Anselmo Borges – A mulher na Igreja. O nó do problema.
A mulher na Igreja. O nó do problema. 1
17 Jan 2025 – Diário de Notícias
1 É sabido quanto o Papa Francisco se tem empenhado na renovação da Igreja, também no sentido de colocar mulheres em altos cargos de governo na Cúria. Mesmo assim, constituiu uma autêntica revolução o anúncio feito pelo Boletim da Santa Sé no passado dia 6, dia da Epifania: pela primeira vez na História do Vaticano uma mulher foi nomeada prefeita (ministra) do Dicastério (Ministério) para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Trata-se da irmã Simona Brambilla, das Missionárias da Consolata, licenciada e doutorada em Psicologia pela Universidade Gregoriana.
2 No Documento Final do Sínodo sobre a sinodalidade, aprovado pelo Papa Francisco em outubro de 2024, pode ler-se um belo texto sobre o lugar das mulheres na Igreja, Povo de Deus. Reza assim no número 60:
“Em virtude do Baptismo, homens e mulheres gozam de igual dignidade no Povo de Deus. No entanto, as mulheres continuam a encontrar obstáculos para obter um reconhecimento mais pleno dos seus carismas, da sua vocação e do seu lugar nos vários sectores da vida da Igreja, em detrimento do serviço à missão comum. As Escrituras atestam o papel de primeiro plano de muitas mulheres na história da salvação. A uma mulher, Maria de Magdala, foi confiado o primeiro anúncio da Ressurreição; no dia de Pentecostes, Maria, a Mãe de Jesus, estava presente no Cenáculo, juntamente com muitas outras mulheres que tinham seguido o Senhor. É importante que as passagens relevantes da Escritura encontrem lugar apropriado nos leccionários litúrgicos. Alguns momentos cruciais da História da Igreja confirmam o contributo essencial das mulheres movidas pelo Espírito. As mulheres constituem a maioria daqueles que frequentam as igrejas e são frequentemente as primeiras testemunhas da fé nas famílias. São activas na vida das pequenas comunidades cristãs e nas paróquias; dirigem escolas, hospitais e centros de acolhimento; lideram iniciativas de reconciliação e de promoção da dignidade humana e da Justiça Social. As mulheres contribuem para a investigação teológica e estão presentes em posições de responsabilidade nas instituições ligadas à Igreja, na Cúria diocesana e na Cúria Romana. Há mulheres que exercem cargos de autoridade ou são responsáveis pela comunidade. Esta Assembleia convida a dar plena implementação de todas as oportunidades já previstas no direito vigente relativamente ao papel das mulheres, particularmente nos lugares onde estas continuam por cumprir. Não há razões que impeçam as mulheres de assumir funções de liderança na Igreja: não se pode impedir o que vem do Espírito Santo. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto. É necessário prosseguir o discernimento a este respeito. A Assembleia convida também a prestar maior atenção à linguagem e às imagens utilizadas na pregação, no ensino, na catequese e na redacção dos documentos oficiais da Igreja, dando mais espaço ao contributo de mulheres santas, teólogas e místicas.”
3 Aqui chegados, permanece a pergunta de sempre: por que é que a questão do acesso das mulheres ao ministério do diaconado fica apenas em aberto? Mas sobretudo: por que é que a questão do acesso das mulheres ao chamado ministério sacerdotal não teve, sequer, possibilidade de ser colocada?
Esta questão constitui um problema central dentro da Igreja. Tentarei na próxima crónica explicar como ela é inclusivamente uma questão decisiva.
A mulher na Igreja. O nó do problema. 2
24 Jan 2025 – Diário de Notícias
A crónica da semana passada terminava com a pergunta: Por que é que o acesso das mulheres ao ministério sacerdotal não teve sequer possibilidade de ser colocado no Documento Final do Sínodo sobre a sinodalidade, aprovado pelo Papa Francisco em Outubro de 2024? E prometia tentar na crónica de hoje explicar como esta é questão decisiva na Igreja.
A discriminação das mulheres pela Igreja oficial constitui um escândalo e um pecado. De facto, é contra os direitos humanos e a vontade de Jesus. Tentarei desfazer equívocos para ir ao essencial.
- O próprio Papa Francisco tem impedido colocar a questão, argumentando que “o sacerdócio é reservado aos varões, como sinal de Cristo Esposo que se entrega na Eucaristia”.
Como responder? Sim, Jesus é a visibilização de Deus, mistério indizível, em humanidade. O Evangelho segundo São João escreve que o Verbo (o Logos, Palavra) se fez carne (em grego, sarx), humanidade frágil. Sim, Jesus é homem, mas, como faz notar Marta Zubía, o que o Evangelho quer dizer é que o Verbo se humanizou, não que se varonizou, que “se fez homem (anthropos, homo) e não que se fez varão (aner, vir). Deus não se humanizou na sexualidade de Jesus, mas na sua pessoa, na sua humanidade. Esta redução, agravada pelo uso exclusivo de linguagem e imagens masculinas, leva a considerar a masculinidade, pelo menos na prática, como uma característica essencial do próprio Deus.”
- Neste sentido, há quem argumente também que na Última Ceia só havia homens, os Apóstolos – afirmação muito discutível – e que só a eles foi entregue o governo da Igreja. O teólogo Herbert Haag, talvez o maior exegeta do século XX, respondeu que então, uma vez que todos eram judeus, só se poderia ordenar judeus!…
- Jesus trouxe por palavras e obras a melhor notícia que a Humanidade teve: Deus é bom, Pai/Mãe e todos os homens e mulheres são seus filhos e, portanto, irmãos. Isso era intolerável para os interesses do Templo e do Império, que se coligaram para o assassinar. Portanto, Jesus não foi vítima de Deus, mas dos homens. Que Deus seria esse que teria precisado da morte do Filho para aplacar a sua ira? Note-se que Joseph Ratzinger, quando era só professor, escreveu que recusava acreditar que Deus se tornou “misericordioso” só depois de ver satisfeita a sua “vingança”. Opondo-se à teologia da “satisfação” que situava a cruz “no interior de um mecanismo de direito lesado e restabelecido”, rejeitou a noção de um Deus “cuja justiça inexorável teria exigido um sacrifício humano, o sacrifício do seu próprio Filho. Esta imagem, apesar de tão espalhada, não deixa de ser falsa”.
- Foi também Herbert Haag que mostrou que as primeiras comunidades cristãs celebravam a Eucaristia, um banquete festivo, recordando a memória de Jesus, o que Ele disse e fez, a sua morte e ressurreição, e aprofundando o seu compromisso na realização do Reino de Deus… Quem presidia era um cristão ou uma cristã com uma casa melhor para se juntarem. Foi com a interpretação da Eucaristia como sacrifício que surgiram os sacerdotes, com uma ordenação sacra, o que levou, contra a vontade de Jesus que disse: “sois todos irmãos”, à divisão em duas classes: clero e leigos…
- Como mostro no meu mais recente livro – O Mundo e a Igreja. Que Futuro?-, a Igreja sempre teve carismas, funções, ministérios…, mas nem Jesus, nem os Apóstolos ordenaram sacerdotes. Ela precisa de uma profundíssima reforma, e a não-discriminação das mulheres é essencial.