Domingo XX do Tempo Comum – Ano C – 17 agosto 2025

 

Viver a Palavra

            “Abre assim a extraordinária lição do Evangelho deste Domingo XX do Tempo Comum (Lucas 12,49-57): «O fogo Eu vim trazer sobre a terra, e como Eu desejo que já tivesse sido aceso (anêphthê: aoristo passivo de anáptô)! Tenho um batismo para ser batizado, e como estou sob stress (synéchômai) até que ele seja consumado (telesthê: aoristo conjuntivo passivo de teléô [= levar à perfeição]»! (Lucas 12,49-50).  D. António Couto

            Como vivemos, no dia a dia da nossa vida, a opção que fizemos quando fomos batizados? A monotonia, o cansaço, a acomodação, tomaram conta de nós e caminhamos sem chama, sem alegria e sem paixão? A Palavra de Deus que hoje nos é servida convida-nos a acordar, a escutar novamente o chamamento de Deus, a redescobrir a missão profética a que somos chamados, a retomar o nosso caminho atrás de Jesus, a reafirmar o nosso compromisso com a construção do Reino de Deus. in Dehonianos.

                                  + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Continuamos no Tempo Comum, continuamos o Ano Litúrgico – Ano C – onde somos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Jeremias 38,4-6.8-10

Naqueles dias,
os ministros disseram ao rei de Judá:
«Esse Jeremias deve morrer,
porque semeia o desânimo entre os combatentes
que ficaram na cidade e também todo o povo
com as palavras que diz.
Este homem não procura o bem do povo,
mas a sua perdição».
O rei Sedecias respondeu:
«Ele está nas vossas mãos;
o rei não tem poder para vos contrariar».
Apoderaram-se então de Jeremias
e, por meio de cordas,
fizeram-no descer à cisterna do príncipe Melquias,
situada no pátio da guarda.
Na cisterna não havia água, mas apenas lodo,
e Jeremias atolou-se no lodo.
Entretanto, Ebed-Melec, o etíope,
saiu do palácio e falou ao rei:
«Ó rei, meu senhor, esses homens procederam muito mal
tratando assim o profeta Jeremias:
meteram-no na cisterna, onde vai morrer de fome,
pois já não há pão na cidade».
Então o rei ordenou a Ebed-Melec, o etíope:
«Leva daqui contigo três homens
e retira da cisterna o profeta Jeremias,
antes que ele morra».

CONTEXTO

            Jeremias nasceu em Anatot, uma pequena cidade situada nas proximidades de Jerusalém, por volta de 650 a.C.; e exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.).

            A época de Jeremias é uma época de grande instabilidade política e social. Quando Jeremias assumiu a missão profética, o rei Josias estava a concretizar uma grande reforma religiosa destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros, depois de décadas de infidelidade a Deus e de sincretismo religioso. Jeremias, nessa fase, envolveu-se na reforma religiosa de Josias, exortando os habitantes de Judá a converterem-se e a serem fiéis a Javé.

            Contudo, em 609 a.C. Josias foi morto em Megido, em combate contra os egípcios. Depois de uns meses de instabilidade, o trono de Judá foi ocupado por Joaquim (609-597 a.C.). Judá voltou a trilhar caminhos de incerteza e insegurança. As injustiças sociais, às vezes fomentadas pelo próprio rei, fragilizavam irremediavelmente o tecido social de Judá; a política de alianças militares com potências estrangeiras, punha em risco a independência nacional. Jeremias entendia, além disso, que ao colocarem a esperança da nação em exércitos estrangeiros, os líderes de Judá estavam a mostrar que não confiavam em Deus. Convencido de que Judá tinha ultrapassado todas as marcas, Jeremias anunciou, a dada altura, a iminência de uma invasão babilónica que castigaria os pecados da nação. As previsões funestas de Jeremias concretizaram-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invadiu Judá e deportou para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.

            No trono de Judá ficou, então, Sedecias (597-586 a.C.). Inicialmente, Sedecias manteve-se à margem das convulsões políticas que agitavam os povos da região; mas, após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias voltou a experimentar a velha política das alianças com potências regionais, buscando a ajuda do Egito contra a Babilónia. Jeremias, uma vez mais, manifestou o seu desacordo, prevendo o desastre da nação; mas, nem o rei, nem os notáveis do país prestaram qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado por toda a gente um amargo “profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.

            Em 587 a.C. Nabucodonosor, rei da Babilónia, põe cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias anuncia o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jr 37,11-16). É neste contexto que decorre a cena narrada na primeira leitura deste dia. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • A história do profeta Jeremias é a história de todos os profetas que levam a sério a missão que Deus lhes confia. O profeta é o homem da Palavra de Deus, da Palavra da verdade; e a Palavra de Deus incomoda, desinstala, denuncia, desafia os donos do mundo. Mais tarde ou mais cedo o testemunho profético entra em choque com aqueles que colocam na base das suas vidas o egoísmo, a prepotência, a ambição, a ganância, a mentira; mais tarde ou mais cedo o testemunho profético questiona aqueles que estão acomodados, escondidos atrás do seu bem-estar, instalados numa vida sem exigências e sem compromissos. Então, o profeta começa a ser criticado, ridicularizado, caluniado, maltratado, ameaçado… Em muitos casos o caminho do profeta leva ao martírio, à morte violenta. Na história recente do nosso mundo temos diversos exemplos de profetas que pagaram com a vida a sua fidelidade à verdade de Deus: D. Óscar Romero, Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Dietrich Bonhoeffer, Maximiliano Maria Kolbe… Temos consciência de que a verdade de Deus continua a escrever-se na história dos homens com sacrifício, com sangue, com o dom da vida? Na nossa opinião, valerá a pena entregar a vida até ao dom total de si mesmo para que os valores de Deus continuem a ser propostos no nosso mundo?
  • Quem são os profetas? Pessoas de uma raça especial, diferentes dos outros homens e mulheres? Não. Os profetas são simplesmente pessoas que, enquanto caminham pela vida, dão testemunho de Deus no meio dos seus irmãos. Ora, essa é a missão que foi confiada a todos aqueles que optaram por Deus e que, no dia do seu batismo, se comprometeram com Deus. Aliás, no momento do nosso batismo fomos ungidos com o óleo do crisma e constituídos profetas à imagem de Jesus. Comprometemo-nos, nesse dia, a continuar a obra de Jesus: anunciar a todos os homens o amor de Deus, testemunhar e construir o Reino de Deus. Sentimo-nos profetas, investidos por Deus da missão de construir um mundo de justiça e de paz? Somos coerentes com a nossa vocação profética e procuramos, com fidelidade, ser testemunhas de Deus no meio dos nossos irmãos?
  • Num momento crítico da vida de Jeremias, Deus veio ao seu encontro para o salvar, através de um escravo estrangeiro. O facto mostra que Deus não abandona os seus profetas perseguidos, humilhados, atirados para o lodo pelos poderosos do mundo. Isso não quer dizer que Deus os livre da morte; quer dizer que Deus estará sempre ao lado deles, como presença amiga e reconfortante, dando-lhes a força necessária para levarem até ao fim a missão que lhes foi confiada. É possível que, no exercício da nossa missão profética, sejamos incompreendidos, magoados, caluniados, maltratados; é possível que, pelo nosso compromisso com a verdade, nos sintamos abandonados por todos e experimentemos uma profunda solidão… De uma coisa, contudo, podemos estar certos: Deus nunca abandonará os seus profetas; estará ao lado deles, apoiá-los-á, cuidará deles, ainda que seja através de alguém tão improvável como aquele escravo estrangeiro que salvou Jeremias da morte. Temos consciência de que Deus está sempre ao nosso lado e luta connosco para derrotar o mal? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 39 (40)

Refrão: Senhor, socorrei-me sem demora.

 

Esperei no Senhor com toda a confiança
e Ele atendeu-me.

Ouviu o meu clamor
e retirou-me do abismo e do lamaçal,
assentou os meus pés na rocha
e firmou os meus passos.

Pôs em meus lábios um cântico novo,
um hino de louvor ao nosso Deus.
Vendo isto, muitos hão de temer
e pôr a sua confiança no Senhor.

Eu sou pobre e infeliz:
Senhor, cuidai de mim.
Sois o meu protetor e libertador:
ó meu Deus, não tardeis.

 

LEITURA II – Hebreus 12,1-4

Irmãos:
Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas,
ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca
e corramos com perseverança para o combate
que se apresenta diante de nós,
fixando os olhos em Jesus,
guia da nossa fé e autor da sua perfeição.
Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance,
Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia,
e está sentado à direita do trono de Deus.
Pensai n’Aquele que suportou contra Si
tão grande hostilidade da parte dos pecadores,
para não vos deixardes abater pelo desânimo.
Vós ainda não resististes até ao sangue,
na luta contra o pecado.

 

CONTEXTO

            A “Carta aos Hebreus” (mais do que uma “carta”, é uma “homilia”) destina-se a comunidades cristãs que vivem dias complicados… À falta de entusiasmo de muitos dos seus membros na vivência do compromisso cristão, junta-se a hostilidade dos inimigos e as confusões causadas à fé comunitária por certos pregadores pouco ortodoxos que ensinam doutrinas estranhas. São, portanto, comunidades fragilizadas, cansadas e desalentadas, que necessitam de redescobrir o seu entusiasmo inicial, de revitalizar o seu compromisso com Cristo e de apostar numa fé mais coerente e mais empenhada.

            Nesse sentido, um “mestre” cristão (talvez um discípulo do apóstolo Paulo) dispõe-se a apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes são chamados a fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar uma experiência de fé enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo inicial. As referências ao culto praticado no templo de Jerusalém como uma realidade ainda vigente parecem sugerir que esta “Carta” foi escrita antes de o templo ser destruído pelos romanos, no ano 70.

            O texto que nos é proposto pertence à quarta parte da carta (cf. Heb 11,1-12,13). Aí, temos um apelo à fé e à constância ou perseverança. Depois de apresentar uma autêntica galeria de personagens do Antigo Testamento que foram exemplos de fé (Abel, Henoc, Noé, Abraão, Sara, Isaac, Jacob, Moisés, Raab, Gedeão, Barac, Sansão, Jefté, David, Samuel, os profetas), o “mestre” que elaborou esta reflexão exorta os cristãos a viverem fielmente o seu compromisso com Jesus. É um pedido que faz todo o sentido no cenário de pouco compromisso em que viviam as comunidades cristãs a que a Carta se destina. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Os destinatários da Carta aos Hebreus conheciam bem as dificuldades que o caminho cristão apresenta. Conheciam a hostilidade e a incompreensão do mundo, as lutas fraturantes no seio da comunidade, a arrogância de alguns “mestres” que pretendiam impor a todos as suas visões pessoais; conheciam também o desânimo, a acomodação, o cansaço, o desalento, a monotonia, a fragilidade, tudo aquilo que impede de viver na fidelidade ao Evangelho… Trata-se de um quadro que, para nós crentes do séc. XXI, não nos é estranho. Confrontamo-nos a cada passo com os ataques injustificados dos que não entendem a nossa opção por Jesus; somos ridicularizados a cada momento por aqueles que não apreciam a verdade e que se sentem incomodados pelo nosso testemunho; envergonhamo-nos tantas vezes com as divisões da Igreja, com o testemunho negativo que muitos cristãos dão ao mundo, com a falta de compreensão e de misericórdia no acolhimento dos “pequenos” e humildes; sentimo-nos a cada instante mal com a nossa própria falta de compromisso, com a nossa superficialidade, com a nossa incoerência… O que fazer, diante de tudo isto? Desanimar? Desistir? O autor da Carta aos Hebreus convida os cristãos a continuarem a correr, sem desanimar, sempre de olhos postos na meta. O prémio que nos espera – a vida verdadeira – é demasiado valioso; não podemos desistir de o alcançar. O que sentimos diante de tudo isto?
  • O “mestre” cristão que nos legou a Carta aos Hebreus recomendava que, durante a nossa “corrida”, não tirássemos os olhos de Cristo, “guia da nossa fé e autor da sua perfeição”. De facto, Cristo, ao longo da sua “corrida”, nunca cedeu à tentação, nunca escolheu o caminho que exigia menos esforço, nunca foi atrás dos seus gostos pessoais; mas procurou obedecer em tudo ao Pai, mesmo que o caminho que o Pai lhe apontava tivesse de passar pela vergonha da cruz, pelo dom da vida até ao extremo. A verdade é que, no final desse caminho, Cristo encontrou a vitória, a glorificação; e, por isso, “está sentado à direita de Deus”. Na “corrida” da vida, Cristo é a nossa referência? Temos sempre diante de nós o exemplo de Cristo? Estamos dispostos a “arriscar” percorrer o mesmo “caminho” que Ele percorreu, o caminho da cruz, do dom total de si por amor?
  • O autor da Carta aos Hebreus convida os crentes a libertarem-se do fardo pesado que carregam e que os impede de correr livremente para a meta onde os espera a vitória. Na verdade, ao longo do nosso percurso de vida carregamos, muitas vezes, pesos insuportáveis – histórias de vida, feridas que nunca cicatrizaram, culpas não resolvidas, preconceitos e prevenções, apegos a pessoas e a coisas – que nos impedem de caminhar livremente em direção a uma vida com sentido. Quais são os pesos que carregamos, que limitam os nossos movimentos e que condicionam as nossas opções e a nossa liberdade? O que podemos fazer para nos libertarmos de tudo isso? in Dehonianos

 

EVANGELHO Lucas 12,49-53

Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Eu vim trazer o fogo à terra
e que quero Eu senão que ele se acenda?
Tenho de receber um batismo
e estou ansioso até que ele se realize.
Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra?
Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão.
A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa:
três contra dois e dois contra três.
Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai,
a mãe contra a filha e a filha contra a mãe,
a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».

CONTEXTO

            Enquanto caminha em direção a Jerusalém, Jesus vai “formando” os seus discípulos (cf. Lc 9,51-19,28). Quer que eles, à medida que caminham, vão deixando para trás as suas visões pessoais, os seus interesses rasteiros, as suas ilusões de poder e grandeza, para assumirem a lógica de Deus, os valores do Reino de Deus.

Portanto, cada passo do caminho para Jerusalém é marcado com uma “lição” de Jesus. Os discípulos, confrontados com o que vão ouvindo, vão crescendo na fé, amadurecendo a sua adesão ao “Mestre”, aprofundando a lógica do Evangelho. Quando chegarem ao final dessa “viagem” estarão mais preparados para dar testemunho do Reino de Deus.

            Lucas colocou no cenário da caminhada para Jerusalém diversos materiais que os outros sinópticos situam em contextos diversos. Por vezes, esses materiais aparecem em forma de “ditos”, ao estilo sapiencial, segundo o modelo do paralelismo judaico. Esses “ditos”, que originalmente não estavam relacionados uns com os outros, aparecem agora ligados de acordo com as conveniências teológicas de Lucas.

            Os três “ditos” que o Evangelho de hoje nos apresenta são dos textos mais enigmáticos todo o Novo Testamento. Particular dificuldade oferece Lc 12,49, formado com palavras estranhas ao vocabulário de Lucas. Talvez provenha, originalmente, de uma qualquer conversa de âmbito apocalítico, como sugestão de que o mundo antigo iria desaparecer para dar lugar ao Reino de Deus.

            Na forma como Lucas os dispôs no seu texto, estes três “ditos” servem para falar da missão e do destino de Jesus, segundo o esquema “missão (Lc 12,49), destino (Lc 12,50), missão (Lc 12,51-53)”. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Desde muito cedo Jesus soube que o Pai lhe tinha confiado uma missão. Essa missão passava por dar testemunho do amor de Deus e propor aos homens um mundo novo, um mundo construído sobre os valores de Deus. Jesus abraçou essa missão com todas as forças do seu coração. Numa imagem bastante expressiva, Jesus dizia-se animado pelo “fogo” de Deus. A sua paixão por Deus e pelo Reino brilhava em cada palavra que Ele dizia ou em cada gesto que ele fazia. Essa paixão contagiava todos aqueles que com Ele se cruzavam e trazia uma esperança nova a todos aqueles que viviam afogados nas sombras da morte: os pobres da Galileia que não tinham pão para dar aos filhos, os doentes desalentados e sem perspetivas, os pecadores condenados pela sociedade e pela religião do Templo, os crentes sinceros que não se reviam numa religião vazia e estéril… Os donos do mundo tentaram apagar o “fogo” de Jesus, mergulhando-O na morte e atirando-O para o silêncio de um sepulcro; mas Jesus voltou a aparecer vivo aos seus discípulos, derramou sobre eles o “fogo” do Espírito e enviou-os pelo mundo a dar testemunho do que tinham visto e escutado. Assim, o “fogo” de Jesus atravessou o tempo e a história e chegou até nós. Vivemos contagiados pelo “fogo” de Jesus, pela sua paixão por Deus e pelo Reino?
  • O “fogo” que Jesus trouxe à terra é também um “fogo” purificador, que se propõe “queimar” o lixo que suja o mundo e que estraga a vida dos homens: o egoísmo, a injustiça, a escravidão, a opressão, a autossuficiência, a prepotência, a ambição, a ganância, a violência, a mentira, o medo, o conformismo, a indiferença, a maldade nas suas mil e uma formas. Jesus queria que das cinzas desse mundo velho, destruído pelo “fogo” purificador da sua proposta, emergisse o Reino de Deus: um mundo de amor, de justiça, de paz, de reconciliação, de fraternidade, de solidariedade, de respeito pela dignidade de cada ser humano e da criação. Sentimo-nos “habitados” pelo “fogo” de Jesus e, como Ele, estamos disponíveis para combater tudo aquilo que estraga o nosso mundo e que traz sofrimento aos homens? Haverá na nossa vida pessoal algum “lixo” que necessita de ser queimado para que surja em nós o Homem Novo?
  • Jesus disse estar ansioso por receber “um batismo” que o levou a mergulhar na morte para emergir para a vida nova da ressurreição. No dia do nosso batismo nós também fomos mergulhados na água e emergimos como pessoas novas, comprometidas com Jesus e com o seu projeto. Morremos para a vida velha do pecado e ressuscitamos para a vida nova. Depois, fomos fazendo caminho, no meio das consolações de Deus e das vicissitudes da vida. No entanto, com o passar do tempo, a rotina, o cansaço, a monotonia, a habituação, a banalização da existência, foram apagando o “fogo de Deus” que ardia em nós e que nos tinha sido dado no dia do nosso batismo. Acomodamo-nos na vivência de uma fé rotineira, feita de ritos externos, de tradições velhas, de palavras ocas, de uma “doutrina” que passa ao lado das exigências da vida. Instalados, acomodados, arrefecidos, vamos atravessando a vida sem chama, apegados a valores efémeros, navegando à vista de terra, sem nos arriscarmos e sem nos empenharmos verdadeiramente na construção de um mundo segundo Deus. O que podemos fazer para reavivar em nós o “fogo de Deus” que recebemos no dia do nosso compromisso batismal?
  • Jesus reconhece que a sua proposta poderá causar divisões e conflitos, inclusive dentro da própria comunidade familiar. Na realidade, a proposta de Jesus é uma proposta exigente, que põe em causa valores, estilos de vida, zonas de conforto, tradições veneráveis, hábitos consagrados, atitudes timoratas… Por isso, nem todos estarão disponíveis para a abraçar. Hoje, vinte e um séculos depois de Jesus, as coisas não mudaram: a proposta de Jesus continua a “incomodar” e a desafiar os homens, a suscitar tomadas de posição contraditórias, a pôr em causa a “paz podre” que muitos escolhem para que as suas vidas decorram sem arestas e sem incómodos. Como nos situamos face a isto? Estamos dispostos a abraçar a radicalidade do Evangelho de Jesus, mesmo que isso implique choques, tensões, incompreensões? Quando a cultura dominante propõe caminhos que estão abertamente contra os valores do Evangelho, vamos na onda para não ter problemas, ou mantemo-nos coerentes com a nossa fé? Acomodamo-nos e resignamo-nos diante da ordem injusta e opressora, ou assumimos uma atitude profética, denunciadora de tudo aquilo que ameaça a dignidade e a vida dos seres humanos? in Dehonianos.

 

Para os leitores:

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

 

ANEXOS: