A primeira geração incrédula
de Armando Matteo

Costumo sempre ser exigente no que toca a livros sobre a pastoral com jovens: é que normalmente são livros de catequese “colorida”, de esquemas e actividades para fazer “para” os jovens… Por isso hesitei aquando de toda a publicidade relativa ao livro do italiano Armando Matteo sobre a relação entre os jovens e a fé. Mesmo assim, por um dever profissional, li o livro… e fiquei agradavelmente surpreendido.

Primeiro porque, para o autor, os “jovens” não são apenas os adolescentes que povoam as salas de catequese até ao Crisma: os jovens, de acordo com os recentes estudos sociológicos, são uma geração social que abrange desde os adolescentes de 16 anos até aos jovens casais – e solteiros – de 35 anos – neste ponto, senti-me de imediato envolvido.
Segundo, o autor não propõe mais do mesmo – linguagens, catequeses, atividades, etc. Seguindo o método utilizado no Concílio Vaticano II, o autor faz primeiro uma leitura honesta da realidade, uma análise das condições em que vivem os jovens na sociedade europeia – com todas as dificuldades na procura de trabalho, nas perspetivas de futuro, na falta de espaço concedido pelas gerações adultas nos processos de decisão…
Finalmente, o autor não deixa de abordar as limitações com que, em Igreja – não nos acontecimentos extraordinários como as JMJ, os encontros nacionais, as peregrinações, mas no contexto quotidiano paroquial – se desenrola a pastoral de jovens: a falta de formação de formadores e catequistas, as excessivas atividades e estruturas, etc. 
Partilho um excerto, publicado no site da Pastoral da Cultura, juntamente com o índice, de um livro que bem poderá constituir um ponto de partida para rever e preparar o próximo ano pastoral – depois do merecido tempo de férias. Boas leituras!

«Porque é que os jovens já não vão à missa?
Para responder a esta interrogação, depois de ter observado o perfil da «primeira geração incrédula» do Ocidente, parece instrutivo admirar outro quadro: o da Igreja atual, observando-a, como é óbvio, a partir daquela perspetiva particular permitida pelo facto de vivermos em Itália.
A referência imediata é a paróquia, que constitui o lugar eclesial mais acessível. Como se apresenta ao nosso olhar? Falando diretamente e sem floreados, a maior parte das paróquias são todas feitas de «terços e de missas pelos defuntos», terços e missas pedidas por pessoas que se preparam para se tornarem elas própria intenção de uma missa por um defunto. Alguns párocos acrescentam a lectio divina, as laudes e as vésperas, a adoração eucarística, formas de oração que, no entanto, não são de acesso imediato. (…)
Os poucos jovens que ainda frequentam o território paroquial são, por sua vez, «sequestrados» para alguma forma de serviço em favor dos mais pequenos, sendo chamados a transmitir aquela fé em Jesus pela qual eles próprios ainda não se decidiram. Também aqui o efeito de código geral é muito equívoco: tal prática gera, na realidade, a ideia de que «ir à Igreja» se identifica de imediato com «fazer coisas da Igreja», ou seja, que o seguimento coincide com a diaconia – o que não pode deixar de parecer bastante pesado à primeira geração incrédula do Ocidente. E, se uma pessoa não tem vontade de fazer as «coisas da Igreja», por que razão deveria continuar a frequentá-la?
Que dizer agora da catequese reservada aos jovens, onde ainda subsiste? Frequentemente é autogerida (o pároco tem é de dizer missa), geralmente o seu perfil é de nível didático bastante baixo. Só raramente sabe adaptar-se às novas linguagens e aos novos meios de comunicação, tão usados pelos jovens. Ainda mais raramente participa dos debates atuais acerca e contra a fé, ou dos relativos às várias formas do mal-estar juvenil. Segundo Lorenzi, a impressão global decorrente é a de que a Igreja é fundamentalmente um lugar especializado para o mundo da infância.
Que dizer agora da administração dos sacramentos? Aqui, deparamos até com um verdadeiro beco sem saída: o sacramento ou nada! E quantas vezes os próprios sacerdotes, chamados a celebrar este matrimónio ou aquele batismo, se dão conta, de repente, de que faltam as condições mínimas para administrar o sacramento, e que, naquele momento, não vislumbra outra alternativa! Que dizer da celebração de alguns funerais, em que as palavras do rito que falam da fé e da participação na comunidade paroquial do defunto, pelo qual se reza, estão em pública antítese com a forma como ele viveu? Produzem um efeito, pura e simplesmente, tragicómico…
Esta realidade deveria fazer-nos refletir, a vários níveis: se se administram os sacramentos com demasiada «facilidade» (aliás, o importante não é semear?), fazendo-se assim coincidir com essa atividade – dar sacramentos – a vida da Igreja, não só não se faz justiça ao valor intrínseco do sacramento, mas – o que é mais grave – também se alimenta a ideia de que a Igreja é uma espécie de «estação de serviço do espírito», uma fornecedora de serviços, a baixo preço, e que, usufruídos estes, deixa de haver um motivo razoável para (continuar a) frequentá-la. Por outro lado, porventura, no passado, não se insistiu excessivamente no facto de que o essencial, «para evitar o Inferno», era participar nas festas obrigatórias?
Centrando agora o nosso discurso nos sacerdotes, como não havemos de registar a rápida quebra de vocações? A esse respeito, o facto mais surpreendente a observar é outro. Nos últimos trinta anos, enquanto diminuía o número dos sacerdotes, o das paróquias manteve-se bastante estável, ao passo que todas as outras componentes da sociedade, da escola às estruturas sanitárias, das atividades comerciais às de  ocupação dos tempos livres, racionalizaram a sua presença no território, quer devido à baixa de natalidade crescente, quer à progressiva descentralização urbana, quer à otimização dos serviços. Aqui, levanta-se outra questão premente: como reagir à diminuição numérica dos sacerdotes? Convidar alguns que venham de fora ou fazer com que muitos enlouqueçam, sendo forçados a correr de um lado para o outro, «para dizer missa» nas três ou quatro paróquias que lhes estão confiadas?
A própria carga excessiva que a atual estrutura das paróquias implica para um pároco médio também torna impossível um trabalho sereno e não improvisado com os jovens: para este setor de atividade não tem literalmente tempo nem forças. Deslocando-se continuamente, entre os limites das suas duas-três-quatro paróquias, como poderia encontrar um momento livre para ir às escolas, para manter contacto com os seus universitários que foram estudar para outros lugares ou com aqueles que alugaram um alojamento no território da sua paróquia, e ainda para se aproximar dos jovens trabalhadores? Mais simplesmente, onde poderá encontrar a calma necessária para preparar e iniciar uma introdução eficaz ao mundo da Sagrada Escritura e da Liturgia, que os jovens ignoram completamente?
Além disso, para alguns párocos, o trabalho excessivo torna-se uma espécie de verdadeira distração das dificuldades reais que a sua prática pastoral deveria enfrentar. Uma distração que sai obviamente cara, porquanto o facto de se habituarem à ausência dos jovens gera outra ausência de jovens, e isso cria, por sua vez, outras preocupações: para evitar tais preocupações, os párocos mergulham de cabeça num novo e mais vasto trabalho de rotina. E assim, o rosto de muitos sacerdotes apresenta-se com frequência esgotado, cansado, nada sereno: sempre ao telefone e sempre inacessíveis. Padres de corrida! E um ou outro já começam a acusar sinais de um profundo mal-estar interior.
Para tornar a situação ainda mais complexa, há o aumento da idade média do clero (…). Tal circunstância determina, necessariamente, diferenças enormes entre o seu universo cultural e linguístico e o das novas gerações.
Tentando sintetizar, agora, o quadro bastante pitoresco aqui esboçado, e formular uma primeira resposta ao porquê do afastamento dos jovens da Igreja, devemos tomar consciência do facto de que as paróquias (e, em parte, as associações e os movimentos) são essencialmente lugares de exercício da fé: lugares que pressupõem, naqueles que os frequentam, uma fé no Evangelho já presente e um certo domínio da práxis da oração.
Se uma qualquer pessoa, que não saiba o que é a fé, entrar, hoje, numa das inúmeras paróquias de Itália, não encontrará espaço algum onde possa esclarecer a sua ignorância e, na melhor das hipóteses, ultrapassá-la. Se nela entrar uma qualquer pessoa que não saiba o que é rezar, dificilmente encontrará alguém disposto a ensinar-lhe como se reza. E como é importante a oração, sobretudo no nosso tempo…. Estamos sempre com pressa, sempre nervosos, sempre distraídos, sempre prontos a fecharmo-nos nas tocas das nossas idiossincrasias, das nossas manias, das partes menos felizes do nosso caráter. Ora, a oração irrompe como ar fresco no coração e na mente: é como abrir as janelas do nosso próprio eu e deixarmo-nos inundar pelo ar puro de Deus, que se chama Espírito Santo… Pois bem, onde é que se ensina a rezar? E, se não há oração, não há fé.
Na teologia existe um axioma – lex orandi lex credendi –, segundo o qual aquilo que deve ser objeto de fé deve ser sempre precedido e acompanhado por aquilo que é objeto de oração. Desse axioma podemos deduzir outro, que é válido para a vida de fé de todo o possível crente: opus orandi opus credendi, ou seja, não se pode crer se não se reza; nem se pode rezar sem se ser iniciado à oração.
Uma Igreja assim, que não ensina a crer, que não ensina a rezar, não pode suscitar muito interesse à primeira geração incrédula do Ocidente, a qual, de facto, nada faz para ocultar o seu tão pouco interesse por ela. Chegados a este ponto, levanta-se uma hipótese maliciosa: o desinteresse, afinal, não será recíproco?»

Índice

  1. Porque é que há cada vez menos jovens na Igreja | 2. Por que razão os jovens já não vão à missa | 3. Como é bela a juventude | 4. Uma fé jovem

ISBN: 9789896733148
Edição: 06-2013
Editor: Paulinas Editora
Idioma: Português
Dimensões: 141 x 209 x 11 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 136
Tipo de Produto: Livro
Coleção: Teologias Práticas
Preço: € 10.00