Rumo à presença plena – Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais
Tradução para a língua portuguesa (versão original em inglês)
DICASTÉRIO PARA A COMUNICAÇÃO
Rumo à presença plena
Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais
1) Foram dados grandes passos na era digital, mas uma das questões urgentes que ainda deve ser abordada é o modo como nós, enquanto indivíduos e comunidade eclesial, devemos viver no mundo digital com “amor ao próximo”, genuinamente presentes e atentos uns aos outros na nossa viagem comum ao longo das “rodovias digitais”.
Os progressos tecnológicos tornaram possíveis novos tipos de interações humanas. Com efeito, a questão já não é se, mas como devemos participar no mundo digital. As redes sociais são, em particular, um ambiente em que as pessoas interagem, compartilham experiências e cultivam relacionamentos como nunca. Mas ao mesmo tempo, dado que a comunicação é cada vez mais influenciada pela inteligência artificial, há necessidade de redescobrir o encontro humano na sua própria essência. Nas últimas duas décadas, o nosso relacionamento com as plataformas digitais passou por uma transformação irreversível. Sobressaiu a consciência de que estas plataformas podem evoluir até se tornarem espaços cocriados, não apenas algo que usamos de uma maneira passiva. Os jovens – assim como as gerações mais velhas – pedem para ser encontrados onde estão, inclusive nas redes sociais, pois o mundo digital é “parte integrante da identidade dos jovens e do seu modo de viver”.[1]
2) Muitos cristãos pedem inspiração e orientação, uma vez que as redes sociais, que representam uma expressão da cultura digital, tiveram um impacto profundo quer nas nossas comunidades de fé, quer nas nossas jornadas espirituais individuais.
Existem abundantes exemplos de participação fiel e criativa nas redes sociais em todo o mundo, tanto de comunidades locais como de indivíduos que dão testemunho da sua fé em tais plataformas, muitas vezes de maneira mais abrangente do que a Igreja institucional. Também existem numerosas iniciativas pastorais e educacionais, desenvolvidas por Igrejas locais, movimentos, comunidades, congregações, universidades e indivíduos.
3) A Igreja universal também abordou a realidade digital. Por exemplo, desde 1967 as mensagens anuais para o Dia Mundial das Comunicações Sociais têm oferecido uma reflexão contínua sobre o tema. A partir dos anos 90, estas mensagens abordaram o uso do computador e, desde o início dos anos 2000, refletiram de maneira consistente sobre aspetos da cultura digital e da comunicação social. Levantando interrogações fundamentais para a cultura digital, em 2009 o Papa Bento XVI falou sobre as mudanças nos padrões de comunicação, afirmando que os média não deveriam apenas fomentar conexões entre as pessoas, mas também encorajá-las a comprometer-se com relacionamentos que promovam “uma cultura de respeito, de diálogo e de amizade”.[2] Sucessivamente, a Igreja consolidou a imagem das redes sociais como “espaços”, não simplesmente “instrumentos”, e pediu que a Boa Nova seja proclamada inclusive nos ambientes digitais.[3] Por sua vez, o Papa Francisco reconheceu que o mundo digital “já não se consegue separar do círculo da vida quotidiana” e continua a mudar o modo como a humanidade acumula conhecimento, divulga informações e desenvolve relacionamentos.[4]
4) Além destas reflexões, a participação prática da Igreja nas redes sociais também tem sido eficaz.[5] Em momento recente demonstrou claramente que os média digitais são um instrumento poderoso para o ministério da Igreja. Em 27 de março de 2020, ainda nas fases iniciais da pandemia da Covid-19, a Praça de São Pedro estava vazia, mas cheia de presença. Uma transmissão televisa ao vivo permitiu ao Papa Francisco presidir a uma experiência global transformadora: uma oração e uma mensagem dirigida a um mundo em confinamento. No meio de uma crise de saúde, que ceifou a vida de milhões de indivíduos, pessoas no mundo inteiro, em quarentena e em isolamento, sentiram-se profundamente unidas entre si e ao sucessor de Pedro.[6]
Através dos média tradicionais e da tecnologia digital, a prece do Papa chegou aos lares e tocou a vida das pessoas em todo o mundo. Os braços abertos da colunata de Bernini, ao redor da praça, foram capazes de ampliar um abraço a milhões de pessoas. Embora fisicamente distantes uns dos outros, os que se uniram ao Papa naquela hora estavam presentes e puderam experimentar um momento de unidade e de comunhão.
***
5) As páginas seguintes são o resultado de uma reflexão que envolveu especialistas, professores, jovens profissionais e líderes, leigos, clérigos e religiosos. O objetivo consiste em abordar algumas das principais questões sobre o modo como os cristãos deveriam participar nas redes sociais. Não tencionam ser “diretrizes” exatas para o ministério pastoral nesta área. Ao contrário, espera-se promover uma reflexão comum sobre as nossas experiências digitais, incentivando os indivíduos e as comunidades a adotar uma abordagem criativa e construtiva que possa fomentar uma cultura da proximidade.
O desafio de promover relacionamentos pacíficos, significativos e atenciosos nas redes sociais suscita um debate tanto nos círculos académicos e profissionais como nos círculos eclesiásticos. Que tipo de humanidade reflete a nossa presença nos ambientes digitais? Em que medida os nossos relacionamentos digitais são fruto de uma comunicação profunda e autêntica, e em que medida são meramente modelados por opiniões inquestionáveis e reações apaixonadas? Até que ponto a nossa fé encontra expressões digitais vivas e revigorantes? E quem é o meu “próximo” nas redes sociais?
***
6) A Parábola do Bom Samaritano,[7] através da qual Jesus nos leva a responder à pergunta “Quem é meu próximo?”, é provocada pela interrogação de um especialista em direito. “O que devo fazer para herdar a vida eterna?”, questiona. O verbo “herdar” recorda-nos a herança da terra prometida, que não é tanto um território geográfico, mas um símbolo de algo mais profundo e duradouro, algo que cada geração deve redescobrir e que nos pode ajudar a imaginar, de forma nova, o nosso papel no mundo digital.
- Atenção às ciladas nas “estradas digitais”
Aprender a ver a partir da ótica de quem caiu nas mãos dos ladrões (cf. Lc 10, 36).
Uma terra prometida a redescobrir?
7) As redes sociais representam apenas um dos ramos do fenómeno muito mais vasto e complexo da digitalização, que consiste no processo de transferência de muitas tarefas e dimensões da vida humana para as plataformas digitais. As tecnologias digitais podem aumentar nossa eficácia, incrementar nossa economia e ajudar-nos a resolver problemas que antes eram insolúveis. A revolução digital ampliou o nosso acesso às informações e a nossa capacidade de nos conectarmos uns com os outros, para além dos limites do espaço físico. Um processo já estava em curso ao longo das últimas três décadas foi acelerado pela pandemia. Atividades como a educação e o trabalho, que, em geral, eram feitas pessoalmente, podem agora realizar-se à distância. Também os países fizeram alterações significativas nos seus sistemas jurídicos e legislativos, adotando sessões e votações online, como uma alternativa às reuniões presenciais. O ritmo acelerado com que se divulgam as informações também transforma a maneira de funcionar da política.
8) Com o advento da Web 5.0 e de outros progressos na comunicação, nos próximos anos o papel da inteligência artificial causará um impacto cada vez maior na nossa vivência da realidade. Atualmente testemunhamos o desenvolvimento de máquinas que trabalham e tomam decisões por nós, que podem aprender e prever os nossos comportamentos; de sensores na nossa pele, capazes de medir nossas emoções; de máquinas que respondem às nossas perguntas e aprendem com as nossas respostas, ou que usam os registos da ironia e falam com a voz e as expressões das pessoas que já não estão connosco. Nessa realidade em evolução constante, ainda há muitas perguntas para responder.[8]
9) As consideráveis mudanças que o mundo experimentou desde o lançamento da Internet provocaram também novas tensões. Alguns nasceram nesta cultura e são já “nativos digitais”; outros ainda procuram acostumar-se com ela, como “imigrantes digitais”. Seja como for, agora a nossa cultura é digital. Para superar a antiga dicotomia entre “digital” e “face a face”, alguns já não falam de “online” e “offline”, mas somente de “onlife”, incorporando a vida humana e social nas suas várias expressões, tanto em espaços digitais como físicos.
10) No contexto da comunicação integrada, que consiste na convergência dos processos de comunicação, as redes sociais desempenham um papel decisivo como um fórum em que se modelam os nossos valores, crenças, linguagem e suposições a respeito da vida diária. Além disso, para muitas pessoas, especialmente nos países em desenvolvimento, o único contacto com a comunicação digital ocorre através das redes sociais. Muito além do ato de usar as redes sociais como um instrumento, vivemos num ecossistema plasmado na sua essência pela experiência da partilha social. Não obstante ainda usarmos a web para procurar informações ou entretenimento, recorremos às redes sociais para ter uma sensação de pertença e afirmação, transformando-a em um espaço vital onde se verifica a comunicação de valores e crenças essenciais.
Neste ecossistema, pede-se que as pessoas confiem na autenticidade das declarações de missão das empresas de redes sociais, que prometem, por exemplo, aproximar o mundo, conferir a todos o poder de criar e de compartilhar ideias, ou dar voz a todos. Embora estejamos cientes de que estes slogans publicitários quase nunca são postos em prática, uma vez que as empresas estão muito mais preocupadas com seus lucros, ainda tendemos a acreditar nas promessas.
11) Na verdade, quando começaram a utilizar a Internet há poucas décadas, as pessoas já compartilhavam uma versão deste sonho: a esperança de que o mundo digital seria um feliz espaço de compreensão comum, informações gratuitas e colaboração. A Internet devia ser uma “terra prometida”, em que as pessoas pudessem contar com informações partilhadas com base na transparência, confiança e experiência.
Ciladas a evitar
12) No entanto, estas expetativas não foram realmente atendidas.
Em primeiro lugar, ainda nos deparamos com uma “desigualdade digital”. Embora esta evolução se mova mais rapidamente do que nossa capacidade de a compreender de maneira adequada, muitas pessoas continuam a não ter acesso, não só às necessidades básicas, como alimentos, água, roupas, moradia e assistência médica, mas inclusive às tecnologias de comunicação e informação. Isto conduz à existência de um grande número de excluídos, marginalizados, à beira do caminho.
Além disso, a “desigualdade nas redes sociais” torna-se cada vez mais aguda. As plataformas que prometem criar comunidade e aproximar o mundo, ao contrário, tornaram mais profundas as várias formas de divisão.
13) Existem algumas ciladas a evitar na “estrada digital”, as quais nos permitem compreender melhor como isto poderia acontecer.
Hoje não é possível falar de “redes sociais” sem considerarmos o seu valor comercial, isto é, sem a consciência de que a revolução real ocorreu quando as empresas e instituições compreenderam o potencial estratégico das plataformas sociais, contribuindo para uma rápida consolidação de linguagens e práticas que, ao longo dos anos, transformam utilizadores em consumidores. De resto, os indivíduos são tanto consumidores como produtos: como consumidores, recebem a publicidade baseada em dados e conteúdos patrocinados sob medida. Como produtos, os seus perfis e dados são vendidos a outras empresas, tendo em mente o mesmo objetivo. Aderindo às declarações de missão das empresas de redes sociais, as pessoas aceitam também “termos de acordo” que normalmente não leem nem entendem. Tornou-se popular compreender tais “termos de acordo” segundo um velho ditado que diz: “Se tu não pagas pelo produto, o produto és tu”. Em poucas palavras, não há almoços grátis: pagamos com os minutos da nossa atenção e com os bytes dos nossos dados.
14) A ênfase cada vez mais acentuada na distribuição e no comércio de conhecimento, de dados e de informações, gerou um paradoxo: numa sociedade onde as informações desempenham um papel tão essencial, é cada vez mais difícil averiguar as fontes e a exatidão das informações que circulam no mundo digital. A sobrecarga de conteúdo é resolvida por algoritmos de inteligência artificial, que determinam constantemente o que mostrar com base em fatores que dificilmente percebemos ou entendemos: não apenas no que se refere às nossas escolhas, gostos, reações ou preferências precedentes, mas também às nossas ausências e distrações, pausas e capacidades de concentração. O ambiente digital que cada pessoa vê – e até os resultados de uma pesquisa online – nunca é o mesmo em relação ao de qualquer outra. Quando procuramos informações nos motores de busca, ou quando as recebemos no nosso sistema para diferentes plataformas e aplicativos, geralmente não temos a noção dos filtros que condicionam os resultados. A consequência desta personalização cada vez mais sofisticada dos resultados, constitui uma exposição forçada a informações parciais, que corroboram as nossas próprias ideias e fortalecem as nossas crenças, levando-nos, assim, a um isolamento de “bolhas de filtro”.
15) As comunidades online nas redes sociais são “pontos de encontro” que, em geral, se formam à volta dos interesses compartilhados pelos “indivíduos em rede”. Quem está presente nas redes sociais é abordado de acordo com suas caraterísticas, origens, gostos e preferências particulares, dado que os algoritmos, por detrás das plataformas online e dos mecanismos de busca, tendem a unir as pessoas que são “iguais”, agrupando-as e chamando a sua atenção a fim de as manter online. Consequentemente, as plataformas das redes sociais podem correr o risco de impedir que os seus utilizadores realmente se encontrem com o “outro”, que é diferente.
16) Todos nós já fomos testemunhas de sistemas automatizados que correm o risco de criar estes “espaços” individualistas e, às vezes, de encorajar comportamentos extremos. Discursos agressivos e negativos propagam-se fácil e rapidamente, oferecendo um campo fértil para a violência, o abuso e a desinformação. Nas redes sociais, diferentes atores, frequentemente incentivados por uma cobertura de anonimato, reagem constantemente uns aos outros. Em geral, tais interações são marcadamente diferentes das que se verificam em espaços físicos, onde as nossas ações são influenciadas pelas reações verbais e não verbais dos outros.
17) Estar cientes destas ciladas, ajuda-nos a discernir e a desmascarar a lógica que polui o ambiente das redes sociais, e a procurar uma solução para este descontentamento digital. É importante apreciar o mundo digital e reconhecê-lo como parte da nossa vida. No entanto, é na complementaridade das experiências digitais e físicas que se constroem a vida e a jornada humanas.
18) Ao longo das “estradas digitais”, muitas pessoas são feridas pela divisão e pelo ódio. Não podemos/não devemos ignorar isto. Não podemos ser apenas “viajantes” silenciosos. A fim de humanizar os ambientes digitais, não devemos esquecer quem é “deixado para trás”. Só podemos ver o que acontece, se olharmos do ponto de vista do homem ferido na parábola do Bom Samaritano. Como na parábola, onde somos informados a respeito do que o homem ferido viu, a perspetiva dos marginalizados e dos feridos digitalmente, ajuda-nos a compreender melhor o mundo de hoje, cada vez mais complexo.
“Costurar” relacionamentos
19) Numa época em que estamos cada vez mais divididos, em que cada pessoa se refugia na sua bolha filtrada, as redes sociais tornam-se um caminho que leva muitos à indiferença, à polarização e ao extremismo. Quando os indivíduos não se tratam uns aos outros como seres humanos, mas como meras expressões de um certo ponto de vista que não compartilham, testemunhamos outra expressão da “cultura do descarte”, que prolifera a “globalização” – e a normalização – “da indiferença”. Retirar-se para o isolamento dos próprios interesses não pode ser o caminho para restabelecer a esperança. Pelo contrário, o caminho a percorrer é o cultivo de uma “cultura do encontro”, que promova a amizade e a paz entre pessoas diferentes.[9]
20) Portanto, há necessidade cada vez mais urgente, de envolver as plataformas das redes sociais, de tal modo que se vá para além dos próprios nichos, saindo do grupo dos seus “iguais” para se encontrar com os outros.
Aceitar o “outro”, alguém que assume posições opostas às minhas, ou que parece “diferente”, não é, certamente, uma tarefa fácil. “Porquê importar-me?” pode muito bem ser a nossa primeira reação. Podemos encontrar esta atitude também na Bíblia, começando pela rejeição de Caim de ser o guardião do seu irmão (cf. Gn 4, 9) e continuando com o escriba, que perguntou a Jesus: “Quem é meu próximo?” (Lc 10, 29). O escriba queria fixar um limite em relação a quem é e quem não é meu próximo. Parece que gostaríamos de encontrar uma justificação para a nossa própria indiferença; sempre procuramos traçar uma linha entre o “nós” e o “eles”, entre “alguém que devo tratar com respeito” e “alguém que posso ignorar”. Deste modo, quase sem perceber, chegamos a tornar-nos incapazes de sentir compaixão pelos outros, como se seus sofrimentos fossem responsabilidade deles e não tivéssemos nada a ver com isso.[10]
21) Ao contrário, a parábola do Bom Samaritano desafia-nos a enfrentar a “cultura do descarte” digital e a ajudarmo-nos uns aos outros para sairmos da própria zona de conforto, fazendo um esforço voluntário para alcançar o outro. Isto só é possível, se nos esvaziarmos a nós mesmos, compreendendo que cada um de nós faz parte da humanidade ferida e recordando-nos que alguém olhou para nós e teve compaixão de nós.
22) Só assim podemos – e deveríamos – ser aqueles que dão o primeiro passo para superar a indiferença, pois acreditamos num “Deus que não é indiferente”.[11] Podemos e deveríamos ser aqueles que se deixam perguntar, “Quanto devo interessar-me realmente pelos outros?” E, também, começar a agir como próximo, rejeitando a lógica de exclusão e reconstruindo uma lógica de comunidade.[12] Podemos e deveríamos ser aqueles que passam do entendimento dos média digitais como experiência individual para uma sua compreensão como experiência que se fundamenta no encontro mútuo, promovendo a construção da comunidade.
23) Em vez de agir como indivíduos, produzindo conteúdo ou reagindo a informações, ideias e imagens compartilhadas pelos outros, devemos interrogar-nos: como podemos cocriar experiências online mais saudáveis, em que as pessoas possam participar em conversas e superar divergências com um espírito de escuta recíproca?
Como poderemos fortalecer as comunidades, a fim de que se encontrem maneiras de superar as divisões e promover o diálogo e o respeito nas plataformas das redes sociais?
Como podemos restituir o ambiente online àquilo que ele pode e deveria ser: um lugar de partilha, de colaboração e de pertença, baseado na confiança mútua?
24) Todos podemos participar na realização desta mudança, relacionando-nos com os outros e desafiando-nos a nós mesmos nos encontros com os outros. Como crentes, somos chamados a ser comunicadores que caminham intencionalmente rumo ao encontro. Deste modo, podemos procurar encontros que sejam significativos e duradouros, não superficiais nem efémeros. Com efeito, orientando as conexões digitais para o encontro com pessoas reais, criando relacionamentos reais e edificando uma comunidade real, na realidade alimentamos a nossa própria relação com Deus. Dito isto, a nossa relação com Deus deve ser alimentada também através da oração e da vida sacramental da Igreja que, devido à sua essência, nunca podem ser reduzidas simplesmente à esfera “digital”.
- Da consciência ao verdadeiro encontro
Aprender com aquele que teve compaixão (cf. Lc 10, 33)
Ouvintes intencionais
25) A reflexão sobre nossa participação nas redes sociais começou com a consciência acerca do modo como estas redes funcionam e das oportunidades e desafios que nelas enfrentamos. Se as redes sociais online têm uma tentação inerente ao individualismo e ao enaltecimento pessoal, como foi descrito no capítulo precedente, não estamos condenados necessariamente a cair em tais atitudes. O discípulo que encontra o olhar misericordioso de Cristo experimenta algo mais. Ele ou ela sabe que a boa comunicação começa pela escuta e a consciência de que outra pessoa está diante de mim. A escuta e a consciência visam fomentar o encontro e a superação dos impedimentos existentes, inclusive o obstáculo da indiferença. Ouvir desta maneira é um passo essencial para envolver os outros; é o primeiro ingrediente indispensável para a comunicação e uma condição fundamental para o diálogo genuíno.[13]
26) Na parábola do Bom Samaritano, o homem espancado e abandonado à morte foi ajudado pela pessoa menos esperada: na época de Jesus, os povos judeu e samaritano estavam frequentemente em conflito. No mínimo, o comportamento esperado teria sido a hostilidade. Contudo, o samaritano não viu aquele homem espancado como “outro”, mas simplesmente como alguém que precisava de ajuda. Sentiu compaixão, colocando-se no lugar do outro; e doou-se a si mesmo, o seu tempo e os seus recursos para ouvir e acompanhar alguém que ele tinha encontrado.[14]
27) A parábola pode inspirar os relacionamentos nas redes sociais, pois ilustra a possibilidade de um encontro profundamente significativo entre duas pessoas completamente estranhas. O samaritano rompe a “desigualdade social”: ultrapassa os confins da concordância e da divergência. Enquanto o sacerdote e o levita passam pelo homem ferido e vão em frente, o viajante samaritano vê-o e move-se de compaixão (cf. Lc 10, 33). Compaixão significa sentir que a outra pessoa faz parte de mim mesmo. O samaritano ouve a história do homem; aproxima-se porque se comove intimamente.
28) O Evangelho de Lucas não contém nenhum diálogo entre os dois homens. Podemos imaginar que o samaritano encontrou o homem ferido e talvez lhe tenha perguntado: “O que é que aconteceu contigo?”. Mas até sem palavras, mediante a sua atitude de abertura e hospitalidade, tem início um encontro. Este primeiro gesto é uma expressão de atenção, e isto é crucial. A capacidade de ouvir e de permanecer aberto para receber a história de outra pessoa, sem se importar com os preconceitos culturais da época, impediu que o homem ferido fosse abandonado à morte.
29) A interação entre os dois homens estimula-nos a dar o primeiro passo no mundo digital. Somos convidados a ver o valor e a dignidade daqueles em relação aos quais temos diferenças. Somos convidados também a olhar para além da nossa rede de segurança, dos nossos nichos e das nossas bolhas. Tornar-se próximo no ambiente das redes sociais exige intencionalidade. E tudo começa com a capacidade de ouvir bem, de permitir que a realidade do outro nos comova.
Roubar a nossa atenção
30) Escutar é uma habilidade fundamental, que nos permite estabelecer relacionamentos com os outros e não apenas participar em uma troca de informações. No entanto os nossos dispositivos estão repletos de informações. Vivemos mergulhados numa rede de informações que nos conecta com os outros através de mensagens partilhadas, de textos, de imagens e de sons. As plataformas das redes sociais permitem-nos navegar incessantemente na exploração deste contexto. Embora o vídeo e o som tenham, certamente, aumentado a riqueza mediática da comunicação digital, as nossas interações mediadas uns com os outros ainda são limitadas. Com frequência, encontramos informações rapidamente e sem o contexto completo e necessário. Conseguimos reagir de forma fácil e imediata às informações nos écrans, sem ir à procura da história completa.
31) Esta abundância de informações tem muitos benefícios: quando fazemos parte da rede, as informações são pronta e amplamente acessíveis e personalizadas segundo os nossos interesses. Podemos receber informações práticas, manter conexões sociais, explorar recursos e aprofundar e dilatar o nosso conhecimento. A facilidade de acesso às informações e à comunicação tem também o potencial de criar espaços inclusivos, que dão voz àqueles que, nas nossas comunidades, são marginalizados pela injustiça social ou económica.
32) Ao mesmo tempo, a disponibilidade quase infinita de informações, criou também alguns desafios. Experimentamos o excesso de informações, uma vez que a nossa capacidade cognitiva de processar sofre muito com as informações excessivas colocadas à nossa disposição. De maneira semelhante, experimentamos um excesso de interação social, dado que estamos sujeitos a um alto nível de estímulos sociais. Diferentes websites, aplicativos e plataformas são programados para tirar proveito do nosso desejo humano de reconhecimento e lutam constantemente para chamar a atenção das pessoas. A atenção por si só passou a ser o ativo e a mercadoria mais valiosos.
33) Neste ambiente a nossa atenção não se concentra, enquanto procuramos navegar nesta rede sobrecarregada de informações e interações sociais. Em vez de nos concentrarmos numa matéria de cada vez, a nossa atenção parcial contínua passa rapidamente de um assunto para outro. A condição de “sempre conectados”, leva-nos à tentação de responder de maneira instantânea, uma vez que estamos fisiologicamente viciados em estímulos digitais, desejamos cada mais conteúdo, numa navegação interminável, e sentimo-nos frustrados por qualquer falta de atualização. Um significativo desafio cognitivo da cultura digital é a nossa perda de capacidade de pensar profunda e objetivamente. Analisamos tudo superficialmente e permanecemos no demasiado genérico, em vez de ponderarmos profundamente sobre as realidades.
34) Devemos estar mais atentos a este aspeto. Sem o silêncio e o espaço para pensar lenta, profunda e objetivamente, corremos o risco de perder não só as capacidades cognitivas, mas também a profundidade das nossas interações, tanto humanas como divinas. O espaço para a escuta, a atenção e o discernimento, tornam-se atitudes raras.
O processo chamado atenção-interesse-desejo-ação, bem conhecido pelos publicitários, é semelhante ao processo mediante o qual qualquer tentação entra no coração humano e desvia a nossa atenção da única palavra realmente significativa e vivificante, a Palavra de Deus. De qualquer forma, ainda prestamos atenção à antiga serpente que, todos os dias, nos mostra novos frutos. Eles parecem “bons para comer, de espeto agradável e muito apropriados para alcançar a sabedoria” (Gn 3, 6). Como sementes ao longo do caminho, onde a palavra é semeada, permitimos que o maligno venha e tire a palavra semeada (cf. Mc 4, 14-15).
35) Com o excesso de estímulos e de dados que recebemos, o silêncio é um bem precioso, porque garante o espaço para a concentração e o discernimento.[15] O ímpeto de procurar o silêncio na cultura digital eleva a importância da concentração e da escuta. Nos ambientes educacionais ou de trabalho, assim como nas famílias e comunidades, há necessidade crescente de nos desligarmos dos dispositivos digitais. Neste caso, o “silêncio” pode ser comparado a uma “desintoxicação digital”, que não é simplesmente abstinência, mas ao contrário, uma maneira de comprometimento mais profundo com Deus e com os outros.
36) A escuta emerge do silêncio e é fundamental para cuidar dos outros. Quando escutamos, damos as boas-vindas a alguém, oferecemos hospitalidade e demonstramos respeito por aquela pessoa. Escutar é inclusive um ato de humildade da nossa parte, dado que reconhecemos a verdade, a sabedoria e o valor, além do nosso próprio limitado ponto de vista. Sem a disposição para a escuta, não somos capazes de receber o dom do outro.
Com o ouvido do coração
37) Com a velocidade e o imediatismo da cultura digital, que põe à prova a nossa capacidade de atenção e de concentração, a escuta torna-se ainda mais importante na nossa vida espiritual. Uma abordagem contemplativa é contra cultural, até profética, e pode ser formativa não só para as pessoas, mas para a cultura no seu conjunto.
O compromisso da escuta nas redes sociais constitui um ponto de partida fundamental, com vista ao passar para uma rede que não seja tanto de bytes, avatares e “likes”, mas de pessoas.[16] Deste modo, passamos de reações rápidas, suposições equivocadas e comentários impulsivos, para a criação de oportunidades de diálogo, levantando questões para aprender mais, demonstrando cuidado e compaixão e reconhecendo a dignidade daqueles com quem nos encontramos.
38) A cultura digital aumentou incomensuravelmente o nosso contacto com os outros. Isto também nos oferece a oportunidade de escutar muito mais. Muitas vezes, quando se fala de “escuta” nas redes sociais, faz-se referência a processos de monitoração de dados, a estatísticas de participação e a ações que visam uma análise de marketing dos comportamentos sociais presentes nas redes. Porém, isto não é suficiente para que as redes sociais sejam um ambiente para a escuta e o diálogo. A escuta intencional no contexto digital exige que se escute com o “ouvido do coração”. Escutar com o “ouvido do coração” vai para além da capacidade física de ouvir sons. Pelo contrário, impele-nos a estar abertos ao outro com todo o nosso ser: uma abertura do coração que torna possível a proximidade.[17] Trata-se de uma postura de atenção e hospitalidade, que é fundamental para estabelecer a comunicação. Essa sabedoria aplica-se não só à oração contemplativa, mas também às pessoas que estão em busca de relacionamentos autênticos e de comunidades genuínas. O desejo de estar em relação com os outros e com o Outro – Deus – permanece uma necessidade humana fundamental, que é evidente também no desejo de conectividade na cultura digital.[18]
39) O diálogo interior e a relação com Deus, possíveis graças ao dom divino da fé, são essenciais para nos permitir crescer na capacidade de escutar bem. Também a Palavra de Deus desempenha um papel fundamental neste diálogo interior. A escuta orante da Palavra na Escritura, através da prática da leitura espiritual dos textos bíblicos, como na lectio divina, pode ser profundamente formativa, uma vez que permite uma experiência lenta, deliberada e contemplativa.[19]
40) A “Palavra do Dia” ou o “Evangelho do Dia” estão entre as matérias mais consultadas pelos cristãos no Google, e pode-se afirmar claramente que o ambiente digital nos ofereceu muitas possibilidades, novas e mais fáceis, para um “encontro” regular com a Palavra divina. O nosso encontro com a Palavra do Deus vivo, até online, transforma a nossa abordagem de uma visão de informações no écran, para o encontro com outra pessoa que narra uma história. Se tivermos em mente que, por detrás do écran, conectamo-nos com outras pessoas, o exercício da escuta pode ampliar a recetividade às histórias dos outros e começar a gerar relacionamentos.
Discernir a nossa presença nas redes sociais
41) Do prisma da fé, o que e como comunicar não é somente uma questão prática, mas também espiritual. A presença nas plataformas das redes sociais requer discernimento. Comunicar bem em tais contextos é um exercício de prudência e exige uma ponderação orante sobre o modo como entrar em contacto com os outros. Abordar esta questão na ótica da interrogação do escriba, “Quem é meu próximo?”, exige discernimento a propósito da presença de Deus no e através do modo como nos relacionamos uns com os outros nas plataformas das redes sociais.
42) Nas redes sociais, a proximidade é um conceito complexo. Nas redes sociais, os “próximos” são mais claramente aqueles com quem temos ligações. Ao mesmo tempo, o nosso próximo é também, frequentemente, aquele que não podemos ver, quer porque as plataformas nos impedem de vê-lo, quer porque ele simplesmente não está presente. Os ambientes digitais são compartilhados também por outros participantes, como os “bots da Internet” e os “deepfakes”, programas de computador automatizados, que atuam online com tarefas específicas, muitas vezes simulando ações humanas ou recolhendo dados.
Além disso, as plataformas das redes sociais são controladas por uma “autoridade” externa, em geral uma organização com fins lucrativos que desenvolve, administra e promove mudanças no modo como a plataforma foi programada para funcionar. Num sentido mais abrangente, todos eles “habitam na” ou contribuem para a proximidade online.
43) Reconhecer o nosso próximo digital implica reconhecer que a vida de cada pessoa nos diz respeito, até quando a sua presença (ou ausência) é mediada através de meios digitais. “Os meios de comunicação atuais permitem-nos comunicar e partilhar os nossos conhecimentos e afetos”, como diz o Papa Francisco na Laudato si’, “mas às vezes também nos impedem de entrar em contato direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal”.[20] Ser próximo nas redes sociais significa estar presente nas histórias dos outros, especialmente de quem sofre. Em síntese, defender melhores ambientes digitais não significa desviar o foco dos problemas concretos experimentados por muitas pessoas – por exemplo, fome, pobreza, migração forçada, guerra, doença e solidão. Pelo contrário, significa defender uma visão integral da vida humana que, atualmente, abrange o mundo digital. Com efeito, as redes sociais podem ser um modo de chamar mais a atenção para tais realidades e construir a solidariedade entre aqueles que estão próximos e distantes.
44) Considerando as redes sociais como um espaço não apenas para conexões, mas, em última análise, para relacionamentos, um “exame de consciência” apropriado a respeito da nossa presença nas redes sociais deveria incluir três relações vitais: com Deus, com o próximo e com o meio ambiente ao nosso redor.[21] Os nossos relacionamentos com os outros e com nosso meio ambiente deveriam alimentar a nossa relação com Deus, que é a mais importante. Deve ser visível e clara nos nossos relacionamentos com os outros e com nosso meio ambiente.
III. Do encontro à comunidade
“Cuida dele” (cf. Lc 10, 35) – abranger os outros no processo de cura
Face a face
45) A comunicação começa, sempre, com a conexão e passa, depois, para os relacionamentos, para a comunidade e para a comunhão.[22] Não existe comunicação sem a verdade de um encontro. Comunicar-se consiste em estabelecer relacionamentos; em “estar com”. Ser comunidade significa partilhar com os outros as verdades fundamentais a respeito do que se possui e do que se é. Muito além da mera proximidade geográfico-territorial ou étnico-cultural, o que constitui uma comunidade é a partilha comum da verdade, com um sentimento de pertença, reciprocidade e solidariedade, nos diferentes âmbitos da vida social. Considerando estes últimos elementos, é importante recordar que, a edificação da unidade comunitária mediante práticas comunicativas, que mantêm os laços sociais ao longo do tempo e do espaço, será sempre secundária em relação à adesão à verdade em si.
46) O como construir uma comunidade mediante práticas comunicativas até no meio daqueles que não estão fisicamente próximos uns dos outros é, na verdade, uma questão muito antiga. Já nas cartas dos Apóstolos podemos identificar uma tensão entre a presença mediada e o desejo de um encontro pessoal. Por exemplo, o evangelista João conclui a sua segunda e terceira cartas, dizendo: “Apesar de ter muitas mais coisas para vos escrever, não o quis fazer com papel e tinta, mas espero estar entre vós e poder fazê-lo face a face convosco, para que a vossa alegria seja perfeita” (2 Jo 12). O mesmo é verdade no caso do apóstolo Paulo que, até na sua ausência e no seu “desejo de ver” as pessoas face a face (1 Ts 2, 17), estava presente através das suas cartas na vida de cada comunidade por ele fundada (cf. 1 Cor 5, 3). Os seus escritos serviram também para “interligar” as diferentes comunidades (cf. Cl 4, 15-16). A capacidade de Paulo de edificar comunidades foi transmitida até nós através das suas numerosas cartas, nas quais aprendemos que para ele não havia dicotomia entre a presença física e a presença mediante sua palavra escrita, lida pela comunidade (cf. 2 Cor 10, 9-11).
47) Efetivamente o cada vez mais onlife do mundo de hoje, necessita superar a lógica do “ou, ou”, que pensa os relacionamentos humanos no âmbito de uma lógica dicotómica (digital versus real-físico-pessoal), e assumir uma lógica do “ambos, e”, baseada na complementaridade e na integralidade da vida humana e social. As relações comunitárias nas redes sociais deveriam fortalecer as comunidades locais, e vice-versa. “O uso da social web é complementar ao encontro em carne e osso, vivido através do corpo, do coração, dos olhos, da contemplação, da respiração do outro. Se a rede for usada como prolongamento ou expetativa de tal encontro, então não se atraiçoa a si mesma e permanece um recurso para a comunhão”.[23] “A rede digital pode ser um lugar rico de humanidade: não uma rede de fios, mas de pessoas humanas”,[24] se nos recordarmos que do outro lado do écran não existem “números”, nem meros “agregados de indivíduos”, mas pessoas com histórias, sonhos, expetativas, sofrimentos. Existem um nome e um rosto.
A caminho de Jericó
48) Os média digitais permitem que as pessoas se encontrem além dos confins do espaço e das culturas. Embora tais encontros digitais talvez não tragam necessariamente a proximidade física, contudo podem ser significativos, influentes e reais. Para além de meras conexões, podem ser um caminho para se relacionar sinceramente com os outros, para participar em conversas significativas, para expressar solidariedade e para aliviar o isolamento e a dor de alguém.
49) As redes sociais podem ser vistas como outro “caminho para Jericó”, repleto de oportunidades para encontros não previstos, como o foi para Jesus: um mendigo cego que grita alto à margem da estrada (cf. Lc 18, 35-43), um cobrador de impostos desonesto, escondido nos galhos de uma figueira (cf. Lc 19, 1-9) e um homem ferido, abandonado meio-morto pelos ladrões (cf. Lc 10, 30). Ao mesmo tempo, a parábola do Bom Samaritano recorda-nos que, só porque alguém é “religioso” (um sacerdote ou levita), ou alega ser seguidor de Jesus, isto não é garantia de que oferecerá ajuda, ou procurará a cura e a reconciliação. Os discípulos de Jesus repreenderam o cego e disseram-lhe para ficar calado; a interação de Zaqueu com Jesus foi acompanhada pelos murmúrios de outras pessoas; o homem ferido foi simplesmente ignorado pelo sacerdote e pelo levita, que passaram e foram em frente.
50) Nas encruzilhadas digitais, assim como nos encontros diretos, não é suficiente ser “cristão”. Nas redes sociais é possível encontrar muitos perfis ou contas que proclamam um conteúdo religioso, mas não participam em dinâmicas relacionais de modo fiel. Interações hostis, bem como palavras violentas e ofensivas, especialmente no contexto da partilha de conteúdos cristãos, representam uma contradição do próprio Evangelho.[25]
Ao contrário, o Bom Samaritano, que está atento e aberto para se encontrar com o homem ferido, é movido pela compaixão para agir e cuidar dele. Trata das feridas da vítima, levando-a para uma hospedaria a fim de garantir o seu cuidado contínuo. Do mesmo modo, os nossos desejos de fazer das redes sociais um espaço mais humano e relacional devem traduzir-se em atitudes concretas e gestos criativos.
51) A promoção de um sentido de comunidade inclui a atenção a valores compartilhados, experiências, esperanças, tristezas, alegrias, humor e até piadas, que por si só podem tornar-se pontos de encontro para as pessoas nos espaços digitais. Assim como se verifica com a escuta, o discernimento e o encontro, a formação de uma comunidade com outras pessoas exige o compromisso individual. Aquilo que as plataformas das redes sociais descrevem como “amizade” começa simplesmente como uma conexão ou um conhecimento. No entanto, também neste caso, é possível destacar um espírito comum de apoio e camaradagem. Para ser comunidade, é preciso um sentido de participação livre e mútuo, para se tornar uma almejada associação que reúne membros com base na proximidade. A liberdade e o apoio mútuo não se manifestam de maneira automática. Para formar comunidade, o trabalho de cura e reconciliação é muitas vezes o primeiro passo a dar ao longo do caminho.
52) Até nas redes dos média sociais, “enfrentamos a opção de ser bons samaritanos ou viajantes indiferentes que passam ao largo. E se estendermos o olhar à totalidade da nossa história e ao mundo no seu conjunto, reconheceremos que todos somos, ou fomos, como estes personagens da parábola: todos temos algo do ferido, do salteador, daqueles que passam ao largo e do Bom Samaritano”.[26]
Todos nós podemos ser viajantes nas “estradas digitais” – simplesmente “conectados” [27] – ou podemos fazer algo como o samaritano, permitindo que as conexões evoluam para verdadeiros encontros. O viajante casual torna-se próximo quando cuida do homem ferido, tratando as suas chagas. Cuidando do homem, tenciona sarar não apenas as feridas físicas, mas igualmente as divisões e a animosidade existentes entre seus grupos sociais.
53) Então, o que significa “curar” as feridas nas redes sociais? Como podemos “resolver” uma divisão? Como podemos construir ambientes eclesiais capazes de aceitar e integrar as “periferias geográficas e existenciais” das culturas de hoje? Perguntas como estas são essenciais para discernir a nossa presença cristã nas “estradas digitais”.
“Hoje temos à nossa frente a grande ocasião de expressar o nosso ser irmãos, de ser outros bons samaritanos que tomam sobre si a dor dos fracassos de outras pessoas, em vez de fomentar ódios e ressentimentos. Como o viajante ocasional da nossa história, é preciso apenas o desejo gratuito, puro e simples de ser povo, comunidade, de ser constantes e incansáveis no compromisso de incluir, integrar e levantar quem está caído”.[28]
“Vai e faz o mesmo”
54) Relação produz relação, comunidade constrói comunidade. A graça do relacionamento que se estabelece entre duas pessoas vai além da sua interação. A pessoa humana foi feita para o relacionamento e a comunidade. Ao mesmo tempo, a solidão e o isolamento afligem a nossa realidade cultural, como pudemos experimentar de maneira aguda durante a pandemia de Covid-19. Quem procura companhia, especialmente os marginalizados, recorrem com frequência aos espaços digitais para encontrar uma comunidade, inclusão e solidariedade com os outros. Não obstante muitos terem encontrado conforto conectando-se com outras pessoas no espaço digital, outros consideram que ele é inadequado. Talvez não consigamos oferecer espaço àqueles que procuram participar no diálogo e encontrar apoio, sem ser objeto de atitudes críticas ou defensivas.
55) O movimento do encontro para o relacionamento e depois para a comunidade refere-se tanto aos benefícios como aos desafios da cultura digital. Às vezes, as comunidades online formam-se quando as pessoas encontram um terreno comum, reunindo elementos contrários a “outro” externo, um inimigo ideológico comum. Este tipo de polarização cria um “tribalismo digital” em que os grupos são postos uns contra os outros, em espírito de rivalidade. Não podemos esquecer a presença dos outros, irmãos e irmãs, pessoas com dignidade, do outro lado destas linhas tribais. Nós “não devemos catalogar os outros, para decidir quem é meu próximo e quem não é. Depende de mim, ser ou não ser próximo — a decisão é minha — depende de mim, ser ou não ser próximo da pessoa com a qual me encontro e que tem necessidade de ajuda, mesmo que seja desconhecida, ou talvez até hostil”.[29] Infelizmente, relacionamentos rompidos, conflitos e divisões não são alheios à Igreja. Por exemplo, quando grupos que se apresentam como “católicos” usam a sua presença nas redes sociais para fomentar a divisão, não se comportam como uma comunidade cristã deveria fazer.[30] Em vez de capitalizar os conflitos e importar dos adversários as atitudes hostis, deveriam tornar-se oportunidades de conversão, uma ocasião para dar testemunho do encontro, do diálogo e da reconciliação a respeito de assuntos aparentemente divisivos.[31]
56) A participação nas redes sociais deve ir além do intercâmbio de opiniões pessoais ou da emulação de comportamentos. A ação social mobilizada através das redes sociais tem tido um impacto maior e com frequência é mais eficaz na transformação do mundo do que um debate superficial a respeito de ideias. Em geral, os debates são limitados pelo número de caracteres permitidos e pela velocidade de reação das pessoas aos comentários, sem mencionar os argumentos emocionais ad hominem – ataques dirigidos contra a pessoa que fala, independentemente do tema geral em discussão.
É necessário compartilhar ideias, mas por si só as ideias não funcionam; elas devem tornar-se “carne”. As ações devem fertilizar o solo dia após dia.[32]
Aprendendo com o samaritano, somos chamados a prestar atenção a esta dinâmica. Ele não se limita a sentir compaixão; nem sequer se detém a curar as feridas de um estranho. Vai além, levando o homem ferido a uma hospedaria e providenciando o seu cuidado contínuo.[33] Através deste esquema, a relação de cuidado e as sementes de comunidade lançadas entre o samaritano e o homem ferido estendem-se ao hospedeiro e à sua família.
Assim como o doutor da lei, também nós, na nossa presença nos média digitais, somos convidados a “ir e fazer o mesmo”, promovendo assim o bem comum. Como podemos ajudar a curar um ambiente digital tóxico? Como podemos promover a hospitalidade e as oportunidades de cura e de reconciliação?
57) A hospitalidade fundamenta-se na abertura que oferecemos para encontrar o outro; através dela, recebemos Cristo sob a aparência do estrangeiro (cf. Mt 25, 40). Por isso, as comunidades digitais devem compartilhar conteúdos e interesses, mas agir em conjunto, tornando-se testemunhas de comunhão. No contexto digital já existem vigorosas expressões de comunidades de cuidado. Por exemplo, há comunidades que se reúnem para apoiar outras pessoas em tempos de doença, perda e luto, assim como comunidades que promovem crowdfunding a favor de alguém em necessidade e aquelas que proporcionam apoio social e psicológico entre os membros. Todos estes esforços podem ser considerados exemplos de “proximidade digital”. Pessoas muito diferentes entre si podem participar de um “diálogo de ação social” online. Podem ser inspiradas pela fé ou não. De qualquer maneira, as comunidades que são formadas para agir a favor do bem dos outros são essenciais para superar o isolamento nas redes sociais.
58) Podemos pensar ainda mais alto: a web social não é inquestionável. Podemos mudá-la. Podemos ser propulsores de mudanças, imaginando novos modelos alicerçados na confiança, transparência, igualdade e inclusão. Juntos, podemos encorajar as empresas de comunicação a reconsiderar as suas funções, permitindo que a Internet se torne um espaço verdadeiramente público. Espaços públicos bem estruturados são capazes de promover melhores comportamentos sociais. Por isso, devemos reconstruir os espaços digitais, de tal forma que eles se tornem ambientes mais humanos e mais saudáveis.
Compartilhar uma refeição
59) Como comunidade de fé, a Igreja está em peregrinação rumo ao Reino dos Céus. Dado que as redes sociais e, de maneira mais ampla, a realidade digital constitui um aspeto crucial deste caminho, é importante refletir sobre a dinâmica da comunhão e da comunidade face à presença da Igreja no ambiente digital.
Nos momentos mais rigorosos do confinamento, durante a pandemia, a transmissão de celebrações litúrgicas pelas redes sociais e por outros meios de comunicação ofereceu um certo alívio a quem não podia participar presencialmente. No entanto, ainda há muito a refletir, nas nossas comunidades de fé, sobre o modo de beneficiar do ambiente digital de modo a complementar a vida sacramental. Questões teológicas e pastorais foram levantadas em relação a vários temas: por exemplo, a exploração comercial da retransmissão da Santa Missa.
60) A comunidade eclesial forma-se onde dois ou três se reúnem em nome de Jesus (cf. Mt 18, 20), independentemente da nossa origem, residência ou afiliação geográfica. Embora possamos reconhecer que, com a transmissão da missa, a Igreja entrou na casa das pessoas, é necessário refletir sobre o que significa “participação” na Eucaristia.[34] O advento da cultura digital e a experiência da pandemia revelaram quão pouca atenção nossas iniciativas pastorais têm prestado à “igreja doméstica”, a Igreja que se reúne nos lares e ao redor da mesa. Neste sentido, devemos redescobrir o vínculo entre a liturgia celebrada nas nossas igrejas e a comemoração do Senhor com gestos, palavras e orações nas casas de família. Em síntese, devemos reconstruir a ponte entre as nossas mesas familiares e o altar, onde somos espiritualmente alimentados mediante a participação na Sagrada Eucaristia e confirmados na nossa comunhão como crentes.
61) Não se pode compartilhar uma refeição através de um écran.[35] Todos os nossos sentidos participam, quando compartilhamos uma refeição: paladar e olfato, olhares que contemplam o rosto dos comensais, ouvindo as conversas à mesa. Compartilhar uma refeição à mesa é a nossa primeira educação sobre a atenção aos outros, uma maneira de promover relacionamentos entre membros da família, vizinhos, amigos e colegas. Do mesmo modo, no altar participamos com a pessoa inteira: mente, espírito e corpo estão envolvidos. A liturgia é uma experiência sensorial; entramos no mistério eucarístico através das portas dos sentidos, que são despertados e alimentados na sua necessidade de beleza, significado, harmonia, visão, interação e emoção. Acima de tudo, a Eucaristia não é algo a que podemos simplesmente “assistir”; é algo que realmente nos nutre.
62) A encarnação é importante para os cristãos. A Palavra de Deus tornou-se carne num corpo, sofreu e morreu com o seu corpo e voltou a ressurgir na Ressurreição do seu corpo. Depois de ter voltado para o Pai, tudo o que Ele experimentou no seu corpo fluiu para os sacramentos.[36] Ele entrou no santuário celestial, deixando aberto um caminho de peregrinação através do qual o céu é derramado sobre nós.
63) Estar conectado para além dos confins do espaço não é uma conquista de “maravilhosas descobertas tecnológicas”. É algo que experimentamos, mesmo sem saber, todas as vezes que nos “reunimos em nome de Jesus”, todas as vezes que participamos na comunhão universal do Corpo de Cristo. Lá, ficamos “conectados” com a Jerusalém celestial, encontramos os santos de todos os tempos e reconhecemo-nos uns aos outros como partes do mesmo Corpo de Cristo.
Por conseguinte, como o Papa Francisco nos recorda na sua Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2019, a rede social complementa – mas não substitui – um encontro na carne que adquire vida através do corpo, do coração, dos olhos, do olhar e da respiração do outro. “Se uma família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial coordena a sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a Eucaristia, então é um recurso. (…) A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão eucarística, onde a união não se baseia nos gostos [“likes”], mas na verdade, no “amém” com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros”.[37]
- Um estilo distintivo
Ama… e viverás (cf. Lc10, 27-28)
O quê e o como: a criatividade do amor
64) Muitos criadores de conteúdos cristãos interrogam-se: qual é a estratégia mais eficaz para alcançar mais utilizadores-pessoas-almas? Que instrumento torna o meu conteúdo mais atraente? Que estilo funciona melhor? Embora estas perguntas sejam úteis, deveríamos recordar sempre que comunicação não é simplesmente “estratégia”. É muito mais. O verdadeiro comunicador dá o máximo, dá tudo de si. Comunicamo-nos com a nossa alma e com o nosso corpo, com a nossa mente, com o nosso coração, com as nossas mãos, com tudo.[38]
Compartilhando o Pão da Vida, aprendemos um “estilo de partilha” com Aquele que nos amou e se ofereceu por nós (cf. Gl 2, 20). Este estilo reflete-se em três atitudes – “proximidade, compaixão e ternura” – que o Papa Francisco reconhece como caraterísticas distintivas do estilo de Deus.[39] Na sua ceia de despedida, o próprio Jesus assegurou-nos que o sinal distintivo dos seus discípulos consistiria em amar uns aos outros como Ele os amou. Por isso, todos são capazes de reconhecer uma comunidade cristã (cf. Jo 13, 34-35).
Como se pode refletir o “estilo” de Deus nas redes sociais?
65) Em primeiro lugar, deveríamos recordar que tudo o que compartilhamos nas nossas mensagens, comentários e likes, com palavras pronunciadas ou escritas, com filmes ou imagens animadas, deveria estar em sintonia com o estilo que aprendemos com Cristo, que transmitiu a Sua mensagem não apenas mediante discursos, mas com todas as atitudes da sua vida, revelando que a comunicação, no seu nível mais profundo, reside na oferta de si mesmo no amor.[40] Portanto, o modo como dizemos algo é tão importante quanto o que dizemos. Toda a criatividade consiste em garantir que o como corresponda ao quê. Em síntese, só poderemos comunicar bem se “amarmos bem”.[41]
66) Para comunicar a verdade, primeiro devemos certificar-nos de que veiculamos informações verdadeiras; não apenas na criação de conteúdo, mas também na sua partilha. Devemos estar certos de que somos uma fonte confiável. Para comunicar a bondade, precisamos de conteúdo de qualidade, uma mensagem destinada a ajudar, não a prejudicar; para promover ações positivas, não para desperdiçar tempo em debates inúteis. Para comunicar a beleza, devemos estar certos de que comunicamos uma mensagem na sua totalidade, o que exige a arte da contemplação – uma arte que nos torna capazes de ver uma realidade ou um acontecimento ligado a numerosas outras realidades e a outros acontecimentos.
No contexto da “pós-verdade” e das “notícias falsas”, Jesus Cristo, “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6), representa o princípio para a nossa comunhão com Deus e uns com os outros.[42] Como o Papa Francisco nos recordou na Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2019, “a obrigação de preservar a verdade nasce da exigência de não negar a mútua relação de comunhão. Com efeito, a verdade revela-se na comunhão; ao contrário, a mentira, é a recusa egoísta de reconhecer a própria pertença ao corpo; é a recusa de se dar aos outros, perdendo assim o único caminho para se reencontrar a si mesmo”.[43]
67) Por esse motivo, o segundo espeto a recordar é o de que uma mensagem é mais facilmente persuasiva quando aquele que a comunica pertence a uma comunidade. Há necessidade urgente de agir não apenas como indivíduos, mas como comunidades. A constatação de que as redes sociais facilitam iniciativas individuais na produção de conteúdo poderia parecer uma oportunidade preciosa, mas pode representar um problema quando as atividades individuais são levadas a cabo de maneira arbitrária, sem refletir a meta e a visão geral da comunidade eclesial. Pôr de lado a nossa própria agenda e a confirmação das nossas próprias habilidades e competências, para descobrir que cada um de nós – com todos os nossos talentos e fraquezas – faz parte de um grupo, é uma dádiva que nos habilita a colaborar como “membros uns dos outros”. Somos chamados a dar testemunho de um estilo de comunicação que promove a nossa pertença uns aos outros e revitaliza aquilo a que São Paulo chama “articulações”, que permitem aos membros de um corpo agir em sinergia (Cl 2, 19).
68) Assim, a nossa criatividade só pode ser um resultado da comunhão: não é tanto a realização de uma grande capacidade individual, mas o fruto de uma grande amizade. Em síntese, é o fruto do amor. Como comunicadores cristãos, somos chamados a dar testemunho de um estilo de comunicação que não se fundamenta unicamente no indivíduo, mas numa forma de construção de comunidade e de pertença. A melhor maneira de veicular os conteúdos das redes sociais é reunir as vozes dos que amam tais conteúdos. Trabalhar em conjunto como equipa, abrindo espaço a diferentes talentos, formações, capacidades e ritmos, cocriando a beleza numa “criatividade sinfónica”, é, na verdade, o mais lindo testemunho de que somos realmente filhos de Deus, redimidos e que não nos preocuparmos somente connosco mas estamos abertos ao encontro com os outros.
Conta-o como uma história
69) Boas histórias cativam a atenção e despertam a imaginação. Revelam e estendem a hospitalidade até à verdade. As histórias oferecem-nos um quadro interpretativo para compreender o mundo e responder às nossas interrogações mais profundas. As histórias edificam a comunidade, uma vez que a comunidade é sempre construída mediante a comunicação.
A narração de histórias adquiriu uma importância renovada na cultura digital, devido ao singular poder que as histórias têm de captar a nossa atenção e de falar diretamente connosco; elas proporcionam também um contexto mais abrangente para a comunicação do que é possível fazer com mensagens ou tweets resumidos. A cultura digital está repleta de informações e as suas plataformas são, na maior parte dos casos, ambientes caóticos. As histórias oferecem uma estrutura, uma maneira de dar sentido à experiência digital. Mais “encarnadas” do que um mero argumento e mais complexas do que as reações superficiais e emocionais que frequentemente encontramos nas plataformas digitais, as histórias, dizíamos, ajudam a restabelecer relações humanas, oferecendo às pessoas a oportunidade de narrar as suas maiores e melhores histórias ou de compartilhar aquelas que as transformaram.
70) Um bom motivo para contar uma história é responder às pessoas que questionam a nossa mensagem ou a nossa missão. Criar uma contra narrativa pode ser mais eficaz para reagir a um comentário de ódio do que replicar com um argumento.[44] Deste modo, desviamos a atenção da defesa para a promoção ativa de uma mensagem positiva e o cultivo da solidariedade, como Jesus fez com a narração do Bom Samaritano. Em vez de argumentarmos como o especialista em direito sobre quem devemos considerar o nosso próximo e quem podemos ignorar ou até odiar, Jesus simplesmente narrou uma história. Como um exímio contador de histórias, Jesus não coloca o especialista em direito no lugar do samaritano, mas no lugar do homem ferido. Para descobrir quem é próximo, primeiro devemos entender quem está no lugar do homem ferido e quem teve compaixão dele. Somente depois de descobrir isto e de experimentar o cuidado do samaritano por ele, o especialista em direito, talvez advogado, pode tirar conclusões a respeito da própria vida e tornar a história como sua. O próprio advogado é o homem que caiu nas mãos dos ladrões, e o samaritano, que se aproxima dele, é Jesus.
Ouvindo esta história, cada um de nós identifica-se com o homem ferido ali deitado. E para cada um de nós, o samaritano é Jesus. Será que ainda perguntamos: “Quem é meu próximo?”. Se sim, é porque ainda não experimentamos o quanto somos amados e o quanto a nossa vida está conectada a todas as vidas.
71) Desde os primórdios da Igreja, narrar a história da profunda experiência que os seguidores de Jesus tiveram na sua presença atraiu outros para o discipulado cristão. Os Atos dos Apóstolos estão repletos de tais casos. Por exemplo, investido pelo Espírito Santo, Pedro pregou a Ressurreição de Cristo aos peregrinos de Jerusalém no Pentecostes. Isto levou à conversão de mais de três mil pessoas (cf. At 2, 14-41). Aqui temos uma ideia de quão influente a nossa narrativa pode ser para os outros. Ao mesmo tempo, contar histórias e experiências é somente um dos elementos da evangelização. Também são importantes as explicações sistemáticas da fé, dadas mediante a formulação de credos e de outras obras doutrinárias.
Construir comunidade num mundo fragmentado
72) As pessoas procuram alguém que lhes possa proporcionar orientação e esperança; têm fome de liderança moral e espiritual, mas nem sempre a encontram nos lugares tradicionais. Hoje é comum recorrer a “influencers”, indivíduos que conquistam e mantêm um elevado número de seguidores, que adquirem maior visibilidade e são capazes de inspirar e motivar os outros com as suas ideias ou experiências. Adotado da teoria da opinião pública para a estratégia de marketing das redes sociais, o sucesso de um influencer das redes sociais está ligado à sua capacidade de sobressair na vastidão da rede, atraindo um grande número de seguidores.
73) Por si só, tornar-se “viral” é uma ação neutra; não tem automaticamente um impacto positivo nem negativo na vida dos outros. Neste sentido, “as redes sociais são capazes de favorecer as relações e promover o bem da sociedade, mas podem também levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O ambiente digital é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar ou ferir, realizar uma discussão proveitosa ou um linchamento moral”.[45]
74) Micro e macroinfluencers
Todos nós deveríamos encarar a nossa “influência” seriamente. Não existem apenas macroinfluencers com um grande público, mas também microinfluencers. Cada cristão é um microinfluencer. Cada cristão deveria estar ciente da sua influência potencial, seja qual for o número de seguidores que tiver. Ao mesmo tempo, ele ou ela deve estar consciente de que o valor da mensagem divulgada pelo “influencer” cristão não depende das qualidades do mensageiro. Cada seguidor de Jesus Cristo tem o potencial de estabelecer um vínculo, não consigo mesmo, mas com o Reino de Deus, até mesmo com o menor círculo dos seus relacionamentos. “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua família” (At 16, 31).
Contudo, deveríamos reconhecer que a nossa responsabilidade cresce com o aumento do número de seguidores. Quanto maior for o número de seguidores, tanto maior deveria ser a nossa consciência de que não agimos no nosso próprio nome. A responsabilidade de servir a própria comunidade, especialmente para quem desempenha funções de liderança pública, não pode ser secundarizada relativamente à promoção das opiniões pessoais vindas dos púlpitos públicos dos média digitais.[46]
75) Sê reflexivo, não reativo
O estilo cristão nas redes sociais deveria ser reflexivo e não reativo. Portanto, todos nós deveríamos prestar atenção para não cair nas armadilhas digitais escondidas em conteúdos intencionalmente concebidos para semear o conflito entre os utilizadores, causando indignação ou reações emocionais.
Devemos estar atentos à colocação de mensagens bem como à partilha de conteúdos que possam causar mal-entendidos, exacerbar divisões, provocar conflitos e aprofundar preconceitos. Infelizmente, nos intercâmbios online é comum a tendência para nos deixarmos levar por discussões acaloradas e, às vezes, desrespeitosas. Todos nós podemos cair na tentação de procurar o “cisco no olho” dos nossos irmãos e irmãs (Mt 7, 3), fazendo acusações públicas nas redes sociais, provocando divisões dentro da comunidade da Igreja ou discutindo sobre quem é o maior, como fizeram os primeiros discípulos (Lc 9, 46). O problema da comunicação polémica, superficial e, portanto, divisiva, é particularmente nefasta quando provém da liderança da Igreja: dos bispos, pastores e líderes leigos eminentes. Não só causam divisão na comunidade, mas também dão autorização e legitimidade a fim de que inclusive outros promovam um tipo semelhante de comunicação.
Perante esta tentação, muitas vezes o melhor procedimento é não reagir, ou reagir com o silêncio, para não dignificar esta falsa dinâmica. Pode-se afirmar, com bastante certeza, que este tipo de dinâmica não constrói; pelo contrário, causa grandes danos. Portanto, os cristãos são chamados a indicar um outro caminho.
76) Sê ativo, sê sinodal
As redes sociais podem tornar-se uma oportunidade para partilhar histórias e experiências de beleza ou de sofrimento, fisicamente distantes de nós. Procedendo assim, juntos podemos orar e buscar o bem, redescobrindo o que nos une.[47] Ser ativo significa participar de projetos que dizem respeito à vida diária das pessoas: projetos que promovem a dignidade humana e o desenvolvimento, visam reduzir a desigualdade digital, fomentam o acesso digital à informação e à alfabetização, favorecem iniciativas de administração e de crowdfunding em benefício de quem é pobre e marginalizado, e dão voz aos que não a têm na sociedade.
Os desafios que enfrentamos são globais e, por isso, exigem um esforço global de colaboração. Assim, é urgente aprender a agir em conjunto, como comunidade, e não tanto como indivíduos isolados. Não tanto como “influencers individuais”, mas como “tecelões de comunhão”: unindo os nossos talentos e competências, partilhando conhecimentos e contribuições.[48]
Este, certamente, o motivo que terá levado Jesus de Nazaré a enviar os discípulos “dois a dois” (cf. Mc 6, 7), a fim de que, caminhando juntos,[49] eles antes como nós agora tenha podido e possamos revelar inclusive nas redes sociais o rosto sinodal da Igreja. Eis o profundo significado da comunhão que une os batizados do mundo inteiro. Como cristãos, a comunhão faz parte do nosso “ADN”. Assim sendo, o Espírito Santo permite-nos abrir o coração aos outros e abraçar a nossa pertença a uma fraternidade universal.
O sinal do testemunho
77) A nossa presença nas redes sociais concentra-se, em geral, na divulgação de informações. Nesta ótica, a apresentação de ideias, ensinamentos, pensamentos, reflexões espirituais e outras coisas semelhantes nas redes sociais deve ser fiel à tradição cristã. Mas tal não é suficiente. Para além da nossa capacidade de alcançar outras pessoas com um conteúdo religioso interessante, nós cristãos deveríamos ser conhecidos pela nossa disponibilidade para escutar, discernir antes de agir, tratar todas as pessoas com respeito, responder com uma pergunta em vez de com um julgamento, permanecer em silêncio em vez de suscitar uma controvérsia e ser “rápidos para ouvir, tardios para falar, lentos na ira” (Tg 1, 19). Em síntese, tudo o que fazemos, com palavras e ações, deveria ter em si mesmo o sinal do testemunho. Não estamos presentes nas redes sociais para “vender um produto”. Não fazemos publicidade, mas comunicamos a vida, a vida que nos foi concedida em Cristo. Por isso, cada cristão deve ter o cuidado de não fazer proselitismo, mas dar testemunho.
78) O que significa ser testemunha? A palavra grega para testemunha é “mártir”, e é correto dizer que alguns dos mais poderosos “influencers cristãos” foram mártires. A atratividade dos mártires viu-se quando manifestaram a sua união com Deus mediante o sacrifício da própria vida.[50] “Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, o qual recebestes de Deus, e que, por isso mesmo, já não vos pertence?” (1 Cor 6, 19). Os corpos dos mártires são instrumentos exemplares para a revelação do amor de Deus.
Ainda que o martírio seja o sinal último, derradeiro, do testemunho cristão, cada cristão é chamado a sacrificar-se: a vida cristã é uma vocação que consome a nossa própria existência, oferecendo-nos, de corpo e alma, com vista a tornarmo-nos um espaço para a comunicação do amor de Deus, um sinal que aponta para o Filho de Deus.
É neste sentido que compreendemos melhor as palavras do grande João Batista, primeira testemunha de Cristo: “Importa que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3, 30). Assim como o Precursor, que encorajava seus discípulos a seguir Cristo, também nós não procuramos “seguidores” para nós mesmos, mas para Cristo. Só podemos propagar o Evangelho, forjando uma comunhão que nos una em Cristo. Fazemos isto, seguindo o exemplo de Jesus, na busca permanente do interagir com os outros.
79) A atratividade da fé alcança as pessoas onde elas estão e como se encontram aqui e agora. Sendo um carpinteiro desconhecido de Nazaré, Jesus rapidamente ganhou popularidade em toda a região da Galileia. Olhando com compaixão para as pessoas, que eram como ovelhas sem pastor, Jesus proclamava o Reino de Deus, curando os doentes e ensinando as multidões. Para garantir o máximo “alcance”, falava frequentemente às multidões no cimo de uma montanha ou dentro de um barco junto á praia. Para promover o “envolvimento” de alguns dos seus seguidores, escolheu doze e explicou-lhes tudo. Mas, inesperadamente, e no auge do seu “sucesso”, retirava-se na solidão com o Pai. E pedia aos seus discípulos que fizessem o mesmo: quando eles descreviam o sucesso das suas missões, ele convidava-os a retirarem-se para descansar e rezar. E quando discutiam para saber quem era o maior de entre eles, anunciava-lhes o seu futuro sofrimento na cruz. O seu objetivo – eles só o compreenderiam mais tarde – não consistia em aumentar o número do seu público, mas em revelar o amor do Pai para que as pessoas, todas as pessoas, pudessem ter vida, e tê-la em abundância (cf. Jo 10, 10).
Seguindo os passos de Jesus, deveríamos ter como prioridade reservar espaço suficiente para uma conversa pessoal com o Pai, permanecendo em sintonia com o Espírito Santo, o qual sempre nos recordará que na Cruz tudo foi invertido. Não houve “likes” e praticamente nenhum “seguidor” se destacou no momento da maior manifestação da glória de Deus! Todas as medidas humanas de “sucesso” são relativizadas pela lógica do Evangelho.
80) Eis como deve funcionar o nosso testemunho: atestar, com as nossas palavras e a nossa vida, o que outra pessoa fez.[51] Neste sentido, e só neste sentido, podemos ser testemunhas – até missionários – de Cristo e do seu Espírito. Isto engloba a nossa participação nas redes sociais. Fé significa sobretudo dar testemunho da alegria que o Senhor nos concede. E esta alegria brilha sempre de modo resplandecente e deve funcionar ao contrário de um pano de fundo em busca duma memória grata. Falar aos outros sobre a razão da nossa esperança, e fazê-lo com delicadeza e respeito (1 Pd 3, 15), é um sinal de gratidão. É a resposta de alguém que, através da gratidão, se faz dócil ao Espírito e, portanto, é livre. Isto foi verdade para Maria que, sem querer nem procurar, se tornou a mulher mais influente da história.[52] Foi e é a resposta de alguém que, pela graça da humildade, não se pôs em primeiro plano, facilitando deste modo o encontro com Cristo, que disse: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29).
Seguindo a lógica do Evangelho, tudo o que devemos fazer é suscitar uma ou várias perguntas, para despertar a procura. O resto é a obra misteriosa de Deus.
***
81) Como vimos, viajamos pelas “estradas digitais” lado a lado com amigos e pessoas completamente desconhecidas, esforçando-nos para evitar muitas ciladas ao longo do caminho, e acabamos por nos dar conta dos feridos à margem da estrada. Às vezes, estes feridos podem ser as outras pessoas. Outras vezes, somos nós mesmos os feridos. Quando isto acontece, devemos fazer uma pausa e, mediante a vida que recebemos nos sacramentos e que age em nós, este tomar de consciência, torna-se encontro: de personagens ou imagens num écran, de um homem ferido que adquire os contornos de um próximo, de um irmão ou irmã e, sobretudo e realmente, do Senhor que disse: “Todas as vezes que fizestes isto a um destes mais pequeninos, foi a mim… que o fizestes” (Mt 25, 40). E se às vezes somos também feridos, o samaritano que se debruça sobre nós com compaixão tem igualmente o rosto do Senhor, que se tornou o nosso próximo, debruçando-se sobre a humanidade sofredora para cuidar das nossas feridas.
Em ambos os casos, o que poderia ter sido iniciado como um encontro fortuito ou uma presença distraída nas plataformas das redes sociais, tornam-se pessoas presentes umas às outras, num encontro repleto de misericórdia. Esta misericórdia permite-nos experimentar, desde já, o Reino de Deus e a comunhão que tem a sua origem na Santíssima Trindade: a verdadeira “terra prometida”.
82) Portanto, pode ser que a partir da nossa presença amorosa e genuína nestas esferas digitais da vida humana, possamos abrir um caminho para aquilo a que São João e São Paulo aspiravam nas suas cartas: o encontro face a face de cada pessoa ferida com o Corpo do Senhor, a Igreja, a fim de que, em um encontro pessoal, de coração a coração, asa suas e as nossas feridas possam ser curadas e “a nossa alegria seja perfeita” (cf. 2 Jo 12).
***
Possa servir-nos de guia o ícone do Bom Samaritano, que liga as feridas do homem espancado, deitando nelas azeite e vinho. Que a nossa comunicação seja como azeite perfumado pela dor e como bom vinho pela alegria. Que a nossa luminosidade não resulte de truques ou efeitos especiais, mas do facto de nos fazermos “próximos”, com amor, com ternura, de quem encontramos ferido pelo caminho.[53]
Cidade do Vaticano, 28 de maio de 2023, Solenidade de Pentecostes
Paolo Ruffini
Prefeito
Lucio A. Ruiz
Secretário
________________________
[1] Sínodo dos Bispos, Documento Final do Encontro pré-sinodal em preparação para a XV Assembleia Geral Ordinária, “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, Roma (19-24 de março de 2018), n. 4.
[2] Mensagem de Sua Santidade o Papa Bento XVI para o 43º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Novas tecnologias, novas relações. Promover uma cultura de respeito, de diálogo, de amizade” (24 de maio de 2009). Em 1992 a Aetatis novae já se refere à tecnologia digital, e os documentos complementares de 2002, Ética na Internet e Igreja e Internet, analisam o impacto cultural de maneira mais detalhada. Por último, a Carta Apostólica de São João Paulo II de 2005, O rápido desenvolvimento, dirigida aos responsáveis pela comunicação, oferece reflexões a respeito das questões apresentadas pela comunicação social. Além dos documentos que abordam a comunicação social de modo específico, nas últimas décadas também outros documentos magisteriais dedicaram considerações a este tema. Veja, por exemplo, Verbum Domini, 113; Evangelii gaudium, 62, 70, 87; Laudato si’, 47, 102-114; Gaudete et exsultate, 115; Christus vivit, 86-90, 104-106; e Fratelli tutti, 42-50).
[3] Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Bento XVI para o 47º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Redes sociais, portais de verdade e de fé; novos espaços de evangelização” (24 de janeiro de 2013).
[4] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Somos membros uns dos outros (Ef 4, 25): das comunidades das redes sociais à comunidade humana” (24 de janeiro de 2019).
[5] O Vaticano lançou o seu primeiro canal no YouTube em 2008. A partir de 2012, o Santo Padre está ativo no Twitter e desde 2016 no Instagram. Em paralelo, a presença digitalmente mediada do Papa tornou-se um dos métodos do seu compromisso pastoral, começando pelas mensagens de vídeo em meados dos anos 2000, seguidas pelas videoconferências ao vivo, como o encontro de 2017 com os astronautas da Estação Espacial Internacional. A mensagem de vídeo do Papa de 2017 por ocasião do Super Bowl nos Estados Unidos e as suas conferências TED em 2017 e 2020 são apenas dois exemplos da presença pastoral do Papa digitalmente mediada.
[6] A transmissão ao vivo da Statio Orbis, em 27 de março de 2020, teve mais ou menos seis milhões de espectadores no canal do YouTube do Vatican News e 10 milhões no Facebook. Estes números não incluem visualizações posteriores da gravação do evento, nem visualizações através de outros canais de comunicação. Nessa mesma noite do evento, 200.000 novos seguidores conectaram-se a @Franciscus no Instagram, e as postagens relativas ao dia 27 de março de 2020 permanecem entre os conteúdos com maior participação na história da conta.
[7] Entre as numerosas imagens do Evangelho que poderiam ter sido escolhidas como inspiração para este texto, optou-se pela parábola do Bom Samaritano, que para o Papa Francisco representa “uma parábola sobre a comunicação”. Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro” (24 de janeiro de 2014).
[8] Por exemplo: quem definirá as fontes com as quais os sistemas de IA aprenderão? Quem financia estes novos produtores de opinião pública? Como podemos garantir que os criadores de algoritmos sejam orientados por princípios éticos e ajudem a propagar a nível global uma nova consciência e pensamento crítico para minimizar as falhas nas novas plataformas de informação? A nova alfabetização mediática deve compreender competências que não só permitam que as pessoas participem nas informações de modo crítico e eficaz, mas que também discirnam o uso das tecnologias que reduzem cada vez mais a lacuna entre humanos e não-humanos.
[9] Cf. Fratelli tutti, 30; Evangelii gaudium, 220; veja também o “Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum” (4 de fevereiro de 2019): “Dirigimo-nos (…) aos profissionais dos mass media (…) em todo o mundo, que redescubram os valores da paz, da justiça, do bem, da beleza, da fraternidade humana e da convivência comum, para confirmar a importância destes valores como âncora de salvação para todos e procurar difundi-los por toda a parte”.
[10] “Algumas pessoas preferem não indagar, não se informar e vivem o seu bem-estar e o seu conforto, surdas ao grito de angústia da humanidade sofredora. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de sentir compaixão pelos outros, pelos seus dramas; não nos interessa ocupar-nos deles, como se aquilo que lhes sucede fosse responsabilidade alheia, que não nos compete”. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 49º Dia Mundial da Paz, “Vence a indiferença e conquista a paz” (1º de janeiro de 2016); Evangelii gaudium, 54.
[11] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 49º Dia Mundial da Paz, “Vence a indiferença e conquista a paz” (1º de janeiro de 2016).
[12] Cf. Fratelli tutti, 67.
[13] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Escutar com o ouvido do coração” (24 de janeiro de 2022).
[14] Fratelli tutti, 63.
[15] “O silêncio é precioso para favorecer o necessário discernimento entre os inúmeros estímulos e as muitas respostas que recebemos, justamente para identificar e focalizar as perguntas verdadeiramente importantes”. Mensagem de Sua Santidade o Papa Bento XVI para o 46º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Silêncio e palavra: caminho de evangelização” (24 de janeiro de 2012).
[16] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro” (24 de janeiro de 2014).
[17] Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Escutar com o ouvido do coração” (24 de janeiro de 2022); Evangelii gaudium, 171.
[18] “A primeira escuta a reaver quando se procura uma comunicação verdadeira é a escuta de si mesmo, das próprias exigências mais autênticas, inscritas no íntimo de cada pessoa. E não se pode recomeçar, senão escutando aquilo que nos torna únicos na criação: o desejo de estar em relação com os outros e com o Outro”. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 56º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Escutar com o ouvido do coração” (24 de janeiro de 2022).
[19] Verbum Domini, 86-87.
[20] Laudato si’, 47.
[21] Cf. Laudato si’, 66.
[22] Communio et progressio, 12.
[23] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Somos membros uns dos outros (Ef 4, 25): das comunidades das redes sociais à comunidade humana” (24 de janeiro de 2019).
[24] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro” (24 de janeiro de 2014).
[25] Cf. Fratelli tutti, 49.
[26] Fratelli tutti, 69.
[27] Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Somos membros uns dos outros (Ef 4, 25): das comunidades das redes sociais à comunidade humana” (24 de janeiro de 2014).
[28] Fratelli tutti, 77.
[29] Papa Francisco, Angelus, 10 de julho de 2016.
[30] Cf. Gaudete et exsultate, 115.
[31] A propósito do problema da polarização e da sua relação com a formação do consenso, veja de modo específico Fratelli tutti, 206-214.
[32] Cf. Discurso no evento “Economy of Francesco”, 24 de setembro de 2022.
[33] “No dia seguinte, tirou dois denários e deu-os ao hospedeiro, dizendo-lhe: trata dele, e quanto gastares a mais, na volta pagar-te-ei” (Lc 10, 35).
[34] Uma sondagem feita nos EUA pelo Barna Research Centre em 2020 revelou que, embora metade dos “frequentadores de igrejas” habituais tenha declarado que não “participaram nos cultos de adoração nas igrejas, quer pessoal quer digitalmente” durante um período de seis meses – contudo afirmaram que nesse mesmo período “assistiram a um culto da igreja online”. Por conseguinte, é possível reconhecer que se assistiu a um culto sem se considerar um participante.
[35] Parece que existem substitutos artificiais para quase tudo na realidade virtual; podemos compartilhar todos os tipos de informações através do mundo digital, mas não parece que seja possível compartilhar uma refeição, nem sequer no metaverso.
[36] Cf. Desiderio desideravi, 9, no ponto em que se refere a Leão Magno, Sermo LXXIV: De ascensione Domini II, 1: “Quod … Redemptoris nostri conspicuum fuit, in sacramenta transivit”.
[37] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Somos membros uns dos outros (Ef 4, 25): das comunidades das redes sociais à comunidade humana” (24 de janeiro de 2019). Pode ser útil considerar outras formas de prática espiritual, como a Liturgia das Horas e a lectio divina, que podem ser mais adequadas para a partilha online do que a Santa Missa.
[38] Cf. Papa Francisco, Discurso à Assembleia Plenária do Dicastério para a Comunicação, 23 de setembro de 2019.
[39] O Papa Francisco falou sobre o estilo de Deus como “proximidade, compaixão e ternura” em muitas ocasiões (Audiências gerais, Angelus, Homilias, Conferências de imprensa, etc.).
[40] Communio et progressio, 11.
[41] “Para falar bem, basta amar bem” (São Francisco de Sales). Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 57º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Falar com o coração. Testemunhando a verdade no amor” (24 de janeiro de 2023).
[42] Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 52º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “A verdade vos tornará livres (Jo 8, 32). Fake news e jornalismo de paz” (24 de janeiro de 2018).
[43] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Somos membros uns dos outros (Ef 4, 25): das comunidades das redes sociais à comunidade humana” (24 de janeiro de 2019).
[44] Contudo, é importante que quando surge uma narrativa falsa, ela seja corrigida com respeito e rapidamente. “As fake news têm que ser contrastadas, mas devemos respeitar sempre as pessoas, que muitas vezes aderem a elas sem pleno conhecimento e responsabilidade”. Discurso de Sua Santidade o Papa Francisco aos participantes no encontro promovido pelo Consórcio Nacional da Mídia Católica “Catholic Fact-Checking”, 28 de janeiro de 2022.
[45] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Comunicação e misericórdia: um encontro fecundo” (24 de janeiro de 2016).
[46] Isto diz respeito também à formação de sacerdotes. Como lemos na Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, “os pastores do futuro não podem ficar alheios, nem durante sua formação, nem no seu futuro ministério, à praça pública das redes sociais” (n. 97). Eles podem estar também cientes dos riscos inevitáveis que derivam da frequência do mundo digital, incluindo várias formas de dependência (cf. n. 99). A respeito deste aspeto, veja também Discurso do Santo Padre o Papa Francisco aos seminaristas e sacerdotes que estudam em Roma, 24 de outubro de 2022.
[47] Cf. Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 53º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Somos membros uns dos outros (Ef 4, 25): das comunidades das redes sociais à comunidade humana” (24 de janeiro de 2019).
[48] Portanto, pode ser útil que as iniciativas individuais nas redes sociais, de modo particular as propostas por religiosos e clérigos, encontrem uma maneira de fortalecer a comunhão na Igreja. Como comunidade cristã, também pode ser útil alcançar os “influencers” que estão à margem dos nossos ambientes eclesiais.
[49] Ser sinodal (de syn odòs) significa percorrer o mesmo caminho, caminhar juntos, ir em frente juntos.
[50] Esta descrição já foi feita pelos antigos Padres da Igreja. Por exemplo, Tertuliano falava do martírio como atratividade. Na sua Apologia, ele explica que as perseguições não são apenas injustas, mas também inúteis: “Nenhuma das vossas crueldades, por mais requintadas que sejam, vos trará vantagens; pelo contrário, elas tornam a nossa religião mais atraente. Quanto mais formos dizimados por vós, mais cresceremos em número; o sangue dos cristãos é semente de nova vida. (…) A própria obstinação contra a qual vos revoltais é uma lição. Pois quem é que, ao contemplá-la, não se sente estimulado a perguntar o que há por detrás dela? Quem, é que depois de se questionar, não abraça as nossas doutrinas?” Tertuliano, Apologia, n. 50 (tradução adaptada).
[51] Este parágrafo inspira-se parcialmente na Mensagem às Pontifícias Obras Missionárias, 21 de maio de 2020.
[52] Viagem Apostólica ao Panamá: Vigília com os jovens (Campo San Juan Pablo II – Metro Park, 26 de janeiro de 2019).
[53] Mensagem de Sua Santidade o Papa Francisco para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais, “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro” (24 de janeiro de 2014).
[00890-PO.01] [Texto original: inglês]
[B0404-XX.02]
Dicastério para a comunicação -Uma reflexão pastoral sobre a participação nas redes sociais (PDF)