Mais de metade dos jovens entre os 14 e os 30 dizem-se crentes, mas apenas um terço participa nas práticas religiosas
Desacordo face a normas instituídas surge como um dos motivos para ausência de prática religiosa. Dado curioso: não-crentes preocupam-se mais com alterações climáticas que os religiosos, diz estudo.
6 de Julho de 2023 – Jornal Público
Mais de metade dos jovens portugueses com idades entre os 14 e os 30 anos declaram-se religiosos: 56%, precisa o estudo “Jovens, fé e futuro”, que é apresentado esta quinta-feira pelo Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa (CEPCEP) da Universidade Católica. Porém, apenas cerca de um terço (34%) dos que se dizem crentes são praticantes, num desapego justificado, sobretudo entre os mais velhos, pelo desacordo face a normas instituídas.
Sem surpresas, os católicos representam 88% do universo total de crentes, o que equivale a dizer (porque se trata de uma amostra representativa da população) que 49% dos jovens portugueses até aos 30 anos de idade são católicos. “É um valor significativo se considerarmos a percepção, mais ou menos generalizada, de que vivemos numa sociedade dessacralizada”, conclui o estudo coordenado por Patrícia Dias, a pedido da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), o órgão representativo do episcopado português.
De facto, numa altura de inegável erosão do sentido de pertença religiosa (o último grande estudo sobre identidade religiosa foi feito em 2012 e já mostrava que o número de católicos em Portugal tinha caído para os 79,5%, contra os 86,9% registados em 1999), esta conclusão pode surpreender, ainda que apenas os mais distraídos: em 2021, a Fundação Francisco Manuel dos Santos já concluíra, a partir de um inquérito a 4900 residentes entre os 15 e os 34 anos de idade, que 58% declaravam pertencer a alguma religião ou detinham algum tipo de crença, contra os 42% que disseram o contrário.
Agora, para “caracterizar os jovens portugueses relativamente à sua fé e às suas práticas religiosas e à forma como perspectivam o futuro”, o CEPCEP lançou um questionário online com 23 perguntas a uma amostra de 2480 jovens com idades entre os 14 e os 30 anos de idade, representativos dos cerca de 1,6 milhões de portugueses que se inserem neste intervalo etário (equivalentes a 15,8% da população total, e que constituem, no fundo, o público-alvo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), marcada para a primeira semana de Agosto e que se prevê contará com a presença do Papa Francisco.
Alinhavadas, as conclusões não deixam margem para grandes dúvidas: 56% dos inquiridos afirmaram pertencer a uma religião. Daqueles, 88% apontaram o catolicismo como religião de pertença. Contas feitas, pode-se concluir, seguindo o raciocínio dos autores do estudo, que sensivelmente metade dos jovens portugueses (49,28%, mais concretamente) são católicos.
Ao catolicismo segue-se, ainda que a larga distância, a declaração de pertença à religião evangélica ou protestante (6% do total de inquiridos) e às Testemunhas de Jeová (1%). O budismo congrega, por seu turno, 0,4% das declarações de pertença dos jovens que se declaram crentes. Já os mormons e o islamismo congregam, cada um, 0,3% dos respondentes.
Num país em que a pertença católica configura uma identidade dir-se-ia que hereditária, importava ainda aquilatar qual a proporção de praticantes. Aqui, a conclusão mais imediata é que apenas cerca de um terço da amostra, 34% mais concretamente, se considera praticante. Os restantes 22% do universo total composto pelos que se declararam crentes (os referidos 56%) dizem que, acreditando, não praticam nenhuma religião. Entre os restantes, 17% declararam-se agnósticos (alegam ser impossível provar a existência de Deus) e 15% ateus (negam a existência de Deus). Por último, 7% alegaram não ter posição definida sobre o tema, ligeiramente acima dos 5% para os quais o tema é indiferente.
Não praticam porque discordam das normas
Quando questionados sobre a forma como praticam a respectiva religião, as respostas sugerem um maior grau de compromisso entre os mais velhos, isto é, no subgrupo dos que têm entre 18 e 30 anos, 65% disseram que rezam regularmente. Quando a mesma questão foi colocada aos jovens na faixa etária dos 14 aos 17 anos, a proporção dos que afirmaram rezar desceu para os 46%. “Este padrão repete-se em todos os aspectos medidos com excepção da aprendizagem da religião, mais elevada entre os mais novos”, enfatiza o estudo.
Quanto às demais práticas religiosas, destacam-se a participação regular em cultos que foi apontada por 47% dos inquiridos, sendo que a proporção dos que vão à missa ou a celebrações similares é maior entre os mais velhos (55%) do que entre os mais novos (40%). A pertença a grupos de jovens como os escuteiros, entre outros, é descrita como forma de prática religiosa por 43% dos respondentes, enquanto a meditação surge como sendo praticada por 13% dos inquiridos.
Mas, afinal, entre os que se dizem crentes, quais as razões apontadas para não serem praticantes? No grupo dos mais velhos (18-30 anos), 44% disseram que não concordam “com algumas das normas da prática religiosa”. Já entre os menores (14-17 anos), apenas 16% disseram o mesmo. Descontadas as diferenças etárias, a “falta de tempo” serviu de desculpa a 27% dos crentes não-praticantes. Por seu turno, a existência de um meio social ou familiar desfavorável à prática religiosa constituiu-se como dissuasor da prática religiosa para 5% dos crentes.
Curiosamente, “a observação de atitudes e comportamentos negativos noutros crentes, embora relevante (21% nos mais novos e 28% nos mais velhos), não é o principal factor que afasta da prática religiosa”, observa o estudo. Mas este foi feito antes de a comissão coordenada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht ter apresentado o seu levantamento sobre os abusos sexuais cometidos no seio da Igreja Católica em Portugal. A interrogação que fica pendente é a que ponto o conhecimento entretanto adquirido sobre a magnitude do flagelo teve impacto na adesão católica por parte dos jovens portugueses.
A intolerância religiosa parece não constituir problema, porquanto 51% dos jovens consideraram “existir verdade em todas as religiões”, contra os 7% que defenderam que só a respectiva religião é verdadeira. Do mesmo modo, 82% disseram que nunca se sentiram descriminados por causa da sua posição religiosa. Isto não invalida que, no grupo dos mais velhos, 25% tenham declarado que já se sentiram olhados de lado, maioritariamente entre amigos (18%) e na escola ou universidade (15%).
Religiosos menos preocupados com alterações climáticas
O estudo procurava também compreender a forma como as crenças religiosas interferem na acção dos jovens e na forma como estes perspectivam o futuro. Entre os mais velhos, 60% consideram que a fé ou crença religiosa os ajudam a compreender melhor “o sentido da vida” e 50% acham mesmo que lhes aumenta o desejo de ajudar os outros. No grupo dos mais novos, as proporções descem para 40% e 42%, respectivamente.
No rol de preocupações quanto ao futuro, a guerra surge à frente, como seria de prever já que o inquérito foi aplicado depois da invasão da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022. As alterações climáticas e a saúde ocupam o segundo e terceiro lugares na lista de preocupações, seguidos da equidade e da discriminação
Mas foi quando dirigiram o olhar dos inquiridos para o futuro que os autores do estudo observaram as diferenças mais curiosas entre religiosos e não-religiosos. As alterações climáticas, por exemplo, estão arredadas do “top 3” das preocupações dos religiosos, mais centradas na guerra, na saúde e na família e relações. Já entre os não-religiosos, as alterações climáticas surgem como a principal das preocupações, a par da guerra e das questões da equidade e da discriminação.
Por outro lado, os religiosos, particularmente os católicos, valorizam a ideia de virem a ter uma família com filhos, muito mais do que os não-religiosos. Para estes, é mais importante a possibilidade de fazerem as escolhas que quiserem, “independentemente da pressão da família ou da sociedade”.
Embora quase todos (74%) considerem que ter um trabalho estável e que os faça felizes é essencial para o futuro, apenas 9% consideraram prioritário mudar a forma como o trabalho e o mercado laboral funcionam. Do mesmo medo, malgrado as preocupações generalizadas com a sustentabilidade do planeta, apenas 7% se declararam disponíveis para mudar práticas de consumo.
Quando interpelados sobre os respectivos contributos para a construção de um futuro melhor, a maior parte respondeu que o fazia por via do respeito pelos direitos humanos (81%). Ao mesmo tempo, 76% disseram que procuravam ser bondosos no quotidiano. Apenas 27% declararam participar em acções de voluntariado e 18% apresentaram-se como activistas. Só 7% consideraram que a sua acção individual não faz diferença. Por último, 27% disseram acreditar que conseguem contribuir para um futuro melhor através da oração e da meditação.
Sabes o que é a JMJ? “Não”, responderam 42% dos jovens
Mais de 40% dos jovens inquiridos neste estudo responderam “não” à pergunta que procurava aferir se sabiam o que é a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que vai realizar-se entre 1 e 6 de Agosto. Encomendado pela Conferência Episcopal Portuguesa, o estudo baseou-se em inquéritos feitos por via online a uma amostra de 2480 jovens com idades entre os 14 e os 30 anos, entre 13 de Abril e 7 de Outubro de 2022. Na altura, já os preparativos para a JMJ iam avançados. Ainda assim, apenas 58% disseram saber do que se trata o evento, contra os 42% que responderam que não. E também não se pode dizer que na altura pelo menos a intenção de participação fosse elevada, já que apenas 13% declararam-se certos de que iriam participar, enquanto 22% apontaram a sua participação como “provável”. Sem surpresas, o grupo dos católicos foi aquele em que mais respondentes tinham conhecimento das jornadas (85,39%), sendo que 75,23% manifestavam então a intenção de participar.
Vídeo de apresentação do estudo “Jovens, fé e futuro”