Domingo I da Quaresma – Ano C – 09 março 2025

Viver a Palavra

Com a celebração da Quarta-feira de Cinzas damos início ao itinerário quaresmal que nos conduzirá à celebração da Páscoa do Senhor. Deste modo, cada Domingo deste «tempo favorável» (2 Cor 6,2) constitui uma etapa de aprofundamento e reflexão de um percurso penitencial que neste ano tem a marca da esperança, porque a conversão abre sempre a porta da esperança através da qual se rasga um novo horizonte de sentido sobre a vida humana. A Quaresma, enquanto tempo penitencial e oportunidade de conversão, não é um tempo triste e pesado, mas tempo de «cantar a alegria do perdão» (Irmão Roger Schütz)

A Quaresma é um tempo novo, pois nova e inaudita é sempre a oferta de amor que Deus nos faz em cada momento da nossa vida. É tempo de esperança e de conversão, um tempo da alegre transformação do coração que nos conduzirá à Páscoa da Ressurreição: fonte da nossa esperança e alegria, oferta de amor do Pai, que em Cristo faz de nós Filhos amados e ressuscitados, isto é, homens e mulheres herdeiros da vida nova.

Neste primeiro Domingo da Quaresma, o Evangelho convida-nos a ir ao deserto: «Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo». Após o Batismo, Jesus aparece como Homem Novo na Plenitude do Espírito, revestido e conduzido pelo Espírito Santo percorre o caminho que o Pai tem para Ele. É conduzido ao deserto, a esse lugar privilegiado do encontro com Deus, mas simultaneamente lugar de privação e provação, onde apenas podemos levar o essencial. Como afirma Saint-Exupéry, «em cada deserto há um poço», isto é, em cada angústia existe um rebento de ressurreição.

Conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, Jesus é tentado e posto à prova pelo diabo. Como sabemos, a palavra diabo na sua etimologia significa aquele que divide. Na verdade, o diabo, o mal e o pecado é aquilo que nos afasta de Deus e dos irmãos, que nos divide e rompe com a comunhão e unidade que conduzem à realização e felicidade.

Seguindo Jesus, como cristãos batizados somos convidados a acolher os desafios e impulsos do Espírito Santo e reconhecemos que a nossa vida cristã conhece lugares de deserto, de tentação e provação. Contudo, temos consciência que as tentações em si mesmas não são boas nem más. Diria que as tentações são situações que irrompem no quotidiano da nossa vida e se constituem como uma oportunidade: a oportunidade de voltar a escolher Deus e optar pelo Seu amor. Cada momento de tentação e provação reclamam da nossa vida uma adesão radical ao bem que liberta e salva e uma decidida rejeição do mal que nos escraviza.

Nas três tentações de Jesus, estão presentes as tentações do ter, do poder e do êxito fácil e a cada uma destas tentações Jesus responde com a Palavra da Escritura, recordando-nos que a Palavra de Deus é a melhor resposta diante das dificuldades e provações.

O nosso maior engano consiste em acreditar que o tesouro da nossa vida está num pedaço de pão, na sede de poder ou no êxito fácil. Por outro lado, a nossa maior virtude estará na capacidade de nos confiarmos como crianças nas mãos do Pai, recordando a certeza que alimentava a esperança do Povo de Israel: «então invocámos o Senhor, Deus dos nossos pais, e o Senhor ouviu a nossa voz, viu a nossa miséria, o nosso sofrimento e a opressão que nos dominava». Por isso, diante das provações e dificuldades da vida, invoquemos a misericórdia de Deus com as palavras do salmo – «estai comigo, Senhor, no meio da adversidade» – e experimentaremos a força poderosa da Palavra de Deus que faz florir os desertos da nossa vida. in Voz Portucalense       

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No primeiro Domingo da Quaresma somos convidados a ir com Jesus ao deserto e contemplamos as diversas tentações. Também nós somos sujeitos a diversas tentações quotidianas e pela nossa fragilidade nem sempre somos capazes de como Jesus resistir à tentação pela força da Palavra de Deus. Tendo em conta a fragilidade da nossa vida e o especial desafio à conversão que a Quaresma propõe, este Domingo constitui-se como oportunidade para apresentar as diversas propostas paroquiais e vicariais da celebração do sacramento da Reconciliação. Além disso, pode ser ocasião para um convite criativo envolvendo a catequese ou algum outro grupo paroquial, distribuindo um convite ou um desdobrável com um exame de consciência, lançando o desafio a celebrar a alegria do perdão. in Voz Portucalense      

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Já no Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IDeuteronómio 26,4-10

Moisés falou ao povo, dizendo:
«O sacerdote receberá da tua mão
as primícias dos frutos da terra
e colocá-las-ás diante do altar do Senhor teu Deus.
E diante do Senhor teu Deus, dirás as seguintes palavras:
‘Meu pai era um arameu errante,
que desceu ao Egipto com poucas pessoas,
e aí viveu como estrangeiro
até se tornar uma nação grande, forte e numerosa.
Mas os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos
e sujeitaram-nos a dura escravidão.
Então invocámos o Senhor Deus dos nossos pais
e o Senhor ouviu a nossa voz,
viu a nossa miséria, o nosso sofrimento
e a opressão que nos dominava.
O Senhor fez-nos sair do Egipto
com mão poderosa e braço estendido,
espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios.
Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra,
uma terra onde corre leite e mel.
E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra
que me destes, Senhor’.
Então colocarás diante do Senhor teu Deus
as primícias dos frutos da terra
e te prostrarás diante do Senhor teu Deus».

 

CONTEXTO

O Livro do Deuteronómio parece ser o “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém por volta de 622 a.C., no 18° ano do reinado de Josias (cf. 2 Re 22,3-13), e que serviu de motor à grande reforma religiosa levada a cabo por este rei no sentido de reconduzir o Povo à fé em Javé. Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, uma família unida que tem Deus como a sua grande referência (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).

Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, pouco antes de o Povo libertado do Egito atravessar o Jordão para tomar posse da Terra Prometida (cf. Dt 1,6-4,43; 4,44-28,68; 28,69-30,20). Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua Aliança com Javé.

O texto que a liturgia do primeiro domingo da Quaresma nos propõe como primeira leitura faz parte do segundo discurso de Moisés. Integra o chamado “código deuteronómico” (cf. Dt 12,1-26,15), um conjunto de leis e costumes diversos, a que se somam exortações destinadas a convencer o Povo a viver de acordo com as indicações de Deus. Um desses blocos legais refere-se à entrega a Deus das “primícias” (“bikkurim”), os primeiros frutos da terra (cf. Dt 26). Os cananeus costumavam todos os anos, na altura em que colhiam os primeiros frutos da terra, celebrar uma festa em honra de Baal, a divindade da fecundidade e da vegetação, agradecendo-lhe os dons da terra. Os crentes israelitas sabiam que não era a Baal, mas sim a Javé que deviam agradecer os frutos da terra. Por isso, todos os anos, pouco de pois de terem colhido os primeiros frutos da terra, ofereciam-nos a Deus. Com esse gesto, agradeciam a generosidade de Deus e reconheciam que Deus era o dono da natureza e a fonte de toda a fecundidade. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Ao fazer memória da dos “feitos” de Deus em favor do seu povo, o israelita fiel tomava consciência do lugar e do papel de Deus na sua vida. Percebia que Deus era a sua grande referência e que não fazia sentido trilhar caminhos onde Deus não estivesse. Tudo o que tinha e tudo o que era devia-se a Deus, à sua generosidade, à sua solicitude, ao seu amor. Na mesma linha, talvez nos fizesse bem, a nós homens e mulheres do séc. XXI, olharmos mais atentamente para a história da salvação, a fim de redescobrirmos o lugar de Deus nas nossas vidas e na vida da humanidade. Talvez então não nos sentíssemos tentados a colocar no centro da nossa existência “deuses” que não compensam nem nos garantem vida com sentido: os bens materiais, o bem-estar, o poder, o êxito social ou profissional, a ciência ou a técnica, os líderes, as ideologias… Que lugar ocupa Deus nas nossas vidas? Quais são os “deuses” em que apostamos?
  • A Bíblia apresenta o pecado como a situação do homem que prescinde de Deus, que ignora as indicações de Deus e se instala no egoísmo e na autossuficiência. Quando o ser humano não tem memória dos gestos salvadores e libertadores de Deus, convence-se de que os êxitos e realizações que a vida lhe proporcionou se devem exclusivamente ao seu esforço e ao seu génio; decide que é capaz por si próprio, sem interferência de Deus, de descobrir os caminhos que lhe proporcionam vida abundante e feliz. Deus passa então a ser, para o homem autossuficiente, um estorvo que o impede de ser livre e de seguir o seu caminho de busca da felicidade e da realização. Onde nos leva um caminho onde Deus não está? Os caminhos que o homem constrói longe de Deus são caminhos onde encontramos mais humanidade, mais alegria, mais harmonia, mais paz, mais amor, mais liberdade, mais respeito pela justiça e pela dignidade do homem?
  • Num desenvolvimento que a liturgia deste domingo entendeu não apresentar (cf. Dt 26,12-13), o “catequista” que nos oferece a bela “instrução” sobre as primícias e os dízimos refere-se ao “destino final” dos dons oferecidos ao Senhor: são para ser repartidos com “o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva”, que os “comerão às portas da cidade e ficarão saciados”. Tudo o que recebemos é de Deus e não nosso. Somos apenas administradores dos dons que Deus colocou à disposição de todos os homens. A nossa relação com os bens – mesmo os mais fundamentais – não pode, pois, ser uma relação fechada e egoísta: tudo pertence a Deus, o Pai de todos os homens e deve, portanto, ser partilhado. Como nos situamos face a isto? Os bens que Deus colocou à nossa disposição servem apenas para nosso benefício exclusivo, ou são vistos como dons de Deus para todos?
  • O israelita fiel, ao oferecer a Javé os primeiros frutos da terra, queria mostrar a sua gratidão pela bondade de Deus, pela sua solicitude, pelo seu amor. Era um gesto agradecido de quem sabia reconhecer a ação e o cuidado de Deus em favor do seu povo. Ora, todos nós recebemos, a cada passo, uma imensa quantidade de dons que Deus coloca à nossa disposição. Alguns são tão habituais, tão comuns, que nem reparamos neles… Somos gratos a Deus pelos seus dons? Lembramo-nos de dizer e de mostrar a Deus a nossa gratidão por tudo aquilo que Ele nos proporciona? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL Salmo 90 (91)

Refrão: Estai comigo, Senhor, no meio da adversidade.

Tu que habitas sob a proteção do Altíssimo
e moras à sombra do Omnipotente,
Diz ao Senhor: «Sois o meu refúgio e a minha cidadela:
meu Deus, em Vós confio».

Nenhum mal te acontecerá
nem a desgraça se aproximará da tua tenda,
porque Ele mandará aos seus Anjos
que te guardem em todos os teus caminhos.

Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra.
Poderás andar sobre víboras e serpentes,
calcar aos pés o leão e o dragão.

Porque em Mim confiou, hei de salvá-lo;
Hei de protegê-lo, pois conheceu o meu nome.
Quando Me invocar, hei de atendê-lo,
estarei com ele na tribulação,
hei de libertá-lo e dar-lhe glória.

 

LEITURA II Romanos 10,8-13

Irmãos:
Que diz a Escritura?
«A palavra está perto de ti,
na tua boca e no teu coração».
Esta é a palavra da fé que nós pregamos.
Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor
e se acreditares no teu coração
que Deus O ressuscitou dos mortos,
serás salvo.
Pois com o coração se acredita para obter a justiça
e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação.
Na verdade, a Escritura diz:
«Todo aquele que acreditar no Senhor
não será confundido».
Não há diferença entre judeu e grego:
todos têm o mesmo Senhor,
rico para com todos os que O invocam.
Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo.

 

CONTEXTO

Paulo escreve aos cristãos da comunidade de Roma quando está prestes a terminar a sua terceira viagem missionária. Prepara-se para retornar à Palestina, onde vai entregar os donativos recolhidos em diversas igrejas do oriente, destinados a ajudar financeiramente os cristãos de Jerusalém. Sente que terminou a sua missão no oriente, pois as igrejas que fundou e acompanhou estão organizadas e já podem caminhar sozinhas.

Dirigindo-se por carta aos cristãos de Roma, Paulo aproveita para estabelecer laços com eles e para lhes apresentar os principais problemas que o ocupavam (entre os quais sobressaía a questão da unidade, um problema bem presente na comunidade cristã de Roma, afetada por alguns problemas de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). A Carta aos Romanos serena e lúcida da teologia paulina. Estamos no ano 56 ou 57.

Na primeira parte da Carta (cf. Rm 1,18-11,36), Paulo vai fazer notar aos cristãos divididos que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja uma realidade universal, que afeta todos os homens (cf. Rm 1,18-3,20), a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção (cf. Rm 3,1-5,11); e é em Jesus Cristo que essa vida se comunica e que transforma o homem (cf. Rm 5,12-8,39). Batizados em Cristo, os cristãos morrem para o pecado e nascem para uma vida nova. Passam a ser conduzidos pelo Espírito e tornam-se filhos de Deus; libertados do pecado e da morte, produzem frutos de santificação e caminham para a Vida eterna. Na segunda parte da carta (cf. Rm 12,1-15,13) Paulo, de uma forma bastante prática fala da forma de viver de acordo com o Evangelho de Jesus.

O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como segunda leitura, integra uma reflexão de Paulo sobre o desígnio de Deus a respeito de Israel (Rm 9,1-11,36). O povo que recusou a proposta de Jesus terá perdido o acesso à salvação? O plano salvador de Deus, que incluía Israel, terá falhado? Paulo considera que Deus é fiel e não retirará ao seu povo a sua oferta de salvação. A opção que Israel fez não é irreversível: basta-lhe corrigir a sua opção, aceitar Jesus e a proposta que Ele traz. in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • Na perspetiva de Paulo, os judeus cometeram um tremendo erro de cálculo: orgulhosos da sua Lei, pensaram que ela seria suficiente para os orientar no caminho da vida plena. Procuraram cumprir as exigências da Lei de Moisés, sem perceberem que essa religião dos ritos era vazia e estéril, pois não transformava os corações nem os aproximava de Deus. Jesus, cumprindo o projeto do Pai, veio ao encontro dos homens, convidou-os a mudar de vida, anunciou-lhes a bondade paterna e materna de Deus que salva gratuitamente, por puro amor; mas eles recusaram-se a escutar Jesus e não acolheram a sua proposta. Confiando cegamente na Lei, prescindiram de Jesus; prescindindo de Jesus, rejeitaram a salvação que Deus lhes oferecia. O que é que isto nos sugere? A nossa resposta ao Deus que nos oferece a salvação é uma resposta baseada no cumprimento de leis e de ritos externos, ou numa adesão incondicional a Jesus e às suas propostas? Estamos verdadeiramente envolvidos com Jesus, seguimos atrás dele no caminho dos discípulos, vivemos das suas palavras, aprendemos com os seus gestos, aderimos ao seu estilo de vida, abraçamos o projeto do Reino de Deus, deixamos que Ele nos conduza ao encontro de Deus?
  • Paulo denuncia a autossuficiência dos seus irmãos judeus, que julgavam garantir, eles próprios, a salvação cumprindo as obras da Lei. A autossuficiência nunca será um caminho que nos leva longe, pelo menos no que diz respeito às realidades de Deus. Fecha-nos em nós próprios, nos nossos ghettos pessoais, e leva-nos a prescindir de Deus e dos nossos irmãos. Vemos todos os dias isso acontecer à nossa volta: os autossuficientes, os “ricos”, na linguagem de Jesus, tornam-se orgulhosos e prepotentes, impõem os seus projetos e a sua vontade, sem terem em conta o bem comum e a justiça; virados para si próprios, vivem indiferentes ao sofrimento dos seus irmãos; instalados no seu egoísmo e nas suas certezas, não estão disponíveis para se deixar desafiar por Deus e para acolher, em cada instante, a novidade e o amor de Deus. Acabam por falhar redondamente o sentido da existência. Estamos bem cientes das “feridas” que a autossuficiência pode causar-nos? Como lidamos com esta “doença”?
  • Todos os homens e mulheres que aderem a Jesus e que acolhem a sua proposta de salvação passam a fazer parte de uma única família, sem distinção de qualquer tipo. Não há diferença “entre judeus e gregos”, entre amigos e inimigos, entre ricos e pobres, entre superiores e inferiores: todos têm como pai o mesmo Deus e fazem parte de uma comunidade de irmãos e de irmãs. Essa “família”, unida e fraterna, é chamada a dar testemunho no mundo do amor, da misericórdia, da bondade, da salvação de Deus. É isso que vemos nas nossas comunidades cristãs? Nós, família que nasceu de um “sim” a Jesus, somos uma comunidade que testemunha a comunhão e a fraternidade? Na nossa comunidade cristã há lugar para todos, independentemente das suas “diferenças”, sejam elas quais forem? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 4,1-13

Naquele tempo,
Jesus, cheio do Espírito Santo,
retirou-Se das margens do Jordão.
Durante quarenta dias,
esteve no deserto, conduzido pelo Espírito,
e foi tentado pelo diabo.
Nesses dias não comeu nada
e, passado esse tempo, sentiu fome.
O diabo disse-lhe:
«Se és Filho de Deus,
manda a esta pedra que se transforme em pão».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Nem só de pão vive o homem’».
O diabo levou-O a um lugar alto
e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra
e disse-Lhe:
«Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos,
porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.
Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Ao Senhor teu Deus adorarás,
só a Ele prestarás culto’».
Então o demónio levou-O a Jerusalém,
colocou-O sobre o pináculo do Templo
e disse-Lhe:
«Se és Filho de Deus,
atira-te daqui abaixo,
porque está escrito:
‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito,
para que te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra’».
Jesus respondeu-lhe:
«Está mandado:
‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação,
retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

CONTEXTO

Nos Evangelhos Sinópticos, a cena das “tentações de Jesus” está encaixada entre o batismo e o início da pregação do Reino de Deus (cf. Mc 1,12-13; Mt 4,1-11; Lc 4,1-13). Lucas, contudo, faz anteceder a cena das pregações de uma “genealogia” de Jesus (cf. Lc 3,23-38). Se no batismo foi desvelada a identidade de Jesus (“tu és o meu filho muito amado; em ti pus todo o meu agrado” – Lc 3,22), a genealogia mostra que Jesus vinha de uma família especial (a família do rei David), na qual o povo de Deus tinha depositado as suas esperanças de libertação. A figura de Jesus gerava, portanto, muitas expetativas. Iria Ele concretizá-las? A sua vida, as suas opções, corresponderiam àquilo que Deus esperava dele e que a comunidade do Povo de Deus aguardava ansiosamente? Que caminhos iria Ele seguir? Iria privilegiar os seus interesses pessoais, ou o projeto de Deus? O episódio das “tentações de Jesus” responde, desde já, a estas questões.

Trata-se de um episódio real, descrito de forma estritamente histórica, com um “diabo” a disputar a Jesus o centro do palco? Trata-se, fundamentalmente, de uma página de catequese. É muito provável que Jesus, após o seu batismo no rio Jordão, se tenha retirado internado no deserto de Judá e passado alguns dias a meditar sobre a missão que Deus queria confiar-lhe. Nesse tempo de “retiro”, Jesus confrontou-se com uma luta interior, com opções fundamentais, com a definição do seu projeto de vida. É natural também que, mais tarde, Jesus tenha falado com os seus discípulos sobre o que sentiu quando teve de escolher, a fim de que eles percebessem que, diante da proposta do Reino de Deus, também eles tinham de tomar decisões. Esse diálogo deve ter causado uma profunda impressão nos discípulos. O facto de o relato das “tentações de Jesus” ser conhecido desde o início nas comunidades cristãs primitivas mostra isso mesmo.

O episódio é situado “no deserto”. O deserto é, no imaginário judaico, o lugar da “prova”, onde os israelitas experimentaram, por diversas vezes, a tentação do abandono de Deus e do seu projeto de libertação (embora seja, também, o lugar do encontro com Deus, o lugar da descoberta do rosto de Deus, o lugar onde o Povo fez a experiência da sua fragilidade e pequenez e aprendeu a confiar na bondade e no amor de Deus). Será que a história se vai repetir, que Jesus vai ceder à tentação e dizer “não” ao projeto de Deus, como aconteceu com os israelitas?

As “tentações de Jesus” não são contadas da mesma forma por todos os Sinópticos. Marcos limita-se a referir que Jesus “foi tentado”, sem entrar em pormenores; Mateus e Lucas descrevem as “tentações” de Jesus em termos análogos, embora a segunda e a terceira “tentação” apareçam, nos dois Evangelhos, em ordem diferente. Provavelmente Lucas, sempre preocupado em apresentar Jerusalém como um lugar central na história da salvação, arranjou as coisas para que o “desafio teológico” entre Jesus e o diabo tivesse o seu epílogo em Jerusalém. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Começamos, nestes dias, a percorrer um caminho, o caminho quaresmal. É o caminho que nos conduz à Páscoa, à ressurreição, à vida nova. Ao longo desse caminho seremos convidados a analisar, com lucidez e sentido de responsabilidade, as nossas opções, as nossas prioridades, os nossos valores, o sentido da nossa vida… Este tempo poderá ser um tempo de conversão, de realinhamento, de renovação, de mudança; poderá ser a oportunidade para nos reaproximarmos de Deus e das propostas que Ele nos faz. A Palavra de Deus que escutaremos cada domingo ajudar-nos-á a perceber o sem sentido de algumas das nossas escolhas e a detetar alguns dos equívocos em que navegamos. Aceitamos o desafio de percorrer este caminho? O Evangelho deste domingo refere algumas das “tentações” que Jesus teve de enfrentar e vencer. Estamos dispostos, da nossa parte, a identificar as “tentações” que nos escravizam e nos impedem de viver uma vida mais digna, mais humana, mais repleta de sentido e de esperança? Quais são as “tentações” que, com mais frequência, nos afastam do estilo de vida e do projeto de Jesus?
  • Uma das “tentações” com que Jesus teve de se debater foi a dos bens materiais. É uma “tentação” que conhecemos bem, pois temos de lidar com ela a todos os instantes. Apelando à nossa apetência pelo conforto, pelo bem-estar, pela segurança, ela convida-nos a acumular coisas, a priorizar o dinheiro, a fazer dos bens materiais o grande objetivo da nossa vida. É, no entanto, uma “tentação” que pode desvirtuar completamente o sentido da nossa existência: cria dependência, torna-nos escravos dos bens materiais, faz-nos correr atrás de coisas efémeras; fecha-nos à partilha, à solidariedade, à fraternidade; potencia a indiferença face às necessidades dos nossos irmãos; incita-nos a apostar em mecanismos de exploração e de lucro… Qual o lugar e o papel que os bens materiais assumem na nossa vida? A forma como lidamos com os bens materiais é sadia e equilibrada?
  • Outra das “tentações” que Jesus teve de enfrentar foi a do poder, da glória, dos triunfos humanos. Jesus considerava que a vontade de subjugar os outros, de deter autoridade ilimitada, de dominar o mundo, é algo de diabólico, que pode fazer o homem perder a sua grande referência – Deus. Está na base do orgulho e da autossuficiência que fecham o homem no seu ghetto pessoal; leva o homem a querer libertar-se do “controle” de Deus e a virar as costas a Deus; desenvolve no homem “tiques” de autoritarismo, de intolerância, de prepotência que causam feridas irreparáveis no mundo; favorece o abuso dos mais fracos, dos mais pequenos, dos que não têm vez nem voz; promove mecanismos de escravidão, de exploração, de crispação social; fomenta guerras, violências, imperialismos; constrói muros de inimizade que separam as pessoas e que as impedem de viver em harmonia… Esta “tentação” é problema para nós? Como é que nós tratamos aqueles com quem partilhamos o caminho da vida: com sobranceria e arrogância, ou com humildade, respeito e amor?
  • A terceira das “tentações” que se atravessou no caminho de Jesus foi a de utilizar Deus para obter o reconhecimento, os aplausos, o apreço, a consideração dos homens. Não é uma “tentação” tão incomum como parece à primeira vista. Esta “tentação” pode fazer-nos pensar na utilização da fé para obter benefícios pessoais, para construir uma “carreira” de sucesso, para conquistar reputação, renome ou prestígio; pode fazer-nos pensar na utilização da religião para obter privilégios, títulos ou honrarias; pode fazer-nos pensar nas “exigências” que fazemos a Deus para que Ele nos conceda os favores a que julgamos ter direito… E pode, por outro lado, fazer-nos pensar nas cedências que algumas pessoas estão dispostas a fazer, às vezes à custa da própria dignidade, para obter uns minutos de fama e de notoriedade… O reconhecimento, a fama, os aplausos, os privilégios, serão bens pelos quais vale a pena pagar qualquer preço?
  • Nós somos humanos e frágeis. Vivemos mergulhados numa realidade de pecado, que nos condiciona e nos arrasta para opções discutíveis. Será possível vencermos essas “tentações” que continuamente aparecem no caminho da nossa vida? Jesus venceu-as. Ele nunca aceitou que a sua vida fosse conduzida pelo meio de equívocos e de facilitismos. Escolheu, uma e outra e outra vez não se afastar do projeto do Pai. Podemos dizer que não temos a mesma força de Jesus. Pode ser verdade. Mas Ele vai à nossa frente a apontar-nos o caminho e a dizer-nos que é possível dizer “não”, uma e outra e outra vez, às propostas que nos levam por caminhos onde não há vida verdadeira. Estamos dispostos a tentar, uma e outra e outra vez, sem desculpas e sem justificações, seguir o exemplo de Jesus? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura é um longo discurso de Moisés ao Povo. Deste modo, a proclamação deste texto deve ter em atenção o tom narrativo que compõe todo o texto. Além disso, dentro deste grande discurso está a confissão de fé que cada hebreu deve proferir diante do Senhor na apresentação das primícias, pelo que a correta e clara leitura deste texto deve ter em conta esta situação.

A segunda leitura exige um especial cuidado com as pausas e a pontuação. A leitura abre com uma frase interrogativa à qual se segue a resposta. A articulação das diferentes orações requer uma adequada entoação. Além disso, chama-se a atenção para a afirmação central do texto: «Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se acreditares no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo». Esta afirmação está em ligação com a frase conclusiva do texto: «Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo». A proclamação do texto deve ter em conta a articulação das diferentes frases

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

                                                          

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Quaresma: Caminhada para a Páscoa

27 Fevereiro, 2025 EclesialLiturgiaSociedade – Voz Portucalense

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Todos os anos a Igreja nos oferece este dom maravilhoso de celebrarmos os mistérios que nos alcançaram a vida nova, a fim de atingirmos a plenitude de filhos de Deus. Mas cada Quaresma é diferente. A história, a nossa pequena história, não se repete. Também esta Quaresma não será igual às outras. Basta pensarmos na circunstância do ano jubilar da esperança, nas surpresas da atualidade mundial e local, na vida da Igreja universal e particular, nas propostas diocesanas de caminhada quaresmal… Este tempo favorável, tempo de graça, é um apelo de Deus a que toda a comunidade cristã entre decidida no dinamismo próprio da Páscoa: a passagem para a Vida Nova.

A liturgia envolve o homem todo – espírito e corpo – com a sua rica linguagem. A expressividade pascal, que invade todas as celebrações do ano litúrgico, parece interrompida na Quaresma: não por esgotamento, mas por necessidade de aprofundamento. A rotina tende a uma espécie de inflação que degenera em empobrecimento de sentido e desvalorização espiritual. E, por isso, a música instrumental cala-se, o canto é sóbrio, a igreja está mais despojada e sombria, não se canta o Aleluia… Dê-se maior relevo à cruz: com o acessório (alegórico) da âncora, ou sem ele, a Cruz é sempre a âncora (símbolo) lançada por Deus do céu à terra e, pela Igreja, da terra ao céu. Fixemo-nos na Cruz, “esperança única”. E tudo isto alimenta os sentidos a fim de envolver o homem todo na caminhada pascal. Há que reaprender a viver cristãmente. Para voltar a cantar Aleluia, não apenas com os lábios, mas com todas as fímbrias do nosso ser, para superar tantas desafinações, precisamos da cura do silêncio e de jejum, também dos ouvidos.

A Quaresma começa na Quarta-feira, chamada de Cinzas. A decisão de começar a caminhada é ratificada pelo jejum corporal e pelo sinal comunitário da imposição das cinzas (após a homilia da missa). Contudo e porque as condições laborais, entre outras, não permitem que a maioria dos cristãos possa participar nesta abertura comunitária da Quaresma, aconselha-se que haja no primeiro domingo um sinal eloquente que marque o seu início. A caminhada para a Páscoa é tão vital para a comunidade cristã que requer uma inauguração solene.

Sobre a exercitação quaresmal, o Cerimonial dos Bispos (n. 260-261) recomenda que se conserve e fomente, sobretudo aos domingos, a forma tradicional de reunir a Igreja local à maneira das “estações” romanas, ao menos nas grandes cidades. E propõe um rito que pode ser muito apropriado para dar início à Quaresma, no primeiro domingo. A assembleia reúne-se num lugar fora da igreja, cantando um cântico apropriado. Quem preside e os ministros dirigem-se para esse local. Terminado o cântico, o Presidente saúda o povo e faz uma breve admonição, explicando o sentido e a oportunidade do rito. Após alguns momentos de silêncio, recita uma oração (coleta do mistério da Santa Cruz, pela remissão dos pecados, pela Igreja, missa para o ano santo…). Em seguida, impõe incenso no turíbulo (se se usar) e o diácono (ou o próprio celebrante) anuncia: Caminhemos em paz. Em procissão, todos se dirigem para a igreja, ao canto das Ladainhas dos Santos (como em Cantoral Nacional 568, 569). No lugar adequado (conforme se trate de mártires, confessores, etc.), podem inserir-se invocações do Santo Padroeiro e de outros particularmente venerados nessa Igreja. Chegados ao presbitério, o Coro conclui a invocação dos Santos com “Todos os Santos e Santas de Deus” e segue com “Sede-nos propício”. No fim do canto, o Presidente recita a oração coleta do dia. Omitem-se os ritos iniciais.

Como alternativa, estando já o povo reunido na Igreja onde se celebra a Eucaristia, em vez do cântico de entrada cantam-se as Ladainha dos Santos até Todos os Santos e Santas de Deus. Da cadeira, depois de se benzer, o presidente saúda o povo e pode fazer uma breve admonição. Não são necessárias muitas palavras porque o rito, de si, já é eloquente. Em seguida, convida ao arrependimento e retoma-se a Ladainha: Sede-nos propício. No fim, recita-se a coleta da Missa.

De facto, é muito significativo iniciar a Quaresma com a ladainha dos Santos e, ainda mais, neste ano jubilar da Esperança. Incorporamo-nos nessa peregrinação única, aberta pela cruz de Cristo, e que nos conduz à Vida com o Pai, percebemos a íntima ligação e comunhão entre a Igreja que peregrina e a Igreja que alcançou a glória, descobrimos o sentido profundo da Quaresma como realização do mistério pascal em nós.

Outras Sugestões para o tempo da Quaresma:

– Privilegiar o Ato Penitencial na modalidade B.

– Cantar habitualmente a terceira aclamação de anamnese (Mistério da fé para a salvação do mundo! – Glória a Vós que morrestes na cruz…)

– No momento que se considerar oportuno (Ofertório, final…) cantar o hino do Jubileu ou algum dos seguintes hinos: Jesus, esperança e guia (BML 38; não é só de Advento e todo o ano jubilar é, de algum modo, advento), ou Jesus, nossa redenção (M. Luís, Guião ENPL XXXVIII; NCT 567; LHcant2).

 

ANEXOS: