Domingo XIV do Tempo Comum – Ano B – 07.07.2024

1E partiu dali. Foi para a sua terra, e os discípulos seguiam-no. 2Chegado o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Os numerosos ouvintes enchiam-se de espanto e diziam: «De onde é que isto lhe vem e que sabedoria é esta que lhe foi dada? Como se operam tão grandes milagres por suas mãos? 3Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E as suas irmãs não estão aqui entre nós?» E isto parecia-lhes escandaloso.
4Jesus disse-lhes: «Um profeta só é desprezado na sua pátria, entre os seus parentes e em sua casa.» 5E não pôde fazer ali milagre algum. Apenas curou alguns enfermos, impondo-lhes as mãos. 6Estava admirado com a falta de fé daquela gente. Mc 6, 1-6

Viver a Palavra

            Se há marca que perpassa todo o Evangelho ao longo dos séculos é a da estupefação. O evangelho que a Liturgia da Palavra deste Domingo nos propõe é exemplo acabado disso. Os habitantes de Nazaré estão admirados com tudo o que sai da boca de Jesus e com a novidade que brota do Seu ensinamento. Jesus espanta-se com a falta de fé daquela gente. E nós, dois mil anos depois, estamos estupefactos com a resistência de coração dos patrícios de Jesus e com a atitude do «carpinteiro, Filho de Maria» que devido à fala de fé daquela gente opera apenas algumas curas e segue o Seu caminho.

            O entusiasmo desvanece facilmente e, no itinerário crente, desafia à fidelidade que se constrói pela perseverança e pela capacidade de se deixar surpreender pelo devir dos dias e pela banalidade do nosso quotidiano. Os habitantes de Nazaré ao ouvirem Jesus não conseguem esconder o espanto pelas palavras que Ele dirige e, ao verem os Seus milagres, não conseguem ficar indiferentes aos prodígios por Ele realizados. Contudo, depressa passam do assombro ao menosprezo: «De onde Lhe vem tudo isto? Que sabedoria é esta que Lhe foi dada e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos? Não é Ele o carpinteiro, filho de Maria, e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não estão as suas irmãs aqui entre nós?».

            Jesus abre o Seu coração e manifesta o seu descontentamento: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa». Todo o desprezo e rejeição são difíceis gerir, porém, o desprezo daqueles que nós conhecemos, que viveram e conviveram connosco e que nos viram crescer, torna-se assim mais difícil de gerir.

            Mas Jesus é mesmo o «carpinteiro, filho de Maria», o «irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão» e «as suas irmãs estão aqui entre nós». Como é que algo de tão maravilhoso e espantoso pode acontecer na vida de quem conhecemos tão bem, de quem vimos crescer, até ajudamos a andar e pegamos Nele ao colo? É o espanto do mistério da incarnação! Deus faz-se homem, assume a nossa frágil humanidade e percorre os caminhos da nossa história. Em Jesus Cristo, Deus diz-se em linguagem humana e revela-se com mãos de carpinteiro, com sede e com fome, cansado e sofredor. Mas como é belo e consolador contemplar um Deus que toma a iniciativa de se dar a conhecer assumindo as alegrias e esperanças, os dramas e sofrimentos de cada homem e de cada mulher.

            É fácil ficar admirado e espantado com um Deus que põe os cegos a ver, os coxos a andar, que ressuscita os mortos, que manda calar os ventos e as tempestades… Contudo, o nosso caminho de fé, ainda que possa ter início com um evento marcante e surpreendente, alimenta-se, cresce e fortalece-se no encontro com Jesus Cristo no quotidiano da nossa existência.

            Amar e reconhecer a divindade de Jesus Cristo exige entrar no mistério da Sua humanidade. Mais, implica reconhecer que a nossa humanidade não é um obstáculo à graça de Deus e ao Seu amor mas o lugar concreto onde ela se revela e manifesta. Aqui está presente, muitas vezes, o conflito entre quotidiano e profecia. Que o profeta seja um homem extraordinário e carismático, já o esperávamos. Mas que o profeta tenha um passado que conhecemos bem, que essa profecia esteja plasmada de quotidiano e tenha habitado uma oficina de carpinteiro, isso já parece mais difícil.

            Creio que este é um dos maiores desafios para a nossa vida de fé: acolher a presença de Deus na banalidade dos dias e no quotidiano da nossa existência e ser capaz de fazer da nossa vida toda e de toda a nossa vida o lugar onde Deus se faz presente, vivo e atuante na história. in Voz Portucalense

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           Continuamos no ciclo – Ano B – do Ano Litúrgico. Durante todo este ano litúrgico – 2023/2024 -, acompanhamos o evangelista S. Marcos em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Marcos.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra ficará disponível um texto sobre o evangelista Marcos. Também poderão melhorar os conhecimentos bíblicos – do Novo Testamento, mas também do Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

LEITURA I – Ez 2,2-5

Leitura da Profecia de Ezequiel

Naqueles dias,
o Espírito entrou em mim e fez-me levantar.
Ouvi então Alguém que me dizia:
«Filho do homem,
Eu te envio aos filhos de Israel,
a um povo rebelde que se revoltou contra Mim.
Eles e seus pais ofenderam-Me até ao dia de hoje.
É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado
que te envio, para lhes dizeres:
‘Eis o que diz o Senhor’.
Podem escutar-te ou não
– porque são uma casa de rebeldes -,
mas saberão que há um profeta no meio deles».

CONTEXTO

            Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte dessa primeira leva de exilados que, em 597 a.C., Nabucodonosor deportou para a Babilónia.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e uma nova leva de exilados foi encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, o profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.

            A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrolou-se a partir de 586 a.C. e prolongou-se até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estavam desiludidos e duvidavam de Jahwéh e do compromisso que Deus tinha assumido com o seu Povo. Nessa fase, Ezequiel procurou alimentar a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador não tinha abandonado nem esquecido o seu Povo.

            O texto que nos é proposto hoje como primeira leitura faz parte do relato da vocação de Ezequiel (cf. Ez 1,1-3,27). Depois de descrever a manifestação de Deus, num quadro que apresenta todas as características especiais das teofanias (cf. Ez 1,1-28), o profeta apresenta um discurso no qual Jahwéh define a missão que lhe vai confiar (cf. Ez 2,1-3,15). O episódio é situado “no quinto ano do cativeiro do rei Joaquin”, “na Caldeia, nas margens do rio Cabar” (Ez 1,2).

            Seria um erro interpretar este relato como informação biográfica… Trata-se, antes, de mostrar – com a linguagem da época e utilizando os processos típicos da literatura da época – que o profeta recebeu uma missão de Deus e que fala e atua em nome de Deus.in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Os “profetas” não são um grupo humano extinto há muitos séculos, mas são uma realidade com que Deus continua a contar para intervir no mundo e para recriar a história. Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
  • No Batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós tem a sua história de vocação profética: de muitas formas Deus entra na nossa vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta positiva à sua proposta. Temos consciência de que Deus nos chama – às vezes de formas bem banais – à missão profética? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais Ele nos diz, dia a dia, o que quer de nós? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
  • O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário). Vivendo em comunhão com Deus e intuindo o projeto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse projeto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que ele intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que desfeiam o nosso mundo? Em concreto, em que situações sou chamado, no dia a dia, a exercer a minha vocação profética?
  • A denúncia profética implica, tantas vezes, a perseguição, o sofrimento, a marginalização e, em tantos casos, a própria morte (Óscar Romero, Luther King, Gandhi…). Como lidamos com a injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de ser profetas?
  • É preciso ter consciência, também, que as nossas limitações e indignidades muito humanas não podem servir de desculpa para realizar a missão que Deus quer confiar-nos: se Ele nos pede um serviço, dar-nos-á também a força para superar os nossos limites e para cumprir o que nos pede. As fragilidades que fazem parte da nossa humanidade não podem, em nenhuma circunstância, servir de desculpa para não cumprirmos a nossa missão profética no meio dos nossos irmãos. in Dehonianos.

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 122 (123)

Refrão: Os nossos olhos estão postos no Senhor, até que Se compadeça de nós.

 

Levanto os olhos para Vós,
para Vós que habitais no Céu,
como os olhos do servo
se fixam nas mãos do seu senhor.

Como os olhos da serva
se fixam nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus,
até que tenha piedade de nós.

Piedade, Senhor, tende piedade de nós,
porque estamos saturados de desprezo.
A nossa alma está saturada do sarcasmo dos arrogantes
e do desprezo dos soberbos.

LEITURA II – 2Cor 12,7-10

Leitura da Segunda Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios

Irmãos:
Para que a grandeza das revelações não me ensoberbeça,
foi-me deixado um espinho na carne,
– um anjo de Satanás que me esbofeteia –
para que não me orgulhe.
Por três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim.
Mas Ele disse-me: «Basta-te a minha graça,
porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder».
Por isso, de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas,
para que habite em mim o poder de Cristo.
Alegro-me nas minhas fraquezas,
nas afrontas, nas adversidades,
nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo,
porque, quando sou fraco, então é que sou forte.

CONTEXTO

            A Segunda Carta de Paulo aos Coríntios espelha uma época de relações conturbadas entre Paulo e os cristãos de Corinto. As críticas de Paulo a alguns membros da comunidade que levavam uma vida pouco consentânea com os valores cristãos (Primeira Carta aos Coríntios) provocaram uma reação extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar Paulo. Essa campanha foi instigada por certos missionários itinerantes procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo. Entre outras coisas, esses missionários afirmavam que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por não ter convivido com Jesus e que a catequese apresentada por Paulo não estava em consonância com a doutrina da Igreja. Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detratores. Depois, bastante magoado, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar a reconciliação.
Paulo, entretanto, deixou Éfeso e foi para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.

            Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual juntou um apelo em favor de uma coleta para os pobres da Igreja de Jerusalém. Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos no ano 56 ou 57.

            O texto que nos é proposto integra a terceira parte da carta (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Aí Paulo, num estilo apaixonado, às vezes cáustico, mas sempre levado pela exigência da verdade e da fé, defende a autenticidade do seu ministério frente a esses “super-apóstolos” que o acusavam.

            Como apóstolo, Paulo não se sente inferior a ninguém e muito menos aos seus detratores. Estes orgulhavam-se das suas credenciais e afirmavam por toda a parte os seus dons carismáticos… Paulo, se quisesse entrar no mesmo jogo, podia orgulhar-se de muitas coisas, nomeadamente das revelações que recebeu e das suas experiências místicas (cf. 2 Cor 12,1-4); mas ele quer apenas que o vejam como um homem frágil e vulnerável, a quem Deus chamou e a quem enviou para dar testemunho de Jesus Cristo no meio dos homens. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • O caso pessoal de Paulo diz-nos muito sobre os métodos de Deus… Para vir ao encontro dos homens e para lhes apresentar a sua proposta de salvação, Deus não utiliza métodos espetaculares, poderosos, majestosos, que se impõem de forma avassaladora e que deixam uma marca de estupefação e de espanto na memória dos povos; mas, quase sempre, Deus utiliza a fraqueza, a debilidade, a fragilidade, a simplicidade para nos dar a conhecer os seus caminhos. Nós, homens e mulheres do séc. XXI, deixamo-nos, facilmente, impressionar pelos grandes gestos, pelos cenários magnificentes, pelas roupagens sumptuosas, por tudo o que aparece envolvido num halo cintilante de riqueza, de prestígio social, de poder, de beleza; e, por outro lado, temos mais dificuldade em reparar naquilo que se apresenta pobre, humilde, simples, frágil, débil… A Palavra de Deus que hoje nos é proposta garante-nos que é na fraqueza que se revela a força de Deus. Precisamos de aprender a ver o mundo, os homens e as coisas com os olhos de Deus e a descobrir esse Deus que, na debilidade, na simplicidade, na pobreza, na fragilidade, vem ao nosso encontro e nos indica os caminhos da vida.
  • A consciência de que as suas qualidades e defeitos não são determinantes para o sucesso da missão, pois o que é importante é a graça de Deus, deve levar o “profeta” a despir-se de qualquer sentimento de orgulho ou de autossuficiência. O “profeta” deve sentir-se, apenas, um instrumento humano, frágil, débil e limitado, através do qual a força e a graça de Deus agem no mundo. Quando o “profeta” tem consciência desta realidade, percebe como são despropositadas e sem sentido quaisquer atitudes de vedetismo ou de busca de protagonismo, no cumprimento da missão… A missão do “profeta” não é atrair sobre si próprio as luzes da ribalta, as câmaras da televisão ou o olhar das multidões; a missão do “profeta” é servir de veículo humano à proposta libertadora de Deus para os homens.
  • Como pano de fundo do nosso texto, está a polémica de Paulo com alguns cristãos que não o aceitavam. Ao longo de todo o seu percurso missionário, Paulo teve de lidar frequentemente com a incompreensão; e, muitas vezes, essa incompreensão veio até dos próprios irmãos na fé e dos membros dessas comunidades a quem Paulo tinha levado, com muito esforço, o anúncio libertador de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca abalou a decisão e o entusiasmo de Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus… Ele sentia que Deus o tinha chamado a uma missão e que era preciso levar essa missão até ao fim, doesse a quem doesse… Frequentemente, temos de lidar com realidades semelhantes. Todos experimentámos já momentos de incompreensão e de oposição (que, muitas vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que, por isso, magoam mais). É nessas alturas que o exemplo de Paulo deve brilhar diante dos nossos olhos e ajudar-nos a vencer o desânimo e a tentação de desistir.
  • Neste texto de Paulo (como, aliás, em quase todos os textos do apóstolo), transparece a atitude de vida de um cristão para quem Cristo é, verdadeiramente, o centro da própria existência e que só vive em função de Cristo… Nada mais lhe interessa senão anunciar as propostas de Cristo e dar testemunho da graça salvadora de Cristo. Que lugar ocupa Cristo na minha vida? Que lugar ocupa Cristo nos meus projetos, nas minhas decisões, nas minhas opções, nas minhas atitudes? in Dehonianos.

EVANGELHO – Mc 6,1-6

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na sua terra,
entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre;
apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.

CONTEXTO

            O Evangelho de hoje fala-nos de uma visita à “terra” de Jesus. De acordo com Mc 1,9, a “terra” de Jesus era Nazaré, uma pequena vila da Galileia situada a 22 Km a oeste do Lago de Tiberíades. Esta povoação tipicamente agrícola nunca teve grande importância no universo na história do judaísmo… O Antigo Testamento ignora-a completamente; Flávio Josefo e os escritores rabínicos também não lhe fazem qualquer referência. Os contemporâneos de Jesus parecem conceder-lhe escassa consideração (cf. Jo 1,46). Nazaré é, no entanto, a cidade onde Jesus cresceu e onde reside a sua família.

            A cena principal que nos é relatada por Marcos passa-se na sinagoga de Nazaré, num sábado. Jesus, como qualquer outro membro da comunidade judaica, foi à sinagoga para participar no ofício sinagogal; e, fazendo uso do direito que todo o israelita adulto tinha, leu e comentou as Escrituras.

            O episódio que nos é proposto integra a primeira parte do Evangelho segundo Marcos (cf. Mc 1,14-8,30). Aí, Jesus é apresentado como o Messias que proclama, por toda a Galileia, o Reino de Deus. Na secção que vai de 3,7 a 6,6, contudo, Marcos refere-se especialmente à reação do Povo face à proclamação de Jesus… À medida que o “caminho do Reino” vai avançando, vão-se multiplicando as oposições e incompreensões face ao projeto que Jesus anuncia. O nosso texto deve ser entendido neste ambiente.in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • O texto do Evangelho repete uma ideia que aparece também nas outras duas leituras deste domingo: Deus manifesta-Se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na força, no poder, nas qualidades que o mundo acha brilhantes e que os homens admiram e endeusam; mas, muitas vezes, Ele vem ao nosso encontro na fraqueza, na simplicidade, na debilidade, na pobreza, nas situações mais simples e banais, nas pessoas mais humildes e despretensiosas… É preciso que interiorizemos a lógica de Deus, para que não percamos a oportunidade de O encontrar, de perceber os seus desafios, de acolher a proposta de vida que Ele nos faz…
  • Um dos elementos questionantes no episódio que o Evangelho deste domingo nos propõe é a atitude de fechamento a Deus e aos seus desafios, assumida pelos habitantes de Nazaré. Comodamente instalados nas suas certezas e preconceitos, eles decidiram que sabiam tudo sobre Deus e que Deus não podia estar no humilde carpinteiro que eles conheciam bem… Esperavam um Deus forte e majestoso, que se havia de impor de forma estrondosa, e assombrar os inimigos com a sua força; e Jesus não se encaixava nesse perfil. Preferiram renunciar a Deus, do que à imagem que d’Ele tinham construído. Há aqui um convite a não nos fecharmos nos nossos preconceitos e esquemas mentais bem definidos e arrumados, e a purificarmos continuamente, em diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta da Palavra revelada e na oração, a nossa perspetiva acerca de Deus.
  • Para os habitantes de Nazaré Jesus era apenas “o carpinteiro” da terra, que nunca tinha estudado com grandes mestres e que tinha uma família conhecida de todos, que não se distinguia em nada das outras famílias que habitavam na vila; por isso, não estavam dispostos a conceder que esse Jesus – perfeitamente conhecido, julgado e catalogado – lhes trouxesse qualquer coisa de novo e de diferente… Isto deve fazer-nos pensar nos preconceitos com que, por vezes, abordamos os nossos irmãos, os julgamos, os catalogamos e etiquetamos… Seremos sempre justos na forma como julgamos os outros? Por vezes, os nossos preconceitos não nos impedirão de acolher o irmão e a riqueza que Ele nos traz?
  • Jesus assume-Se como um profeta, isto é, alguém a quem Deus confiou uma missão e que testemunha no meio dos seus irmãos as propostas de Deus. A nossa identificação com Jesus faz de nós continuadores da missão que o Pai Lhe confiou. Sentimo-nos, como Jesus, profetas a quem Deus chamou e a quem enviou ao mundo para testemunharem a proposta libertadora que Deus quer oferecer a todos os homens? Nas nossas palavras e gestos ecoa, em cada momento, a proposta de salvação que Deus quer fazer a todos os homens?
  • Apesar da incompreensão dos seus concidadãos, Jesus continuou, em absoluta fidelidade aos planos do Pai, a dar testemunho no meio dos homens do Reino de Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele foi, como diz o nosso texto, percorrer as aldeias dos arredores, ensinando a dinâmica do Reino. O testemunho que Deus nos chama a dar cumpre-se, muitas vezes, no meio das incompreensões e oposições… Frequentemente, os discípulos de Jesus sentem-se desanimados e frustrados porque o seu testemunho não é entendido nem acolhido (nunca aconteceu pensarmos, depois de um trabalho esgotante e exigente, que estivemos a perder tempo?)… A atitude de Jesus convida-nos a nunca desanimar nem desistir: Deus tem os seus projetos e sabe como transformar um fracasso num êxito. in Dehonianos

Para os leitores:

            Na primeira leitura, é necessário ter em atenção que grande parte da leitura se encontra em discurso direto. Apesar de não ter nenhuma dificuldade aparente, nem palavras de difícil pronunciação, os leitores devem estar atentos à pontuação e às pausas para uma leitura articulada do texto.

            Na segunda leitura, deve começar-se por ter cuidado com a palavra «ensoberbeça», por ser uma palavra menos usual e de difícil pronunciação. Além disso, a proclamação da segunda parte do texto deve ser marcada pela dicotomia presente no texto entre a fraqueza da natureza humana e a força que brota do poder de Cristo

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

Para acompanhar a Liturgia da Palavra / a Mesa da Palavra.

REJEIÇÃO DE JESUS

            O Evangelho deste Domingo XIV do Tempo Comum (Marcos 6,1-6) enlaça no do Domingo passado (XIII), pondo Jesus a sair de lá (ekeîthen) (Marcos 6,1), isto é, de Cafarnaum, da casa de Jairo (Marcos 5,35-43), e a dirigir-se para a sua pátria (pátris) (Marcos 6,1), ao encontro dos seus familiares e conterrâneos, sendo o sábado e a sinagoga (Marcos 6,2) o natural lugar desse encontro. Esta primeira ida de Jesus à sua pátria fica a marcar também, no Evangelho de Marcos, a última vez que Jesus ensina numa sinagoga (Marcos 1,21.23.29.30; 3,1; 6,2), e também o sábado será mencionado apenas mais uma vez, precisamente na manhã de Páscoa, escrevendo o narrador: «passado o sábado» (Marcos 16,1).

            E, portanto, tudo neste texto, neste encontro, assume um carácter decisivo. Desde logo a escolha do termo «pátria», que carrega consigo um significado mais intenso e mais amplo do que o mais habitual de «povoação». Com esta forma de dizer, este decisivo encontro com Jesus não fica apenas circunscrito a uma pequena região da Galileia, mas prefigura já o encontro de Jesus com o inteiro Israel, e a mesma rejeição que lhe será movida por este. São mesmo já visíveis desde aqui as resistências ao Evangelho radicadas no nosso coração, e que o Quarto Evangelho porá a claro: «Veio para o que era seu, e os seus não o receberam» (João 1,11). Mas também esta última vez a ensinar na sinagoga, e este sábado que aponta para aquele último «passado o sábado» (Marcos 16,1), devem gravar em nós evocações e apelos decisivos. Tudo o que tem sabor a último carrega um particular peso específico.

            Aventurando-nos um pouco mais dentro do texto, não ficaremos certamente admirados por vermos que estes conterrâneos de Jesus estejam a par das suas humildes e bem conhecidas raízes geográficas e familiares que, na mentalidade antiga, determinam a identidade e a capacidade da pessoa. Notaremos ainda, sem grande espanto, que os conterrâneos de Jesus sabem, em termos anagráficos, muito mais do que o leitor, sobre Jesus: dele sabem indicar a família, a profissão, a residência. O que nos deve espantar, isso sim, é que aqueles conterrâneos de Jesus não saibam dizer «DE ONDE» (póthen) lhe vem aquela sabedoria única e aqueles divinos prodígios que realiza.

            Às vezes, por termos os olhos tão embrenhados na terra, nas coisas da terra, não conseguimos ver o céu! Veja-se a iluminante cena da cura do cego de nascença (João 9). Em diálogo com o cego curado, os fariseus acabam por afirmar acerca de Jesus: «Esse não sabemos DE ONDE (póthen) é» (João 9,29), ao que o cego curado responde, apontando, com evidente ironia, a cegueira deles: «Isso é “espantoso” (tò thaumastón): vós não sabeis DE ONDE (póthen) Ele é; e, no entanto, Ele abriu-me os olhos!» (João 9,30). Que é como quem diz: só não vê quem não quer! Tal como o cego, e fazendo uso da mesma linguagem, também Jesus “estava espantado” (ethaúmazen) com a falta de fé dos seus conterrâneos (Marcos 6,6). Note-se bem que a falta de fé aqui assinalada não é apenas a negação de Deus. É a rejeição de Jesus em nome de uma errada conceção de Deus. Podemos dizer mesmo: para salvar a honra de Deus! Veja-se bem até onde pode chegar a nossa cegueira! Sim, não é possível, pensam os compatriotas de Jesus, que um carpinteiro, filho de Maria e membro daquela família, que todos conhecem, diga o que diz e faça o que faz! De facto, às vezes, para salvar a honra de Deus, rejeitamos tanta gente humilde!

            Numa altura em que se continua a falar da «receção» do Concílio II do Vaticano, dado que ainda estamos na esteira da celebração dos 50 anos da sua realização (1962-1965), podemos falar também, com as devidas distâncias, da «receção» de Jesus e do seu Evangelho. O texto diz-nos que os seus conterrâneos não o receberam, não se deixaram atravessar por Ele, pelo Céu que Ele indicava e trazia consigo. Ponte para o próximo Domingo (XV), em que ouviremos o episódio que se segue imediatamente ao de hoje (Marcos 6,7-13). Aí, Jesus enviará os seus Doze Apóstolos, dois a dois, despojados de meios ou de equipamento, para ressaltar bem a importância do Anúncio do Evangelho. Mas a ponte entre os dois textos e respetivos Domingos está em que ouviremos Jesus dizer aos seus Apóstolos: «Qualquer lugar (tópos) que não vos “receba” (déxetai)…». Os livros dizem que, em Marcos, o verbo «receber» (déchomai) está sempre referido a Jesus. Trata-se de «receber», de «acolher» Jesus. É então também fácil ver qual é o «lugar» que não «recebeu» Jesus. Mas o problema é sempre este: e nós?

            A figura de Ezequiel, profeta frágil, mas que aponta para um «Deus que dá força» (etimologia do seu nome), por 93 vezes interpelado por Deus com a locução «Filho do Homem», é por Deus incumbido da missão difícil de ser sentinela (tsopeh) (Ezequiel 3,17; 33,7) da casa rebelde de Israel, junto do rio Cobar, em Tel ’Abîb (Ezequiel 1,1-3; 3,15), na Babilónia, uma espécie de «pároco dos exilados». Tel ’Abîb significa «colina da primavera» ou das «espigas». É um lugar duro de exílio, mas, porque lembra a primavera, é também um nome carregado de esperança. Os judeus deram este nome significativo a uma das primeiras colónias que fundaram na Palestina, junto da costa Mediterrânica, em finais do século XIX, onde se situa hoje a capital política de Israel. O rio Cobar é um canal de irrigação, hoje chamado Shatt Ennil, que parte do Eufrates para irrigar a cidade de Nippur, onde os Babilónios instalaram deportados oriundos de diferentes proveniências, entre os quais se contam os deportados de Judá. Na sua fragilidade e na rejeição que experimenta, o profeta Ezequiel ajuda a perceber e a «receber» melhor a figura de Jesus, o Deus feito homem, que a si mesmo se diz nos Evangelhos, por 82 vezes, «Filho do Homem».

            E São Paulo dá testemunho, na Segunda Carta aos Coríntios (12,7-10) da força nova de Cristo, que o habita: «Basta-te a minha graça, pois é na fraqueza que se manifesta a minha força» (2 Coríntios 12,9). E ainda: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2 Coríntios 12,10).

            O Salmo 123 mostra-nos a força do olhar através de uma série de olhares que se entrecruzam: os meus olhos, os olhos dos servos, os olhos da escrava, os nossos olhos. Os meus olhos e os nossos olhos estão postos em Deus; os dos servos nas mãos dos seus patrões; os da escrava nas mãos da sua patroa. Há, todavia, uma diferença entre as mãos de Deus e as dos patrões. As mãos dos patrões dão ordens. As mãos de Deus abençoam, dão, salvam, embalam com ternura, fazem graça. Portanto, o homem que reza neste Salmo não junta as mãos, mas abre-as para as de Deus, formando uma espécie de puzzle, para receber os dons de Deus; também não fecha os olhos, mas escancara-os para o céu; e tão-pouco se fecha no seu mundo interior, mas abre-se completamente para fora. O orante deste Salmo reza com as mãos e os olhos abertos, com a alma aberta.

António Couto

ANEXOS:

        1. Leitura I do Domingo XIV do Tempo Comum – Ano B – 07.07.2024 (Ez 2, 2-5)
        2. Leitura II do Domingo XIV do Tempo Comum – Ano B – 07.07.2024 (2 Cor 12, 7-10)
        3. Domingo XIV do Tempo Comum – Ano B – 07.07.2024 – Lecionário
        4. Domingo XIV do Tempo Comum – Ano B – 07.07.2024 – Oração Universal
        5. A Homilia
        6. Anselmo Borges – A Eucaristia. A vida antes do dogma
        7. ANO B – O ano do evangelista Marcos