A tua Primeira Comunhão – uma reflexão oportuna

A TUA PRIMEIRA COMUNHÃO

Nas últimas semanas, viveram-se dias de tanta “Primeira Comunhão” por aí fora…

Este dia, citando o meu caro amigo Rui Santiago, «podia ser muito bem aproveitado para ajudar as crianças a despertar para esta consciência da importância da Comunhão. Não a “primeira vez que se come a hóstia”, mas o tornar-se conscientemente amigo e companheiro daquele Jesus que à volta da mesa com os seus amigos mostrava que só se é feliz quando se constrói a Comunhão e se matam dentro de nós, pouco a pouco, os impulsos de egoísmo, soberba, juízo dos outros e mania das grandezas. Na idade que eles têm, era muito importante aproveitar estas oportunidades para gerar dinamismos e experiências fortes de Comunhão, de sair de si, de abrir-se ao jeito de Jesus… Isso sim, era celebrar evangelicamente a Comunhão com Jesus e a Comunhão de Jesus!

Então, fazia todo o sentido rodearmos a mesa de Jesus e comermos todos juntos um pedaço do mesmo e único Pão para todos!»

Por estes dias andei a mastigar estas palavras e, certamente que não foi por acaso, que me deparei com um magnífico texto do teólogo espanhol José Arregi, cuja leitura vos recomendo vivamente. É uma verdadeira pérola! Aqui vai…

«Querido Nico:

Foi uma feliz surpresa saber que vais fazer a tua primeira comunhão. Que decidiste comungar com Jesus, olhar o mundo com os seus olhos e deixares-te inspirar pelo seu sopro vital. É uma escolha maravilhosa. Parabéns, do fundo do meu coração!

A vida, toda a vida digna desse nome, é comungar, estar em relação criativa com todos os seres. E há muitas formas de se comprometer com ela e de a viver, muitas formas de a expressar e ritualizar, de acordo com a diversidade de lugares, tempos e culturas. Comungar com Jesus é uma forma, nem melhor nem pior do que outras, de viver em comunhão agradecida, comprometida e solidária com todos os seres vivos. É o caminho cristão, o caminho daqueles que, passados 2.000 anos, continuam a inspirar-se na sua memória, na sua sabedoria vital, na sua figura viva. Um caminho que é certamente diverso, e fraterno na diversidade. Estamos muito contentes que também tu, na tua primeira comunhão, te juntes à nossa mesa comum. Bem-vindo, Nico! ¡Bienvenido, Nico! Welcome, Nico! Herzlich wilkommen! Sois le bienvenu!

Chamamos-lhe a tua primeira comunhão, mas, na realidade, toda a tua história, desde antes dos tempos imemoriais, é uma história de comunhão. Quando ainda nem sequer existias, aquele feliz encontro dos Andes peruanos da tua mãe com a Cantábria espanhola do teu pai, na capital castelhana de Valladolid, era já, de certa forma, a tua primeira comunhão. E aquela primeira célula minúscula, que ainda não eras tu, já comungava todos os dias com tudo o que a rodeava, com o que estava mais perto e mais longe, e dessa primeira célula em permanente relação, em incessante evolução, nasces tu, fruto maravilhoso de inúmeras primeiras comunhões criadoras. Desde que nasceste, todos os dias foram a tua primeira comunhão. Também aquele dia em que os teus pais tiveram a coragem de deixar Castilla contigo, e partir para a Suíça, esse êxodo em busca de pão e de trabalho, com as suas dificuldades e as suas graças, ao encontro de novas terras, povos e línguas.

Todos os dias comungas com a sempre nova luz do sol e o sempre novo ar que respiras, a sempre nova energia vital que nos chega do universo infinito e da mãe terra comum que nos sustenta e alimenta. Cada vez que ouves ou falas, que ris ou choras, que estudas e te informas sobre o que realmente se passa no mundo, cada vez que te indignas com a política e a economia que governam o planeta, cada vez que deixas brotar em ti a admiração, a ternura e a compaixão, cada vez que dizes a ti mesmo: “Sou o Nico. Eis-me aqui. O que posso fazer?”, estás a fazer a tua estreia na vida e é a tua primeira comunhão.

Uma prática muito comum e caraterística de Jesus foi exatamente essa: a comensalidade aberta. Numa sociedade religiosa em que era estritamente ordenado quando se podia e não se podia comer, com quem se podia e não se podia comer, o que se podia e não se podia comer, Jesus praticou a comensalidade aberta. Sonhou o futuro como uma grande mesa aberta, da qual ninguém deveria ficar excluído. Ensinou que ninguém na terra passaria fome ou miséria se aqueles que mais têm partilhassem os seus bens. Tão simples quanto isto. E sonhou que é possível, e esse sonho custou-lhe a vida. Mas, antes de ser crucificado, realizou uma ceia festiva e esperançosa e, tomando um pedaço de pão e um cálice de vinho, disse aos seus seguidores: “Comei e bebei em minha memória e tornai-me presente. Reavivai a esperança e antecipai em cada dia o futuro novo com que sonhamos”.

Na tua primeira comunhão de sábado e de todos os dias, Nico, fazes teu este sonho. Nestes tempos de incerteza global, brindamos contigo, e tu brindas connosco pela nova Terra que Jesus vislumbrou ao longe e antecipou na sua vida: uma imensa Comunhão de mesa festiva, multicolorida e feliz.»

José Arregi* Aizarna, 12 de junho de 2025

*É teólogo. Nasceu no País Basco. Franciscano sem hábito nem convento. Trocou-os pela liberdade de ensinar e falar, de continuar a ser uma das muitas vozes da resistência ativa na Igreja que ama.

 

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