Nota Episcopal
25 Outubro, 2022 – Voz Portucalense
Aos Sacerdotes, Diáconos e todos os Fiéis desta nossa Diocese do Porto
Nas últimas semanas, fui objeto de várias notícias e comentários. Isso conduziu-me a um período de silêncio, reflexão e discernimento. Associado ao Mistério Pascal de Cristo, procurei analisar as razões que as motivaram e solidificar compromissos de futuro. Sei que os cristãos desta nossa Diocese esperam uma palavra sobre isso. É o que faço com este texto, motivado pelo respeito que lhes tenho e devo e pela reafirmação de critérios inegociáveis.
1 – No princípio deste mês, num dos momentos de festa pela passagem dos Símbolos da JMJ, uma jornalista fez-me uma pergunta inesperada sobre a obrigatoriedade ou não de denúncia dos casos de abuso sexual de menores. Embora vincando bem que todos o estamos a fazer e que a nossa Diocese sempre assim procederá, na minha resposta, acabei por deixar dúvidas quanto à noção de “crime público”. Acredito que também muitos dos cristãos da Diocese se terão questionado e sentido incomodados com o que se seguiu na comunicação social. Pois bem: assumo que não fui feliz na expressão e que, porventura, tornei incompreensível o meu próprio pensamento. E disso peço desculpa a todos e perdão às vítimas que, possivelmente, se sentiram feridas.
2 – Este acontecimento veio despoletar uma busca de pronunciamentos meus sobre a matéria em causa, concretamente quando, há quase quatro anos, usei a expressão “queda de um meteorito”. Nessa altura, embora se falasse da criação de Comissões Diocesanas para a receção de denúncias de abusos, a Santa Sé ainda não tinha ordenado a sua constituição. Ora, mal cheguei à Diocese, fui confrontado com uma denúncia que tratei juntamente com o Vigário Geral. Algo ingenuamente, estava convencido que as estruturas existentes na Diocese e eu próprio seríamos suficientes para receber e tratar os casos que viessem a surgir. Entretanto, quando essas Comissões se tornaram obrigatórias, criei nesta Diocese uma das primeiras em Portugal. Outra expressão que não caiu bem foi usar o termo “asneiras” relativamente a esses casos. Ora, na minha zona de origem essa palavra designa qualquer ação perversa. Não era, pois, minha intenção menorizar o terrível crime dos abusos.
3 – Temos amarguradamente de reconhecer que a realidade é muito mais sombria e dolorosa do eu que pensava. Fique muito claro que sofro e deploro liminarmente esse flagelo dos crimes de natureza sexual cometidos contra menores ou pessoas vulneráveis. E que tudo farei para lhes pôr cobro. Enquanto comunidade de fé, vivemos tempos sombrios e sentimo-nos “em choque” pela dor causada a tantas vítimas inocentes, pelos delitos que foram cometidos e, também, pela falha da Igreja em proteger e acolher os mais frágeis que nos foram confiados. Por isso, como escreveu o Papa Francisco, “com vergonha e arrependimento, como comunidade eclesial, assumimos que não soubemos estar onde deveríamos estar, que não agimos a tempo para reconhecer a dimensão e a gravidade do dano que estava sendo causado em tantas vidas” (Carta ao Povo de Deus, de 20/08/2018). Temos, pois, de agir e ajudar as Comissões, a Diocesana e a Independente, no seu trabalho de investigar, acolher e prevenir.
4 – Este é o tempo propício para assumirmos todos, clérigos e leigos, a responsabilidade de erradicar dos nossos ambientes eclesiais e de toda a sociedade qualquer tipo de abuso, defendendo intransigentemente os mais frágeis, acautelando preventivamente qualquer situação de risco e denunciando os crimes para que se faça justiça. Sobre isto não deve haver qualquer dúvida. A “tolerância zero” que o Papa Francisco declarou para toda a Igreja é a que desejo igualmente na nossa Diocese. É tempo para escutar as vítimas, sofrer com elas e prestar-lhes todo o apoio. “Alguém sofre? É Cristo que sofre!”.
5 – Queria deixar um apelo neste sentido. Há bastante tempo, está programado e agendado para dezembro um programa formativo sobre o tema “Comunidades seguras e sãs” que visa sensibilizar para a temática da proteção e cuidado das crianças, jovens e adultos vulneráveis que nos são confiadas e para a importância de promover um clima de cuidado e bom trato que garanta que estão bem e são protegidos contra qualquer espécie de abuso. Serão produzidos materiais didáticos a serem distribuídos pelas comunidades e a todas as pessoas que lidam com crianças, jovens e adultos vulneráveis. Sejamos muito ativos neste compromisso em “cuidar” melhor! E não percamos a esperança!
6 – Sobre o olhar e a pressa de Maria em visitar a prima Isabel, caminhamos todos e caminhamos juntos nesta nossa amada Diocese do Porto. Senhora da Visitação e da Esperança, rogai por nós!
Porto, 25 de outubro de 2022
+ Manuel, Bispo do Porto
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