivem em tempos e locais concretos: a escuta sinodal teve início a partir destas comunidades, passando em seguida pelas etapas diocesanas, nacionais e continentais, num diálogo contínuo impulsionado pela Secretaria Geral do Sínodo através de documentos de síntese e de trabalho. A circularidade do processo sinodal é uma maneira de reconhecer e valorizar o enraizamento da Igreja numa variedade de contextos, ao serviço dos laços que a unem.

A novidade desta primeira fase foi a experiência das Assembleias continentais, que reuniram as Igrejas locais da mesma macrorregião, convidando-as a aprender a escutar-se, acompanhar-se ao longo do caminho e a discernir em conjunto os principais desafios que o contexto em que se encontram coloca à realização da missão.

A Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (outubro de 2023) deu início à segunda fase, acolhendo os frutos desta escuta para discernir, na oração e no diálogo, as medidas que o Espírito exorta a realizar. Esta fase prossegue até à conclusão da Segunda Sessão (outubro de 2024), que oferecerá ao Santo Padre o fruto do próprio trabalho, com vista a uma intensa atuação concreta por parte de todas as Igrejas locais.

A preparação da Segunda Sessão baseia-se necessariamente nos resultados da Primeira, recolhidos no Relatório de Síntese (RdS). Com base nestes resultados, em linha com a circularidade que caracteriza todo o processo sinodal e com vista a uma focalização precisa dos trabalhos da Segunda Sessão, foi iniciada uma consulta posterior às Igrejas locais de todo o mundo, a partir de uma questão orientadora: «Como ser Igreja sinodal em missão?». Como especifica o documento Rumo a outubro de 2024[3], o objetivo da consulta consistia em «identificar os caminhos a percorrer e os instrumentos a adotar nos diversos contextos e nas diversas circunstâncias, de modo a valorizar a originalidade de cada Igreja local e de cada Batizado na missão única de anunciar o Senhor ressuscitado e o seu Evangelho ao mundo de hoje. Não se trata, portanto, de nos limitarmos ao projeto de melhorias técnicas ou processuais que tornem mais eficientes as estruturas da Igreja, mas de trabalhar sobre as formas concretas do empenho missionário a que somos chamados, no dinamismo entre unidade e diversidade próprio de uma Igreja sinodal».

As respostas à questão orientadora enviadas pela maioria das Conferências Episcopais e pelos seus agrupamentos continentais, pelas Igrejas Orientais Católicas, pelas Dioceses que não fazem parte de uma Conferência Episcopal, pelos Dicastérios da Cúria Romana, pelas Uniões de Superiores Gerais e pela União Internacional de Superiores Gerais em representação da vida consagrada, assim como os testemunhos de experiências e boas práticas de todas as partes do mundo e as observações de quase duzentas realidades internacionais, de faculdades universitárias, associações de Fiéis, comunidades e pessoas individuais, constituíram a base para a redação do presente Instrumentum laboris para a Segunda Sessão, fundamentando-o na vida do Povo de Deus de todo o mundo.

Estas vozes manifestaram gratidão pelo caminho percorrido e pelo cansaço que por vezes isso acarreta, mas sobretudo pelo desejo de avançar. Eis a expressão de uma Conferência Episcopal da América do Norte: «A gratidão pelo caminho sinodal é profunda […] Permanecem também tensões que exigem prosseguir na via da reflexão e do diálogo, retirando inspiração da ideia de encontro proposta pelo Papa Francisco. Mas estas tensões não quebram a comunhão da caridade na Igreja». Recorda igualmente que a estrada a percorrer é ainda longa.

Tal como nas fases precedentes, são reafirmados os frutos da adoção do método da conversação no Espírito. Refere, por exemplo, uma federação das Conferências Episcopais: «Muitas sínteses provenientes de toda a Ásia exprimem um entusiasmo incrível pela metodologia sinodal, que utiliza a conversação no Espírito como ponto de partida do caminho. Muitas Dioceses e Conferências Episcopais introduziram este método nas suas estruturas, com grande sucesso». Este entusiasmo já se traduziu em passos concretos de experimentação de um modo de proceder mais sinodal. Numa Conferência episcopal europeia «foi decidido iniciar uma fase de experimentação sinodal de cinco anos. A nível nacional, trata-se de desenvolver, valorizar e aperfeiçoar formas de consulta sinodal, de diálogo, de discernimento, bem como processos de decisão que articulam a fase de elaboração (decision-making) com a tomada de decisões (decision-taking). Foram tidas em consideração as experiências das Dioceses, tal como as iniciativas sinodais em outras partes do mundo e na Igreja universal. Estamos no início de um percurso de aprendizagem exigente, mas importante». É grande a consciência do valor das Igrejas locais e do seu caminho, da riqueza de que são portadoras e da necessidade de fazer ouvir as suas vozes. Uma Conferência Episcopal africana refere o seguinte: «não é possível considerar e tratar as Igrejas locais simplesmente como destinatárias do anúncio do Evangelho, cujo contributo é pouco ou nulo».

A estes contributos vêm juntar-se os frutos do Encontro internacional “Os Párocos pelo Sínodo” (Sacrofano [Roma], 28 de abril – 2 de maio de 2024), que permitiu escutar os Sacerdotes envolvidos no ministério paroquial. As sínteses dos grupos de trabalho exprimem em primeiro lugar «a alegria pela possibilidade de escutar a vivência: uma experiência enriquecedora, que alimentou um profundo sentido de compreensão e respeito pela especificidade do contexto de cada um». Exprimem «a necessidade de uma nova compreensão do papel do Pároco numa Igreja sinodal, no respeito pela diversidade de tradições na Igreja» e a preocupação de não conseguir congregar as periferias e os que vivem nas margens: «Se a Igreja quer ser sinodal, deve escutar estas pessoas».

Ofereceram igualmente material para a redação do presente Instrumentum laboris os cinco grupos constituídos pela Secretaria Geral do Sínodo e compostos por peritos de diferentes proveniências geográficas, géneros e condições eclesiais, que trabalharam com o método sinodal, tendo em vista um aprofundamento teológico e canónico da noção de sinodalidade e das suas implicações para a vida da Igreja[4].

Foi confiada a um grupo de peritos, composto por Bispos, Presbíteros, Consagrados, Leigos, homens e mulheres, teólogos, canonistas e biblistas de todos os continentes e de diferentes condições eclesiais, a tarefa de ler todos os contributos e materiais recebidos, articulando as respostas dadas à questão fundamental, com vista à redação do presente Instrumentum laboris. As reflexões deste grupo, assim como as dos cinco Grupos de trabalho acima referidos, serão igualmente tidas em conta no material que irá acompanhar este Instrumentum laboris, verificando o fundamento teológico de alguns conteúdos.

Paralelamente ao trabalho de preparação da Segunda Sessão, arrancou a tarefa dos dez Grupos de estudo [5], encarregado de aprofundar outras tantas temáticas[6] emergentes do RdS, e identificadas pelo Santo Padre no final de uma consulta internacional. Estes Grupos de estudo, compostos por Pastores e peritos de todos os continentes, seguem um método de trabalho sinodal, são «constituídos de comum acordo entre os Dicastérios da Cúria Romana competentes para tratar dos diversos temas e a Secretaria-Geral do Sínodo, à qual é confiada a coordenação», com base no Quirógrafo assinado pelo Papa Francisco a 16 de fevereiro de 2024 e no espírito da Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (art. 33). Deverão concluir o aprofundamento até junho de 2025, se possível, mas irão entregar à Assembleia de outubro de 2024 um relatório sobre o andamento dos trabalhos. Deste modo, sem aguardar a conclusão da Segunda Sessão, o Papa Francisco já recebeu algumas indicações da Primeira e iniciou os trabalhos da fase de implementação, na forma prevista pela Constituição Apostólica Episcopalis Communio: «Juntamente com o Dicastério competente da Cúria Romana, bem como, segundo o tema e as circunstâncias, com os outros Dicastérios de vários modos interessados, a Secretaria Geral do Sínodo promove, na parte que lhe cabe, a implementação das orientações sinodais aprovadas pelo Romano Pontífice» (art. 20, c. 1). Por outro lado, de acordo com o Dicastério para os Textos Legislativos, foi instituída ao serviço do Sínodo uma Comissão canónica. Por último, em aplicação das indicações fornecidas pela Primeira Sessão (cf. RdS 16q), a 25 de abril de 2024 o SECAM (Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar) anunciou a constituição de uma Comissão especial para o discernimento das implicações teológicas e pastorais da poligamia para a Igreja em África.

Um instrumento de trabalho para a Segunda Sessão

Através de um caminho tecido de silêncio, oração, escuta da Palavra de Deus, diálogo fraterno e encontros jubilosos, por vezes não isentos de fadiga, como Povo de Deus amadurecemos uma consciência mais profunda da nossa relação de irmãos e irmãs em Cristo, com a responsabilidade comum de ser uma comunidade de salvos, que com a palavra e com a vida anuncia ao mundo inteiro a beleza do Reino de Deus. Esta identidade não é uma ideia abstrata, mas uma experiência vivida, feita de nomes e rostos. Na preparação para a Segunda Sessão, e durante os seus trabalhos, vamos continuar a depararmo-nos com esta pergunta: de que modo a identidade de Povo de Deus sinodal em missão pode assumir uma forma concreta nas relações, percursos e lugares em que decorre a vida da Igreja?

Esta é a finalidade que se pretende atingir com o presente Instrumentum laboris, ao qual se aplica tudo quanto já foi afirmado em relação ao da Primeira Sessão: «não é um documento do Magistério da Igreja, nem o relatório de um inquérito sociológico; não oferece a formulação de indicações operativas, de metas e objetivos, nem a completa elaboração de uma visão teológica» (n. 10; cf. DEC n. 8). Para o compreender é fundamental colocá-lo no âmbito do processo sinodal no seu conjunto, na medida em que é formado pela circularidade do diálogo entre as Igrejas e animado e apoiado pelo trabalho da Secretaria-Geral do Sínodo. A Primeira Sessão da Assembleia (2023) tinha recolhido os frutos da dupla consulta local e continental em busca «dos sinais caraterísticos de uma Igreja sinodal e sobre as dinâmicas de comunhão, missão e participação que a habitam» (RdS, Introdução). Através da oração, do diálogo e do discernimento recolheu e expressou no RdS as convergências, as questões a enfrentar e as propostas resultantes do trabalho comum. Daqui surge aquela que poderíamos descrever como uma primeira resposta à pergunta «Igreja sinodal, o que dizes de ti mesma?». A Segunda Sessão não percorre os mesmos passos, mas é chamada a ir mais além, focando-se na sua questão orientadora: «Como ser Igreja sinodal em missão?». Em relação a outras questões surgidas durante o caminho, prossegue o trabalho com outras modalidades, a nível das Igrejas locais, bem como nos dez Grupos de estudo. As duas Sessões não podem ser separadas e muito menos opostas: decorrem em continuidade e sobretudo fazem parte de um processo mais amplo que, de acordo com as indicações da Constituição Apostólica Episcopalis communio, não terminará no final de outubro de 2024.

Concretamente, o presente Instrumentum laboris principia com uma sessão dedicada aos Fundamentos da compreensão da sinodalidade, que reitera a consciência amadurecida ao longo do percurso e consagrada pela Primeira Sessão. Seguem-se três Partes estreitamente ligadas, que ilustram com perspetivas diferentes a vida sinodal missionária da Igreja: I) a perspetiva das Relações – com o Senhor, entre irmãos e irmãs e entre as Igrejas – que sustentam a vitalidade da Igreja muito mais radicalmente que as suas estruturas; II) a perspetiva dos Percursos que suportam e alimentam de modo concreto o dinamismo das relações; III) a perspetiva dos Lugares que, contra a tentação de um universalismo abstrato, falam do concreto dos contextos em que se encarnam as relações, com a sua variedade, pluralidade e interconexão, e com o seu enraizamento no fundamento nascido da profissão de fé. Cada uma destas Sessões será objeto da oração, da partilha e do discernimento num dos módulos que marcarão os trabalhos da Segunda Sessão, em que cada um será convidado a «oferecer o seu próprio contributo como um dom para os outros e não como uma certeza absoluta» (RdS, Introdução), num percurso que os membros da Assembleia são chamados a redigir em conjunto. Nesta base será elaborado um Documento Final, relativo a todo o processo até então realizado, que oferecerá ao Santo Padre orientações sobre as medidas a adotar e as modalidades concretas para as concretizar.

Podemos esperar um aprofundamento da compreensão partilhada da sinodalidade, um maior enfoque das práticas de uma Igreja sinodal e também a proposta de algumas alterações no direito canónico (outras, mais significativas, que poderão ser implementadas após uma melhor assimilação e vivência da proposta de fundo), mas seguramente não a resposta a todas as questões. Até porque outras irão surgir ao longo do caminho de conversão e de reforma que a Segunda Sessão convidará toda a Igreja a realizar. Entre os ganhos do processo até à data implementado podemos certamente incluir o facto de ter experimentado e aprendido um método que nos permite abordar em conjunto as questões no diálogo e no discernimento. Estamos ainda a aprender como ser Igreja sinodal missionária, mas é uma missão que experienciámos poder empreender com alegria.

Fundamentos

Esta secção do Instrumentum laboris procura definir os fundamentos da visão de uma Igreja sinodal missionária, convidando-nos a aprofundar a compreensão do mistério da Igreja. Fá-lo sem pretender oferecer um tratado completo de eclesiologia, mas colocando-se ao serviço do percurso de discernimento da Assembleia sinodal de outubro de 2024. Responder à pergunta «Como ser Igreja sinodal em missão?» requer um horizonte que permita inserir as reflexões e as propostas pastorais e teológicas, orientando um percurso que é fundamentalmente um caminho de conversão e reforma. Por sua vez, as medidas concretas implementadas pela Igreja permitirão definir melhor o horizonte e aprofundar a compreensão dos fundamentos, numa circularidade que marca toda a história da Igreja.

Em Cristo, luz de todos os povos, somos um único Povo de Deus, chamado a ser sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do género humano. Fazemo-lo caminhando unidos na história, vivendo a comunhão que se alimenta da vida trinitária, promovendo a participação de todos, com vista a uma missão comum. Esta visão está bem enraizada na tradição viva da Igreja. O processo sinodal permitiu amadurecer uma consciência renovada, que se exprime nas convergências verificada durante o caminho iniciado em 2021. A Primeira Sessão da Assembleia sinodal (outubro de 2023) reconheceu-as e recolheu-as no RdS, que as lançou a toda a Igreja com vista ao discernimento que completará a Segunda Sessão.

A Igreja Povo de Deus, sacramento de unidade

  1. Do Batismo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo resulta a identidade mística, dinâmica e comunitária do Povo de Deus, orientada para a plenitude da vida na qual o Senhor Jesus nos precede e para a missão de convidar cada homem e cada mulher a acolher em liberdade o dom da salvação (cf. Mt 28,18-19). No Batismo, Jesus reveste-nos da sua natureza, partilha connosco a sua identidade e a sua missão (cf. Gal 3,27).
  2. «Aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que O conhecesse na verdade e O servisse santamente» (LG 9), participando na comunhão da Trindade. No seu Povo e através dele, Deus realiza e manifesta a salvação que nos oferece em Cristo. A sinodalidade assenta nesta visão dinâmica do Povo de Deus com uma vocação universal para a santidade e para a missão, em peregrinação para o Pai seguindo os passos de Jesus Cristo e animado pelo Espírito Santo. Nos diversos contextos em que vive e caminha, este Povo de Deus sinodal e missionário anuncia e testemunha a Boa Nova da salvação; caminhando juntamente com todos os povos da terra, com as suas culturas e religiões, dialoga com eles e acompanha-os.
  3. O processo sinodal desenvolveu a consciência do que significa ser Povo de Deus reunido como «Igreja de toda a tribo, língua, povo e nação» (RdS 5), que vive o seu caminho em direção ao Reino em contextos e culturas diversos. O Povo de Deus é o sujeito comunitário que percorre as etapas da história da salvação, em marcha para a plenitude. O Povo de Deus não é a soma dos Batizados, mas o “nós” da Igreja, sujeito comunitário e histórico da sinodalidade e da missão, dado que todos podem receber a salvação preparada por Deus. Incorporados neste Povo pela fé e o Batismo, somos acompanhados pela Virgem Maria, «sinal de esperança segura e de consolação, para o Povo de Deus ainda peregrinante, até que chegue o dia do Senhor (cf. 2 Pd 3,10)» (LG 68), pelos Apóstolos, por todos os que testemunharam a sua fé mesmo com a própria vida, pelos santos reconhecidos e pelos santos “da porta do lado”.
  4. «A luz dos povos é Cristo» (LG 1) e esta luz resplandece sobre o rosto da Igreja, que «em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (ibid.). Como a lua, a Igreja brilha com luz reflexa: não pode, portanto, entender a sua missão em sentido autorreferencial, mas detém a responsabilidade de ser o sacramento da união, das relações e da comunhão com vista à unidade de todo o género humano, também no nosso tempo tão dominado pela crise da participação, ou seja, de sentir-se parte de um destino comum, e por uma conceção muitas vezes individualista da felicidade e assim da salvação. Na sua missão, a Igreja comunica ao mundo o projeto de Deus de unir a si toda a humanidade na salvação. Ao fazê-lo não se anuncia a si mesma, «mas Cristo Jesus Senhor» (2 Cor 4,5). Se assim não fosse, perderia o seu ser, em Cristo, «como sacramento» (cf. LG 1) e, portanto, a sua própria identidade e razão de ser. Na via para a plenitude, a Igreja é o sacramento do Reino de Deus no mundo.

O significado partilhado de sinodalidade

  1. Os termos sinodalidadesinodalderivam da antiga e constante prática eclesial da reunião em Sínodo[7] e, graças à experiência dos últimos anos, foram amplamente compreendidos e mais ainda vividos. Estão cada vez mais associados ao «desejo de uma Igreja mais próxima das pessoas, menos burocrática e mais relacional» (RdS 1b), que seja casa e família de Deus. No decurso da sua Primeira Sessão, a Assembleia amadureceu uma convergência sobre o significado de “sinodalidade” que está na base deste Instrumentum laboris. Os diversos percursos de aprofundamento atualmente em curso apontam para um maior enfoque da perspetiva católica nesta dimensão constitutiva da Igreja, num diálogo com as outras tradições cristãs respeitador das diferenças e especificidades de cada uma. No seu sentido mais amplo, «a sinodalidade pode ser entendida como os cristãos a caminhar com Cristo, em direção ao Reino, juntamente com toda a humanidade; orientada para a missão, ela engloba os momentos de reunir-se em assembleia aos diferentes níveis da vida eclesial, a escuta recíproca, o diálogo, o discernimento comunitário, a criação de consensos como expressão de tornar presente Cristo vivo no Espírito e a assunção de uma decisão numa corresponsabilidade diferenciada» (RdS 1h).
  2. Sinodalidade designa, portanto, «o estilo peculiar que qualifica a vida e a missão da Igreja» (CTI, n. 70), um estilo que parte da escuta como primeiro ato da Igreja. A fé, que nasce da escuta do anúncio da Boa Nova (cf. Rm 10,17), vive pela escuta: escuta da Palavra de Deus, escuta do Espírito Santo, escuta uns dos outros, escuta da tradição viva da Igreja e do seu magistério. Nas etapas do processo sinodal, a Igreja experimentou mais uma vez aquilo que as Escrituras ensinam: apenas é possível anunciar o que se escutou.
  3. A sinodalidade «deve exprimir-se no modo normal de viver e atuar da Igreja […] e realiza-se através da escuta comunitária da Palavra e da celebração da Eucaristia, da fraternidade da comunhão e da corresponsabilidade e participação de todo o Povo de Deus, aos seus vários níveis e na distinção dos diversos ministérios e funções, na sua vida e na sua missão» (ibid.). O termo indica assim as estruturas e os processos eclesiais nos quais a natureza sinodal da Igreja se exprime a nível institucional e designa, por último, os eventos particulares para os quais a Igreja é convocada pela autoridade competente (cf. ibid.). Na sua referência à realidade da Igreja, a categoria de sinodalidade não se coloca como alternativa à da comunhão. Com efeito, no contexto da eclesiologia do Povo de Deus ilustrada pelo Concílio Vaticano II, o conceito de comunhão exprime a substância profunda do mistério e da missão da Igreja, que tem na celebração da Eucaristia a sua fonte e o seu cume, ou seja, a união com Deus Trinitário e a unidade entre as pessoas humanas, que se realiza em Cristo mediante o Espírito Santo. A sinodalidade, no mesmo contexto, «indica o modo de viver e atuar específico da Igreja Povo de Deus que manifesta e realiza em concreto o seu ser comunhão no “caminhar juntos”, na reunião em assembleia e na participação ativa de todos os seus membros na sua missão evangelizadora» (CTI, n. 6).
  4. A sinodalidade não implica, de modo algum, a desvalorização da autoridade e da missão específica que o próprio Cristo confiou aos Pastores: os Bispos com os Presbíteros, seus colaboradores, e o Romano Pontífice como «perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis» (LG 23). Antes, oferece «o quadro interpretativo mais apropriado para compreender o próprio ministério hierárquico» (Francisco, Discurso na comemoração do 50.º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015), convidando toda a Igreja, incluindo os que exercem uma autoridade, a uma verdadeira conversão e reforma.
  5. A sinodalidade não é um fim em si mesma. Na medida em que oferece a possibilidade de exprimir a natureza da Igreja e permite valorizar todos os carismas, vocações e ministérios eclesiais, permite à comunidade dos que «creem e olham para Jesus» (LG 9) anunciar da forma mais adequada o Evangelho às mulheres e aos homens de todos os lugares e de todos os tempos, e de ser «sacramento visível» (ibid.) da unidade salvífica querida por Deus. Sinodalidade e missão estão assim intimamente ligadas. Se a Segunda Sessão destaca alguns aspetos da vida sinodal, fá-lo tendo em vista uma maior eficácia da missão. Ao mesmo tempo, a sinodalidade é condição necessária para prosseguir o caminho ecuménico rumo à unidade visível de todos os cristãos. O Grupo de estudo n. 10 ocupa-se da recolha dos frutos do caminho ecuménico nas práticas eclesiais.

A unidade como harmonia nas diferenças

  1. O dinamismo da comunhão eclesial e assim da vida sinodal da Igreja encontra na liturgia eucarística o seu modelo e a sua concretização. Nela a comunhão dos Fiéis (communio Fidelium) é simultaneamente a comunhão das Igrejas (communio Ecclesiarum), que si manifesta na comunhão dos Bispos (communio Episcoporum)em razão do princípio antiquíssimo que «a Igreja está no Bispo e o Bispo está na Igreja» (S. Cipriano, Carta 66, 8). O Senhor colocou o apóstolo Pedro (cf. Mt 16,18) e os seus sucessores ao serviço da comunhão. Por força do ministério petrino, o Bispo de Roma é «o perpétuo e visível fundamento» (LG 23) da unidade da Igreja, expressa na comunhão de todos os Fiéis, de todas as Igrejas, de todos os Bispos. Manifesta-se assim a harmonia que o Espírito opera na Igreja, Ele que é a harmonia em pessoa (cf. S. Basílio, Sobre o Salmo 29, 1)
  2. Ao longo do processo sinodal, o desejo de unidade da Igreja foi crescendo ao mesmo tempo com a consciência das diversidades que nela coexistem. A partilha entre as Igrejas recordou precisamente que não existe missão sem contexto, isto é, sem um claro reconhecimento de que o dom do Evangelho é oferecido a pessoas e comunidades que vivem em tempos e lugares específicos, não fechadas em si, mas portadoras de histórias que são reconhecidas, respeitadas e convidadas a abrirem-se a horizontes mais vastos. Um dos maiores dons recebidos ao longo do caminho foi a possibilidade de encontrar e celebrar a beleza do «rosto pluriforme da Igreja» (S. João Paulo II, Novo Millennio Ineunte,40). A renovação sinodal favorece a valorização dos contextos como lugar em que se torna presente e se realiza o chamamento universal de Deus a fazer parte do seu Povo, do Reino de Deus que é «justiça, paz e alegria no Espírito Santo» (Rm 14,17). Deste modo, culturas diferentes podem receber a unidade que está subjacente e completa a sua vibrante pluralidade. A valorização dos contextos, das culturas e da diversidade é um ponto chave para crescer como Igreja sinodal missionária.
  3. Cresceu igualmente o reconhecimento da variedade de carismas e vocações que o Espírito Santo constantemente suscita no Povo de Deus. Nasce assim o desejo de crescer na capacidade de os discernir, de compreender as relações existentes na vida concreta de cada Igreja e de toda a Igreja e, principalmente, de as articular para o bem da missão. Isto significa também refletir mais profundamente sobre a questão da participação em relação com a comunhão e a missão. Em cada fase do processo ficou patente o desejo de ampliar as possibilidades de participação e de exercício da corresponsabilidade de todos os Batizados, homens e mulheres, na variedade dos seus carismas, vocações e ministérios. Este desejo aponta em três direções. A primeira é a necessidade de “atualizar” a capacidade de anúncio e transmissão da fé com modalidades e meios apropriados ao contexto atual. A segunda é a renovação da vida litúrgica e sacramental, a partir de celebrações belas, dignas, acessíveis, plenamente participativas, bem inculturadas e capazes de fomentar o entusiasmo para a missão. A terceira direção visa combater a tristeza provocada pela falta de participação de tantos membros do Povo de Deus neste caminho de renovação eclesial e pela fadiga da Igreja em viver plenamente um relacionamento saudável entre homens e mulheres, entre gerações e entre pessoas e grupos de diferentes identidades culturais e condições sociais, em especial os pobres e os excluídos. Esta debilidade na reciprocidade, na participação e na comunhão continua a ser um obstáculo a uma plena renovação da Igreja em sentido sinodal missionário.

Irmãs e irmãos em Cristo: uma reciprocidade renovada

  1. A primeira diferença que encontramos como pessoas humanas é a existente entre homens e mulheres. A nossa vocação de cristãos consiste em honrar esta diferença dada por Deus, vivendo no seio da Igreja uma reciprocidade relacional dinâmica como sinal para o mundo. Na reflexão realizada sobre esta visão em chave sinodal, os contributos recolhidos em todas as fases evidenciaram a necessidade de conferir um maior reconhecimento aos carismas, às vocações e ao papel das mulheres em todos os aspetos da vida da Igreja como passo indispensável para promover esta reciprocidade relacional. A perspetiva sinodal evidencia três pontos teológicos de referência como orientação para o discernimento: a) a participação está alicerçada nas implicações eclesiológicas do Batismo; b) na qualidade de Povo de Batizados, somos chamados a não enterrar os nossos talentos, mas a reconhecer os dons que o Espírito infunde em cada um para bem da comunidade e do mundo ; c) no respeito pela vocação de cada um, os dons que o Espírito concede aos Fiéis estão ordenados entre si e a colaboração de todos os Batizados é praticada na base da corresponsabilidade. O testemunho da Sagrada Escritura orienta-nos nesta reflexão: Deus escolheu algumas mulheres como primeiras testemunhas e anunciadoras da ressurreição. Por força do Batismo, estão em condições de perfeita igualdade, recebem a mesma efusão de dons por parte do Espírito e são chamadas ao serviço da missão de Cristo.
  2. Neste sentido, a primeira mudança a efetuar é a da mentalidade: uma conversão a uma visão de relacionalidade, interdependência e reciprocidade entre mulheres e homens, que são irmãs e irmãos em Cristo, com vista à missão comum. A comunhão, a participação e a missão da Igreja são as primeiras a sofrer as consequências de uma falta de conversão das relações e das estruturas. Como afirma o contributo de uma Conferência Episcopal latino-americana: «uma Igreja em que todos os membros possam sentir-se corresponsáveis é também um lugar atrativo e credível».
  3. Os contributos das Conferências Episcopais reconhecem que são numerosos os aspetos da vida da Igreja abertos à participação das mulheres. No entanto, referem também que estas possibilidades de participação frequentemente não são utilizadas. Sugerem por isso que a Segunda Sessão promova a consciencialização das mesmas e fomente o seu desenvolvimento posterior no âmbito das Paróquias, das Dioceses e das restantes realidades eclesiais, incluindo os cargos de responsabilidade. Por outro lado, é necessário explorar outras formas ministeriais e pastorais, a fim de conferir uma expressão mais apropriada aos carismas que o Espírito infunde nas mulheres em resposta às exigências pastorais do nosso tempo. Assim se exprime uma Conferência episcopal latino-americana: «Na nossa cultura permanece forte a presença do machismo, sendo necessária uma participação mais ativa das mulheres em todos os setores eclesiais. Como afirma o Papa Francisco, a sua perspetiva é indispensável nos processos decisórios e na assunção de funções nas diversas formas de pastoral e de missão».
  4. Dos contributos das Conferências episcopais resultam exigências concretas a submeter à apreciação da Segunda Sessão, entre as quais: a) a promoção de espaços de diálogo na Igreja, que permitam às mulheres partilhar experiências, carismas, competências, intuições espirituais, teológicas e pastorais para benefício de toda a Igreja; b) uma participação mais alargada das mulheres nos processos de discernimento eclesial e em todas as fases dos processos decisórios (proposta e tomada de decisões); c) um acesso mais alargado a posições de responsabilidade nas Dioceses e nas instituições eclesiásticas, na linha das disposições já existentes; d) um maior reconhecimento e um apoio mais firme à vida e aos carismas das Consagradas e o seu envolvimento em posições de responsabilidade; e) o acesso das mulheres a cargos de responsabilidade nos seminários, nos institutos e nas faculdades de teologia; f) o aumento do número de mulheres que exercem as funções de juiz nos processos canónicos. Os contributos continuam ainda a chamar a atenção para o uso de linguagem e de uma série de imagens extraídas das Escrituras e da tradição na pregação, no ensino, na catequese e na redação dos documentos oficiais da Igreja.
  5. Enquanto algumas Igrejas locais requerem que as mulheres sejam admitidas ao ministério diaconal, outras reafirmam o contrário. Em relação a este tema, que não será objeto dos trabalhos da Segunda Sessão, é conveniente que prossiga a reflexão teológica, com tempos e modalidades adequados. Contribuirão para o seu amadurecimento os frutos do Grupo de estudo n. 5, o qual tomará em consideração os resultados das Comissões que se dedicaram a este tema no passado.
  6. Muitos dos pedidos e exigências acima referidos são igualmente aplicáveis aos leigos do sexo masculino, cuja escassa participação na vida da Igreja é lamentada. Em geral, a reflexão sobre o papel das mulheres evidencia frequentemente o desejo de um reforço de todos os ministérios exercidos pelos Leigos (homens e mulheres). Solicita-se ainda que Fiéis leigos de ambos os sexos, devidamente formados, possam contribuir para a pregação da Palavra de Deus inclusivamente durante a celebração da Eucaristia.

Chamada à conversão e à reforma

  1. Jesus iniciou o seu ministério público com uma chamada à conversão (cf. Mc 1,15). É um convite a repensar o modo de vida pessoal e comunitário e a deixar-se transformar pelo Espírito. Nenhuma reforma poderá limitar-se exclusivamente às estruturas, devendo assentar numa transformação interior segundo os «sentimentos de Cristo Jesus» (Fil 2,5). Para uma Igreja sinodal, a primeira conversão é a da escuta, cuja descoberta constituiu um dos principais frutos do percurso realizado até agora: em primeiro lugar, a escuta do Espírito Santo, que é o verdadeiro protagonista do Sínodo e, em seguida, a escuta recíproca como disposição essencial para a missão
  2. O estilo sinodal da Igreja oferece muitas pistas importantes para a humanidade. Numa época marcada por desigualdades cada vez mais acentuadas, por uma crescente desilusão face aos modelos tradicionais de governo, pelo desencanto em relação ao funcionamento da democracia, pelo predomínio do modelo de mercado nas relações interpessoais e pela tentação de resolver os conflitos pela força e não pelo diálogo, a sinodalidade poderá oferecer uma inspiração para o futuro da nossa sociedade. O seu poder de atração deriva do facto de não ser uma estratégia de gestão, mas sim uma prática de viver e celebrar na gratidão. O modo sinodal de viver as relações é um testemunho social que responde à profunda necessidade humana de ser acolhido e sentir-se reconhecido no seio de uma comunidade concreta. É um desafio ao crescente isolamento das pessoas e ao individualismo cultural, que também a Igreja muitas vezes absorveu, e que nos chama a um cuidado recíproco, a uma interdependência e à corresponsabilidade pelo bem comum. É também um desafio a um comunitarismo social exagerado que sufoca as pessoas e não lhes permite ser sujeitos livres do próprio desenvolvimento. A disponibilidade para a escuta de todos, especialmente dos pobres, promovida pelo estilo de vida sinodal está em nítido contraste com um mundo em que a concentração do poder exclui os pobres, os marginalizados e as minorias. A concretização do processo sinodal veio demonstrar quanto a própria Igreja tinha necessidade de crescer nesta dimensão: o Grupo de estudo n. 2 trabalha este tema.
  3. Em todas as fases do processo sinodal ecoou com força a necessidade de cura, reconciliação e recuperação da confiança no seio da Igreja e da sociedade. Trata-se de uma diretiva fundamental do empenhamento missionário do Povo de Deus no nosso mundo e, ao mesmo tempo, de um dom que devemos invocar do alto. O desejo de caminhar nesta estrada é em si mesmo um fruto da renovação sinodal.

Parte I – Relações

Ao longo de todo o processo sinodal e em todas as latitudes emergiu a exigência de uma Igreja não burocrática, mas capaz de nutrir as relações: com o Senhor, entre homens e mulheres, na família, na comunidade, entre grupos sociais. Somente uma trama de relações entretecida pela multiplicidade das pertenças está em condições de apoiar as pessoas e as comunidades, oferecendo-lhes pontos de referência e de orientação e revelando a beleza da vida segundo o Evangelho: é nas relações – com Cristo, com os outros, na comunidade – que se transmite a fé.

A sinodalidade, enquanto exigência da missão, não é entendida como um expediente organizativo, mas sim vivida e cultivada como o conjunto das formas segundo as quais os discípulos de Jesus tecem relações solidárias, capazes de corresponder ao amor divino que continuamente os reúne e que são chamados a testemunhar nos contextos concretos em que se encontram. Compreender como ser Igreja sinodal em missão passa, portanto, por uma conversão relacional, que reoriente as prioridades e as ações de cada um, nomeadamente daqueles que têm a missão de animar as relações ao serviço da unidade, no concreto de uma partilha de dons que liberta e enriquece todos.

Em Cristo e no Espírito: a iniciação cristã

  1. «A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na “missão” do Filho e do Espírito Santo» (AG 2). O encontro com Jesus, a adesão de fé à sua pessoa e a iniciação cristã introduzem-nos na própria vida da Trindade. Com a doação do Espírito Santo, o Senhor Jesus torna participantes da sua relação com o Pai todos os que recebem o Batismo. O Espírito que preenchia plenamente Jesus e que o guiava (cf. Lc 4,1), que o consagrou com a unção e o enviou a proclamar o Evangelho (cf. Lc 4,18) e que o ressuscitou dos mortos (cf. Rm 8,11), é o mesmo Espírito que consagra com a unção os membros do Povo de Deus. Este Espírito torna-nos filhos e herdeiros de Deus e por seu intermédio dirigimo-nos a Deus chamando-lhe «Abbà! Pai!» (Gal 4,6; Rm 8,15).
  2. Para compreender a natureza de uma Igreja sinodal em missão é indispensável captar o fundamento trinitário e, em particular, a ligação indissociável entre a ação de Cristo e a ação do Espírito Santo na história humana e na Igreja: «O Espírito Santo habita nos crentes, enche e rege toda a Igreja, realiza aquela maravilhosa comunhão dos Fiéis e une a todos tão intimamente em Cristo, que é o princípio da unidade da Igreja» (UR 2). Por isso, o caminho da iniciação cristã do adulto é um contexto privilegiado para compreender a vida sinodal da Igreja, pondo em destaque a sua origem e fundamento: as relações que unem e distinguem as três Pessoas divinas. Mediante os dons batismais, o Espírito Santo conforma-nos com Cristo rei, sacerdote e profeta, torna-nos membros do seu corpo, que é a Igreja, e faz-nos filhos do único Pai. Somos assim chamados à missão e à corresponsabilidade por tudo o que nos une numa única Igreja. Esses dons têm uma tríplice e inseparável orientação: pessoal, comunitária e missionária. Eles capacitam e envolvem todos os Batizados, homens e mulheres: na construção de relações fraternas na própria comunidade eclesial; na busca de uma comunhão cada vez mais visível e profunda com todos aqueles com quem partilhamos o mesmo Batismo; no anúncio e no testemunho do Evangelho.
  3. Se, por um lado, a sinodalidade missionária assenta na iniciação cristã, por outro, deve iluminar o modo como o Povo de Deus vive concretamente o itinerário da iniciação e o assume, fazendo-o precisamente por aquilo que de facto significa, superando uma visão estática e individualista, não suficientemente ligada ao seguimento de Cristo e à vida no Espírito, a fim de recuperar o seu valor dinâmico e transformador. Nos primeiros séculos, lendo no Génesis que ao sexto dia Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem, à nossa semelhança» (Gen 1,26), os cristãos constataram como o dinamismo relacional se encontrava inscrito na antropologia da criação. Viram na imagem o Filho encarnado e na semelhança a possibilidade gradual da conformação, a manifestação da aventura benéfica da liberdade de optar por ser com e como Cristo. Esta aventura principia com a escuta da Palavra de Deus, graças à qual o catecúmeno entra progressivamente no seguimento de Cristo Jesus. O Batismo está ao serviço do dinamismo da semelhança, e por essa razão não é um ato pontual encerrado no momento da sua celebração, mas um dom que deve ser confirmado, alimentado e posto a render mediante o empenhamento na conversão, no serviço da missão e na participação na vida comunitária. Com efeito, a iniciação cristã culmina na Eucaristia dominical, que se repete todas as semanas, sinal do dom incessante da graça que nos conforma a Cristo e nos torna membros do seu corpo e alimento que nos sustenta no caminho de conversão e na missão.
  4. Neste sentido, a assembleia eucarística manifesta e alimenta a vida sinodal missionária da Igreja. Na participação de todos os cristãos, na presença de diferentes ministérios e na presidência por parte do Bispo ou do Presbítero, torna-se visível a comunidade cristã, na qual se verifica uma corresponsabilidade diferenciada de todos para a missão. A liturgia, como «cume para o qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde dimana toda a sua energia» (SC 10), é simultaneamente a fonte da vida sinodal da Igreja e o protótipo de cada evento sinodal, fazendo aparecer «como num espelho» (1 Cor 13,12; cf. DV 7) o mistério da Trindade.
  5. Convém que propostas pastorais e práticas litúrgicas conservem e tornem sempre mais evidente a ligação entre o itinerário da iniciação cristã e a vida sinodal e missionária da Igreja, evitando reduzi-la a um instrumento meramente pedagógico ou indicador de uma pertença puramente social, e promovendo pelo contrário o acolhimento do dom pessoal orientado para a missão e a edificação da comunidade. As medidas pastorais e litúrgicas apropriadas serão elaboradas na pluralidade das situações históricas e das culturas em que se inserem as diversas Igrejas locais, tendo igualmente em conta as diferenças entre aquelas em que a iniciação cristã envolve sobretudo os jovens ou os adultos e as que são principal ou exclusivamente direcionadas para as crianças.

Para o Povo de Deus: carismas e ministérios

  1. «Há diversidade de carismas, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para o bem comum» (1Cor 12,4-7). Na origem da diversidade de carismas (dons gratuitos) e dos ministérios (formas de serviço na Igreja com vista à sua missão) está a liberdade do Espírito Santo: ele concede e atua incessantemente para que se manifestem a unidade da fé e a pertença à Igreja una e única na variedade das pessoas, das culturas e dos lugares. Os carismas, mesmo os mais simples e mais comuns, destinam-se a dar resposta às necessidades da Igreja e da sua missão (cf. LG 12). Ao mesmo tempo, contribuem eficazmente para a vida da sociedade, nos seus vários aspetos. Os carismas são frequentemente partilhados e dão origem às diversas formas da vida consagrada e ao pluralismo das agregações eclesiais.
  2. O contexto primário em que são chamados a manifestar-se os carismas de que cada Batizado é portador não é a organização das atividades ou das estruturas eclesiais: é na vida quotidiana, nas relações familiares e sociais, nas mais díspares situações em que os cristãos, individualmente ou em associação, são chamados a fazer frutificar os dons gratuitos recebidos para o bem de todos. Tanto a fecundidade dos carismas, como a dos ministérios depende da ação de Deus, da vocação a que Ele chama cada pessoa, do generoso e consciente acolhimento pelos Batizados, e do reconhecimento e acompanhamento por parte da autoridade. Por conseguinte, não podem de modo algum ser interpretados como propriedade de quem os recebe e os exerce, nem destinados a seu benefício exclusivo.
  3. Enquanto expressão da liberdade do Espírito na concessão dos seus dons, e enquanto resposta às necessidades das comunidades individuais, existe na Igreja uma variedade de ministérios que podem ser exercidos por qualquer Batizado, homem ou mulher. Trata-se de serviços não ocasionais, reconhecidos pela comunidade e por quem tem a missão de a guiar. Podem ser designados ministérios batismais, para indicar a sua origem comum (o Batismo) e para os distinguir dos ministérios ordenados, radicados no sacramento da Ordem. Existem, por exemplo, homens e mulheres que exercem o ministério de coordenação de uma pequena comunidade eclesial, o ministério de orientação de momentos de oração (em funerais ou outras ocasiões), o ministério extraordinário da comunhão ou outros serviços não necessariamente de carácter litúrgico. Os ordenamentos canónicos latinos e orientais já preveem que, em alguns casos, também os Fiéis leigos, homens ou mulheres, possam ser ministros extraordinários do Batismo. No ordenamento latino, o Bispo pode delegar em Fiéis leigos, homens ou mulheres, a função de assistir aos Matrimónios. É útil continuar a refletir no modo de confiar estes ministérios aos Leigos de uma maneira mais estável. Esta reflexão é acompanhada pela referente à promoção de formas mais numerosas de ministerialidade laical, também fora do âmbito litúrgico.
  4. Recentemente, algumas modalidades de serviço há muito presentes na vida da Chiesa receberam uma nova configuração como ministérios instituídos: o ministério dos leitores e dos acólitos (cf. Carta Apostólica sob forma de «Motu Proprio» Spiritus Domini, 10 de janeiro de 2021). Foi igualmente criado o ministério instituído dos catequistas (cf. Carta Apostólica sob forma de «Motu Proprio»Antiquum ministerium, 10 de maio de 2021). Os ministérios são conferidos pelo Bispo a homens e mulheres, uma única vez na vida, segundo um rito próprio, após um discernimento apropriado e uma formação adequada. Os tempos e modos do seu exercício devem ser definidos por um mandato da autoridade competente. O aprofundamento de algumas questões teológicas e canônicas referentes a formas específicas de ministerialidade eclesial – em particular a questão da necessária participação das mulheres na vida e orientação da Igreja – foi confiado ao Dicastério para a Doutrina da Fé, em diálogo com a Secretaria Geral do Sínodo (Grupo de estudo n. 5).
  5. Muito embora nem todos os carismas assumam uma configuração propriamente ministerial, todos os ministérios se baseiam em carismas concedidos a alguns membros do Povo de Deus que são chamados a agir de diversas formas, para que cada membro da comunidade possa participar na edificação do corpo de Cristo (cf. Ef 4,12), no serviço recíproco. Tal como os carismas, também os ministérios são reconhecidos, promovidos e valorizados. O processo sinodal evidenciou por diversas vezes que o discernimento e a promoção dos carismas e dos ministérios, assim como a individualização das necessidades das comunidades e da sociedade às quais se pretende responder, constituem um aspeto em que as Igrejas locais precisam de crescer, com o auxílio de critérios, instrumentos e procedimentos adequados. O Concilio Vaticano II ensina que compete aos Pastores reconhecer os ministérios e os carismas «de tal modo que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum» (LG 30). O discernimento dos carismas e dos ministérios é um ato especificamente eclesial: para os reconhecer e promover, o Bispo tem de escutar as vozes de todos os envolvidos: Fiéis individuais, comunidades, organismos de participação. Para esse efeito, deverão ser identificados procedimentos adaptados aos diversos contextos, tendo sempre, porém, a preocupação de permitir um consenso real sobre critérios e sobre os resultados do discernimento. Os resultados do Encontro “Os Párocos pelo Sínodo” sublinham fortemente estas exigências.
  6. É ainda patente o convite a uma maior confiança na ação do Espírito e a uma coragem e criatividade fortalecidas no discernimento da forma como colocar os dons recebidos e acolhidos ao serviço da missão da Igreja, de um modo adequado aos diferentes contextos locais. É a própria variedade dos contextos e, portanto, das necessidades das comunidades, a sugerir que as Igrejas locais, sob a orientação dos seus Pastores, e os seus agrupamentos «em cada vasto território sociocultural» (AG 22), procedam com humildade e confiança a um discernimento criativo sobre os ministérios que devem reconhecer, confiar ou instituir para dar resposta às exigências pastorais e da sociedade. É, pois, necessário definir os critérios e modos necessários para levar a cabo este discernimento. Foi também iniciada uma reflexão sobre a delegação dos ministérios batismais (não instituídos e instituídos) numa época em que as pessoas se deslocam de um lugar para outro com crescente facilidade, especificando tempos e âmbitos do seu exercício.
  7. O percurso realizado até à data conduziu ao reconhecimento de que uma Igreja sinodal é uma Igreja que escuta, capaz de acolher e de acompanhar, de ser considerada casa e família. Trata-se de uma necessidade que se manifesta em todos os continentes e abrange pessoas que, por diversas razões, são ou se sentem excluídas ou à margem da comunidade eclesial ou têm dificuldade em encontrar no seio da mesma um reconhecimento pleno da sua dignidade e dos seus dons. Esta falta de acolhimento rejeita-os, dificulta o seu percurso de fé e de encontro com o Senhor, e priva a Igreja do seu contributo para a missão.
  8. Parece assim sumamente oportuno criar um ministério de escuta e acompanhamento reconhecido e eventualmente instituído, que torne concretamente palpável um aspeto tão característico de uma Igreja sinodal. Representa, portanto, uma “porta aberta” da comunidade, através da qual as pessoas podem entrar sem se sentirem ameaçadas ou julgadas. As formas de exercício deste ministério deverão ser adaptadas às circunstâncias locais, com base na diversidade de experiências, estruturas, contextos sociais e recursos disponíveis. Abre-se assim um espaço de discernimento para articular a nível local, também com a participação das Conferências Episcopais nacionais ou continentais. A existência de um ministério específico não significa, contudo, reservar a tarefa de escuta exclusivamente aos ministros. Este reveste-se assim de um carácter profético. Por um lado, demonstra que escuta e acompanhamento constituem uma dimensão normal da vida de uma Igreja sinodal, que com modalidades diversificadas envolve todos os Batizados e na qual todas as comunidades são convidadas a crescer e, por outro, recorda que escuta e acompanhamento são um serviço eclesial e não uma iniciativa pessoal, cujo valor é assim reconhecido. Estas consciência é um fruto maduro do processo sinodal.

Com os Ministros ordenados: ao serviço da harmonia

  1. O processo sinodal revelou dados contrastantes no que se refere ao exercício do Ministério ordenado no âmbito do Povo de Deus. Por um lado, é sublinhada a alegria, o empenho e a dedicação dos Bispos, Presbíteros e Diáconos no desenvolvimento do próprio serviço, ao passo que, por outro, ficou patente um certo cansaço, relacionado sobretudo com um sentimento de isolamento, de solidão, de afastamento de relações saudáveis e sustentáveis, e de serem subjugados pela exigência de responder a todas as necessidades. Este pode ser um dos efeitos tóxicos do clericalismo. A figura do Bispo, em particular, encontra-se frequentemente exposta a um excesso de atribuições, o que alimenta expetativas irrealistas sobre o que uma pessoa individual pode razoavelmente realizar.
  2. O encontro “Os Párocos pelo Sínodo” relacionou este cansaço com a dificuldade por parte de Bispos e Presbíteros de caminharem verdadeiramente em conjunto no seu ministério partilhado. Assim sendo, uma compreensão renovada do Ministério ordenado no horizonte da Igreja sinodal missionária representa não só uma exigência de coerência, mas também uma oportunidade de libertação deste cansaço, desde que seja acompanhada por uma conversão efetiva das práticas, que torne percetíveis aos Ministros ordenados e aos restantes Fiéis, a alteração e os benefícios que dela decorrem. Para além do aspeto da vida pessoal dos Ministros individuais, este percurso de conversão comportará um novo modo de pensar e organizar a ação pastoral, que tenha em conta a participação de todos os Batizados, homens e mulheres, na missão da Igreja, procurando nomeadamente fazer despontar, reconhecer e animar os diferentes carismas e ministérios batismais. A pergunta «Comoser Igreja sinodal em missão?» leva-nos a refletir concretamente sobre as relações, estruturas e processos que podem favorecer uma visão renovada do Ministério ordenado, passando de um modo piramidal de exercitar a autoridade para um modo sinodal. No âmbito da promoção dos carismas e ministérios batismais, é possível implementar uma reativação das funções cuja execução não exige o sacramento da Ordem. Uma distribuição mais articulada das responsabilidades poderá indubitavelmente favorecer também processos decisórios caracterizados por um estilo mais claramente sinodal.
  3. Nos textos conciliares, o Ministério ordenado é concebido em termos muito precisos como serviço à Igreja e para a existência da Igreja. Com a sua autoridade, o Concilio restituiu a forma do Ministério ordenado habitual na Igreja antiga, um ministério que «é exercido em ordens diversas por aqueles que desde a antiguidade são chamados Bispos, Presbíteros e Diáconos» (LG 28). Nesta articulação, Episcopado e Presbiterado correspondem a uma participação especial no sacerdócio de Cristo Pastor e Chefe da comunidade eclesial, ao passo que o Diaconado é «não em ordem ao sacerdócio, mas ao ministério» (LG 29). As várias ordens estão organicamente relacionadas entre si, numa interdependência recíproca, tendo em conta a especificidade de cada uma. Nenhum Ministro pode considerar-se como um individuo isolado ao qual foram conferidos poderes, mas sim como participante nos dons (munera) de Cristo, conferidos pela Ordenação, em conjunto com os outros Ministros, em ligação orgânica com o Povo de Deus de que faz parte e o qual, embora de modo diferente, participa nos mesmos dons de Cristo no sacerdócio comum instituído pelo Batismo.
  4. O Bispo tem a missão de presidir a uma Igreja, sendo princípio visível de unidade no seio desta e vínculo de comunhão com todas as Igrejas. A singularidade do seu ministério comporta uma autoridade que é própria, ordinária e imediata, e que cada Bispo exerce pessoalmente em nome de Cristo (cf. LG 27) no anúncio da Palavra, na presidência da celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos e na orientação pastoral. Isto não implica a sua independência em relação à parcela do Povo de Deus que lhe foi confiada (cf. CD 11) e que é chamado a servir em nome de Cristo Bom Pastor. O facto de que «pela Consagração episcopal, se confere a plenitude do sacramento da Ordem» (LG 21) não constitui justificação para um ministério episcopal tendencialmente “monárquico”, concebido como cúmulo de prerrogativas de que derivam todos os outros carismas e ministérios. É antes a afirmação da capacidade e do dever de recolher e congregar os dons infundidos pelo Espírito nos Batizados, homens e mulheres, e nas várias comunidades. O Grupo de estudo n. 7 ocupa-se de alguns aspetos do ministério episcopal, entre os quais os critérios de seleção dos candidatos ao Episcopado.
  5. Também o ministério dos Presbíteros é concebido e vivido em sentido sinodal. Os Presbíteros, em particular, «constituem com o seu Bispo um Presbitério» (LG 28) ao serviço da parcela de Povo de Deus que é a Igreja local (cf. CD 11). Tal facto implica não considerar o Bispo como exterior ao Presbitério, mas como aquele que preside a uma Igreja local, e sobretudo ao Presbitério, de que faz parte com especial singularidade, sendo chamado a exercer particular solicitude e cuidado nas relações com os Presbíteros.
  6. Bispo e Presbíteros são coadjuvados por Diáconos, numa relação de mútua interdependência dos dois tipos de ministério para o exercício do serviço apostólico. Bispo e Presbíteros não são autossuficientes em relação aos Diáconos, e vice-versa. Uma vez que as funções dos Diáconos são múltiplas – como mostra a tradição, a oração litúrgica e a prática posterior ao Vaticano II – as mesmas inserem-se no concreto de cada Igreja local individual. O serviço de cada Diácono é sempre pensado em harmonia e em comunhão com o de todos os outros diáconos, de acordo com a natureza do ministério diaconal e no quadro de referência da missão numa Igreja sinodal.
  7. Para além da promoção da unidade na Igreja local, o Bispo diocesano ou eparquial, coadjuvado por Presbíteros e Diáconos, é também responsável pelas relações com as outras Igrejas locais e com toda a Igreja ao redor do Bispo de Roma, numa partilha recíproca de dons. Parece importante restabelecer a ligação tradicional entre ser Bispo e presidir a uma Igreja local, recuperando a correspondência entre comunhão dos Bispos (communio episcoporum) e comunhão das Igrejas (communio Ecclesiarum).

Entre as Igrejas e no mundo: o concreto da comunhão

  1. A sinodalidade atua através de redes de pessoas, comunidades, organismos e um conjunto de processos que permitem um intercâmbio real de dons entre as Igrejas e um diálogo evangelizador com o mundo. Caminhar juntos como Batizados na diversidade dos carismas, das vocações e dos ministérios e no intercâmbio de dons entre as Igrejas, é um importante sinal sacramental para o mundo de hoje que, por um lado, experimenta formas de interconexão cada vez mais intensas e, por outro, está mergulhado numa cultura mercantil que marginaliza a gratuidade.
  2. Segundo o Concílio, é em virtude da catolicidade da Igreja que «cada uma das partes traz às outras e a toda a Igreja os seus dons particulares» (LG 13). Daí «derivam, finalmente, os laços de íntima união entre as diversas partes da Igreja, quanto às riquezas espirituais, obreiros apostólicos e ajudas materiais. Pois os membros do Povo de Deus são chamados a repartir entre si os bens, estando em vigor para cada igreja as palavras do Apóstolo: “cada um ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu, como bons administradores da multiforme graça de Deus” (1 Pd 4,10)» (ibid.).
  3. As Conferências episcopais desejam a partilha dos bens em espírito de solidariedade entre as Igrejas que constituem a Igreja Católica, una e única, sem qualquer desejo de domínio ou pretensão de superioridade: a existência de Igrejas ricas e de Igrejas que vivem em condições de grande privação é um escândalo. Sugere-se, portanto, a celebração de acordos para promover ligações recíprocas e a formação de redes de apoio, inclusivamente a nível de agrupamentos de Igrejas.
  4. Todas as Igrejas locais recebem e dão na comunhão da única Igreja. Existem Igrejas que necessitam do apoio de recursos financeiros e materiais; outras que são enriquecidas pelo testemunho da fé viva e pelo serviço amoroso aos mais pobres; outras ainda que precisam sobretudo da ajuda de evangelizadores, que dedicam a sua vida a levar o Evangelho a outros povos. Reconhece-se e solicita-se, nomeadamente, a generosidade de Presbíteros, Diáconos, Consagrados e Consagradas, Leigos e Leigas empenhados na missão ad gentes.
  5. As Igrejas locais manifestam o desejo de um intercâmbio de dons espirituais, litúrgicos e teológicos, e também de um maior testemunho partilhado sobre questões sociais de relevância global, como o cuidado da casa comum e os movimentos migratórios. A este respeito, uma Igreja sinodal poderá testemunhar a importância de que as soluções dos problemas comuns sejam elaboradas com base na escuta das vozes de todos, principalmente dos grupos, comunidades e países que habitualmente ficam à margem dos grandes processos globais. As grandes áreas geográficas supranacionais, como a Amazónia, a bacia do Congo, o Mediterrâneo ou outras similares, constituem hoje em dia um horizonte particularmente promissor para a realização de formas de intercâmbio de dons e de participação coordenada.
  6. Em particular, uma Igreja sinodal é também convidada a ler, na perspetiva do intercâmbio de dons, a realidade da mobilidade humana, que se torna ocasião de encontro entre as Igrejas no concreto da vida quotidiana das cidades e dos subúrbios, das Paróquias e das Dioceses ou Eparquias, contribuindo assim para enraizar o caminho sinodal na vida da comunidade. É reservada uma atenção muito particular à possibilidade de encontro e partilha de dons entre as Igrejas de tradição latina e as Igrejas Orientais Católicas em diáspora, um tema em que está a trabalhar o Grupo de estudo n. 1.
  7. O intercâmbio de dons entre as Igrejas ocorre em contextos marcados pela violência, a perseguição e a ausência de liberdade religiosa; assim, algumas Igrejas lutam pela sua própria sobrevivência e invocam a solidariedade das outras Igrejas, enquanto continuam a partilhar as suas riquezas, fruto de um confronto permanente com o Evangelho e as perseguições que na história atingem os discípulos do Senhor. Por outro lado, o intercâmbio de dons processa-se num contexto que se ressente ainda do colonialismo e do neocolonialismo, que não terminaram. Uma Igreja que cresce na prática da sinodalidade é convidada a compreender o impacto destas dinâmicas sociais na partilha de dons e a procurar uma transformação. Este esforço inclui também o reconhecimento de que muitas Igrejas são portadoras de uma memória ferida, sendo necessário promover caminhos concretos de reconciliação.
  8. A expressão “intercâmbio de dons” possui um valor importante nas relações com as outras Igrejas e Comunidade Eclesiais. São João Paulo II aplicou esta ideia ao diálogo ecuménico: «O diálogo não é apenas uma troca de ideias; de algum modo, é sempre um “intercâmbio de dons”» (UUS 28). Além do diálogo teológico, o intercâmbio de dons tem lugar na partilha da oração, com a qual nos dispomos a receber os dons de tradições espirituais distintas da nossa. Também o exemplo de mulheres e homens santos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais é um dom que podemos receber, inserindo a sua memória no nosso calendário litúrgico, em particular no que se refere aos mártires. Neste espírito, devemos ser generosos, oferecendo aos outros cristãos a possibilidade de vir em peregrinação e rezar nos santuários e nos lugares santos de que a Igreja Católica é guardiã.
  9. O diálogo entre as religiões e com as culturas não é alheio ao caminho sinodal, fazendo parte do seu chamamento a viver relações mais intensas, pelo facto de ser «agradável a Deus aquele que O teme e pratica a justiça» (LG 9; cf. At 10,35). Por isso, o intercâmbio dons não se limita a outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, visto que uma catolicidade autêntica alarga o horizonte e exige a disponibilidade para acolher também os que promovem a vida, a paz, a justiça e o desenvolvimento humano integral existentes noutras culturas e tradições religiosas.

Parte II – Percursos

Uma Igreja sinodal é uma Igreja relacional, na qual as dinâmicas interpessoais formam o tecido da vida de uma comunidade em missão, num contexto de crescente complexidade. Esta perspetiva não separa, mas aproveita os pontos de ligação entre as experiências, permitindo aprender com a realidade, reinterpretada à luz da Palavra, da tradição, dos testemunhos exemplares, mas também dos erros cometidos.

A Parte II põe em evidência os processos que asseguram o cuidado e desenvolvimento das relações, em particular a união a Cristo com vista à missão e à harmonia da vida comunitária, graças à capacidade de enfrentar em conjunto conflitos e dificuldades. Destaca quatro aspetos distintos, mas profundamente inseridos na vida da Igreja sinodal missionária: a formação, em particular a escuta (da Palavra de Deus, dos irmãos e das irmãs e da voz do Espírito) e o discernimento, que conduz ao desenvolvimento de modalidades participadas de decisão no respeito pelas diversas funções, com uma circularidade que também ela conduz à transparência, à prestação de contas relativamente às responsabilidades recebidas e a uma avaliação que relança o discernimento para a missão.

A fonte e o ponto culminante deste dinamismo é a Eucaristia, que coloca na origem das relações a gratuidade do amor do Pai, mediante o Filho no Espírito. O alimento que sustenta uma Igreja sinodal missionária é também o conteúdo do seu anúncio ao mundo.

Uma formação integral e partilhada

  1. «Cuidar da sua própria formação é a resposta que cada Batizado é chamado a dar aos dons do Senhor, para fazer frutificar os talentos recebidos e colocá-los ao serviço de todos» (RdS 14a). Estas palavras do Relatório de Síntese da Primeira Sessão explicam o motivo pelo qual a necessidade de formação foi um dos temas mais suscitados e generalizados em todas as fases do processo sinodal. Responder à pergunta «Comoser Igreja sinodal em missão?» exige, portanto, dar prioridade à elaboração de percursos formativos coerentes, prestando especial atenção à formação contínua para todos
  2. Para muitos, a participação nos encontros sinodais constituiu uma ocasião de formação sobre o conhecimento e a prática da sinodalidade, que suscitou o desejo intenso de uma melhor compreensão do significado da dignidade batismal ou do «sentido sobrenatural da fé» (LG 12), que é dom do Espírito ao Povo de Deus. Por conseguinte, a primeira necessidade consiste numa formação mais aprofundada do modo como o Espírito atua na Igreja e a guia ao longo da história.
  3. Não existe missão sem contexto, não existe Igreja sem implantação num determinado lugar, com as suas especificidades culturais e as suas contingências históricas. Por este motivo, não é possível preparar planos formativos em abstrato. A sua definição compete às Igrejas locais e aos seus agrupamentos. Assim, o presente documento limita-se a indicar algumas diretrizes e características fundamentais da formação na perspetiva da sinodalidade, que serão posteriormente concretizadas, tendo em conta os contextos, as culturas e as tradições dos diversos lugares.
  4. Uma Igreja sinodal missionária assenta na capacidade de escuta, que implica reconhecer que ninguém é autossuficiente no exercício da sua missão e que cada um tem um contributo a oferecer e qualquer coisa a aprender dos outros. A formação na escuta é, portanto, uma primeira exigência irrenunciável. A prática da conversação no Espírito permitiu experienciar como é possível interligar a escuta da Palavra de Deus e a dos irmãos e das irmãs, e como esta dinâmica nos abre gradualmente à escuta da voz do Espírito: muitos contributos recebidos insistem na importância de uma formação sobre este método. Na Igreja, existe uma gama diversificada de métodos de escuta, diálogo e discernimento, em função da diversidade das culturas e das tradições espirituais. Promover a formação sobre esta pluralidade de métodos e o diálogo entre eles nos contextos locais constitui um objetivo de grande relevância. Um ponto particularmente significativo neste âmbito é a escuta das pessoas que vivenciam vários tipos de pobreza e marginalidade. Muitas Igrejas referiram sentir-se impreparadas para esta tarefa e manifestaram a necessidade de uma formação específica. É um dos pontos confiados ao trabalho do Grupo de estudo n. 2.
  5. O objetivo da formação na perspetiva da sinodalidade missionária consiste em fazer de nós, homens e mulheres, testemunhas capazes de assumir a missão da Igreja em corresponsabilidade e em cooperação com o poder do Espírito (cf. At 1,8). A formação terá assim por base o dinamismo da iniciação cristã, procurando promover a experiência pessoal de encontro com o Senhor e, consequentemente, um processo de conversão permanente de comportamentos, relações, mentalidades e estruturas. O sujeito da missão é sempre a Igreja, e cada um dos seus membros é testemunha e mensageiro da salvação em virtude desta pertença. A Eucaristia, «fonte e centro de toda a vida cristã» (LG 11), é o lugar fundamental da formação sobre sinodalidade. A família, enquanto comunidade de vida e de amor, é um lugar privilegiado de educação para a fé e a prática cristã. É escola de sinodalidade no relacionamento intergeracional, convidando cada um a cuidar dos outros, e demonstrando que todos – fracos e fortes, crianças, jovens e idosos – têm muito a receber e muito a dar.
  6. Numa Igreja sinodal, a formação deve ser integral. Com efeito, não visa apenas a aquisição de noções ou competências, mas sim a promoção da capacidade de encontro, de partilha, de colaboração e de discernimento em comum. Deve por isso interpelar todas as dimensões da pessoa: intelectual, afetiva e espiritual. Não pode ser uma formação exclusivamente teórica, mas compreende experiências concretas devidamente acompanhadas. É igualmente importante favorecer um conhecimento das culturas em que as Igrejas vivem e atuam, incluindo a cultura digital, hoje tão difundida, sobretudo no âmbito dos jovens. O trabalho do Grupo de estudo n. 3 está precisamente dedicado à cultura digital e à promoção de uma formação adequada neste campo.
  7. Por último, foi bastante acentuada a insistência sobre a necessidade de uma formação comum e partilhada, na qual tomem parte homens e mulheres, Leigos, Consagrados, Ministros ordenados e Candidatos ao Ministério ordenado, permitindo assim aumentar o conhecimento e a estima recíprocos, bem como a capacidade de colaboração. Solicita-se igualmente que seja prestada especial atenção à promoção da participação das mulheres nos programas de formação, ao lado de Seminaristas, Sacerdotes, Religiosos e Leigos. Reveste-se também de crucial importância o seu acesso ao cargo de docentes e formadoras nas Faculdades e Institutos de teologia e nos Seminários. Sugere-se ainda oferecer a Presbíteros, Bispos e Leigos uma formação sobre as tarefas que as mulheres já podem desempenhar na Igreja e promover uma avaliação do recurso efetivo a esta oportunidade em todos os quadrantes da vida da Igreja: Paróquias, Dioceses, associações laicais, movimentos eclesiais, comunidades novas, vida consagrada, instituições eclesiásticas, até à Curia Romana. O trabalho do Grupo de estudo n. 4 incide na revisão da formação dos Candidatos ao Ministério ordenado (Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis) em perspetiva sinodal missionária. Um pedido proveniente de todos os continentes é a promoção da formação sobre a pregação. Por fim, emerge a necessidade de uma formação partilhada, teórica e prática, sobre o discernimento comunitário no âmbito dos diversos contextos locais.

O discernimento eclesial para a missão

  1. O único Espírito, que suscita uma grande variedade de carismas, guia a Igreja para a plenitude da vida e da verdade divina (cf. Jo 10,10; 16,13). Mediante a sua presença e ação contínua, a «tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo» (DV 8). Graças à orientação do Espírito, o Povo de Deus, enquanto participante da função profética de Cristo (cf. LG12), «esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus» (GS 11). Esta tarefa eclesial de discernimento assenta no sensus fidei,animado pelo Espírito Santo, que pode ser descrito como a “intuição” ou capacidade instintiva do Povo de Deus, sob a condução dos Pastores (cf. LG 12), de «discernir as novas estradas que o Senhor revela à Igreja» (Francisco, Discurso por ocasião da comemoração do 50° aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015).
  2. O discernimento envolve todos, tanto os que participam a nível pessoal como comunitário, exigindo cultivar disposições de liberdade interior, abertura à novidade e abandono confiante à vontade de Deus, e permanecer à escuta uns dos outros, a fim de escutar «o que o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2,7). Maria, com a sua presença orante no seio da comunidade apostólica reunida no cenáculo (cf. At 1,14), é para todos modelo vivo e guia criativa de uma autêntica espiritualidade sinodal: na escuta perseverante e responsável da Palavra e no discernimento meditativo dos acontecimentos (cf. Lc 1,26-38; 2,19.51), na generosa abertura à ação do Espírito Santo (cf. Lc 1,35), na partilha de ação de graças pela obra do Senhor (cf. Lc 1,39-56) e no serviço concreto e pontual a cada uma e a cada um (cf. Jo 2, 1-12) que Jesus confiou ao seu cuidado maternal (cf. Jo 19, 25-27).
  3. Precisamente enquanto pede a cada um que partilhe o seu ponto de vista na perspetiva da missão comum, um processo de discernimento articula concretamente comunhão, missão e participação. Por outras palavras, é um modo de caminhar juntos. Para isso, é fundamental promover uma ampla participação nos processos de discernimento, prestando especial atenção ao envolvimento dos que se encontram nas margens da comunidade cristã e da sociedade.
  4. O ponto de partida e o critério de referência de todo o discernimento eclesial é a escuta da Palavra de Deus. As Sagradas Escrituras constituem o testemunho por excelência da comunicação de Deus à humanidade. Elas atestam que Deus falou ao seu Povo e continua a fazê-lo, e apresentam diversos canais mediante os quais esta comunicação se processa. Deus fala através da meditação pessoal da Escritura, em que ecoa “qualquer coisa” do texto bíblico que se reza. Deus fala à comunidade na liturgia, lugar hermenêutico por excelência daquilo que o Senhor diz à sua Igreja. Deus fala através da Igreja, que é mãe e mestra, por meio da sua tradição viva e das suas práticas, incluindo as da piedade popular. Deus continua a falar através dos acontecimentos que ocorrem no espaço e no tempo, desde que saibamos discernir o seu significado. Deus comunica ainda com o seu Povo através dos elementos cósmicos, cuja própria existência remete para a ação do Criador e que estão repletos da presença do Espírito Santo “que dá a vida”. Deus fala enfim na consciência pessoal de cada um, que «é o centro mais secreto e o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser» (GS 16). Um discernimento autêntico não pode descurar nenhum destes canais de comunicação.
  5. O discernimento comunitário não é uma técnica organizativa, mas antes uma prática exigente que qualifica a vida e a missão da Igreja vivida em Cristo e no Espírito Santo. Por esta razão, é sempre realizado com a consciência e a vontade de sermos reunidos em nome do Senhor Jesus (cf. Mt 18,20) à escuta da voz do Espírito Santo. Como prometeu Jesus, apenas o Espírito Santo pode guiar a Igreja na via da plenitude da verdade (cf. Jo 16,13) e da vida, para a dar a um mundo sequioso de sentido. É aqui que se fundamenta o método com o qual o Povo de Deus vive o seu caminho de anúncio e testemunho do Evangelho. Por conseguinte, é prioritário aprender a praticar a todos os níveis a arte evangélica que permitiu à comunidade apostólica de Jerusalém selar o resultado do primeiro evento sinodal da história da Igreja com as palavras: «Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós» (At 15,28). É neste espírito que a prática da vida sinodal missionária da Igreja em lugares, organismos e eventos concretos deve ser reinterpretada e reorientada.
  6. As opões processuais concretas, na sua variedade, devem ser coerentes com as exigências de metodologia teológica de fundo. Com base na experiência do processo sinodal, é também possível identificar alguns elementos chave para a conceção de qualquer procedimento: a) uma vida de oração pessoal e comunitária, que inclua a participação na Eucaristia; b) uma preparação pessoal e comunitária, adequada assente na escuta da Palavra de Deus e da realidade; c) uma escuta respeitosa e profunda da palavra de cada um; d) a procura de um consenso o mais alargado possível, não por interseção (portanto no sentido de um corte), mas por conjugação, visando evidenciar o que mais “faz arder os corações” (cf. Lc 24,32); e) a formulação do consenso por parte dos orientadores do processo e a sua restituição a todos os participantes, a quem compete confirmar ou, pelo menos, sentir-se reconhecidos nessa formulação.
  7. O discernimento realiza-se sempre “com os pés na terra”, ou seja, no âmbito de um contexto concreto, cuja complexidade e especificidade é necessário conhecer o melhor possível. Assim sendo, não poderá senão tirar partido do contributo da análise de várias ciências humanas, sociais e administrativas relevantes para a questão em apreço. A competência técnica e científica não tem a última palavra – isso significaria cair numa deriva tecnocrática – cabendo-lhe «dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual seguido» (LS 15). Deverá assim garantir-se que possa oferecer o seu apoio, do qual não é possível prescindir, sem assumir um papel dominante em relação a outras perspetivas.
  8. Na Igreja existe uma grande variedade de abordagens ao discernimento e de metodologias consolidadas. Esta variedade é uma riqueza: com a devida adaptação aos diversos contextos, todas as abordagens podem revelar-se fecundas. Com vista ao bem comum, é importante que entrem num diálogo cordial, sem perderem a sua especificidade própria e sem entrincheiramentos identitários. A fecundidade da conversação no Espírito, revelada em todas as etapas do processo sinodal, convida a manter esta forma peculiar de discernimento eclesial como sendo particularmente adequada ao exercício da sinodalidade.
  9. Nas Igrejas locais, é fundamental oferecer oportunidades de formação que divulguem e promovam uma cultura do discernimento, em particular entre os que desempenham funções de responsabilidade. É igualmente importante cuidar da formação de figuras de acompanhantes ou facilitadores, cujo contributo se revela frequentemente crucial para o decorrer dos processos de discernimento. É nesta linha que se desenvolve também o trabalho do Grupo de estudo n. 9, dedicado à elaboração de critérios teológicos e metodologias sinodais para um discernimento partilhado de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas.

A articulação dos processos decisórios

  1. «Na Igreja sinodal toda a comunidade, na livre e rica diversidade dos seus membros, é convocada para rezar, escutar, analisar, dialogar, discernir e aconselhar na tomada de decisões pastorais mais conformes à vontade de Deus» (CTI, n. 68). Esta afirmação, mais do que ser aprofundada, necessita de ser implementada. É difícil imaginar uma forma de promover uma Igreja sinodal mais eficaz do que a participação de todos nos processos decisórios. Esta participação assenta numa responsabilidade diferenciada que diz respeito a cada membro da comunidade, valorizando a sua capacidade e dons com vista à decisão partilhada.
  2. Para favorecer a sua implementação, parece apropriada uma reflexão sobre a articulação dos processos decisórios. Esta prevê habitualmente uma fase de elaboração ou instrução (decision-making, de acordo com a terminologia inglesa também utilizada noutras línguas), «através de um trabalho comum de discernimento, consulta e cooperação» (CTI, n. 69), que informa e apoia a tomada de decisão (decision-taking), a qual cabe à autoridade competente (por exemplo, numa Diocese ou Eparquia ao Bispo). Entre as duas fases não existe competição ou contradição, mas a sua articulação contribui para que as decisões tomadas sejam o mais possível conformes à vontade de Deus: «A elaboração é uma tarefa sinodal, a decisão é uma responsabilidade ministerial» (ibid.).
  3. Em numerosos casos o direito vigente prescreve já que, antes de tomar uma decisão, a autoridade é obrigada a proceder a uma consulta. Esta consulta eclesial não pode ser excluída e vai muito além da escuta, porque obriga a não proceder como se a mesma não tivesse lugar. A autoridade mantém-se livre em termos jurídicos, na medida em que o parecer consultivo não é vinculativo, mas, caso seja concordante, não será objeto de discussão sem um motivo convincente («sine praevalenti ratione»CIC, can. 127, § 2, 2°). Se o fizesse, ficaria isolada do grupo de pessoas que foram consultadas, configurando uma quebra da ligação que os une. Na Igreja o exercício da autoridade não consiste na imposição de uma vontade arbitrária, mas, enquanto ministério ao serviço da unidade do Povo de Deus, constitui uma força moderadora da busca comum das exigências do Espírito.
  4. Numa Igreja sinodal, a competência decisória do Bispo, do Colégio Episcopal e do Romano Pontífice é inalienável, na medida em que está fundada na estrutura hierárquica da Igreja estabelecida por Cristo. No entanto, não é incondicional: uma orientação que se manifeste no processo consultivo como resultado de um correto discernimento, sobretudo quando realizado por organismos de participação da Igreja local, não pode ser ignorada. O objetivo do discernimento eclesial sinodal não consiste em forçar os Bispos a obedecer à voz do Povo, subordinando aqueles a este, nem oferecer aos Bispos um expediente para tornar aceitáveis decisões já tomadas, mas conduzir a uma decisão partilhada em obediência ao Espírito Santo. É, portanto, inadequada uma contraposição entre consulta e deliberação: na Igreja a deliberação realiza-se com a ajuda de todos, nunca sem a autoridade pastoral que decide por inerência de cargo. Por esta razão, a fórmula recorrente no CIC, que fala de “voto apenas consultivo” (tantum consultivum), reduz o valor da consulta e está correta.
  5. Compete às Igrejas locais promover insistentemente todas as possibilidades de dar vida a processos decisórios autenticamente sinodais, adequados às especificidades dos diferentes contextos. Trata-se de uma tarefa de grande importância e urgência, na medida em que dela depende substancialmente o bom resultado da fase de implementação do Sínodo. Sem alterações concretas, a visão de uma Igreja sinodal não será credível e afastará os membros do Povo de Deus que retiraram alento e esperança do caminho sinodal. Esta constatação é aplicável ainda com maior rigor no que se refere à participação efetiva das mulheres nos processos de elaboração e na tomada de decisões, como exigido em muitos dos contributos recebidos pelas Conferências Episcopais.
  6. Por último, não é necessário referir que processos de consulta, discernimento comunitário ou elaboração sinodal das decisões exigem que todos os participantes tenham acesso efetivo à totalidade das informações relevantes, de modo a poderem formular o seu parecer com conhecimento de causa. É da responsabilidade da autoridade que realiza o processo assegurar que isso acontece. Processos decisórios sinodais corretos exigem um nível adequado de transparência. Deve igualmente salientar-se a delicadeza da tarefa e a responsabilidade particular dos que exprimem o seu parecer numa consulta.

Transparência, prestação de contas, avaliação

  1. Uma Igreja sinodal necessita da cultura e prática da transparência e prestação de contas (accountability, um termo inglês também utilizada noutras línguas), que são indispensáveis a fim de promover a confiança recíproca necessária para caminhar juntos e exercer a corresponsabilidade pela missão comum. Na Igreja, o exercício da prestação de contas não responde em primeiro lugar a exigências de carácter social e organizativa. O seu fundamento consiste essencialmente em encontrar na natureza da Igreja o mistério da comunhão.
  2. No Novo Testamento é possível encontrar práticas de prestação de contas na vida da Igreja primitiva, significativamente ligadas à preservação da comunhão. O cap. 11 dos Atos dos apóstolos oferece um exemplo desta prática: quando Pedro regressa a Jerusalém depois de ter batizado Cornélio, um pagão, «os fiéis de origem judaica começaram a discutir com ele dizendo: “Tu entraste na casa de pagãos e comeste com eles!”» (At 11,2-3). Pedro responde com uma narrativa que presta contas da sua atuação. A prestação de contas do ministério à comunidade faz parte da tradição mais antiga, remontando à Igreja apostólica. A teologia cristã do serviço (stewardship) oferece um quadro de referência que permite compreender o exercício da autoridade e situar a reflexão sobre transparência e prestação de contas.
  3. No nosso tempo, impôs-se a exigência de transparência e prestação de contas na Igreja e por parte da Igreja, após a perda de credibilidade resultante dos escândalos financeiros e principalmente dos abusos sexuais e de outro tipo de menores e pessoas vulneráveis. A falta de transparência e de formas de prestação de contas alimenta o clericalismo, que assenta no pressuposto implícito de que os Ministros ordenados não devem prestar contas a ninguém no exercício da autoridade que lhes foi conferida.
  4. Se a Igreja sinodal quer ser acolhedora, então prestação de contas e transparência devem situar-se no centro da sua ação a todos os níveis e não apenas a nível da autoridade. No entanto, quem desempenha cargos de autoridade tem maior responsabilidade neste campo. Transparência e prestação de contas não se limitam aos abusos sexuais e financeiros. Devem incidir igualmente nos planos pastorais, métodos de evangelização e modalidades com que a Igreja respeita a dignidade da pessoa humana, no que se refere, por exemplo, às condições de trabalho no seio das suas instituições.
  5. Se, ao longo dos séculos, se manteve a prática da prestação de contas aos superiores, esta dimensão da prestação de contas das autoridades à comunidade foi agora recuperada. A transparência deve ser uma característica do exercício da autoridade na Igreja. Hoje em dia, são necessárias estruturas e formas de avaliação regular do modo como são exercidas todas as responsabilidades ministeriais. A avaliação, entendida em sentido não moralista, permite aos Ministros introduzir tempestivamente eventuais ajustamentos e favorece o seu crescimento e a capacidade de prestarem um serviço melhor.
  6. Além de observar todas as disposições já previstas nas normas canónicas em matéria de critérios e mecanismos de controlo, compete às Igrejas locais e sobretudo aos seus agrupamentos (Conferências Episcopais e Estruturas Hierárquicas Orientais) organizar formas e procedimentos eficazes de transparência e prestação de contas, apropriados à diversidade dos contextos, a partir do quadro normativo civil, das expetativas da sociedade e da disponibilidade efetiva de competências na matéria. Contudo, nos casos em que os recursos sejam escassos, a Igreja deve trabalhar com vista a uma evolução do seu próprio trabalho e da mentalidade comum no sentido da transparência e da cultura da prestação de contas.
  7. Em particular, parece necessário garantir, em formas apropriadas aos diversos contextos, pelo menos: a) um funcionamento eficaz dos Conselhos dos assuntos económicos; b) o envolvimento efetivo do Povo de Deus, nomeadamente dos membros mais competentes, no planeamento pastoral e económico; c) a elaboração e publicação (acessibilidade efetiva) de um relatório de contas anual, se possível certificado por revisores externos, que torne transparente a gestão dos bens e dos recursos financeiros da Igreja e das suas instituições; d) uma prestação de contas anual sobre a evolução da missão, que compreenda uma ilustração das iniciativas empreendidas em matéria de safeguarding(tutela de menores e pessoas vulneráveis) e de promoção do acesso das mulheres a posições de autoridade, bem como da sua participação nos processos decisórios; e) procedimentos de avaliação periódica do desempenho de todos os ministérios e atribuições no seio da Igreja. Também este aspeto se reveste de grande importância e urgência para a credibilidade do processo sinodal e da sua implementação.

Parte III – Lugares

A vida sinodal missionária da Igreja, as relações que a integram e os percursos que asseguram o seu desenvolvimento, nunca podem prescindir do concreto de um “lugar”, ou seja, de um contexto e de uma cultura. Esta Parte III convida-nos a superar uma visão estática dos lugares, que os ordena por níveis ou graus sucessivos (Paróquia, zona, Diocese ou Eparquia, Província Eclesiástica, Conferência Episcopal ou Estrutura Hierárquica Oriental, Igreja universal) segundo um modelo piramidal. Na realidade, nunca foi assim: a teia das relações e do intercâmbio de dons entre as Igrejas sempre teve uma forma reticular e não linear, no vínculo da unidade, da qual o Romano Pontífice é princípio e fundamento com carácter perpétuo e visível, e a catolicidade da Igreja nunca coincidiu com um universalismo abstrato. Por outro lado, no âmbito de uma conceção do espaço em rápida mutação, restringir a ação da Igreja a limites puramente espaciais iria aprisioná-la num imobilismo fatal e numa preocupante repetibilidade pastoral, incapaz de atingir a parte mais dinâmica da população, em particular os jovens. Em vez disso, os lugares são colocados numa perspetiva de interioridade mútua, a concretizar também nas relações entre Igrejas nos seus agrupamentos dotados de uma unidade de sentido. O serviço da unidade, que compete ao Bispo de Roma e ao Colégio Episcopal em comunhão com ele, deve igualmente confrontar-se com este cenário, elaborando as modalidades institucionais adequadas do seu exercício.

Territórios onde caminhar juntos

  1. «À Igreja de Deus que está em Corinto…» (1 Cor 1,2). O anúncio do Evangelho, suscitando a fé no coração dos homens e das mulheres, permite que num lugar se constitua uma Igreja. A Igreja não pode ser compreendida sem implementação num lugar e numa cultura e sem as relações que se estabelecem entre lugares e culturas. Destacar a importância do lugar não significa ceder ao particularismo ou ao relativismo, mas sim valorizar a realidade concreta em que, no espaço e no tempo, se constrói uma experiência partilhada de adesão à manifestação de Deus salvador. A dimensão do lugar preserva a pluralidade das configurações desta experiência e o seu enraizamento em contextos culturais e históricos específicos. A variedade das tradições litúrgicas, teológicas, espirituais e disciplinares constitui a demonstração mais evidente do enriquecimento e beleza que esta pluralidade confere à Igreja. É a comunhão das Igrejas, cada uma com a sua realidade local, a manifestar a comunhão dos Fiéis na Igreja única e una, evitando a sua dispersão num universalismo abstrato e homogeneizante.
  2. A experiência do pluralismo das culturas e da fecundidade do encontro e do diálogo entre elas, é condição de vida da Igreja e não uma ameaça à sua catolicidade. A mensagem salvífica permanece una e única: «Há um só corpo e um só Espírito, do mesmo modo que a esperança para a qual fostes chamados é uma só. Existe um único Senhor, uma só fé e um só Batismo. Há um só Deus, Pai de todos, que está acima de todos e que atua através de todos e em todos» (Ef 4,4-6). Esta mensagem assume uma forma plural, expressa na diversidade de povos, culturas, tradições e línguas. Tomar a sério esta pluralidade de formas afasta pretensões hegemónicas e o risco de reduzir a mensagem salvífica a uma única compreensão da vida eclesial e das expressões litúrgicas, pastorais ou morais. A trama das relações no seio de uma Igreja sinodal torna-se visível no intercâmbio de dons entre as Igrejas e, garantida pela unidade do Colégio Episcopal guiada pelo Bispo de Roma, constitui a defesa dinâmica de uma unidade que nunca se pode transformar em uniformidade.
  3. Tudo isto se confronta atualmente com condições socioculturais que alteram profundamente a experiência vivida da implantação territorial. O lugar já não pode ser entendido em termos puramente geográficos e espaciais, reclamando antes a pertença a uma trama de relações e a uma cultura com uma ancoragem territorial mais dinâmica e elástica do que no passado. Tal facto não pode deixar de interrogar as formas organizativas da Igreja, que se estruturaram com base numa outra conceção de lugar e exige também a assunção de critérios diferenciados, obviamente não contraditórios, para encarnar a única verdade na vida das pessoas.
  4. Entre os fatores desta mudança conta-se certamente o fenómeno da urbanização: atualmente, pela primeira vez na história humana, a maioria da humanidade vive em contextos urbanos e não rurais. A pertença territorial assume uma configuração diferente em contexto urbano, no qual os limites entre as partes têm um carácter evidentemente mais convencional. Nas grandes metrópoles, bastam algumas paragens de metropolitano para ultrapassar os limites não da Paróquia, mas da Diocese: uma deslocação que muitas pessoas efetuam várias vezes ao longo do mesmo dia. A sua vida decorre normalmente em lugares eclesiais diferentes.
  5. Um segundo fator é o acréscimo da mobilidade humana, por diferentes razões, num mundo globalizado. Refugiados e migrantes constituem frequentemente comunidades vivas, também no que se refere à prática da fé, tornando assim plural o lugar em que se estabelecem. Ao mesmo tempo, e graças também aos meios de comunicação digital, mantêm ligações e relações com o seu país de origem. Vivem, portanto, uma múltipla pertença local, cultural e linguística. Por sua vez, as comunidades de origem registam, por um lado, a redução dos seus membros, correndo até o risco de desaparecer e, por outro, uma expansão do próprio tecido relacional à escala global. Como sublinhou a Primeira Sessão, é emblemática a este respeito, a situação de certas Igrejas Orientais Católicas: com os atuais ritmos dos fluxos migratórios, os seus membros na diáspora poderão exceder o número dos que vivem nos territórios canónicos (cf. RdS 6c). Em qualquer caso, tornar-se-á cada vez mais anacrónico definir o seu lugar em termos puramente geográficos. O Grupo de estudo n. 1 é chamado a refletir sobre os desafios que esta realidade coloca nas relações com a Igreja latina.
  6. Por último, não podemos ignorar a difusão da cultura digital, especialmente entre os jovens. Esta tem um impacto radical na experiência e na conceção do espaço e do tempo, assim como no modo de viver todos os tipos de atividades, as comunicações, as relações e inclusivamente a fé. Não é por acaso que a Primeira Sessão afirma que «a cultura digital não é tanto uma área distinta da missão, mas uma dimensão crucial do testemunho da Igreja» (RdS 17b). Esta temática constitui o objeto do trabalho do terceiro dos dez Grupos de estudo.
  7. Esta dinâmica da sociedade e da cultura obrigam a Igreja a repensar o sentido da própria dimensão local, com vista ao bem da missão. Sem ignorar que a vida se exerce sempre em contextos físicos e em culturas concretas, de que nunca é possível prescindir, convém afastarmo-nos de uma interpretação unicamente espacial do lugar: os lugares, também e sobretudo os da Igreja, não são apenas espaços, mas também áreas e redes que permitem o desenvolvimento das relações, oferecendo às pessoas uma oportunidade de enraizamento e uma base para a missão, que poderão realizar nos locais onde vivem. A conversão sinodal das mentalidades e dos corações deve ser acompanhada de uma reforma sinodal dos lugares eclesiais, chamada a ser estrada para caminhar juntos. Isto não significa confinar a ação pastoral a pertenças eletivas, porquanto a mesma deve poder encontrar cada homem e cada mulher.
  8. Esta reforma é conduzida com base na compreensão da Igreja como Povo santo de Deus, articulada na comunhão das Igrejas (communio Ecclesiarum)A experiência vivida demonstrou-nos que iniciar o processo sinodal das Igrejas locais não compromete a unidade de toda a Igreja, mas exprime a variedade e a universalidade do Povo de Deus (cf. LG 22), nem prejudica o exercício do ministério de unidade do Bispo de Roma, antes o valoriza. Não é necessário pensar a Igreja a partir das suas instituições, mas estas, incluindo as mais importantes, são repensadas na lógica do serviço da missão.
  9. Em virtude do serviço do Bispo de Roma como princípio visível da unidade de toda a Igreja e de cada Bispo como princípio visível da unidade na sua Igreja, o Concílio pôde afirmar que a Igreja, corpo místico de Cristo, é também um corpo de Igrejas, nas quais e a partir das quais existe a Igreja Católica, única e una (cf. LG 23). Este corpo articula-se: a) nas Igrejas individuais como porções do Povo de Deus, cada uma confiada a um Bispo; b) nos agrupamentos de Igrejas, nos quais as instâncias da comunhão são sobretudo representadas pelos organismos hierárquicos; c) na Igreja inteira (Ecclesia tota),em que a Igreja como comunhão de Igrejas é expressa pelo Colégio dos Bispos reunido ao redor do Bispo de Roma, no vínculo da comunhão episcopal (cum Petro)e hierárquica (sub Petro)A reforma das instituições eclesiais só pode seguir esta articulação ordenada da Igreja.

As Igrejas locais na Igreja Católica única e una

  1. A Igreja local, na sua articulação, é o lugar em que podemos vivenciar com carácter mais imediato a vida sinodal missionária de toda a Igreja. Os contributos das Conferências Episcopais falam de Paróquias, comunidades de base e pequenas comunidades como núcleos de comunhão e de participação na missão. Tal como afirmaram os Párocos reunidos em Sacrofano, «os membros das Paróquias são e tornam-se discípulos missionários de Jesus reunidos em seu nome pela oração e o culto, o serviço e o testemunho em tempos de alegria e de dor, de esperança e de luta». Deus atua nestas realidades eclesiais. Ao mesmo tempo, estamos conscientes de que devemos fazer mais para desenvolver e tirar partido da grande plasticidade da Paróquia, entendida como comunidade de comunidades, ao serviço da criatividade missionária.
  2. Atualmente, as Igrejas locais integram também realidades associativas e comunitárias que são expressões antigas e novas da vida cristã. Os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, em particular, contribuem em larga medida para a vida das Igrejas locais e o dinamismo da ação missionária. O mesmo é válido para as associações laicais, os movimentos eclesiais e as Novas Comunidades. A pertença à Igreja manifesta-se atualmente com um número crescente de formas que não remetem para uma base geograficamente definida, mas para ligações de tipo associativo. Esta variedade de formas é promovida, tendo sempre presente a perspetiva missionária e o discernimento eclesial daquilo que o Senhor pede em cada contexto particular. A animação desta variedade multiforme e o cuidado dos laços de unidade constituem competências específicas do Bispo diocesano o eparquial. Foi confiada ao Grupo de estudo n. 6 a tarefa de aprofundar estes aspetos.
  3. Tal como já sucedera nas fases anteriores do processo sinodal, também por ocasião da consulta para a redação do presente Instrumentum laboris, muitos dos contributos recolhidos consideram os diversos tipos de Conselhos (paroquiais, de zona, diocesanos ou eparquiais) instrumentos essenciais para o planeamento, a organização, a execução e a avaliação das atividades pastorais, e referem a necessidade da sua valorização. Trata-se, com efeito, de estruturas já previstas no direito vigente. Mediante uma adaptação apropriada, poderão revelar-se ainda mais adequadas para dar forma concreta a alguns aspetos de um estilo sinodal: podem ser alvo de processos de discernimento eclesial e de processos decisórios sinodais e lugares da prática da prestação de contas e da avaliação de quem exerce cargos de autoridade, sem esquecer que, por sua vez, estas pessoas devem dar conta do modo como desempenham as suas funções. Trata-se, pois, de um dos campos de ação mais promissores para uma aplicação expedita das orientações sinodais, que conduza a alterações rapidamente percetíveis.
  4. Para avançar nesta direção, muitos contributos salientam a necessidade de intervir sobre o perfil e as modalidades de funcionamento destes órgãos. Entre os aspetos mais significativos a considerar, destaca-se a modalidade de nomeação dos membros, procurando que a sua composição reflita a da comunidade de referência (Paróquia ou Diocese/Eparquia), a fim de contribuir credivelmente para a promoção de uma cultura de transparência e prestação de contas. Por conseguinte, é importante que a maioria dos membros não seja indicada pela autoridade (Bispo ou Pároco), mas designada de uma outra forma que traduza efetivamente a realidade da comunidade ou da Igreja local.
  5. A composição destes organismos requer também uma atenção similar, de modo a favorecer uma maior participação das mulheres, dos jovens e dos que vivem em condições de pobreza ou marginalização. Por outro lado, como salientado também na Primeira Sessão, é fundamental que estes órgãos integrem homens e mulheres empenhados no testemunho da fé na realidade comum da vida e nas dinâmicas sociais, com uma disposição apostólica e missionária reconhecida (cf. RdS 18d), e não só pessoas empenhadas na organização da vida e dos serviços internos da comunidade. Deste modo, o discernimento eclesial realizado por estes organismos poderá beneficiar de uma maior abertura, capacidade de analise da realidade e pluralidade de perspetivas. Por último, muitos contributos assinalam a oportunidade de tornar obrigatórios os Conselhos cuja instituição é discricional no direito atualmente vigente.
  6. Algumas Conferências Episcopais partilharam também experiências de reforma e boas práticas já implementadas, como a criação de redes de Conselhos pastorais a nível das comunidades de base, Paróquias e zonas, até ao Conselho pastoral diocesano. Como modelo de consulta e escuta, propõe-se a criação de assembleias eclesiais a todos os níveis, procurando não limitar a consulta ao interior da Igreja Católica, mas beneficiando do contributo de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, de outras religiões presentes no território e da sociedade, no “caminhar juntos” da comunidade cristã.

Os laços que dão forma à unidade da Igreja

  1. O horizonte de comunhão do intercâmbio de dons, explicitado na Parte I, constitui o critério inspirador da relação entre as Igrejas. Combina o ênfase colocado nos laços que dão forma à unidade da Igreja com a valorização das peculiaridades associadas ao contexto em que vive cada Igreja local, com a sua história e a sua tradição. A adoção de um estilo sinodal permite deixar de pensar que todas as Igrejas devam forçosamente mover-se ao mesmo ritmo relativamente a cada questão. As diferenças de ritmo devem, pelo contrário, ser valorizadas como expressão de uma legítima diversidade e como ocasião para um intercâmbio de dons e enriquecimento mútuo. Para poder realizar-se, este horizonte necessita de se inserir em estruturas e práticas concretas. Responder à pergunta «Comoser Igreja sinodal em missão?» exige, portanto, a sua identificação e promoção.
  2. As Estruturas Hierárquicas Orientais e as Conferências Episcopais constituem um instrumento fundamental para a criação de laços e partilha de experiências entre as Igrejas, além de promoverem o descentramento do governo e da planificação pastoral. «O Concílio Vaticano II afirmou que, à semelhança das antigas Igrejas patriarcais, as conferências Episcopais podem “aportar uma contribuição múltipla e fecunda, para que o sentimento colegial leve a aplicações concretas” (LG 23). Mas este desejo não se realizou plenamente, porque ainda não foi suficientemente explicitado um estatuto das conferências Episcopais que as considere como sujeitos de atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade doutrinal» (EG 32). Procurar o modo de ser Igreja sinodal em missão exige dar resposta a esta questão.
  3. A partir do que emergiu no decurso do processo sinodal, propõe-se: a) reconhecer as Conferências Episcopais como sujeitos eclesiais dotados de autoridade doutrinal, assumindo a diversidade sociocultural no quadro de uma Igreja poliédrica e favorecendo a valorização das expressões litúrgicas, disciplinares, teológicas e espirituais apropriadas aos diferentes contextos socioculturais; b) proceder a uma avaliação da experiência vivida do funcionamento das Conferências Episcopais e das Estruturas Hierárquicas Orientais, das relações entre os Episcopados e com a Santa Sé, para identificar as reformas concretas a implementar; as visitas ad limina, que se inserem no âmbito de trabalho do Grupo de estudo n. 7, poderiam constituir uma ocasião propícia para esta avaliação; c) assegurar que todas as Dioceses ou Eparquias sejam afetas a uma Província Eclesiástica e a uma Conferência Episcopal ou Estrutura Hierárquica Oriental (cf. CD 40).
  4. A experiência das Assembleias continentais foi a novidade da primeira fase do processo sinodal, implementando de modo mais coerente as indicações conciliares de considerar seriamente as especificidades «de cada vasto território sociocultural» em busca de «uma mais profunda adaptação em toda a extensão da vida cristã» (AG 22). Esta experiência, assim como o caminho das Igrejas de certas regiões, coloca a questão da articulação do dinamismo sinodal e colegial através de expressões institucionais apropriadas, como por exemplo assembleias eclesiais e Conferências Episcopais, às quais atribuir funções coordenadas de elaboração e tomada de decisões de âmbito continental ou regional. É possível também implementar métodos de discernimento que incluam uma diversidade de sujeitos eclesiais na redação de documentos e nos processos decisórios. Propõe-se ainda que em relação ao discernimento possam prever-se, de forma adequada à diversidade dos contextos, espaços de escuta e diálogo com instituições civis, representantes de outras religiões, organizações não católicas e a sociedade em geral.
  5. O desejo de que o diálogo sinodal local não termine, mas continue no tempo, e a necessidade de uma efetiva inculturação da fé em extensões territoriais significativas leva a uma nova valorização do instituto dos Conselhos particulares, tanto provinciais como plenários, cuja celebração periódica constituiu uma obrigação durante larga parte da história da Igreja. Com base na experiência amadurecida ao longo do percurso sinodal, é possível pensar formas que articulem uma assembleia apenas de Bispos e uma assembleia eclesial constituída também por outros Fiéis (Presbíteros, Diáconos, Consagrados e Consagradas, Leigos e Leigas), delegados aos Conselhos pastorais das Dioceses ou Eparquias participantes, ou nomeados de outro modo, por forma a refletir a variedade da Igreja na região. Nesta linha, seria possível reformar o procedimento de recognitiodas conclusões dos Conselhos particulares, a fim de favorecer uma publicação atempada.

O serviço do Bispo de Roma em prol da unidade

  1. Responder à pergunta «Como ser Igreja sinodal em missão?» exige também revisitar a dinâmica que une sinodalidade, colegialidade e primado, para que possa alimentar as relações entre as instituições através das quais encontra uma expressão concreta.
  2. O processo sinodal demonstrou a verdade das afirmações conciliares, que «na comunhão eclesial existem legitimamente igrejas particulares com tradições próprias, sem detrimento do primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade (25), protege as legítimas diversidades e vigia para que as particularidades ajudem a unidade e de forma alguma a prejudiquem» (LG 13). Em virtude desta função, o Bispo de Roma, enquanto princípio visível de unidade da Igreja inteira (cf. LG 23), é o garante da sinodalidade: compete-lhe chamar toda a Igreja à ação sinodal, convocando, presidindo e confirmando os resultados dos Sínodos dos Bispos; deverá exercer um cuidado vigilante para que a Igreja cresça num estilo e numa forma sinodal.
  3. A reflexão sobre as formas de exercício do ministério petrino é também conduzida na perspetiva da «descentralização salutar» (EG 16) solicitada pelo Papa Francisco e requerida por muitas Conferências Episcopais. Na formulação dada pela Constituição Apostólica Praedicate Evangelium, a mesma implica «deixar à competência dos Pastores a faculdade de resolver, no exercício da «sua própria tarefa de mestres» e Pastores, as questões que conhecem bem e que não afetam a unidade de doutrina, de disciplina e de comunhão da Igreja, agindo sempre com aquela corresponsabilidade que é fruto e expressão deste específico mysterium communionisque é a Igreja» (PE II, 2).
  4. Para proceder neste rumo poderia adotar-se a orientação do recente Motu Proprio Competentias quasdam decernere(15 de fevereiro de 2022), que atribui «algumas competências, relativas a disposições do Código que visam garantir a unidade da disciplina da Igreja universal, o poder executivo das Igrejas e das instituições eclesiais locais» com base na «dinâmica eclesial da comunhão» (introdução).
  5. Por outro lado, também a elaboração da norma canónica pode prestar-se à aplicação de um estilo sinodal. A ação normativa não está limitada ao exercício de um poder reconhecido por parte da autoridade, sendo considerada como um verdadeiro discernimento eclesial. Embora goze de todas as prerrogativas para legislar, ao fazê-lo a autoridade pode e deve agir de acordo com o método sinodal, a fim de promulgar uma norma que seja fruto de uma exigência de justiça decorrente da escuta no Espírito.
  6. A referida Constituição Apostólica Praedicate Evangeliumconfigurou em sentido sinodal e missionário o serviço que a Cúria Romana presta ao Bispo de Roma e ao Colégio dos Bispos. Na lógica da transparência e da prestação de contas, estão previstas formas de avaliação periódica do seu trabalho, confiadas a um órgão independente (que poderá ser o Conselho dos Cardeais e/ou um conselho de Bispos eleito pelo Sínodo). O Grupo de estudo n. 8 tem a seu cargo o papel dos Representantes pontifícios em perspetiva sinodal missionária e as modalidades de avaliação do seu desempenho.
  7. A Assembleia de outubro de 2023 indicava a necessidade de proceder a uma avaliação dos frutos da Primeira Sessão (cf. RdS 20j), a qual não pode prescindir do desenvolvimento conferido pela Constituição Apostólica Episcopalis communio, que transforma o Sínodo de evento pontual em processo eclesial que se prolonga no espaço e no tempo. Entre os lugares para praticar a sinodalidade e a colegialidade a nível de toda a Igreja, destaca-se certamente o Sínodo dos Bispos. Instituído por São Paulo Paolo VI como uma assembleia de Bispos convocada para participar, através do conselho, no cuidado do Romano Pontífice por toda a Igreja, é agora, na forma do processo faseado, o espaço em que se realiza e pode ser incentivada a relação dinâmica entre sinodalidade, colegialidade e primado. Todo o Povo santo de Deus, os Bispos a quem são confiadas as porções individuais do mesmo e o Bispo de Roma, enquanto princípio de unidade da Igreja, participam de pleno direito no processo sinodal, cada um segundo as suas próprias funções. Esta participação é expressa na Assembleia sinodal reunida em torno do Bispo de Roma, cuja composição demonstra a variedade e a universalidade da Igreja como «“sacramento de unidade”, isto é, Povo santo reunido e ordenado sob a direção dos Bispos» (SC 26).
  8. Entre os frutos mais significativos do Sínodo 2021-2024 conta-se a intensidade do momentume da promessa ecuménica que o caracteriza. Pode também ser útil debater a esta luz a questão do exercício do ministério petrino, por forma a que possa abrir-se «a uma situação nova» (UUS 95). O recente documento do Dicastério para a Promoção da Unidade dos Cristãos Il Vescovo di Roma. Primato e sinodalità nei dialoghi ecumenici e nelle risposte all’enciclica “Ut unum sint”oferece pistas para um aprofundamento posterior. O tema insere-se no âmbito do Grupo de estudo n. 10, dedicado à receção dos frutos do caminho ecuménico nas práticas eclesiais.
  9. A riqueza representada pela participação na Primeira Sessão dos Delegados fraternos, provenientes de outras Igrejas e Comunidade Eclesiais, convida-nos a prestar maior atenção ao modo como a sinodalidade se realiza nos nossos companheiros ecuménicos, tanto no Oriente como no Ocidente. O diálogo ecuménico é fundamental para desenvolver a compreensão da sinodalidade e da unidade da Igreja. Mas sobretudo incentiva-nos a imaginar práticas sinodais verdadeiramente ecuménicas, incluindo formas de consulta e discernimento sobre questões de interesse mútuo e urgente. O fundamento desta possibilidade está no facto de estarmos unidos num único Batismo, do qual provém a identidade do Povo de Deus e o dinamismo de comunhão, participação e missão.

Conclusão – A Igreja sinodal no mundo

  1. Neste mundo todas as coisas estão ligadas e comportam em si um desejo do outro que nunca passa. Tudo é um apelo à relação e um testemunho de ausência de autossuficiência. O mundo inteiro, quando contemplado com o olhar educado pela Revelação cristã, é sinal sacramental de uma presença que o transcende e o anima, conduzindo-o ao encontro com Deus, que se cumprirá definitivamente na convivialidade das diferenças, as quais encontrarão a sua plenitude no banquete escatológico preparado por Deus no seu monte.
  2. Transformada pelo anúncio da Ressurreição, a Igreja procura tornar-se um lugar onde se respira e se vive a visão de Isaías para ser «a fortaleza do pobree a fortaleza do necessitado na sua angústia; refúgio contra a tempestade e sombra contra o calor» (Is 25,4). Deste modo abre o seu coração ao Reino. Quando os membros da Igreja se deixam conduzir pelo Espírito do Senhor para horizontes que inicialmente não tinham vislumbrado, sentem uma alegria incomensurável. Na sua beleza, humildade e simplicidade, é esta a conversão contínua do estilo da Igreja que o processo sinodal nos convida a realizar.
  3. A Encíclica Fratelli tuttichama-nos a reconhecer-nos como irmãs e irmãos em Cristo ressuscitado, propondo esse reconhecimento não como um estatuto, mas como uno estilo de vida. A Encíclica sublinha o contraste entre o tempo em que vivemos e a visão de convivialidade preparada por Deus. O véu, o manto e as lágrimas dos nossos tempos são o resultado do crescente isolamento recíproco, da crescente violência e polarização do nosso mundo e do desaparecimento das fontes da vida. O presente Instrumentum laborisinterroga-se e interroga-nos sobre como ser uma Igreja sinodal missionária; como nos empenharmos numa escuta e num diálogo profundos; como sermos corresponsáveis à luz do dinamismo da nossa vocação batismal pessoal e comunitária; como transformarmos estruturas e processos de modo que todos possam participar e partilhar os carismas que o Espírito infunde em cada um para benefício comum; como exercer poder e autoridade como serviço. Cada uma destas perguntas é um serviço à Igreja e, através da sua ação, a possibilidade de curar as feridas mais profundas do nosso tempo.
  4. O profeta Isaías termina o seu oráculo com um hino de louvor a retomar em coro: «Eis que este é o nosso Deus, em quem esperávamos, e ele nos salvará; este é o Senhor, a quem aguardávamos; na sua salvação exultaremos» (Is 25,9). Como Povo de Deus unamo-nos a este louvor, enquanto como peregrinos de esperança continuamos a avançar ao longo do caminho sinodal rumo àqueles que ainda aguardam o anúncio da Boa Nova da salvação!

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[1] Salvo indicação em contrário ou quando do contexto resultar algo diferente, no texto do Instrumentum laboris o termo “Igreja” indica «una e única Igreja Católica» (LG 23), ao passo que o plural “Igrejas” indica as Igrejas locais nas quais e a partir das quais a mesma existe.

[2] Neste ponto e nos que se seguem, as citações das Conferências Episcopais e dos seus agrupamentos continentais são extraídas das sínteses transmitidas à Secretaria-Geral do Sínodo após a consulta às Igrejas locais, que teve lugar entre o final de 2023 e a primeira metade de 2024.

[3] Divulgado pela Secretaria-Geral do Sínodo a 11 de dezembro de 2023 e disponível no site www.synod.va.

[4] A este respeito remete-se para o documento: Come essere Chiesa sinodale in missione? Cinque prospettive da approfondire teologicamente in vista della Seconda Sessione della XVI Assemblea Generale Ordinaria del Sinodo dei Vescovi, divulgado pela Secretaria-Geral do Sínodo a 14 de março de 2024 e disponível no site www.synod.va.

[5] A este respeito remete-se para o documento Gruppi di studio su questioni emerse nella Prima Sessione della XVI Assemblea Generale Ordinaria del Sinodo dei Vescovi, da approfondire in collaborazione con i Dicasteri della Curia Romana. Traccia di lavoro, igualmente divulgado a 14 de março de 2024 e disponível no site www.synod.va.

[6] As temáticas identificadas no Relatório de Síntese da Primeira Sessão e confiadas aos dez grupos de estudo são:

  1. Alguns aspetos das relações entre Igrejas Orientais Católicas e a Igreja latina (RdS 6).
  2. A escuta do grito dos pobres (RdS 4 e 16).
  3. A missão no ambiente digital (RdS 17).
  4. A revisão da Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalisnuma perspetiva sinodal missionária (RdS 11).
  5. Algumas questões teológicas e canônicas em torno a formas ministeriais específicas (RdS 8 e 9).
  6. A revisão, numa perspetiva sinodal e missionária, dos documentos que regem as relações entre Bispos, Vida Consagrada, Agregações Eclesiais (RdS 10).
  7. Alguns aspetos da figura e do ministério do Bispo (em particular: critérios para a seleção dos candidatos ao episcopado, função judicial do Bispo, natureza e realização das visitas ad limina Apostolorum) numa perspetiva sinodal missionária (RdS 12 e 13).
  8. O papel dos Representantes Pontifícios numa perspetiva sinodal missionária (RdS 13).
  9. Critérios teológicos e metodologias sinodais para um discernimento partilhado de questões doutrinais, pastorais e éticas controversas (RdS 15).
  10. A receção dos frutos do caminho ecuménico nas práticas eclesiais (RdS 7).

[7] O termo “sínodo” na tradição das Igrejas Orientais e Ocidentais refere-se a instituições e eventos que, ao longo do tempo, assumiram formas diversas, envolvendo uma pluralidade de sujeitos. Na sua variedade, todas estas formas são irmanadas e reunidas em conjunto para dialogar, discernir e decidir.

Instrumentum laboris – outubro 2024