Construindo uma Ponte
de James Martin sj

Sobre esta obra, escreve o cardeal Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida: “Um livro esperado e muito necessário que ajudará bispos, padres, agentes pastorais e todos os líderes da Igreja a serem mais sensíveis aos membros LGBT da comunidade eclesial católica. Também ajudará os membros LGBT a se sentirem mais à vontade no que, afinal, é também a sua própria Igreja.”

Este livro, publicado inicialmente nos Estados Unidos pelo padre jesuíta James Martin, leva o título Construindo Uma Ponte e será posto à venda no próximo dia 25 de agosto, editado em Portugal pela Paulinas Editora. Nele, o autor – editor-geral da revista jesuíta America e de quem estão já editados em Portugal quatro outros livros – analisa o modo “como a Igreja Católica e a comunidade LGBT podem estabelecer uma relação de respeito, compaixão e sensibilidade”.

Este livro constitui um modesto convite para que a Igreja Católica crie uma maior proximidade pastoral relativamente à comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros). Mais especificamente ainda, trata da aproximação entre a Igreja e os católicos LGBT ao mesmo tempo que analisa igualmente de que modo a comunidade LGBT poderá empreender um diálogo mais frutífero com a Igreja institucional. Trata-se de uma «ponte» de dois sentidos, embora o ónus do lançamento da primeira pedra para a construção dessa ponte recaia sobre a Igreja.

O Papa Francisco assumiu, de múltiplas maneiras, a liderança na construção de pontes: para começar, tornando-se o primeiro Papa a usar a palavra «gay» em público e, a propósito deles, aproveitando para perguntar, porventura na sua declaração mais famosa: «Quem sou eu para julgar?»

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Pela importância do tema e pelo ineditismo da mesma no panorama editorial português, e com o obséquio do 7MARGENS, reproduz-se a seguir o prefácio da edição portuguesa, da autoria do padre António Pedro Monteiro.

“Como se dialoga sobre assuntos encerrados”

Yourcenar recordava: “No dia em que uma estátua é acabada, começa, de certo modo, a sua vida”. A exposição, a observação, a erosão, o tempo, serão os seus escultores intermináveis. Importa ter presente que toda a obra textual, sendo têxtil, uma vez concluída, dispõe-se a ser vestida pelos seus leitores. A vida do texto evolui num processo pessoal e coletivo de ajuste e apropriação. O leitor dirá se o texto “veste à medida” as suas questões. Para um será um agasalho esperado. Para outro pode ser grande ou pequeno demais. Para um, um presente surpreendente, outro precisará de talão de troca… A comunidade de leitores ganha forma, com o tempo, agregando aqueles que se vão apropriando do texto, isto é, aqueles a quem o texto vai alterando o olhar, os processos de raciocínio, a redefinição e relação de conceitos, o agir, nas suas escolhas, responsabilidades, consequências, parecendo até que o texto é que se apropria do leitor. Se o texto vive nas palavras que o tecem, gradualmente, vive também no modo como se faz carne, não só na transformação dos leitores, mas também naqueles que serão tocados e transformados pelos leitores.

O Verão de 2022 é o tempo em que Building a Brigde, do jesuíta americano James Martin, inicia a sua vida em língua portuguesa. Será vestido por muitos leitores que o desejam desde que foi lançado nos EUA, em junho de 2017, e parece ser lançado em Portugal no tempo oportuno.

Apesar das várias palavras introdutórias que a obra oferece, fruto da generosidade do próprio autor, ouso responder a três questões prévias. Que livro é este? A quem se destina? E porquê agora em Portugal?

“Construindo uma ponte” é um princípio de conversa entre líderes e agentes pastorais da tradição católica do cristianismo e a comunidade de batizados que se revê numa das letras da sigla LGBT (ou LGBTQIA+), a partir de uma frase do Catecismo da Igreja Católica, dirigida a “pessoas homossexuais”: “Devem ser acolhidas com respeito, compaixão e delicadeza” (n.º 2358). James Martin, motivado pelo desencontro destes dois grandes grupos de pessoas, que se perpetua na invisibilidade e na omissão, propõe uma ponte, de dois sentidos, para cada um dos termos: respeito, compaixão e delicadeza (sensitivity, na versão original), para que se dê um verdadeiro encontro entre pessoas que, em primeiro lugar, se veem e se reconhecem, procurando concretizar aquela exortação doutrinal, num registo sereno e consequente.   Apresentados os protagonistas desse diálogo, da construção dessa ponte, tornam-se óbvios os principais destinatários desta obra. Principais, mas não exclusivos. É verdade que o assunto é específico: diz respeito a crentes, a pessoas inscritas numa determinada tradição religiosa – ainda que tantos e tantos se tenham afastado –, tocados por uma questão específica, que se resume a um problema decorrente de uma incompreensão e não aceitação da afetividade humana na sua singularidade, diversidade e na sua estrutural inteireza. Este problema tem gerado um grande número de pessoas gravemente feridas, porque inteiramente excluídas. Daqui emerge uma contradição: utiliza-se um argumento religioso para resolver um problema, enquanto se pratica um ato fortemente condenado pelo cristianismo, criando um grave problema. Poderá a forma de amar, poderá a afetividade humana justificar o recurso a um pecado coletivo de rejeição, de condenação e de demissão de cuidado de pessoas, batizadas como nós, sem qualquer esforço pessoal e comunitário de compreensão e acolhimento? Valerá a pena a insistência numa sensibilidade teológica dedutiva, alheia a outras sensibilidades e reflexões teológicas mais indutivas, que partem da vida concreta das pessoas e do “sentido da fé dos fiéis”, para produzir, neste âmbito, um discurso teológico cada vez mais irrelevante? Não será a escuta, uma vez mais, e o esforço honesto de mútua compreensão, a desenhar um encontro e uma saída comum para este problema? A distinção entre a afetividade humana e “atos intrinsecamente desordenados”, tem gerado pessoas que, com muito sofrimento, suportam o peso de uma afetividade desestruturada, aliada ao peso insuportável de não serem inteiramente amadas pela família, pela comunidade, de não se amarem a si próprias. Chegam até a duvidar do amor de Deus – talvez seja esta a maior contradição da nossa religião, o seu maior pecado: em vez de ser um tempo favorável à descoberta de um Deus que é amor incondicional, torna-se um espaço limitado e exclusivo que leva muitos a concluírem que não são merecedores do amor de Deus. Por esta razão, muitas comunidades religiosas têm sido – consciente e inconscientemente – destruidoras, ignorando a mítica pergunta colocada na boca de Deus: “Onde está o teu irmão Abel?”. Dissociando a afetividade humana de tendências e atos, em certas geografias, tem levado o sacramento da reconciliação a revelar-se um instrumento infantilizante, que fomenta uma sexualidade adolescente, aceita o arrependimento cíclico de atos sexuais furtuitos, e castiga o compromisso e a maturidade, castiga uma sexualidade integrada numa relação fiel, de entrega mútua, de respeito, de cuidado, de amor. Esta maturidade existe em muitos casais de batizados, com uma longa história de fidelidade, cuidado, serviço, amor e fecundidade, sendo forçados a viver no silêncio e na invisibilidade, carregando o fardo do pecado, da recusa do perdão de Deus e a privação da comunhão comunitária. Por tudo isto, os destinatários são também todos os que manifestam interesse e curiosidade por esta constelação de assuntos complexos, e, sobretudo, todos os que sentem um sério desconforto e insatisfação pela impermeabilidade de um certo discurso teológico às reflexões contemporâneas das ciências da saúde, das ciências sociais e humanas, pela ausência de uma pastoral séria e consequente, integrada também na pastoral da família, e pelo modo como a Igreja (Católica) não só não cuida de tantos filhos e filhas, distanciando-se tanto dos gestos e das palavras evangélicas de Jesus, como chega a ser, paradoxalmente, a instituição geradora de mais sofrimento.

            Diferentemente do que acontece nos EUA, o ambiente teológico português não foi capaz ainda de gerar uma reflexão académica, a partir do dado empírico, liberta da apologia e da insistência nas mesmas conclusões, em torno destas questões da afetividade humana. Invisibilidade e apologia só têm servido à polarização dos discursos. Não existe (ainda) uma tese de doutoramento que recolha e problematize os “dados invisíveis”, que manifeste a necessidade de revisão da hermenêutica bíblica, do discurso teológico, que dê voz a outras sensibilidades e escolas dentro da teologia moral e da teologia sistemática, que recupere os inúmeros esforços ao longo da história do cristianismo para integrar estas questões na vida das comunidades, que proponha um ajustado discurso teológico que se materialize em propostas pastorais concretas. É certo que esta obra não pode abreviar o caminho que não foi percorrido até agora, mas estou certo de que a sua receção, a forma que será vestida pelos leitores, despertará um interesse cada vez mais coletivo de “despolarização” e de ajuste de “vinho novo a odres novos”.

            Em boa hora a Paulinas Editora oferece aos leitores de língua portuguesa esta obra que é convite, porta aberta, caminho, processo. Este exercício pastoral proposto por James Martin não é estranho ao pontificado do Papa Francisco, aliás, esta obra está inscrita neste novo tempo que a Igreja Católica vive desde 2013. Em Portugal, é lançada num tempo particularmente revelador: conhecidas as sínteses das comunidades no decurso da fase diocesana do Sínodo 2021-2023, e constatando a presença destas questões na ampla maioria das comunidades, pode afirmar-se que a Igreja Católica em Portugal reconhece que trata mal as pessoas batizadas que se reveem na sigla LGBT (ou LGBTQIA+) e que as respostas que a Igreja oferece a estas pessoas são insuficientes. Se, identificado um problema, queremos ser consequentes, estou certo de que este livro chega em boa hora e vai ao encontro de um desejo de construirmos uma solução em Igreja.

            Numa grande obra do mesmo autor, que a Paulinas Editora nos ofereceu em 2015, Jesus: um encontro passo a passo, esse guia de uma peregrinação que é um itinerário biográfico de Jesus e um ponto de encontro de Jesus com a história de cada um, James Martin afirma que: “Além dos meus estudos académicos, travei conhecimento com Jesus de três outras formas: através da oração, da experiência e da peregrinação”. Sobre o modo de como a experiência se revelou forma de conhecimento de Jesus, Joaquim Carreira das Neves, OFM ilustra-o no seu prefácio. É da experiência de muita escuta e acompanhamento de pessoas, dessa experiência partilhada de James Martin que muitos irmãos hão-de encontrar-se com Jesus, nesta obra.

            Para os nossos irmãos “invisíveis”, para todos os irmãos que vivem o desconforto dos desencontros entre os primeiros construtores da ponte, para os grupos de oração, partilha e revisão de vida sensíveis à aceitação e à integração de pessoas que se revêm na sigla LGBT (ou LGBTQIA+), James Martin preparou uma generosa coleção de textos, de pontos de reflexão sobre o “estado da arte” e sobre o contributo que está ao alcance de cada um, que serão alimento de oração e um ótimo contributo a um discernimento pessoal e comunitário para construir pontes, para aproximar as margens.

 António Pedro Monteiro é padre do Sagrado Coração de Jesus (SCJ, dehonianos) e autor do blog e podcast Aquele que habita os céus sorri, que o 7MARGENS publica também cada domingo.

ISBN 9789896738433
Edição/Reimpressão 2022
Editor: Paulinas
Idioma: Português
Dimensões: 140 x 210 x 12 mm
Encadernação: Capa mole
Páginas: 168
Peso: 125 gr
Preço: € 13,50