Últimas

Liturgia da Palavra

Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor – Ano C – 13 abril 2025

Viver a Palavra

Domingo de Ramos na Paixão do Senhor: assim se designa este Domingo que abre a Semana Santa, Semana Maior, pois nela somos convidados a contemplar a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, centro da nossa vida cristã. Celebramos o Domingo de Ramos, recordando a entrada triunfal de Jesus na cidade santa de Jerusalém. É entre os louvores da multidão em festa que Jesus entra na cidade: «estando já próximo da descida do monte das Oliveiras, toda a multidão dos discípulos começou a louvar alegremente a Deus em alta voz por todos os milagres que tinham visto, dizendo: “Bendito o Rei que vem em nome do Senhor. Paz no Céu e glória nas alturas!”».

Dois mil anos depois, de ramos de oliveira na mão, aclamando Jesus, o nosso Salvador e Redentor, não podemos ficar apenas na contemplação da entrada gloriosa de Jesus, mas tomar renovada consciência que o Domingo de Ramos se faz na Paixão do Senhor, isto é, que em Jesus Cristo a glória não está desligada da Cruz, que o caminho que conduz à eternidade está marcado pela vulnerabilidade e fragilidade da nossa contingente existência.

As diversas leituras que escutamos neste Domingo sublinham bem este dinamismo, desde a proclamação do Evangelho na bênção dos Ramos, que narra a entrada de Jesus em Jerusalém, até à Liturgia da Palavra em que escutamos a narração da Paixão do Senhor. Uma multidão que aclama Jesus jubilosamente na sua entrada em Jerusalém e uma multidão que diante de Pilatos grita «Crucifica-O! Crucifica-O!». Porventura a bipolaridade destas aclamações sejam o paradigma da nossa vida, tantas vezes convicta e disposta a testemunhar com alegria a nossa fé em Jesus Cristo, mas, também, tantas vezes titubeante e silenciosa, condenando e desviando-se do caminho certo. Como Pedro, temos no coração a ousadia e a coragem – «Senhor, eu estou pronto a ir contigo, até para a prisão e para a morte» – mas no momento decisivo respondemos: «não O conheço». Somos frágeis e pecadores, mas também amados e redimidos pelo Seu amor e pela Sua entrega generosa e, por isso, como Pedro tenhamos a coragem de chorar as nossas culpas e pecados e haveremos de encontrar nas nossas lágrimas de arrependimento sincero, um novo batismo que regera, cura e nos permite avançar para recomeçar com renovada esperança: «o Senhor Deus veio em meu auxílio, e por isso não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não ficarei desiludido».

Jesus Cristo assume a nossa humanidade na sua integralidade e totalidade. De braços abertos na Cruz abraça cada homem e cada mulher para nos ensinar que a dor e o sofrimento não têm a última palavra. Em Jesus Cristo não há glória sem Cruz e os sofrimentos e as dores unem-se na Sua entrega generosa à vida nova que Ele nos oferece.

Por isso, neste Domingo somos convidados a acompanhar Jesus, a percorrer com Ele o caminho que nos conduz da alegria da entrada messiânica, à Ceia que celebra com os discípulos, do Seu julgamento e condenação até à Sua paixão, morte e sepultura. A cruz não se compreende, contempla-se e é na contemplação da entrega de Jesus que entramos na nova lógica do Reino em que a vida é tanto mais nossa, quanto mais for dos outros, que a vida é verdadeiramente vida, quando entregue sem medida. in Voz Portucalense      

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

Com o Domingo de Ramos na Paixão do Senhor iniciamos a Semana Santa. Acolhendo o desafio à conversão e à penitência, devemos ter presente que a conversão pessoal a que somos chamados na contemplação da morte e ressurreição de Cristo nos deve conduzir a uma saída missionária que se manifeste de modo concreto na nossa vida quotidiana.

Este Domingo deve ser marcado pelo convite à participação no Tríduo Pascal, centro de todo o ano litúrgico. Não nos devemos limitar a um anúncio dos horários e locais das celebrações, mas, por exemplo, elaborar um pequeno folheto com uma apelativa descrição de cada uma das celebrações. Além disso, pode apontar-se como ação missionária para esta semana o convite aos vizinhos e amigos para a participação nas diversas celebrações pascais. in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Em Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IIsaías 50, 4-7

O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos.
Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
para eu escutar, como escutam os discípulos.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
e, por isso, não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.

 

CONTEXTO

No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se diferenciam um tanto da temática desenvolvida pelo profeta no resto do livro. Referem-se a uma figura enigmática, que o próprio Deus apresenta como “o meu Servo” (Is 42,1). O nome “servo de Javé” é, na Bíblia, um título honorífico. Refere-se, habitualmente, a alguém a quem Deus chama a colaborar no seu projeto salvador. De facto, o “servo de Javé” que nos é apresentado pelo Deutero-Isaías, foi eleito por Deus e recebeu de Deus uma missão (cf. Is 42,1a; 49,1.5). Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal, pois deve concretizar-se no meio das nações (cf. Is 42,1b; 49,6); será vivida pelo “servo” na humildade, no sofrimento e na obediência incondicional ao projeto de Deus (cf. Is 42,2-3). Apesar de a missão terminar num aparente insucesso (cf. Is 53,2-3.7-9), a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo (cf. Is 53,6.10). Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários (cf. Is 53,11-12).

Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.

O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Javé”. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Javé”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera Vida nova. No entanto, talvez esta conceção da vida nos pareça estranha e incongruente face àquilo que vemos acontecer todos os dias à nossa volta… Como é que me situo face a isto? Acredito que uma vida gasta como a de Jesus ou a do profeta/servo da primeira leitura deste domingo é uma vida com sentido e que conduz à Vida nova?
  • O profeta/servo que, sem hesitar, põe a sua palavra e a sua vida ao serviço da libertação dos seus irmãos – mesmo que isso implique para si próprio sofrimento, perseguição e humilhação – deixa-nos um desafio que não podemos ignorar… Vivemos cercados por ilhas de miséria e de dor onde tantos e tantos irmãos nossos permanecem prisioneiros; passamos a cada passo por homens e mulheres abandonados, esquecidos, atirados para as margens da história, privados dos seus direitos e dignidade; assistimos diariamente à crucifixão de tanta gente que luta contra os sistemas de opressão e de morte… O que fazemos? Permanecemos indiferentes e viramos a cara para outro lado para não ver e para não sermos incomodados, ou levantamos a voz para denunciar o egoísmo, a violência, a injustiça, as mil formas de maldade que desfeiam o mundo e destroem a Vida?
  • Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus que ecoa no mundo dos homens? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?
  • O profeta/servo da nossa leitura garante-nos que nunca desistirá da missão que lhe foi confiada porque confia em Deus: sabe que Deus estará sempre com ele e que nunca o desiludirá. Que fantástica expressão de confiança e de fé! Seremos capazes de dizer, com convicção, a mesma coisa? Acreditamos que Deus nunca nos desiludirá? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Todos os que me veem escarnecem de mim,
estendem os meus lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é meu amigo».

Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.

Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

Hei de falar do vosso nome aos meus irmãos,
Hei de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

 

LEITURA II – Filipenses 2, 6-11

Cristo Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.

CONTEXTO

A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Fl 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” – Fl 2,5).

O texto que a liturgia do domingo de Ramos nos apresenta como segunda leitura é o texto mais notável da carta aos filipenses. Trata-se de um antigo hino, provavelmente pré-paulino, que era recitado nas celebrações litúrgicas cristãs (há quem fale, a propósito deste hino, na catequese primitiva de Simão Pedro, conservada na comunidade cristã de Antioquia da Síria). Lembra aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo, a sua humildade e despojamento. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Não há mesmo volta a dar: a lógica de Deus funciona em sentido contrário à nossa lógica humana. Quanto mais nos despojamos da nossa superioridade, quanto mais renunciamos à capa da importância, quanto mais gastamos a nossa vida a fazer o bem, quanto mais nos fazemos “servos” dos nossos irmãos, quanto mais amamos sem esperar nada em troca, mais subimos na “escala” de Deus. Deus disse-nos isto, com todas as letras, através do seu Filho Jesus. De forma inequívoca, de forma irrefutável, com uma linguagem que só não entende quem não quer. Porque é que, depois de dois mil anos a olhar para a cruz de Jesus, isto ainda não é claro para nós? O que mais tem Deus de fazer para nos mostrar o caminho que conduz à Vida verdadeira?
  • Estamos a chegar ao fim deste caminho quaresmal. Este caminho foi efetivamente, para nós, um caminho de conversão, de mudança, de nascimento para uma vida nova? Ao longo deste caminho em direção à Páscoa transformamos a arrogância em humildade, a atitude de superioridade em respeito pelo outro, o orgulho em simplicidade, a soberba em delicadeza?
  • Este hino constitui uma excelente chave de leitura para interpretar, sentir e viver, na “Semana Maior” em que estamos a entrar, os acontecimentos centrais da nossa fé. Ao “som” deste belíssimo hino podemos compreender o caminho de Jesus, o significado das suas opções, o sentido da sua vida, da sua paixão, morte e ressurreição. Iremos procurar, nesta semana, acompanhar os passos de Jesus? E, ao revivermos o seu amor e a sua entrega, renovaremos a nossa adesão a Ele e ao caminho que Ele propõe? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 22,14-23,56 (forma longa) ou Lucas 23,1-49 (forma breve)

N     Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
N     Quando chegou a hora,
Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos
e disse-lhes:
J      «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa,
antes de padecer;
pois digo-vos que não tornarei a comê-la,
até que se realize plenamente no reino de Deus».
N     Então, tomando um cálice, deu graças e disse:
J      «Tomai e reparti entre vós,
pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da videira,
até que venha o reino de Deus».
N     Depois tomou o pão e, dando graças,
partiu-o e deu-lho, dizendo:
J       «Isto é o meu corpo entregue por vós.
Fazei isto em memória de Mim».
N      No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
J       «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue,
derramado por vós.
Entretanto, está comigo à mesa
a mão daquele que Me vai entregar.
O Filho do homem vai partir, como está determinado.
Mas ai daquele por quem Ele vai ser entregue!»
N     Começaram então a perguntar uns aos outros
qual deles iria fazer semelhante coisa.
Levantou-se também entre eles uma questão:
qual deles se devia considerar o maior?
Disse-lhes Jesus:
J       «Os reis da nações exercem domínio sobre elas
e os que têm sobre elas autoridade são chamados benfeitores.
Vós não deveis proceder desse modo.
O maior entre vós seja como o menor
e aquele que manda seja como quem serve.
Pois quem é o maior: o que está à mesa ou o que serve?
Não é o que está à mesa?
Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve.
Vós estivestes sempre comigo nas minhas provações.
E Eu preparo para vós um reino,
como meu Pai o preparou para Mim:
comereis e bebereis à minha mesa, no meu reino,
e sentar-vos-eis em tronos,
a julgar as doze tribos de Israel.
Simão, Simão, Satanás vos reclamou
para vos agitar na joeira como trigo.
Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça.
E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos».
N     Pedro respondeu-Lhe:
R      «Senhor, eu estou pronto a ir contigo,
até para a prisão e para a morte».
N      Disse-lhe Jesus:
J       «Eu te digo, Pedro: não cantará hoje o galo,
sem que tu, por três vezes, negues conhecer-Me».
N     Depois acrescentou:
J       «Quando vos enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias,
faltou-vos alguma coisa?».
N     Eles responderam que não lhes faltara nada.
Disse-lhes Jesus:
J      «Mas agora, quem tiver uma bolsa pegue nela,
bem como no alforge;
e quem não tiver espada venda a capa e compre uma.
Porque Eu vos digo
que se deve cumprir em Mim o que está escrito:
‘Foi contado entre os malfeitores’.
Na verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim».
N     Eles disseram:
R      «Senhor, estão aqui duas espadas».
N      Mas Jesus respondeu:
J       «Basta».
N      Então saiu
e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou ao local, disse-lhes:
J        «Orai, para não entrardes em tentação».
N       Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra
e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
J       «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice.
Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
N     Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar.
Entrando em angústia, orava mais instantemente
e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue,
que caíam na terra.
Depois de ter orado,
levantou-Se e foi ter com os discípulos,
que encontrou a dormir, por causa da tristeza.
Disse-lhes Jesus:
J       «Porque estais a dormir?
Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
N     Ainda Ele estava a falar,
quando apareceu uma multidão de gente.
O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente
e aproximou-se de Jesus, para O beijar.
Disse-lhe Jesus:
J       «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?»
N      Ao verem o que ia suceder,
os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
R       «Senhor, vamos feri-los à espada?»
N      E um deles feriu o servo do sumo sacerdote,
cortando-lhe a orelha direita.
Mas Jesus interveio, dizendo:
J       «Basta! Deixai-os».
N     E, tocando na orelha do homem, curou-o.
Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro,
príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
J      «Vós saístes com espadas e varapaus,
como se viésseis ao encontro dum salteador.
Eu estava todos os dias convosco no templo
e não Me deitastes as mãos.
Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
N    Apoderaram-se então de Jesus,
levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote.
Pedro seguia-os de longe.
Acenderam uma fogueira no meio do pátio,
sentaram-se em volta dela
e Pedro foi sentar-se no meio deles.
Ao vê-lo sentado ao lume,
uma criada, fitando os olhos nele, disse:
R     «Este homem também andava com Jesus».
N     Mas Pedro negou:
R     «Não O conheço, mulher».
N     Pouco depois, disse outro, ao vê-lo:
R     «Tu também és um deles».
N     Mas Pedro disse:
R      «Homem, não sou».
N     Passada mais ou menos uma hora,
afirmava outro com insistência:
R      «Esse homem, com certeza, também andava com Jesus,
pois até é galileu».
N     Pedro respondeu:
R      «Homem, não sei o que dizes».
N      Nesse instante – ainda ele falava – um galo cantou.
O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro.
Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor,
quando lhe disse:
‘Antes do galo cantar, Me negarás três vezes’.
E, saindo para fora, chorou amargamente.
Entretanto, os homens que guardavam Jesus
troçavam d’Ele e maltratavam-n’O.
Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
R      «Adivinha, profeta: Quem te bateu?»
N      E dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
Ao romper do dia,
reuniu-se o conselho dos anciãos do povo,
os príncipes dos sacerdotes e os escribas.
Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
R       «Diz-nos se Tu és o Messias».
N       Jesus respondeu-lhes:
J        «Se Eu vos disser, não acreditareis
e, se fizer alguma pergunta, não respondereis.
Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante
à direita do poder de Deus».
N      Disseram todos:
R       «Tu és então o Filho de Deus?»
N       Jesus respondeu-lhes:
J        «Vós mesmos dizeis que Eu sou».
N       Então exclamaram:
R       «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
Nós próprios o ouvimos da sua boca».
N      Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos.
N      Começaram a acusá-l’O, dizendo:
R       «Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo,
a impedir que se pagasse o tributo a César
e dizendo ser o Messias-Rei».
N      Pilatos perguntou-Lhe:
R       «Tu és o Rei dos judeus?»
N       Jesus respondeu-lhe:
J        «Tu o dizes».
N      Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
R       «Não encontro nada de culpável neste homem».
N       Mas eles insistiam:
R       «Amotina o povo, ensinando por toda a Judeia,
desde a Galileia, onde começou, até aqui».
N       Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu;
e, ao saber que era da jurisdição de Herodes,
enviou-O a Herodes,
que também estava nesses dias em Jerusalém.
Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito.
Havia bastante tempo que O queria ver,
pelo que ouvia dizer d’Ele,
e esperava que fizesse algum milagre na sua presença.
Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu.
Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam
acusavam-n’O com insistência.
Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo
e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico
e remeteu-O a Pilatos.
Herodes e Pilatos, que eram inimigos,
ficaram amigos nesse dia.
Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes,
os chefes e o povo, e disse-lhes:
R      «Trouxestes este homem à minha presença
como agitador do povo.
Interroguei-O diante de vós
e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais.
Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo.
Como vedes, não praticou nada que mereça a morte.
Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N      Pilatos tinha obrigação de lhes soltar um preso
por ocasião da festa.
E todos se puseram a gritar:
R       «Mata Esse e solta-nos Barrabás».
N       Barrabás tinha sido metido na cadeia
por causa de uma insurreição desencadeada na cidade
e por assassínio.
De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra,
querendo libertar Jesus.
Mas eles gritavam:
R        «Crucifica-O! Crucifica-O!»
N       Pilatos falou-lhes pela terceira vez:
R       Mas que mal fez este homem?
Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte.
Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N      Mas eles continuavam a gritar,
pedindo que fosse crucificado,
e os seus clamores aumentavam de violência.
Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam:
soltou aquele que fora metido na cadeia
por insurreição e assassínio,
como eles reclamavam,
e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
N      Quando o conduziam,
lançaram mão de um certo Simão de Cirene,
que vinha do campo,
e puseram-lhe a cruz às costas,
para a levar atrás de Jesus.
Seguia-O grande multidão de povo
e mulheres que batiam no peito
e se lamentavam, chorando por Ele.
Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
J       «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim;
chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos;
pois dias virão em que se dirá:
‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram
e os peitos que não amamentaram’.
Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
e às colinas: ‘Cobri-nos’.
Porque, se tratam assim a madeira verde,
que acontecerá à seca?».
N      Levavam ainda dois malfeitores
para serem executados com Jesus.
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores,
um à direita e outro à esquerda.
Jesus dizia:
J        «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
N      Depois deitaram sortes,
para repartirem entre si as vestes de Jesus.
O povo permanecia ali a observar.
Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
R      «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
se é o Messias de Deus, o Eleito».
N      Também os soldados troçavam d’Ele;
aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
R       «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
N       Por cima d’Ele havia um letreiro:
«Este é o rei dos judeus».
Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
insultava-O, dizendo:
R       «Não és Tu o Messias?
Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
N      Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
R      «Não temes a Deus,
tu que sofres o mesmo suplício?
Quanto a nós, fez-se justiça,
pois recebemos o castigo das nossas más ações.
Mas Ele nada praticou de condenável».
N      E acrescentou:
R       «Jesus, lembra-Te de mim,
quando vieres com a tua realeza».
N       Jesus respondeu-lhe:
J        «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
N       Era já quase meio-dia,
quando as trevas cobriram toda a terra,
até às três horas da tarde,
porque o sol se tinha eclipsado.
O véu do templo rasgou-se ao meio.
E Jesus exclamou com voz forte:
J       «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito».
N      Dito isto, expirou.
N      Vendo o que sucedera,
o centurião deu glória a Deus, dizendo:
R       «Realmente este homem era justo».
N       E toda a multidão que tinha assistido àquele espetáculo,
ao ver o que se passava, regressava batendo no peito.
Todos os conhecidos de Jesus,
bem como as mulheres que O acompanhavam
desde a Galileia,
mantinham-se à distância, observando estas coisas.
N       Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia,
que era pessoa reta e justa e esperava o reino de Deus.
Era membro do Sinédrio, mas não tinha concordado
com a decisão e o proceder dos outros.
Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
E depois de o ter descido da cruz,
envolveu-o num lençol
e depositou-o num sepulcro escavado na rocha,
onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
Era o dia da Preparação
e começavam a aparecer as luzes do sábado.
Entretanto,
as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia
acompanharam José e observaram o sepulcro
e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus.
No regresso, prepararam aromas e perfumes.
E no sábado guardaram o descanso, conforme o preceito.

 

CONTEXTO

Ao iniciarmos a Semana Santa, a Semana Maior, a liturgia convida-nos a escutar o impressionante relato da Paixão e Morte de Jesus. O relato, inegavelmente fundamentado em acontecimentos concretos, não é uma simples reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a mostrar como Jesus, oferecendo a sua vida até ao dom total, na cruz, concretiza o projeto salvador do Pai.

Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da Semana Santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último ato do programa enunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens novos, livres, salvos, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que a salvação de Deus chegue a todo o mundo e seja acolhida por todos os homens e mulheres.

O cenário físico da paixão e morte de Jesus é, no Evangelho de Lucas, o mesmo dos outros evangelhos sinóticos: o Cenáculo (o edifício com “uma grande sala mobilada no andar de cima”, onde Jesus fez com os discípulos aquela inolvidável ceia de despedida – Lc 22,12), o Monte das Oliveiras (o jardim para onde Jesus, após a última ceia, se retirou para rezar, e onde foi preso pelos guardas do Templo – cf. Lc 22,39-53), o palácio do sumo-sacerdote Caifás (onde Jesus foi julgado, condenado pelo Sinédrio e ficou preso o resto da noite antes de ser levado diante das autoridades romanas – cf. Lc 22,54-71), o pretório romano da Torre Antónia (onde Jesus, na manhã de sexta-feira, foi torturado e coroado de espinhos e onde o governador Pilatos confirmou a sua condenação à morte – cf. Lc 23,1-6.13-25), as ruas da cidade de Jerusalém (por onde Jesus passou, carregando com a trave transversal da cruz, segundo o ritual próprio das crucifixões – cf. Lc 23,26-32), o Calvário (a pequena colina, fora da cidade onde Jesus, por volta das 9 horas de sexta-feira, foi crucificado – Lc 23,33-49), e o túmulo novo oferecido por José de Arimateia (onde o corpo morto de Jesus foi depositado antes do pôr do sol de sexta-feira – cf. Lc 23,50-56).

Em que data e em que contexto ocorreram os acontecimentos narrados no relato da paixão de Jesus? Todos os evangelistas concordam que Jesus celebrou uma ceia depois do pôr do sol de uma quinta-feira (quando, segundo o calendário religioso judaico já era sexta-feira) e que morreu na cruz por volta das três horas da tarde dessa sexta-feira. Para Marcos, Mateus e Lucas, contudo, essa sexta-feira era o dia da celebração da festa judaica da Páscoa. Assim, a última ceia de Jesus com os discípulos teria sido uma Ceia Pascal. João, no entanto, considera que a sexta-feira (dia em que Jesus morreu) não foi dia de Páscoa, mas sim o dia da preparação da Páscoa (o dia de Páscoa, nesse ano, começou na sexta-feira ao pôr do sol, quando Jesus já tinha morrido na cruz). Nesse caso, a última ceia de Jesus com os discípulos não teria sido uma Ceia Pascal, mas sim uma ceia de despedida. É difícil aceitar o calendário dos sinóticos, pois não parece provável que, em pleno dia de Páscoa, os judeus desenvolvessem o processo contra Jesus, o levassem pelas ruas de Jerusalém até ao Gólgota e o crucificassem. Sendo assim, Jesus teria sido crucificado na véspera da celebração da Páscoa judaica. Estaríamos, muito provavelmente, na primavera do ano 30. Jesus teria, então, 35-37 anos. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar, até ao último suspiro, até à última gota de sangue. Esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes. É esse amor ilimitado e inacreditável que vemos quando olhamos para a cruz de Jesus? E o amor de Jesus, expresso na cruz, torna-se lição que nós acolhemos e que transformamos em gestos concretos de dom e de serviço para os que “viajam” connosco?
  • Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste modo pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. A contemplação da cruz de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo? A contemplação da cruz de Jesus faz com que nos sintamos solidários com todos os nossos irmãos que todos os dias são crucificados e injustiçados? A contemplação da cruz de Jesus dá-nos a coragem para lutarmos contra tudo aquilo que gera sofrimento e morte, mesmo que isso implique correr riscos, ser incompreendido e condenado?
  • Um dos elementos mais destacados nos relatos da paixão – nomeadamente no relato de Lucas – é a forma como Jesus Se comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte… Ele nunca Se descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino de cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói inconsciente a quem o sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que os outros Lhe impõem… A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar. Temos a mesma disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e a mesma determinação que Jesus tinha para concretizar esses desafios no mundo?
  • A angústia de Jesus diante da morte – bem expressa naquele “suor que se tornou como grossas gotas de sangue que caíam por terra” – tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades e fragilidades. Dessa forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar n’Ele, segui-l’O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um caminho impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens frágeis, chamados por Deus a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à vida definitiva. Quais são as fragilidades que sentimos e que são obstáculo no nosso seguimento de Jesus? Deixamos que as limitações – reais ou imaginárias – que sentimos sejam decisivas quando chega a hora de optarmos?
  • “Fazei isto em memória de Mim” – diz Jesus aos discípulos na ceia em que se despediu deles e lhes deixou o seu testamento. A expressão não se referia apenas ao gesto que Jesus fez sobre o pão, mas referia-se sobretudo a essa entrega de si próprio que Ele viveu desde que nasceu até que morreu na cruz. Nós que partilhamos e comemos o pão eucarístico vivemos na lógica de Jesus e procuramos pôr a nossa vida ao serviço dos irmãos que encontramos no caminho? O gesto litúrgico de “comer” o pão de Jesus, repetido em cada eucaristia, é um gesto ritual e vazio, sem consequências na vida, ou é um gesto que se traduz, na vida concreta, em serviço simples e humilde em favor dos irmãos, em amor até ao extremo, em luta pela justiça e pela verdade, em compromisso com a construção de um mundo mais justo e mais humano?
  • Lucas apresenta Jesus, poucas horas antes de ser morto na cruz, a pedir aos discípulos que não coloquem no centro das suas vidas as preocupações com os postos importantes, os lugares de poder, as honras, as distinções, os privilégios, mas sim o serviço simples e humilde aos irmãos. A Igreja nascida de Jesus, ou será uma comunidade de amor e serviço, ou não será nada. Que temos feito desse “testamento” que Jesus nos deixou? Que sentido fazem, à luz do “testamento” de Jesus, as pompas, os títulos, as honrarias, os privilégios, atrás dos quais às vezes corremos? Temos continuamente presente no nosso horizonte de vida a expressão de Jesus “o maior entre vós seja como o menor e aquele que manda seja como quem serve”?
  • A maior parte dos discípulos de Jesus fugiram quando Ele foi preso no monte das Oliveiras e Pedro negou-o três vezes no pátio da casa do sumo sacerdote. Apesar disso, Lucas dá conta de um homem chamado Simão de Cirene que pega na cruz e a leva “atrás de Jesus”, bem como de diversas mulheres que seguem Jesus enquanto Ele caminha para o local da sua execução. Simão e as mulheres que seguem Jesus não têm medo de ir atrás de Jesus, de ajudá-lo a levar a cruz, de percorrer com Jesus o caminho da doação total, de ficar com Jesus até ao fim. Simão e aquelas mulheres são verdadeiros discípulos. Estão incondicionalmente com Jesus, mesmo que o caminho em que Ele segue seja um caminho de sofrimento e de dor. Que tipo de discípulos somos nós? Somos daqueles que abandonam Jesus quando o caminho se torna complicado, ou somos dos incondicionais, dos que o acompanham até ao fim, aconteça o que acontecer?
  • Jesus passou a vida rodeado de pessoas “pouco recomendáveis”, que a sociedade e a religião condenavam. No momento mais decisivo da sua vida, naquela colina fora das muralhas de Jerusalém onde está a “entregar a vida”, continua rodeado por gente “maldita”. A um dos “malfeitores” que, afinal, se revelou um homem de boa vontade, Jesus prometeu-lhe a salvação de Deus. Como tratamos os “malditos” da Igreja e do mundo, os marginais, os que vivem de forma social ou religiosamente incorreta? Fechamos-lhe as portas das nossas comunidades cristãs e das nossas vidas, ou testemunhamos-lhes a misericórdia, a bondade e a ternura de Deus?
  • A morte de Jesus não foi um acidente. Os líderes judaicos que arquitetaram a morte de Jesus sabiam bem o que estavam a fazer. A culpa dos dirigentes naquela triste história de violência e morte que vitimou Jesus não podia ser mais clara. Apesar disso, Jesus morreu a pedir a Deus que perdoasse aos seus assassinos. O perdão – que é uma consequência do amor – é a marca de Deus. Somos capazes de imitar Jesus e de perdoar a quem nos faz mal? in Dehonianos.

 

Para os leitores:

A primeira leitura não apresenta nenhuma dificuldade aparente na sua proclamação. Requer uma leitura pausada e atenta que exprima toda a densidade e intensidade dramática do texto. A última frase exige uma especial atenção para que se possa transmitir a confiança e esperança que o auxílio de Deus oferece.

A segunda leitura é um hino litúrgico e poético e apresenta duas partes distintas: uma primeira mais dramática e uma segunda mais jubilosa e marcada pela exaltação de Jesus. A proclamação desta leitura deve ter presente todos estes elementos.

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)           

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Quaresma: Caminhada para a Páscoa

 

TEMPO DE CONVERSÃO 

 

Foi-te dito:

Rodeia-te de triunfadores.

Para que tua vida seja um êxito

serve-te de todos.

Retém em tua memória

o nome do rico,

e anota o telefone

do rosto feminino

que sorri no concurso.

Forra as paredes de tua casa

com assinaturas de pintores

de prestígio e de dinheiro.

Enche tua boca

com os nomes

que ocupam o cenário

da glória escorregadia.

Faz-te vizinho, compadre,

do seu clube e seu partido.

que todas estas famas

te emprestem o seu prestígio.

Mas a Palavra diz:

Senta à tua mesa

os que não podem

convidar-te a sua casa

arrastada pelo rio,

e empresta sem enrugar a cara

ao que não pode devolver-te

o teu dinheiro no prazo estipulado

porque as horas extras

se perderam no computador

da zona franca.

Haverão encontrado em ti

a resposta de Deus

à sua angústia quotidiana.

e tu sentirás atravessar

algo de Deus a passar

pelo centro de ti mesmo

para chegar até ao irmão.

Ao romper,

com este gesto de gratuita proximidade,

as leis e as cátedras do investimento bem calculado,

um manancial de eternidade

te chegará entre tuas pedras,

e fará de ti um servidor de todos,

cheio de graça e de sabor.

.

Benjamin González Buelta

in ‘Salmos para sentir e saborear as coisas internamente’

 

ANEXOS:

Domingo V da Quaresma – Ano C – 06 abril 2025

Viver a Palavra

A porta do Coração Misericordioso de Deus continua aberta e escancarada para nós. Deus não tem medo de mostrar como é grande a Sua misericórdia e o Seu amor, por isso, podemos cantar e aclamar com as palavras do Salmo: «Grandes Maravilhas fez por nós o Senhor». Este Deus surpreendente e misericordioso manifesta as maravilhas do Seu poder, pelo amor desmedido e pelo acolhimento generoso. No centro da mensagem de Jesus não está o nosso pecado e a nossa miséria, mas a infinita bondade e ternura de Deus que convertem a nossa miséria e pecado em possibilidade de vida nova. Por isso, o Evangelho de hoje é uma verdadeira escola da arte de amar e perdoar, de acolher e gerar vida.

«Jesus sentou-Se e começou a ensinar!». Assim aparece Jesus no Evangelho deste Domingo: rodeado pela multidão que acorre ao Templo e sentado para ensinar, não apenas com as palavras cheias de sabedoria e autoridade que saiam da Sua boca, mas com a força do perdão e da misericórdia que levanta os que estão caídos e que faz cair das nossas mãos as pedras do julgamento apressado que ignora a própria fragilidade.

No centro da Liturgia da Palavra deste Domingo está a misericórdia e o perdão que abrem a porta da esperança quando tudo parece perdido. «Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes?». Na verdade, muitas vezes o nosso coração parece estar longe desta oferta de vida nova que brota da mensagem evangélica. Como os escribas e fariseus, que trazem uma mulher surpreendida em adultério e arrastada como um objeto que servirá para colocar à prova Jesus, também nós, tantas vezes, vivemos de dedo em riste, prontos a apontar os erros alheios, mas cheios de boas razões quando cometemos os mesmos erros. Por isso, precisamos de nos deixar moldar pela ternura e pela bondade dos gestos e palavras de Jesus para que saibamos encontrar na nossa fragilidade um convite à conversão, fazendo das pedras do nosso caminho, não um obstáculo onde tropeçamos e caímos, mas uma oportunidade de crescimento.

O enigmático gesto de Jesus, que por duas vezes se inclina, escreve com o dedo no chão, se endireita e fala, evoca a dupla descida e subida de Moisés no Monte Sinai para receber as tábuas da Lei «escritas pelo dedo de Deus» (Ex 31,18). A Lei é sinal da misericórdia de Deus e da Sua graça. De modo particular, este gesto simbólico de se inclinar e de se erguer de Jesus, representa o baixar e o elevar de Cristo sobre a Cruz, verdadeira síntese de toda a história da salvação e hermenêutica qualificada do querer de Deus misericordioso e compassivo. O Mestre inclina-se para partilhar a nossa miséria, para imprimir na terra o sinal da sua presença salvadora, para inscrever um futuro no coração da mulher e lhe abrir a porta da esperança.

Como recordou o Papa Francisco nas suas catequeses sobre a misericórdia: «não há santo sem passado, nem pecador sem futuro». Não há caminhos sem saída para quem se sabe amado por Deus, pois «o Senhor abriu outrora caminhos através do mar, veredas por entre as torrentes das águas». Em Jesus Cristo, Deus realiza em plenitude esta oferta de vida nova e faz-nos passar pelas águas do batismo, torrente de graça, para que possamos percorrer com entusiasmo a estrada da santidade.

Batizados em Cristo, perdoados pelo Seu amor e sustentados pela sua misericórdia, somos chamados a caminhar de olhos fixos na meta que Jesus Cristo nos aponta: «esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em Cristo Jesus». in Voz Portucalense      

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

No V Domingo do nosso itinerário quaresmal somos desafiados ao acolhimento e à ternura. Desafiados pela atitude acolhedora e misericordiosa de Jesus, que rejeita o pecado, mas acolhe o pecador para que se converta e viva, somos convidados esta semana a superar a rigidez com a ternura para que na nossa vida possamos tocar a carne sofredora de Cristo nos outros. Este Domingo constitui-se como oportunidade para refletir na revolução da ternura a que nos desafia o Papa Francisco, concretizando-a em gestos concretos, na visita aos doentes ou mais marginalizados da nossa comunidade. in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IIsaías 43,16-21

O Senhor abriu outrora caminhos através do mar,
veredas por entre as torrentes das águas.
Pôs em campanha carros e cavalos,
um exército de valentes guerreiros;
e todos caíram para não mais se levantarem,
extinguiram-se como um pavio que se apaga.
Eis o que diz o Senhor:
«Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados,
não presteis atenção às coisas antigas.
Olhai: vou realizar uma coisa nova,
que já começa a aparecer; não a vedes?
Vou abrir um caminho no deserto,
fazer brotar rios na terra árida.
Os animais selvagens – chacais e avestruzes –
proclamarão a minha glória,
porque farei brotar água no deserto,
rios na terra árida,
para matar a sede ao meu povo escolhido,
o povo que formei para Mim
e que proclamará os meus louvores».

 

CONTEXTO

“Deutero-Isaías” é o nome que se dá a um profeta anónimo, provavelmente da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética entre os exilados judeus na Babilónia e que é o autor dos capítulos 40 a 55 do livro de Isaías. Esses capítulos são conhecidos como o “livro da Consolação”, uma vez que as reflexões desenvolvidas pelo profeta se destinam a “consolar” os judeus exilados.

Estamos na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C., numa altura em que os exilados estão especialmente frustrados e desanimados. Tinham passado algumas dezenas de anos desde que Jerusalém fora arrasada por Nabucodonosor e que os sobreviventes da guerra tinham sido levados como prisioneiros para a Babilónia. Os exilados pensavam, inicialmente, que Deus iria atuar rapidamente e libertar o seu Povo do cativeiro; mas os anos passavam e nada disso acontecia. Deus teria virado definitivamente as costas ao seu Povo? Os deuses babilónicos seriam mais poderosos e estariam a impedir Javé de libertar o Seu Povo? Os exilados estariam condenados a morrer numa terra estrangeira sem cumprirem o sonho de rever a sua terra? O Deutero-Isaías dirige-se a este povo que começa a perder a esperança, responde às suas questões e procura dar-lhe ânimo.

Na primeira parte do “Livro da Consolação” (Is 40-48), o profeta anuncia a iminência da libertação e compara a libertação da Babilónia – que ele perspetiva para breve – com o Êxodo do Egipto. É neste contexto que deve ser enquadrada a primeira leitura deste quinto domingo da Quaresma: é um oráculo de salvação, no qual Javé, pela voz do Deutero-Isaías, anuncia a ruína da Babilónia e a iminência de um “novo Êxodo” para o povo de Deus. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Israel colocou na base do edifício da sua fé um encontro decisivo com o Deus que o libertou da escravidão no Egito. Essa experiência primordial ofereceu aos catequistas de Israel um paradigma para ler e entender as futuras ações de Deus em favor do seu povo: o Deus que salvou os escravos hebreus da opressão do faraó, é o Deus que não se conforma com qualquer escravidão que roube a vida e a dignidade dos seus filhos e que agirá sempre para os libertar do sofrimento e da morte. Toda a fé de Israel está firmemente ancorada nesta certeza. Hoje, ao escutar o texto do Deutero-Isaías que a primeira leitura nos apresenta, somos convidados a acolher este “dogma” fundamental na experiência de fé do povo de Deus. Também para nós, no séc. XXI, o mesmo Deus libertador quer salvar-nos de tudo aquilo que nos escraviza e nos impede de viver com dignidade. Nesse processo libertador, há coisas que Deus fará, e há coisas que teremos de ser nós a fazer, com a ajuda de Deus. Quais são, na nossa experiência de todos os dias, as “escravidões” que nos amarram e que nos impedem de construir uma vida com sentido? O que podemos fazer, da nossa parte, para derrotarmos os mecanismos de escravidão e de morte que nos atingem e que atingem tantos dos nossos irmãos?
  • “Não vos lembreis mais dos acontecimentos passados, não presteis atenção às coisas antigas” – pede Deus ao seu povo através do Deutero-Isaías. Trata-se de uma boa sugestão. Determo-nos nostalgicamente a contemplar o passado, pode contribuir para nos alhearmos da realidade presente e para limitarmos a nossa capacidade de construir um “hoje” com sentido. Ficar a olhar o passado pode significar estagnação, conformismo, acomodação, instalação, fechamento ao mundo; e nada disso é construtivo. Quando ficamos presos ao que já lá vai, num saudosismo que paralisa, acabamos por passar ao lado dos desafios sempre novos de Deus e dos dons que, em cada novo dia, Deus nos destina. Deixamo-nos levar pela tentação do passado, decidindo que “antigamente é que era bom” e que “agora está tudo pior”, ou estamos disponíveis para olhar em frente e para acolher, no nosso tempo, os dons de Deus?
  • “Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida” – diz Deus ao seu povo. Podemos ver o “caminho quaresmal” como esse caminho novo que Deus se propõe abrir para nós e que nos leva ao encontro de uma existência vivida de forma mais livre, mais feliz, mais realizada. Estamos sinceramente dispostos a enveredar por esse caminho? Haverá alguma coisa – ideias, comportamentos, atitudes, formas de ver o mundo, maneiras de nos relacionarmos com os nossos irmãos – que nos propomos abandonar, a fim de caminharmos mais livres e mais desimpedidos em direção a essa vida nova que Deus se propõe oferecer-nos? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 125 (126)

Refrão 1: Grandes maravilhas fez por nós o Senhor.

Refrão 2: O Senhor fez maravilhas em favor do seu povo.

 

Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião,
parecia-nos viver um sonho.
Da nossa boca brotavam expressões de alegria
e de nossos lábios cânticos de júbilo.

Diziam então os pagãos:
«O Senhor fez por eles grandes coisas».
Sim, grandes coisas fez por nós o Senhor,
estamos exultantes de alegria.

Fazei regressar, Senhor, os nossos cativos,
como as torrentes do deserto.
Os que semeiam em lágrimas
recolhem com alegria.

À ida, vão a chorar,
levando as sementes;
à volta, vêm a cantar,
trazendo os molhos de espigas.

 

LEITURA II – Filipenses 3,8-14

Irmãos:
Considero todas as coisas como prejuízo,
comparando-as com o bem supremo,
que é conhecer Jesus Cristo, meu Senhor.
Por Ele renunciei a todas as coisas
e considerei tudo como lixo,
para ganhar a Cristo
e n’Ele me encontrar,
não com a minha justiça que vem da Lei,
mas com a que se recebe pela fé em Cristo,
a justiça que vem de Deus e se funda na fé.
Assim poderei conhecer Cristo,
o poder da sua ressurreição
e a participação nos seus sofrimentos,
configurando-me à sua morte,
para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos.
Não que eu tenha já chegado à meta,
ou já tenha atingido a perfeição.
Mas continuo a correr, para ver se a alcanço,
uma vez que também fui alcançado por Cristo Jesus.
Não penso, irmãos, que já o tenha conseguido.
Só penso numa coisa:
esquecendo o que fica para trás,
lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta,
em vista do prémio a que Deus, lá do alto,
me chama em Cristo Jesus.

CONTEXTO

A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Flp 4,10-20), exorta-os a manterem-se fiéis ao Evangelho de Jesus e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (cf. Flp 2,5). A carta apresenta, também, uma parte “polémica” (cf. Flp 3,1b-4,1.8-9), na qual Paulo avisa os filipenses contra os “cães”, os “maus trabalhadores” (Flp 3,2) que, em Filipos como em todo o lado, semeiam a dúvida e a confusão na comunidade. Quem são estes? São os chamados “judaizantes”, isto é, os pregadores cristãos de origem judaica que proclamavam a obrigatoriedade da circuncisão e da obediência à Lei de Moisés.

O texto que nos é proposto insere-se nesse discurso de polémica contra os adversários “judaizantes”. Nele, Paulo pede aos Filipenses que não se deixem enganar por esses falsos pregadores, que se apresentam com títulos de glória, mas que parecem esquecer que só Cristo é importante. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Neste texto da Carta aos Filipenses – como em tantos outros textos paulinos – está em evidência uma realidade que nos ajuda a entender as apostas de Paulo de Tarso: Cristo ocupa um lugar central na vida do apóstolo. Quando Paulo encontrou Cristo, na estrada de Damasco, tudo o que até então tinha desempenhado um lugar importante na sua vida ficou para trás. Cristo tomou conta da vida de Paulo de forma irreversível. Paulo, a partir desse encontro fundamental, passou a considerar todas as coisas um “prejuízo” quando comparadas com Cristo. Nós que, no dia do nosso batismo, nos encontramos com Cristo e que temos, desde então, feito um longo caminho com Cristo, poderemos dizer o mesmo? Que lugar ocupa Cristo na nossa vida? O “conhecimento” de Cristo, a identificação com Cristo, a comunhão com Cristo, o seguimento de Cristo são a nossa prioridade? Cristo sobrepõe-se a todos os outros valores e propostas que a cada instante entram no caminho da nossa vida e viajam connosco?
  • Paulo refere-se a algumas das coisas a que chegou a dar importância, antes de se encontrar com Cristo, como “lixo”, “esterco”. A palavra usada por Paulo sugere o desprezo que ele sente por valores que, além de fúteis, podem mesmo constituir um obstáculo no caminho que Deus nos chama a fazer. O tempo da Quaresma é um tempo oportuno para identificarmos e para, eventualmente, nos livrarmos do “lixo” que vamos acumulando na nossa vida e que dificulta a nossa identificação com Cristo. Quais são os “lixos” que andamos a acumular e que nos impedem de caminhar livremente ao encontro de Cristo? Estamos dispostos, neste tempo quaresmal, a fazer uma limpeza da nossa vida e a prescindir daquilo que nos aprisiona e nos impede de correr para a meta, ao encontro da vida definitiva?
  • Paulo lembra aos cristãos de Filipos – e a nós também – que a vida cristã é uma corrida que não acaba enquanto não chegarmos à meta. Paulo sabia que, em determinados momentos do caminho, somos tentados pela acomodação, pelo conformismo, pela instalação, pela preguiça, pela convicção de que já fizemos tudo o que era necessário fazer. Por isso, Paulo deixa o aviso: enquanto caminhamos nesta terra nada está concluído, há sempre caminho a percorrer. A nossa identificação com Cristo é um desafio constante, uma aposta que temos de renovar em cada passo do caminho. Como é que encaramos a nossa caminhada ao encontro de Cristo? Como uma meta já alcançada, que nos permite, a carta altura, viver de rendimentos, ou como uma corrida nunca terminada, que exige a cada passo a renovação do nosso empenho e do nosso compromisso? in Dehonianos.

EVANGELHO João 8,1-11

Naquele tempo,
Jesus foi para o Monte das Oliveiras.
Mas de manhã cedo, apareceu outra vez no templo,
e todo o povo se aproximou d’Ele.
Então sentou-Se e começou a ensinar.
Os escribas e os fariseus apresentaram a Jesus
uma mulher surpreendida em adultério,
colocaram-na no meio dos presentes e disseram a Jesus:
«Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres.
Tu que dizes?».
Falavam assim para Lhe armarem uma cilada
e terem pretexto para O acusar.
Mas Jesus inclinou-Se
e começou a escrever com o dedo no chão.
Como persistiam em interrogá-l’O,
ergueu-Se e disse-lhes:
«Quem de entre vós estiver sem pecado
atire a primeira pedra».
Inclinou-Se novamente e continuou a escrever no chão.
Eles, porém, quando ouviram tais palavras,
foram saindo um após outro, a começar pelos mais velhos,
e ficou só Jesus e a mulher, que estava no meio.
Jesus ergueu-Se e disse-lhe:
«Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?».
Ela respondeu:
«Ninguém, Senhor».
Disse então Jesus:
«Nem Eu te condeno.
Vai e não tornes a pecar».

 

CONTEXTO

O relato da mulher apanhada a cometer adultério não pertencia, inicialmente, ao Evangelho de João. Terá sido um relato introduzido tardiamente no Quarto Evangelho, pois não aparece nos manuscritos anteriores ao ano 300. É ignorado pelos Padres da Igreja até ao séc. IV. Depois disso, a sua canonicidade é defendida por Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Jerónimo que, no entanto, o colocam noutro lugar (depois de Jo 7,36). Aliás, o texto não possui as caraterísticas do estilo joânico (linguagem, género literário) e a sua temática não encaixa nas preocupações teológicas do autor do Quarto Evangelho. Alguns manuscritos antigos colocam-no no Evangelho de Lucas (após Lc 21,38), que seria um lugar mais lógico para enquadrar o relato, dado o interesse de Lucas em sublinhar a misericórdia de Jesus para com os pecadores e proscritos.

Não se sabe quem recolheu este relato nem por que portas ele veio ter ao Evangelho segundo João. Alguns viram no ostracismo a que ele foi votado durante algum tempo a dificuldade da Igreja primitiva em aceitar uma história escandalosa, numa altura em que o adultério era considerado totalmente incompatível com a condição dos batizados, levando inclusive à exclusão da comunidade cristã. Contudo, o facto de o texto, depois de algum tempo, se ter imposto e aparecer num dos evangelhos é considerado a confirmação da sua autenticidade: não foi possível silenciar um episódio que se baseava numa tradição consistente. Seja como for, a Igreja acabou por aceitar este relato como um texto inspirado e por o incluir no tesouro da Palavra de Deus.

A cena que vai ser descrita situa-nos no Templo de Jerusalém. Jesus tinha pernoitado no Monte das Oliveiras; mas, pela manhã, dirigira-se de novo para o Templo, onde costumava ensinar todos aqueles que iam ao seu encontro. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • O episódio da mulher apanhada em adultério, trazida até Jesus pelos escribas e doutores da Lei, oferece-nos um muito belo retrato de Deus e da forma como Deus encara a fragilidade dos seus filhos e filhas. Garante-nos que o Deus que Jesus nos veio revelar funciona numa lógica de misericórdia e não numa lógica de estrita retribuição; diz-nos que a força de Deus não está na condenação e no castigo, mas sim no amor e no perdão; assegura que o nosso Deus não quer a morte daquele que errou, mas sim a libertação plena de cada um dos seus filhos; confirma que o coração de Deus é um coração de pai ou de mãe, sempre cheio de amor pelos seus queridos filhos. Sempre que lhe apresentamos as nossas misérias e as nossas decisões estúpidas, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”; sempre que caímos uma e outra e outra vez nos mesmos erros, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”; sempre que nos apresentamos diante d’Ele dececionados com a forma como conduzimos a nossa vida, Ele consola-nos e garante-nos: “Eu não te condeno”; sempre que nos sentimos malvistos, incompreendidos, marginalizados, Ele diz-nos: “Eu não te condeno”. Neste tempo quaresmal, quando somos convidados a olhar para as nossas fragilidades mil vezes repetidas, é consolador ouvirmos de Deus este “Eu não te condeno”; dá-nos vontade de superarmos as nossas limitações e de abraçarmos, com decisão, um caminho novo, uma vida nova. O que achamos de tudo isto? Sentimos que as nossas fragilidades e limitações não são decisivas face ao amor imenso que Deus nos dedica? Isso é para nós fonte de consolação, de alegria e de esperança?
  • Aqueles escribas e fariseus que trazem a Jesus a mulher apanhada em adultério são os polícias da moral e dos bons costumes, sempre dispostos a anotar e a condenar os erros e as falhas dos outros. Os seus corações são comandados pelo legalismo e não pela misericórdia. Habita-os a hipocrisia: conseguem descobrir tudo o que se passa de errado na vida dos outros, mas não se detêm um instante a olhar para os seus próprios telhados de vidro. São “figuras” que encontramos a cada passo no nosso mundo e até mesmo nas nossas comunidades cristãs. Condenam os “diferentes” em julgamentos sumários, carregam os outros com pesos insuportáveis de culpas reais ou imaginárias, tratam com arrogância os mais humildes e frágeis, colocam rótulos desprovidos de caridade nas pessoas que os rodeiam, oferecem ao mundo a imagem de um Deus intransigente e mau, fazem com que muitos homens e mulheres de boa vontade não tenham qualquer vontade de conhecer Deus e as suas propostas. Conhecemos gente assim? Teremos porventura nós também alguns destes “tiques”? Necessitaremos de mudar alguma coisa, na nossa forma de ver os nossos irmãos e as suas fragilidades, para não nos identificarmos com esses “escribas e fariseus”?
  • Jesus não se limitou a dizer à mulher que não a condenava, mas, com respeito e delicadeza, colocou-a na rota de uma vida nova: “vai e não tornes a pecar”. Depois de a libertar do peso da culpa, convidou-a libertar-se das opções que escravizam e conduzem a situações sem saída. A “estratégia” de Jesus corresponde ao projeto de Deus para os seres humanos. Deus não se limita a não condenar ou a perdoar, mas quer que os seus filhos caminhem em direção à vida nova, a uma vida com sentido, livre e plenamente realizada. É precisamente esse o caminho que somos chamados a percorrer durante o tempo quaresmal. De que é que precisamos de nos libertar para chegarmos a uma vida renovada, a um caminho de liberdade e de plena realização?
  • O perdão é um dos sinais do Reino de Deus. Jesus pediu repetidamente aos seus discípulos que vivessem as suas vidas ao ritmo do perdão. O que é perdoar? É esquecer ingenuamente as injustiças passadas? Não. Perdoar é recordar o mal que nos fizeram e, apesar disso, adotar uma atitude não discriminatória nem vingativa contra aquele que fez o mal; é ter presente o que nos feriu e, apesar disso, inverter a lógica de violência e de agressividade para começar uma história nova, criadora de um futuro diferente com a pessoa que nos magoou. Quem perdoa, evidentemente, corre riscos; mas, ao perdoar, estamos a evitar o maior de todos os riscos: o de nos fecharmos a qualquer futuro e de deixarmos que o ódio envenene as nossas vidas. Como lidamos com a exigência do perdão? Estamos de acordo que o perdão nos abre as portas de uma vida mais produtiva, mais humana e mais feliz?
  • A magnanimidade de Deus para com as pessoas que falham não será uma atitude pouco pedagógica? Não favorecerá a banalização do pecado? Para Deus será tudo igual, no que concerne às escolhas dos seus filhos, uma vez que o seu amor é incondicional? É necessário que entendamos isto: as nossas escolhas erradas atingem-nos a nós próprios, limitam os nossos próprios horizontes, fazem-nos falhar o sentido da nossa existência, impedem-nos de ser livres. Deus não fica feliz se nos vir escolher caminhos de egoísmo e de autossuficiência, pois sabe que isso nos levará até à frustração e ao fracasso. Mas o pecado não magoa Deus; magoa-nos a nós próprios. Temos consciência disso?
  • Na história da mulher apanhada em adultério, a acusação dos escribas e fariseus recai apenas na mulher; ninguém pergunta a Jesus se o homem que com ela estava deve ser morto, segundo a Lei de Moisés. O quadro expõe a hipocrisia de uma sociedade que castigava a mulher, mas não usava a mesma medida para com as falhas do homem. Trata-se de uma sociedade que discrimina a mulher face ao homem. Jesus, ao defender a mulher acossada por aquele grupo de homens, introduz verdade e justiça naquele quadro desequilibrado e injusto. Embora hoje o ordenamento jurídico e a legislação penal já tenham em conta a igualdade fundamental entre o homem e a mulher, ainda subsistem, na nossa vida de todos os dias, práticas e hábitos discriminatórios que atentam contra a dignidade das mulheres, que humilham as mulheres e as fazem sofrer. Não deveríamos estar mais atentos a isto, inclusive nas comunidades cristãs? Não deveríamos, como Jesus, estar mais perto de todas as mulheres injustiçadas, oprimidas, discriminadas, ofendidas na sua dignidade, tratadas como objetos, para lhes proporcionarmos defesa inteligente e proteção eficaz? in Dehonianos.

 

Para os leitores:

A primeira leitura, depois de uma introdução acerca da acção libertadora de Deus, apresenta a palavra de Deus dirigida ao povo. A proclamação desta leitura deve ter em atenção esta estrutura, cuidando da introdução ao discurso direto – «Eis o que diz o Senhor». Nas palavras dirigidas por Deus deve haver um especial cuidado com algumas pequenas expressões que ajudarão a sublinhar a força deste texto: a forma imperativa – «Olhai» – e a frase interrogativa – «não a vedes?».

A segunda leitura, como é habitual nos textos de S. Paulo, apresenta frases longas com diversas orações, pelo que se deve cuidar as pausas e respirações para que não se perca o sentido do texto.

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)           

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

 

Quaresma: Caminhada para a Páscoa

 

TEMPO DE CONVERSÃO 

 

Foi-te dito:

Rodeia-te de triunfadores.

Para que tua vida seja um êxito

serve-te de todos.

Retém em tua memória

o nome do rico,

e anota o telefone

do rosto feminino

que sorri no concurso.

Forra as paredes de tua casa

com assinaturas de pintores

de prestígio e de dinheiro.

Enche tua boca

com os nomes

que ocupam o cenário

da glória escorregadia.

Faz-te vizinho, compadre,

do seu clube e seu partido.

que todas estas famas

te emprestem o seu prestígio.

Mas a Palavra diz:

Senta à tua mesa

os que não podem

convidar-te a sua casa

arrastada pelo rio,

e empresta sem enrugar a cara

ao que não pode devolver-te

o teu dinheiro no prazo estipulado

porque as horas extras

se perderam no computador

da zona franca.

Haverão encontrado em ti

a resposta de Deus

à sua angústia quotidiana.

e tu sentirás atravessar

algo de Deus a passar

pelo centro de ti mesmo

para chegar até ao irmão.

Ao romper,

com este gesto de gratuita proximidade,

as leis e as cátedras do investimento bem calculado,

um manancial de eternidade

te chegará entre tuas pedras,

e fará de ti um servidor de todos,

cheio de graça e de sabor.

.

Benjamin González Buelta

in ‘Salmos para sentir e saborear as coisas internamente’

 

 

ANEXOS:

Domingo IV da Quaresma – Ano C – 30 março 2025

Lætare

A palavra latina lætare (alegra-te), designa, classicamente, o IV Domingo da Quaresma, porque assim começa o texto do seu cântico de entrada ou introito: «Lætare, Jerusalem», texto de Isaías (66,10): «Alegra- -te, Jerusalém; rejubilai, todos os seus amigos…» Dava-se a este domingo um tom de alegria porque coincide com o meio da Quaresma e, portanto, introduz a perspetiva de proximidade do final do jejum e a alegria da Páscoa. Também se chamava «Dominica in mediana». Neste domingo, a meio do jejum, sublinhava-se o tom de alegria e de respiração, ao permitir-se a música instrumental e as flores. Os paramentos dos ministros podem ser cor-de-rosa. Dicionário elementar de liturgia

 

Viver a Palavra

No IV Domingo deste itinerário quaresmal somos convidados a saborear e a contemplar a bondade e a ternura de Deus que preenche as nossas vidas com uma alegria inaudita que nos impele a ser testemunhas do Evangelho do amor e da misericórdia como recorda o Papa Francisco: «a Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria» (EG 1).

A liturgia da Palavra deste Domingo, também designado Domino Laetare, está marcada por esta alegria que não é mero sentimento de contentamento, mas a certeza da presença terna e misericordiosa de Deus: a alegria do Povo de Israel que celebra pela primeira vez a Páscoa na terra de Canaã, fazendo memória festiva da certeza de um Deus que salva, conduz e liberta o Seu Povo para o conduzir à terra da promessa; a alegria que se converte em louvor e reconhecimento e faz cantar com as palavras do salmista “saboreai e vede como o Senhor é bom”; a alegria de um Deus que faz novas todas as coisas e, por isso, faz de cada homem e de cada mulher uma nova criatura, reconciliada com o Pai em Cristo Jesus; a alegria inaudita de um pai que não conhece caminhos sem saída e que vive na soleira da porta esperando o filho que partiu para longe, para que no abraço do perdão se faça a festa da alegria reencontrada.

A contemplação do rosto belo, misericordioso e compassivo do Pai que é apresentado por Jesus ensina-nos que no centro da nossa vida não pode estar o pecado, a culpa ou a pesada consciência do mal que cometemos, mas a infinita misericórdia de Deus.

Todos se aproximam de Jesus: publicanos, pecadores, escribas e fariseus. Os publicanos e pecadores encontram em Jesus um rosto de esperança e uma palavra de alento que pode oferecer um novo sentido às suas vidas. Os escribas e fariseus murmuram entre si, pois a atitude de Jesus desconcerta os que vivem numa posição de superioridade moral e religiosa: «este homem acolhe os pecadores e come com eles».

Diante destes ouvintes, Jesus conta a parábola do Pai Pródigo, pois ao contrário do que tantas vezes dizemos, o único pródigo desta parábola é o pai que distribui com abundância o amor, a misericórdia, o perdão e o acolhimento. Por isso, o grande protagonista desta parábola é o Pai que acolhe o filho que livremente abandonou a casa paterna, mas que regressa ao único lugar onde pode ser verdadeiramente livre.

Na verdade, é este abraço que o faz percorrer a estrada da conversão e da vida nova. Ele regressa para casa, não porque na verdade tenha já percorrido um caminho de conversão e arrependimento. Não se trata de um arrebate de consciência, mas de um arrebate de estômago: «quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome». Ensaia um discurso e decide voltar a casa como um criado, mas o pai surpreende-o. Ainda vem longe, quando o pai corre ao seu encontro de braços abertos e sem lhe permite terminar o discurso, pede uma túnica, o anel e as sandálias, restituindo-lhe a dignidade de filho.

É verdade que nos revemos facilmente neste filho que abandona a casa paterna. Contudo, a parábola não termina sem referir a dificuldade do filho mais velho em fazer festa pelo regresso do irmão e, por isso, tantas vezes nos podemos também identificar com esta atitude. Porém, como filhos amados e reconciliados pelo amor do Pai, somos chamados a transformar o nosso coração para que se torne um lugar de misericórdia e compaixão, acolhimento e perdão para que nas nossas vidas resplandeça a certeza proclamada por S. Paulo: «se alguém está em Cristo, é uma nova criatura. As coisas antigas passaram; tudo foi renovado». in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

O IV Domingo da Quaresma convida-nos a fixar o nosso olhar na infinita misericórdia de Deus que «acolhe os pecadores e come com eles». Percorrendo o nosso itinerário quaresmal, nesta semana somos chamados a viver de modo especial como portadores da misericórdia e da compaixão. A misericórdia de Deus transforma o nosso coração e a nossa vida e desafia-nos a fazer da nossa fragilidade lugar de encontro com a força que brota do coração de Deus. Por isso, transfigurados pelo amor de Deus, somos chamados a ser portadores da Sua bondade com quantos se cruzam connosco na estrada da vida. Comunitariamente poderão ser propostas e realizadas ações concretas que renovem a nossa consciência de paróquias missionários ao serviço de Deus e do Mundo. in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Josué 5,9a.10-12

Naqueles dias,
disse o Senhor a Josué:
«Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto».
Os filhos de Israel acamparam em Gálgala
e celebraram a Páscoa,
no dia catorze do mês, à tarde,
na planície de Jericó.
No dia seguinte à Páscoa,
comeram dos frutos da terra:
pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia.
Quando começaram a comer dos frutos da terra,
no dia seguinte à Páscoa,
cessou o maná.
Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná,
mas, naquele ano,
já se alimentaram dos frutos da terra de Canaã.

 

CONTEXTO

O Livro de Josué é uma reflexão sobre a história do Povo de Deus no período que vai desde a sua entrada em Canaã até à morte de Josué (talvez por meados do séc. XII a.C.). Descreve sobretudo a conquista da Terra Prometida (cf. Js 1,1-12,24) e a distribuição do território pelas tribos (cf. Js 13,1-21,45). Um apêndice final, redigido provavelmente durante o Exílio na Babilónia, refere a despedida e a morte de Josué, bem como a notícia de uma reunião geral de tribos em Siquém, antes da morte de Josué (cf. Js 22,1-24,33).

Em geral, a preocupação dos autores da “escola deuteronomista” que compuseram este livro é mais de caráter teológico do que histórico. Por exemplo, a conquista da Terra é apresentada como uma campanha fulgurante e fácil em que as doze tribos a uma só voz, sob a liderança de Josué, se apoderaram facilmente de toda a Terra. Mas, historicamente as coisas não aconteceram dessa forma… O livro dos Juízes, muito mais realista, fala de uma conquista lenta, difícil (cf. Jz 1) e incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente. Mais do que descrever factos históricos, os autores do livro estão interessados em afirmar o poder de Javé, posto ao serviço do seu Povo. Foi Deus – e não a capacidade militar das tribos – que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; Israel, por sua vez, deve responder a esse dom mantendo-se fiel à Aliança e aos mandamentos.

O texto que a liturgia deste quarto domingo da Quaresma nos propõe como primeira leitura pertence à primeira parte do livro. Situa-nos em Guilgal, um lugar que ainda não foi localizado, mas que devia situar-se não longe do rio Jordão, a nordeste da cidade de Jericó. Os israelitas, vindos do deserto, tinham acabado de atravessar o rio Jordão e detiveram-se nesse lugar. Aproximava-se a celebração da primeira Páscoa na Terra Prometida e só os circuncidados podiam celebrá-la e participar da refeição pascal (cf. Ex 12,44.48); por isso, Josué ordenou que passassem pelo rito da circuncisão todos os membros do povo que ainda não tinham sido circuncidados (cf. Js 5,1-8). O nosso texto refere o que aconteceu, logo depois da conclusão do rito, em Guilgal.  in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Somos convidados, neste tempo de Quaresma, a uma experiência semelhante à que fez o Povo de Deus que acampou em Guilgal, depois de ter passado o rio Jordão: é tempo de deixarmos para trás a fase da escravidão e de começarmos a pensar e a agir em termos novos, fixando o nosso olhar em horizontes mais amplos, que deem à nossa vida uma dimensão de eternidade; é tempo de nos libertarmos da mentalidade de escravos, de visões estreitas e egoístas, de valores que nada valem, de apostas que não levam a nenhum lado, e de passarmos a viver como pessoas livres, que caminham decididamente ao encontro de uma vida com sentido; é tempo de acordarmos da letargia e da estagnação em que vivemos, a fim assumirmos um papel ativo na construção do projeto que Deus tem para o mundo e para os homens. Estamos dispostos, neste tempo de Quaresma, a operar essa mudança?
  • A circuncisão era, para os israelitas, um sinal físico de pertença ao povo eleito de Deus, ao povo comprometido numa Aliança com Deus. Os profetas, contudo, disseram repetidamente que a circuncisão, enquanto rito externo, nada significava, pois não garantia o envolvimento e o compromisso do povo com Deus. Em seu lugar, os profetas de Israel pediram aquilo a que chamaram a “circuncisão do coração” (Dt 10,16; Jr 4,4; cf. Jr 9,25): uma purificação do coração, uma transformação interior, uma renovação da mente, uma “conversão” que leve o ser humano a aproximar-se novamente de Deus, a escutar outra vez Deus, a obedecer a Deus, a caminhar com Deus, a viver segundo Deus. O que é que, na nossa forma de viver, de pensar e de atuar precisamos de “cortar” ou de transformar para renovar a nossa vida e a nossa relação com Deus? O que é que ainda nos impede de celebrar um verdadeiro e efetivo compromisso com Deus?
  • O batismo marcou, para nós, o momento em que nos comprometemos com Deus e passamos a fazer parte da família de Deus. Nesse dia, dissemos não à escravidão do egoísmo e do pecado e comprometemo-nos a viver a vida nova de Deus. Fomos ungidos com o óleo dos catecúmenos e recebemos a força de Deus para dizer “não” ao mal; fomos também ungidos com o óleo do crisma, que nos constituiu sacerdotes, profetas e reis, à imagem de Jesus, membros do povo da nova Aliança; fomos envolvidos numa veste branca e foi-nos pedido que nos mantivéssemos assim, vestidos de Deus, ao longo de todo o nosso caminho; recebemos a luz de Cristo e fomos convidados a nunca deixar apagar essa luz nas nossas vidas… Temos vivido na fidelidade a essa vida nova? A Quaresma não será um tempo favorável para renovarmos o nosso compromisso batismal e para regressarmos a essa fonte de vida nova onde mergulhamos no dia em que fomos batizados? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)

Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.

Enaltecei comigo ao Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.

Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.

 

LEITURA II – 2 Coríntios 5,17-21

Irmãos:
Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
As coisas antigas passaram; tudo foi renovado.
Tudo isto vem de Deus,
que por Cristo nos reconciliou consigo
e nos confiou o ministério da reconciliação.
Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo,
não levando em conta as faltas dos homens
e confiando-nos a palavra da reconciliação.
Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo;
é Deus quem vos exorta por nosso intermédio.
Nós vos pedimos em nome de Cristo:
reconciliai-vos com Deus.
A Cristo, que não conhecera o pecado,
Deus identificou-O com o pecado por causa de nós,
para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus.

 

CONTEXTO

A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reação extremada de alguns cristãos de Corinto. Aproveitando a ocasião, alguns adversários de Paulo (pelo contexto, não se percebe exatamente se são esses “judaizantes” que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei, ou se são cristãos que aceitam o laxismo da vida dos coríntios e que criticam a severidade de Paulo) organizaram uma campanha no sentido de o desacreditar. Acusaram-no de anunciar o Evangelho por interesses pessoais e ainda de apresentar uma mensagem que não estava em consonância com a doutrina dos outros apóstolos. Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detratores. O choque deve ter deixado marcas na comunidade. Depois, Paulo dirigiu-se para Éfeso.

Algum tempo depois, Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de acalmar os ânimos dos coríntios e tentar a reconciliação. Paulo, entretanto, deixou Éfeso e foi para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.

Reconfortado, Paulo escreveu uma “carta de reconciliação” na qual fazia uma tranquila apologia do seu apostolado (cf. 2 Cor 1,3-7,16) e desmontava os argumentos dos adversários (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Juntou também, no mesmo escrito, algumas instruções acerca de uma coleta em favor dos pobres da Igreja de Jerusalém (cf. 2 Cor 8,1-9,15). Apareceu, assim, a nossa segunda carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.

O texto que nos é proposto integra a primeira parte da carta (cf. 2 Cor 1,3-7,16). Aí, Paulo procura desfazer alguns mal-entendidos com os coríntios, dá notícias e, sobretudo, explica quais os princípios que sempre nortearam a sua ação apostólica. O que o move é o amor a Cristo. Tudo o que ele tem feito junto dos coríntios é para os ajudar a acolher Cristo nas suas vidas. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Em tempo de Quaresma, Paulo fornece-nos a chave de leitura para “ler” os mistérios da fé que iremos celebrar dentro de alguns dias, no chamado Tríduo Pascal: com a sua vida, com a sua proposta, com a sua entrega por todos, com o seu amor até ao extremo, Cristo derrotou o pecado e a maldade e ensinou-nos a viver num outro dinamismo, o dinamismo do amor. Não foi iniciativa nossa, mas foi uma iniciativa de Deus. Foi Deus que, sem se deixar impressionar pelos nossos amuos e pela nossa autossuficiência, nos enviou o seu filho Jesus para nos mostrar como nos amava, para nos oferecer a possibilidade de ultrapassar o passado e de viver uma vida nova. Convém que, quando olharmos para a cruz de Jesus tenhamos isto presente, a fim de entendermos o extraordinário dom que Deus nos faz. Conscientes de tudo isto, como é que nos propomos responder à oferta de Deus? Tocados pelo amor de Deus – bem evidente na vida e na entrega de Jesus – queremos ultrapassar o nosso egoísmo e o nosso orgulho para vivermos reconciliados com Deus? O “dia novo” da Páscoa poderá ser, para nós, um “tempo novo”, o tempo em que vivemos “reconciliados” com Deus?
  • Paulo, desde que se encontrou com Cristo e que entendeu o sentido da sua vida, da sua morte e da sua ressurreição, tornou-se “embaixador” de Cristo no mundo, arauto dessa obra de “reconciliação” que Cristo veio realizar. Paulo entendia que há propostas tão belas e tão transformadoras que não podem ficar silenciadas e esquecidas: é preciso que alguém as anuncie e explicite para que essas propostas mudem o mundo e as vidas dos homens. Ora, a proposta que Deus nos fez através de Cristo é uma delas. Tem de ser convenientemente publicitada e testemunhada para que todos possam conhecê-la e, conhecendo-a, nascer para uma nova realidade. Nós que nos encontramos com Cristo e que nos consideramos discípulos de Cristo somos, como Paulo, “embaixadores de Cristo” junto dos nossos irmãos? Anunciamos e testemunhamos aos nossos irmãos e irmãs, com toda a nossa vida, com todas as nossas forças, com todo o nosso entendimento, com todo o nosso coração, a proposta de “reconciliação” que Cristo nos veio oferecer?
  • Paulo fala, neste texto, da “reconciliação” com Deus. Não fala explicitamente da “reconciliação” com os irmãos. Mas, quando escreve as palavras que lemos, ele está angustiado pelo conflito que o distancia dos seus queridos filhos de Corinto. Ora, Paulo sabe que só será possível a reconciliação entre os irmãos desavindos se, antes, esses irmãos descobriram o amor de Deus e aceitaram viver no dinamismo do amor. Quem descobre o amor de Deus e vive reconciliado com Deus, percebe que deve viver reconciliado com os seus irmãos. Nós, os que fomos tocados pelo amor de Deus, procuramos viver reconciliados com todos os nossos irmãos? Testemunhamos o amor de Deus vivendo em paz e harmonia uns com os outros? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 15,1-3.11-32

Naquele tempo,
os publicanos e os pecadores
aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.
Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
«Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
«Um homem tinha dois filhos.
O mais novo disse ao pai:
‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’.
O pai repartiu os bens pelos filhos.
Alguns dias depois, o filho mais novo,
juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
e por lá esbanjou quanto possuía,
numa vida dissoluta.
Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região
e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra,
que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome
com as alfarrobas que os porcos comiam,
mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse:
‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho,
mas trata-me como um dos teus trabalhadores’.
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
encheu-se de compaixão
e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho:
‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos servos:
‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o.
Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’.
E começou a festa.
Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou,
ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe:
‘O teu irmão voltou
e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
porque ele chegou são e salvo’.
Ele ficou ressentido e não queria entrar.
Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai:
‘Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua,
e nunca me deste um cabrito
para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho,
que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
mataste-lhe o vitelo gordo’.
Disse-lhe o pai:
‘Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’».

 

CONTEXTO

Jesus, rodeado pelos seus discípulos, caminha em direção a Jerusalém. Mais do que um caminho físico, trata-se de um caminho espiritual: as “lições” que Jesus, a cada passo, vai dando aos discípulos, preparam-nos para acolher e para, mais tarde, testemunhar o Reino de Deus.

Uma dessas “lições” refere-se à forma como Deus vê aqueles homens e mulheres que a sociedade marginaliza e condena. As chamadas “parábolas da misericórdia de Deus”, contadas por Jesus, dão conta da preocupação de Deus pelos seus filhos “perdidos” (cf. Lc 15,1-32). No cenário montado por Lucas, essas parábolas são a resposta de Jesus ao comentário escandalizado dos escribas e fariseus: “este homem acolhe os pecadores e come com eles” (Lc 15,2-3).

De facto, o acolhimento que Jesus dispensava às pessoas pouco recomendáveis era muito comentado pelos líderes religiosos judaicos. Nesse grupo de gente pouco recomendável estavam aqueles que Lucas chama “os pecadores” e “os publicanos” (Lc 15,1). O grupo dos “pecadores” incluía todos aqueles que desobedeciam escandalosamente à Lei e levavam vidas desregradas: os usurários, os vigaristas, os delinquentes, as prostitutas. Os “publicanos” eram os cobradores de impostos, que colaboravam com os romanos na opressão do povo e tinham fama de roubar os pobres cobrando mais do que estava estipulado. As autoridades religiosas judaicas viam-nos como “malditos” e colocavam-nos à margem da salvação. Nenhuma “pessoa de bem” gostava de estar associada a esta gente. Mas Jesus tinha grandes amigos entre esses marginais e não tinha qualquer problema em sentar-se com eles à mesa. Não excluía ninguém e achava que todos eram bem-vindos à comunidade do Reino de Deus. Essa benevolência de Jesus para com aqueles que a moral, os bons costumes e a Lei condenavam, era algo de inaudito, de escandaloso, de vergonhoso, de incompreensível.

A parábola que o Evangelho deste quarto domingo da Quaresma nos traz (Lc 15,11-32), é uma das mais conhecidas de Jesus. A tradução latina (a “Vulgata”), notando o espaço que o filho mais novo – um jovem que dissipa os bens da família numa vida dissoluta – tem nela, chama-lhe a “parábola do filho pródigo”; mas a maioria dos exegetas mais recentes, considerando que o papel do “pai” na parábola é central, chamam-lhe a “parábola do pai misericordioso. A parábola é exclusiva de Lucas: não aparece em mais nenhum dos evangelhos. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Para nós, homens e mulheres do séc. XXI, quem é Deus? Como o vemos e entendemos? Deus interessa-nos? Tem lugar na nossa vida? Faz-nos alguma falta? A parábola do pai misericordioso, contada por Jesus, é para todos aqueles que se questionam sobre Deus e sobre o papel de Deus nas suas vidas. Jesus falava de Deus como um pai, um pai que ama os seus filhos para além de toda a medida, de toda a compreensão e de toda a lógica; um pai que respeita as decisões dos seus filhos, mesmo quando eles tomam decisões absolutamente disparatadas; um pai que não tem medo de passar vergonhas e de perder a sua “dignidade” de chefe da família por causa do seu amor; um pai que, quando avista os seus filhos humilhados e magoados, corre ao encontro deles e abraça-os com uma ternura sem fim; um pai que não critica, nem acusa, nem castiga, nem exige explicações, porque está apenas focado em amar; um pai cujo amor regenera e proporciona a cada passo aos filhos uma vida nova e livre; um pai cujo desejo mais profundo é sentar-se com todos os seus queridos filhos, sem exceção, à volta da mesa familiar, numa festa sem fim. Nas nossas vidas, cheias de futilidade, de angústia, de solidão, de medos, de amores efémeros, de apostas falhadas, não fará falta um Deus que seja capaz de nos olhar com um olhar de pai e de mãe, com um olhar de amor?
  • O “filho mais novo” da parábola, na sua ânsia de “aproveitar a vida”, vai resvalando progressivamente por um caminho sem saída. As suas opções vão-se reduzindo a cada passo. A dada altura, só lhe resta voltar para trás, regressar ao encontro do pai. Em linguagem cristã, esse “voltar para trás ao encontro do pai”, chama-se “conversão”. Implica uma mudança de perspetiva, de mentalidade, de valores, de atitudes; implica inverter o rumo da própria vida, renunciar ao egoísmo, ao orgulho e à autossuficiência e voltar a confiar em Deus. O tempo da Quaresma é um tempo favorável para a “conversão”, para inverter o rumo da vida e voltar para Deus. Na parábola do pai misericordioso, Jesus garante-nos que Deus nunca nos fechará as portas: estará sempre à nossa espera de braços abertos, pronto para nos acolher e para nos reintegrar na sua família. O perdão, consequência do amor, é uma das mais belas manifestações do ser de Deus. Renova-nos, regenera-nos, devolve-nos a esperança, oferece-nos um novo começo, traz-nos a paz, abre-nos as portas da esperança. Aceitamos, neste tempo de Quaresma, fazer a experiência pacificadora de nos sentirmos perdoados, acolhidos e abraçados pelo Pai?
  • O “filho mais velho” da parábola nunca abandonou a casa do pai. A sua vida decorre sem sobressaltos, a trabalhar nos terrenos da família; cumpre as suas obrigações, obedece ao pai e nunca deu ao pai razões de queixa. Intui-se, no entanto, que a relação que ele tem com o pai está mais marcada pelo sentido do dever do que pelo afeto. Ele parece mais um servo cumpridor, do que um filho. Tem um sentido de “justiça” bastante rígido. Acha que quem é cumpridor deve ser recompensado e quem não cumpre as suas obrigações deve ser castigado e deixado para trás. O coração deste filho é seco e árido. Não conhece a misericórdia, a bondade, o amor, o perdão. Por isso, não compreende a “fraqueza” do pai em relação ao irmão que falhou; e nunca aceitará ou perdoará as escolhas erradas que o irmão fez. Conhecemos alguém assim? Como é que olhamos para aqueles que abandonaram a comunidade cristã? Como é que falamos daqueles que se consideram ateus ou daqueles que buscam Deus em caminhos diferentes dos nossos? Como é que vemos e tratamos aqueles que as leis canónicas consideram em situação irregular? O que vale, na forma como abordamos e tratamos os nossos irmãos, é o que está prescrito nas leis, ou consagrado num qualquer catálogo de “bons costumes”, ou é o amor, a bondade, a misericórdia, a compaixão?
  • As razões que levam alguém a cortar os laços que o unem à família são as mais diversas. Algumas têm a ver com as contingências da vida e com o curso normal da vida; mas outras vezes o “corte” resulta de situações cuja responsabilidade pertence a um ou outro membro da família. Isso também acontece nas nossas comunidades cristãs. Os irmãos que se afastam da nossa comunidade cristã fazem-no sempre por comodismo pessoal ou por decisões egoístas, ou fazem-no por vezes porque os “irmãos mais velhos” não souberam acolhê-los e não se preocuparam em criar um clima fraterno? A nossa forma de viver a religião – tantas vezes formal, vazia, legalista – não será responsável pelo abandono de tantos homens e mulheres que não encontram entre nós uma proposta convincente de vida? As nossas liturgias solenes e majestosas, cheias de ritualismo, de pompa e circunstância, não desiludirão muitos irmãos que não conseguem encontrar Deus em todo esse aparato? As nossas divisões, conflitos, intrigas, invejas, não serão um contratestemunho para tantos homens e mulheres que veem a forma como vivemos?
  • A parábola do pai misericordioso deixa no ar algumas questões: se Deus é assim, se Deus está sempre de braços abertos para acolher os filhos que fizeram escolhas erradas, vale a pena ser bom? Não será mais lógico “gozar a vida” o mais possível, sem problemas de consciência, uma vez que Deus tudo perdoa? Na verdade, a parábola é clara: a opção pela futilidade e pelos valores efémeros não é uma boa opção. O filho mais novo da parábola constatou isso mesmo: as suas escolhas erradas levaram-no para um beco sem saída e deixaram-lhe feridas quase fatais. Foi por ter percebido que aquele tempo longe do pai tinha sido um tempo perdido, que ele voltou para casa. Podemos, nós também escolher a autossuficiência e afastar-nos de Deus…. Será uma boa opção? Isso não será perder tempo? Podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar a nossa breve vida em caminhos que não nos levam a lado nenhum? in Dehonianos.

 

Para os leitores:

A primeira leitura do Livro de Josué narra a primeira Páscoa do Povo de Israel celebrada na terra de Canaã. Por isso, a proclamação desta leitura deve ter presente o tom narrativo que marca todo este texto. Deve haver um especial cuidado na pronunciação das palavras mais difíceis: «opróbrio», «Gálgala» e «ázimos».

A segunda leitura abre com uma afirmação central: «Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura». Esta frase deve ser lida com especial entoação pois marca a mensagem principal de todo o texto. O verbo reconciliar é repetido cinco vezes, em diferentes tempos e modos. O cuidado na leitura das diferentes formas verbais contribuirá para uma melhor compreensão da mensagem e uma mais eficaz proclamação do texto

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)           

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

 

Quaresma: Caminhada para a Páscoa

 

TEMPO DE CONVERSÃO 

 

Foi-te dito:

Rodeia-te de triunfadores.

Para que tua vida seja um êxito

serve-te de todos.

Retém em tua memória

o nome do rico,

e anota o telefone

do rosto feminino

que sorri no concurso.

Forra as paredes de tua casa

com assinaturas de pintores

de prestígio e de dinheiro.

Enche tua boca

com os nomes

que ocupam o cenário

da glória escorregadia.

Faz-te vizinho, compadre,

do seu clube e seu partido.

que todas estas famas

te emprestem o seu prestígio.

Mas a Palavra diz:

Senta à tua mesa

os que não podem

convidar-te a sua casa

arrastada pelo rio,

e empresta sem enrugar a cara

ao que não pode devolver-te

o teu dinheiro no prazo estipulado

porque as horas extras

se perderam no computador

da zona franca.

Haverão encontrado em ti

a resposta de Deus

à sua angústia quotidiana.

e tu sentirás atravessar

algo de Deus a passar

pelo centro de ti mesmo

para chegar até ao irmão.

Ao romper,

com este gesto de gratuita proximidade,

as leis e as cátedras do investimento bem calculado,

um manancial de eternidade

te chegará entre tuas pedras,

e fará de ti um servidor de todos,

cheio de graça e de sabor.

.

Benjamin González Buelta

in ‘Salmos para sentir e saborear as coisas internamente’

 

 

ANEXOS:

Domingo III da Quaresma – Ano C – 23 março 2025

….. 5Não, Eu vo-lo digo; mas, se não vos converterdes, perecereis todos da mesma forma.»6Disse-lhes, também, a seguinte parábola: «Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha e foi lá procurar frutos, mas não os encontrou. 7Disse ao encarregado da vinha: ‘Há três anos que venho procurar fruto nesta figueira e não o encontro. Corta-a; para que está ela a ocupar a terra?’ 8Mas ele respondeu: ‘Senhor, deixa-a mais este ano, para que eu possa escavar a terra em volta e deitar-lhe estrume. 9Se der frutos na próxima estação, ficará; senão, poderás cortá-la.’» Lc 13, 5-9

Viver a Palavra

No quotidiano da nossa vida, entre os múltiplos afazeres do dia-a-dia que tantas vezes nos distraem e fazem dispersar, Deus faz-se presente, irrompendo na nossa história com a paciente e desconcertante misericórdia que transforma os nossos corações em lugares de conversão permanente.

Assim aconteceu com Moisés, que pastoreando o rebanho de Jetro, seu sogro, foi visitado por Deus naquela sarça que ardia sem se consumir. Naquela teofania, Deus revela-se para que Moisés fosse portador da vontade libertadora de Deus, que compadecido pela situação do Seu Povo no Egipto, o quer libertar da escravidão e constituí-lo como Povo eleito.

Deste modo, a história de amor e de salvação que Deus estabelece com Israel, torna-se lugar de manifestação das maravilhas de Deus e S. Paulo recorda à comunidade de Corinto que a nossa história, à semelhança da história de Israel é chamada a ser história de amor e lugar concreto de manifestação da condescendência de Deus. Neste mesmo sentido, no Evangelho, Jesus ensina-nos a ler os acontecimentos da história como lugares interpeladores da efemeridade da nossa vida, evitando qualquer leitura catastrófica e punitiva, mas reconhecendo que o nosso quotidiano, na diversidade do seu devir é um constante apelo à conversão e à transformação do coração.

Deste modo, o grande desafio da vida cristã não é procurar sinais extraordinários e espetaculares da manifestação de Deus, mas precisamente no ordinário da vida, na normalidade da nossa existência, descobrir a beleza da ação silenciosa e misericordiosa de Deus. É a permanente lógica do mistério da Incarnação que nos recorda o modo que Deus escolhe para se relacionar connosco: assume a nossa natureza humana, faz-se presente na nossa história e revela-nos a grandeza do Seu amor, revelando-se por meio de «palavras e gestos intimamente ligados entre si» (DV 2). Torna-se ainda mais bela a ação de Deus quando se realiza deste modo, pois ao invés de um Deus que opera ações pontuais e extraordinárias na história, tomamos consciência que somos filhos amados de um Deus que se faz presente na sucessão dos nossos dias e que caminha ao nosso lado oferecendo sentido à nossa existência.

Assim, pode dizer-se que a Liturgia da Palavra de hoje se apresenta como uma janela com vista direta para o coração de Deus e permite-nos vislumbrar o modo como Deus se relaciona connosco. O diálogo que Deus estabelece com Moisés na sarça ardente revela-nos o desvelo e o cuidado que Deus nutre pelo homem e pela mulher, obra das Suas mãos: «Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto; escutei o seu clamor provocado pelos opressores. Conheço, pois, as suas angústias. Desci para o libertar das mãos dos egípcios e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa, onde corre leite e mel».

Estas quatro formas verbais – «vi», «escutei», «conheço» e «desci» – manifestam a absoluta condescendência de Deus e a dinâmica da Sua relação connosco. O Deus do amor e da misericórdia não é indiferente às nossas dores e angústias e escuta os gritos da nossa limitada condição humana. Ele conhece a nossa frágil humanidade com os seus clamores e desilusões e, por isso, vem ao nosso encontro e faz-se presente na nossa vida. Esta dinâmica de salvação assume carácter pleno, total e definitivo na incarnação de Jesus Cristo, que vem ao nosso encontro como rosto da misericórdia do Pai, não para condenar, mas para anunciar a paciente misericórdia de Deus, que como o vinhateiro acredita que com paciência, perseverança e cuidado aquela figueira pode gerar frutos. in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

No dia 19 de março, a Igreja celebra a Solenidade S. José, Esposo da Virgem Santa Maria. Poderá ser oportuno na Eucaristia desta solenidade recordar todos os pais, dedicando-lhes, por exemplo, uma especial bênção na celebração. Na catequese desta semana, poderá ser uma oportunidade para um momento intergeracional com uma atividade catequética com pais e filhos, sobre o valor e importância da paternidade e da família. Como subsídio para estas atividades, pode usar-se a Mensagem da Comissão Episcopal Laicado e Família para esta efeméride (https://leigos.pt/mensagem-comissao-episcopal-do-laicado-e-familia-para-o-dia-do-pai-2025/). in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IÊxodo 3,1-8a.13-15

 

Naqueles dias,

Moisés apascentava o rebanho de Jetro,

seu sogro, sacerdote de Madiã.

Ao levar o rebanho para além do deserto,

chegou ao monte de Deus, o Horeb.

Apareceu-lhe então o Anjo do Senhor

numa chama ardente, do meio de uma sarça.

Moisés olhou para a sarça, que estava a arder,

e viu que a sarça não se consumia.

Então disse Moisés: «Vou aproximar-me,

para ver tão assombroso espetáculo:

por que motivo não se consome a sarça?»

O Senhor viu que ele se aproximava para ver.

Então Deus chamou-o do meio da sarça:

«Moisés! Moisés!»

Ele respondeu: «Aqui estou!»

Continuou o Senhor:

«Não te aproximes daqui.

Tira as sandálias dos pés,

porque o lugar que pisas é terra sagrada».

E acrescentou: «Eu sou o Deus de teu pai,

Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob».

Então Moisés cobriu o rosto,

com receio de olhar para Deus.

Disse-lhe o Senhor:

«Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto;

escutei o seu clamor provocado pelos opressores.

Conheço, pois, as suas angústias.

Desci para o libertar das mãos dos egípcios

e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa,

onde corre leite e mel».

Moisés disse a Deus:

«Vou procurar os filhos de Israel e dizer-lhes:

‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’.

Mas se me perguntarem qual é o seu nome,

que hei de responder-lhes?»

Disse Deus a Moisés:

«Eu sou ‘Aquele que sou’».

E prosseguiu:

«Assim falarás aos filhos de Israel:

O que Se chama ‘Eu sou’ enviou-me a vós».

Deus disse ainda a Moisés:

«Assim falarás aos filhos de Israel:

‘O Senhor, Deus de vossos pais,

Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob,

enviou-me a vós.

Este é o meu nome para sempre,

assim Me invocareis de geração em geração’».

CONTEXTO

O livro do Êxodo é um dos livros mais importantes do Antigo Testamento. No seu centro está aquele que é o dogma central do credo israelita e a chave de compreensão da história e da fé judaica: a intervenção libertadora de Deus para salvar os hebreus da escravidão em que viviam, no Egito.

São numerosos os testemunhos da circulação de grupos nómadas ou seminómadas entre a terra de Canaan e o Egito durante o segundo milénio a.C. (cf. Gn 12,10-20; 37,25; 42,1-3; 43,1-2). Terra fecunda e fértil, alimentada pelo rio Nilo, o Egito constituía uma miragem de vida e abundância para os clãs que circulavam com os seus rebanhos pelas franjas do deserto; e diversos grupos humanos, interessados em assegurar a sua subsistência, dirigiam-se para o Egito, sobretudo em épocas de carestia de alimentos. Em alturas em que o poder central egípcio era menos forte, era relativamente fácil que essas migrações tivessem sucesso. Por outro lado, as campanhas militares de Tutmosis III (1468-1436 a.C.), de Amenófis II (1436-1412 a.C.), de Seti I (1317-1301 a.C.) e de Ramsés II (1301-1234 a.C.) na Síria e na Palestina, arrastaram para o Egipto enormes colunas de prisioneiros, que foram obrigados a trabalhar nas grandes obras egípcias. Os estrangeiros a viver em terra egípcia eram, portanto, numerosos.

Não sabemos exatamente em que circunstâncias algumas famílias descendentes dos patriarcas bíblicos – Abraão, Isaac e Jacob – desceram ao Egito. Os capítulos 37 a 50 do livro do Génesis (o chamado “ciclo de José”) dão a entender que essas famílias tinham ido à procura de melhores condições de vida, numa altura em que a Palestina conhecia uma seca severa. Designados como “hebreus”, esses descendentes dos patriarcas bíblicos instalaram-se na zona oriental do delta do rio Nilo, na chamada “terra de Goshen” (Gn 46,28; 47,1-6).

No séc. XIII a.C., numa altura em que o poder central egípcio se tinha unificado e exercia um controle rigoroso sobre os grupos estrangeiros a residir no país, os clãs semitas que tinham imigrado para o Egito viram piorar consideravelmente as suas condições de vida. O livro do Êxodo explica que a opressão desses grupos humanos se consubstanciava em três aspetos: trabalhos forçados (cf. Ex 1,8-14), eliminação das crianças do sexo masculino (cf. Ex 1,15-22) e degradação progressiva das condições de trabalho (cf. Ex 5,6-23). Parecia uma situação sem saída. Diz-nos o livro do Êxodo: “os filhos de Israel gemiam na servidão, e ergueram até Deus o seu grito de socorro. Deus ouviu os seus gemidos e recordou-se da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob. Deus viu os filhos de Israel e conheceu-os” (Ex 2,23-25).

Portanto, os escravos oprimidos pediram a ajuda de Deus. Dizer que “Deus ouviu os gemidos” do povo escravizado e que se “recordou da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob”, significa que Deus se prepara para intervir. Ele vai iniciar um projeto de libertação que abra de novo as portas da vida para aquele povo condenado à morte. Nesse sentido, Deus vai chamar um homem, um tal Moisés, que vai ser o “agente de Deus” nesse processo de libertação.

O texto que a primeira leitura deste terceiro domingo da Quaresma nos apresenta conta-nos como Deus se revelou a chamou Moisés, o chamou e lhe confiou a missão de libertar os escravos hebreus. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Os lamentos dos escravos hebreus no Egito, privados de vida e de liberdade, têm paralelo, em pleno séc. XXI, no sofrimento de tantos homens e mulheres que todos os dias são vítimas de mecanismos de exploração, de injustiça, de violência e de morte. Um pouco por todo o lado, os povos lutam para se libertarem do imperialismo, da tirania, da violência, do autoritarismo de líderes medíocres e sem visão; os pobres lutam para se libertarem da miséria, da fome, da ignorância, da doença, das estruturas injustas; os “diferentes” lutam pelo direito ao reconhecimento e à integração plena na sociedade e nas Igrejas; os operários lutam pela defesa dos seus direitos, das suas condições de trabalho, de uma remuneração justa pelo seu serviço à sociedade; as mulheres lutam pela defesa da sua dignidade e da sua igualdade fundamental com os homens; os estudantes lutam por um sistema de ensino que os prepare para desempenhar um papel válido na sociedade; os imigrantes lutam pela sobrevivência, pelo seu direito a uma vida “viável”, para eles e para as suas famílias… Como vemos e sentimos estas “lutas” pela vida, pela dignidade, pela liberdade? Temos consciência de que, em qualquer contexto e em qualquer momento onde alguém está a lutar por um mundo mais justo e mais fraterno, aí está Deus – esse Deus libertador e salvador que vive com paixão o sofrimento dos explorados e que não fica de braços cruzados diante das injustiças?
  • O chamamento que Deus faz a Moisés para liderar o processo de libertação dos escravos hebreus no Egito lembra-nos que Deus age na nossa vida e na nossa história através de homens e mulheres de boa vontade, que aceitam ser seus instrumentos na libertação do mundo. Diante dos sofrimentos dos irmãos e dos desafios de Deus, como respondemos: com o comodismo de quem não está para se preocupar com os problemas dos outros? Com o egoísmo de quem acha que não é nada consigo? Com a passividade de quem acha que já fez alguma coisa e que agora é a vez dos outros? Ou com uma atitude de profeta, que se deixa interpelar por Deus e aceita colaborar com Ele na construção de um mundo mais justo e mais fraterno? Poderemos sentir-nos dignos filhos desse Deus que se revelou a Israel como “o libertador”, se não nos envolvermos na libertação dos nossos irmãos e irmãs vítimas de todo o tipo de escravidões?
  • O “nome” de Deus, revelado a Moisés no Sinai, é “eu sou e serei sempre aquele que se preocupa convosco e vos acompanha”; “eu estou e estarei sempre com o meu povo nos caminhos que ele tiver de percorrer”. É um nome extraordinariamente sugestivo, um nome que nos dá garantias. Ao escutá-lo, ficamos com a certeza de que não caminhamos sozinhos, não estamos abandonados à nossa sorte, não vogamos sem destino em direção a coisa nenhuma… Deus, esse Deus libertador e salvador que apareceu na vida dos escravos hebreus para lhes dar vida, está e estará sempre ao nosso lado, envolvendo-nos com o seu amor, a sua bondade, a sua ternura de pai e de mãe. Caminhamos pela vida conscientes da presença contínua ao nosso lado desse Deus? A consciência dessa presença conforta-nos e dá-nos a força necessária para enfrentar a luta diária por uma vida digna, livre e feliz? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)

 

Refrão: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.

 

Bendiz, ó minha alma, o Senhor

e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.

Bendiz, ó minha alma, o Senhor

e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

 

Ele perdoa todos os teus pecados

e cura as tuas enfermidades;

salva da morte a tua vida

e coroa-te de graça e misericórdia.

 

O Senhor faz justiça

e defende o direito de todos os oprimidos.

Revelou a Moisés os seus caminhos

e aos filhos de Israel os seus prodígios.

 

O Senhor é clemente e compassivo,

paciente e cheio de bondade.

Como a distância da terra aos céus,

assim é grande a sua misericórdia para os que O temem.

 

LEITURA II – 1 Coríntios 10,1-6.10-12

 

Irmãos:

Não quero que ignoreis

que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem,

passaram todos através do mar

e na nuvem e no mar,

receberam todos o batismo de Moisés.

Todos comeram o mesmo alimento espiritual

e todos beberam a mesma bebida espiritual.

Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava:

esse rochedo era Cristo.

Mas a maioria deles não agradou a Deus,

pois caíram mortos no deserto.

Esses factos aconteceram para nos servir de exemplo,

a fim de não cobiçarmos o mal,

como eles cobiçaram.

Não murmureis, como alguns deles murmuraram,

tendo perecido às mãos do Anjo exterminador.

Tudo isto lhes sucedia para servir de exemplo

e foi escrito para nos advertir,

a nós que chegámos ao fim dos tempos.

Portanto, quem julga estar de pé

tome cuidado para não cair.

 

CONTEXTO

Corinto, cidade nova e próspera, era a capital da Província romana da Acaia e a sede do procônsul romano. Servida por dois portos de mar, nela se cruzavam pessoas de todas as raças e religiões. Era a cidade do desregramento para os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e que, após semanas de navegação, chegavam com vontade de se divertir. No centro da cidade, o templo de Afrodite, a deusa grega do amor, atraía os peregrinos e favorecia os desregramentos e a libertinagem sexual. Na época de Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.

No decurso da sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca de 18 meses (anos 50-52). De acordo com At 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de judeo-cristãos. Ao sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; At 18,5), Paulo consagrou-se inteiramente ao anúncio do Evangelho.

Como resultado da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maioria dos membros da comunidade era de origem grega, embora de condição humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos de origem hebraica (cf. At 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13). De uma forma geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2), querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10). Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem evangélica.

O texto que a liturgia nos propõe como segunda leitura deste domingo integra uma secção da carta onde Paulo aborda questões diversas, algumas referentes a questões que os coríntios lhe colocaram (cf. 1 Cor 7,1-11,1), por exemplo, a bondade do matrimónio e do celibato (cf. 1 Cor 7,1-40), ou a licitude de comer a carne dos animais oferecidos aos ídolos nos santuários pagãos (cf. 1 Cor 8,1-13). Mas a secção referida inclui também algumas exortações e avisos… Por exemplo, Paulo exorta os coríntios a não desistirem de “correr” até chegarem à meta e alcançarem o prémio que Deus entregará àqueles que vivem de forma comprometida a existência cristã (cf. 1 Cor 9,1-10,22).  in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Já bem adentrados neste caminho da Quaresma, somos convidados, a partir da segunda leitura deste domingo, a rever o nosso empenho e o nosso compromisso com o seguimento autêntico de Jesus. Para sermos cristãos, não basta termos o nosso nome no livro de registo de batismos da nossa paróquia; nem basta participarmos rotineiramente na eucaristia dominical, a fim de tranquilizar a consciência e “cumprir o preceito”. Ser cristão autêntico passa por renovar cada dia o compromisso com Jesus e por segui-l’O sem hesitações no caminho do amor e do dom da vida. O tempo da Quaresma pode ser a oportunidade para redescobrirmos o princípio e o fundamento da nossa fé, para eliminarmos os obstáculos que nos impedem de viver com coerência e verdade, para redesenharmos as nossas opções e valores, para nos aproximarmos mais de Deus e do seu amor. Neste tempo favorável de conversão e de renovação, aceitamos esse desafio? O que é que está a impedir-nos de seguir Jesus, de viver ao seu estilo, de caminhar ao ritmo das indicações de Deus? Quais são as escolhas e os valores que precisamos de purificar e, talvez, de redefinir?

A ideia de que a vivência religiosa se traduz no cumprimento de certos gestos externos, na observância de determinadas regras, ou na participação nos serviços litúrgicos previstos no calendário religioso, pode facilmente fazer-nos cair no autoconvencimento. Uma vez que cumprimos o que está estipulado pela lei e pela tradição, sentimo-nos em regra com Deus; Ele não tem nada a apontar-nos e, portanto, “deve-nos” a salvação. Esquecemos que a salvação não é uma conquista nossa, mas um dom absoluto do amor de Deus. Por outro lado, esse autoconvencimento pode tornar-nos arrogantes com os nossos irmãos. Convictos da nossa autoridade moral, facilmente caímos na tentação de julgar e de condenar as pessoas que não cumprem as regras ou que têm comportamentos e atitudes consideradas religiosamente incorretas. Paulo lembra-nos a nossa fragilidade e convida-nos a tomar um banho de humildade: “quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair”. Como é que entendemos a nossa relação com Deus: é como uma troca comercial, na qual cumprimos determinados serviços para obter a paga correspondente? Estamos conscientes de que a salvação é um dom de Deus, fruto exclusivo do seu amor? Reconhecemos a nossa fragilidade e abstemo-nos de julgar e condenar os outros?. in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 13,1-9

 

Naquele tempo,

vieram contar a Jesus

que Pilatos mandara derramar o sangue de certos galileus,

juntamente com o das vítimas que imolavam.

Jesus respondeu-lhes:

«Julgais que, por terem sofrido tal castigo,

esses galileus eram mais pecadores

do que todos os outros galileus?

Eu digo-vos que não.

E se não vos arrependerdes,

morrereis todos do mesmo modo.

E aqueles dezoito homens,

que a torre de Siloé, ao cair, atingiu e matou?

Julgais que eram mais culpados

do que todos os outros habitantes de Jerusalém?

Eu digo-vos que não.

E se não vos arrependerdes,

morrereis todos de modo semelhante.

Jesus disse então a seguinte parábola:

«Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha.

Foi procurar os frutos que nela houvesse,

mas não os encontrou.

Disse então ao vinhateiro:

‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira

e não os encontro.

Deves cortá-la.

Porque há de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’

Mas o vinhateiro respondeu-lhe:

‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano,

que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo.

Talvez venha a dar frutos.

Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».

 

CONTEXTO

 

O Evangelho deste domingo situa-nos já no contexto da caminhada de Jesus e dos discípulos para Jerusalém (cf. Lc 9,51-19,28). É uma das secções mais originais do Evangelho segundo Lucas, não tanto pelos materiais que aqui aparecem (que são, em parte, comuns a Mateus), mas pelo enquadramento que Lucas lhes dá: o cenário de uma “viagem” a caminho de Jerusalém.

No Evangelho segundo Lucas, o “caminho” para Jerusalém, mais do que um caminho geográfico, é um caminho espiritual. É uma viagem longa, feita sem pressas, durante a qual Jesus vai instruindo os discípulos, preparando-os para serem testemunhas do Reino de Deus. A cada passo, Jesus aproveita para “formar” os discípulos que o acompanham (mesmo quando as palavras de Jesus se dirigem às multidões, como é o caso do episódio de hoje, são os discípulos que rodeiam Jesus os primeiros destinatários da mensagem); a cada passo Jesus confronta os discípulos com as visões distorcidas que eles têm do projeto de Deus, com os interesses mesquinhos que os movem, com os valores que os animam e que contradizem frequentemente o dinamismo do Reino de Deus. Ao longo do “caminho” os discípulos, guiados por Jesus, são chamados a um processo de purificação que os identifique cada vez mais com o projeto de Jesus e com os valores do Reino.

Esta secção do Evangelho segundo Lucas apresenta caraterísticas especiais: uma parte significativa do material só aparece no Evangelho de Lucas; usam-se frequentemente expressões que falam de caminhada, mas evitam-se as referências geográficas ou topográficas; predominam as parábolas e ditos de Jesus, em detrimento dos “milagres”. Jesus é, ao longo do “caminho”, o “mestre” (“rabi”) que instrui os seus discípulos e que os prepara para viverem segundo a lógica do Reino de Deus. in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • O veemente apelo de Jesus à conversão tem um eco especial neste tempo de Quaresma. A “conversão” não se traduz no simples arrependimento pelas faltas cometidas, ou por uma penitência externa que acalme a nossa consciência culpada; mas implica uma mudança do sentido da nossa vida, de forma que Deus volte a ser novamente a nossa referência, o princípio e o fundamento do nosso projeto. “Converter-se” é mudar o rumo da nossa vida e “voltar para trás” ao encontro de Deus; “converter-se” é deixar de correr atrás dos nossos interesses egoístas e abraçar o projeto que Deus tem para nós; “converter-se” é livrar-se dos preconceitos mesquinhos, dos julgamentos apressados, das leituras parciais, das condenações sem misericórdia, para passarmos a ver o mundo e os homens com o olhar bondoso de Deus; “converter-se” é abandonar a indiferença e o egoísmo cómodo para “ver” os homens e mulheres condenados a uma vida sem saída e para lhes dar a mão; “converter-se” é rever os valores sobre os quais construímos o nosso projeto de vida e prescindir daquilo que nos faz mal, que nos escraviza, que nos torna menos humanos. Neste tempo de Quaresma, estamos dispostos a fazer esta mudança na nossa vida? Quais são as dimensões, os aspetos, as questões a que daremos prioridade?
  • A parábola da figueira sugere que a conversão não é algo que possamos adiar indefinidamente. Deus é paciente e cheio de misericórdia; mas quer de nós respostas concretas e convincentes. Ele não admite que vivamos indecisos ou acomodados ao nosso bem-estar e que não tenhamos a coragem de assumir as opções que podem dar sentido à nossa existência. O tempo da nossa vida é limitado e corre sem nos darmos conta. Se formos adiando, uma e outra vez, as escolhas que se impõem, estaremos a frustrar o plano de Deus para nós e para o mundo e estaremos a passar ao lado da vida. Quanto mais depressa brotar em nós o “Homem novo”, mais depressa encontraremos a nossa realização plena. Podemos permitir-nos isso adiar e perder oportunidades? Estamos conscientes da urgência da conversão?
  • Jesus é bastante claro: uma figueira que não produz frutos é uma árvore inútil, que não está a cumprir o seu papel. Não serve para nada. É óbvio que Jesus, através da imagem da figueira, está a falar de nós, a questionar-nos sobre a forma como nós correspondemos aos cuidados de Deus. Nós, que crescemos na “escola de Jesus” e que somos constantemente interpelados pelo Evangelho de Jesus, produzimos, na vida de todos os dias, os frutos saborosos que Deus espera? Os frutos que produzimos contribuem para tornar mais doce o mundo e a vida de todos aqueles que caminham ao nosso lado? O que podemos fazer para dar mais frutos?
  • Jesus rejeita categoricamente qualquer relação entre as desgraças que atingem algumas pessoas e um eventual castigo de Deus pelo pecado. Na verdade, considerar que Deus é uma espécie de comerciante, com a contabilidade organizada, que conhece os seus devedores e os castiga pelas suas dívidas, é dar azo a uma grave deformação da imagem e da realidade de Deus. Temos de evitar associar Deus aos males que acontecem no mundo e na vida dos homens. O mal não vem de Deus, mas sim da nossa debilidade, do nosso pecado, da finitude e dos limites deste mundo que está, a cada instante, a construir-se. O que Deus faz é estar ao nosso lado a cada momento, a cuidar das nossas feridas, a apontar-nos o caminho que devemos percorrer para chegar à vida. Como vemos Deus? Consideramo-lo responsável pelas coisas que estragam a nossa vida e desfeiam o mundo? in Dehonianos.

 

Para os leitores:

Na primeira leitura, a proclamação deve ter em conta o diálogo estabelecido entre Moisés e o Senhor Deus. Deve haver uma especial atenção para com as perguntas presentes no texto, bem para as diferentes frases no discurso direto como o chamamento: «Moisés, Moisés!» e a sua resposta: «Aqui estou!». A entoação da leitura deve ser cuidada para que não haja uma excessiva dramatização do texto nem uma leitura apática das diferentes intervenções.

A segunda leitura não apresenta nenhuma dificuldade aparente, pelo que uma boa preparação, tendo em conta as pausas e as respirações nas frases mais longas, ajudará a uma proclamação mais eficaz do texto.

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)           

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

 

Quaresma: Caminhada para a Páscoa

 

TEMPO DE CONVERSÃO 

Foi-te dito:

Rodeia-te de triunfadores.

Para que tua vida seja um êxito

serve-te de todos.

Retém em tua memória

o nome do rico,

e anota o telefone

do rosto feminino

que sorri no concurso.

Forra as paredes de tua casa

com assinaturas de pintores

de prestígio e de dinheiro.

Enche tua boca

com os nomes

que ocupam o cenário

da glória escorregadia.

Faz-te vizinho, compadre,

do seu clube e seu partido.

que todas estas famas

te emprestem o seu prestígio.

Mas a Palavra diz:

Senta à tua mesa

os que não podem

convidar-te a sua casa

arrastada pelo rio,

e empresta sem enrugar a cara

ao que não pode devolver-te

o teu dinheiro no prazo estipulado

porque as horas extras

se perderam no computador

da zona franca.

Haverão encontrado em ti

a resposta de Deus

à sua angústia quotidiana.

e tu sentirás atravessar

algo de Deus a passar

pelo centro de ti mesmo

para chegar até ao irmão.

Ao romper,

com este gesto de gratuita proximidade,

as leis e as cátedras do investimento bem calculado,

um manancial de eternidade

te chegará entre tuas pedras,

e fará de ti um servidor de todos,

cheio de graça e de sabor.

.

Benjamin González Buelta

in ‘Salmos para sentir e saborear as coisas internamente’

 

ANEXOS:

Domingo II da Quaresma – Ano C – 16 março 2025

Lucas 9,28b-36 – “Enquanto Jesus rezava, o seu rosto mudou de aparência……”

Viver a Palavra

A Liturgia da Palavra deste Domingo coloca-nos de olhos fixos em Jesus de Nazaré, o Filho Amado, o Eleito, que na intimidade da oração entra em comunhão com o Pai e nos revela o mistério de luz que irrompe na nossa vida quando nos abrimos ao diálogo de «amizade, estando muitas vezes e a sós com Quem sabemos que nos ama» (S. Teresa de Ávila, Livro da Vida 8,5).

A Transfiguração de Jesus faz ecoar no coração dos discípulos escolhidos para subir ao monte as palavras que cantávamos no Salmo Responsorial: «O Senhor é a minha luz e a minha salvação». A vida de Jesus com os Seus gestos, as Suas Palavras, os Seus milagres e prodígios são o anúncio e realização do projeto salvífico do Pai que, nas palavras dos Profetas e na Lei confiada ao Povo de Israel, prefigurava Aquele que em plenitude nos haveria de revelar a Lei nova do amor e realizar a profecia do Reino Novo que somos chamados a construir no aqui e agora do tempo e da história.

Jesus, que se faz presente nos desertos da nossa vida, conduz-nos com Ele ao monte, para passarmos da aridez do deserto à luz transfiguradora e transformadora do Seu amor: «Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar». O cimo do monte é o lugar onde o dia amanhece mais cedo e onde se pousa o último raio de Sol. O cimo do monte é sempre um lugar privilegiado de encontro com Deus: até geograficamente estamos mais perto do céu, esse lugar onde brilham as estrelas da promessa que Deus manifestou a Abraão e o fazem caminhar até à terra onde Deus o espera e onde Abraão é alcançado pelo amor e pela condescendência de Deus.

Por isso, precisamente aí, Jesus faz resplandecer a existência, reacende a esperança e faz luzir o amor. Com Pedro, João e Tiago, também nós somos convidados a subir ao monte. Batizados em Cristo e ungidos pela força do Espírito Santo somos discípulos missionários, escolhidos pelo Pai, para saborear a beleza da intimidade com Ele e experimentar o estupor que inundou o coração destes três discípulos e que fez Pedro exclamar: «Mestre, como é bom estarmos aqui!».

Como deveria ser belo ver Jesus rezar, ver Jesus entrar em diálogo íntimo de amor com o Pai. Por isso, não nos espanta que numa outra ocasião, estando Jesus em oração, os discípulos lhe tenham pedido: «Senhor, ensina-nos a orar» (Lc 11,1).

Caminhar com Jesus, preparando a Sua Páscoa, é tomar consciência da urgente necessidade de uma vida orante que se faz escuta da Palavra do Pai. A verdadeira oração não é aquela que se faz até que Deus nos ouça, mas aquela que se realiza incessantemente até que possamos escutar a voz de Deus: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». A voz, que emana da nuvem e que nos recorda a necessidade de viver de olhos fixos em Jesus e de coração aberto e disponível para a Sua palavra, apresenta Jesus como o Filho Amado, o Eleito do Pai que nos revela que a paixão, o sofrimento e a morte não têm a última palavra e, por isso, a «morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém» de que falavam Moisés e Elias é caminho para a glória plena, total e definitiva da qual a Transfiguração é sinal e antecipação.

Deste modo, S. Paulo recorda-nos que «a nossa pátria está nos Céus, donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso», para nos ensinar a arte de ler os sofrimentos do tempo presente como lugares de passagem para a alegria plena e definitiva que só Jesus e o Seu amor nos podem oferecer.

A Quaresma é o tempo privilegiado e escolhido por Deus para contar as estrelas do Céu apontadas a Abraão, para renovar no coração a aliança de amor que Deus realiza, já não nos animais oferecidos em sacrifício, mas no Cordeiro imolado por nosso amor. in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

No dia 13 de março, celebra-se o 12.º aniversário da eleição do Papa Francisco. Conforme indica o diretório litúrgico, onde se fizerem celebrações especiais, pode dizer-se a missa do aniversário da eleição do Papa. Em todas as missas, na oração universal, deve incluir-se uma intenção especial pelo Papa. Tendo em conta o estado de saúde do Papa Francisco, o louvor e a ação de graças pela sua eleição deve ser acompanhado pela oração de intercessão pela sua saúde in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IGénesis 15,5-12.17-18

Naqueles dias,
Deus levou Abrão para fora de casa e disse-lhe:
«Olha para o céu e conta as estrelas, se as puderes contar».
E acrescentou:
«Assim será a tua descendência».
Abrão acreditou no Senhor,
o que lhe foi atribuído em conta de justiça.
Disse-lhe Deus:
«Eu sou o Senhor
que te mandou sair de Ur dos caldeus,
para te dar a posse desta terra».
Abrão perguntou:
«Senhor, meu Deus,
como saberei que a vou possuir?»
O Senhor respondeu-lhe:
«Toma uma vitela de três anos,
uma cabra de três anos e um carneiro de três anos,
uma rola e um pombinho».
Abrão foi buscar todos esses animais,
cortou-os ao meio
e pôs cada metade em frente da outra metade;
mas não cortou as aves.
Os abutres desceram sobre os cadáveres,
mas Abrão pô-los em fuga.
Ao pôr do sol,
apoderou-se de Abrão um sono profundo,
enquanto o assaltava um grande e escuro terror.
Quando o sol desapareceu e caíram as trevas,
um brasido fumegante e um archote de fogo
passaram entre os animais cortados.
Nesse dia, o Senhor estabeleceu com Abrão uma aliança,
dizendo:
«Aos teus descendentes darei esta terra,
desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates».

CONTEXTO

A primeira leitura de hoje faz parte de um bloco de textos a que se dá o nome genérico de “tradições patriarcais” (cf. Gn 12-36). Trata-se de um conjunto de relatos singulares, originalmente independentes uns dos outros, sem grande unidade e sem carácter de documento histórico. Nesses capítulos aparecem, de forma indiferenciada, “mitos de origem” (descreviam a “tomada de posse” de um lugar pelo patriarca do clã), “lendas cultuais” (narravam como um deus tinha aparecido nesse lugar ao patriarca do clã), histórias sobre as vicissitudes diárias dos clãs nómadas que circularam pela Palestina durante o segundo milénio, e ainda reflexões teológicas posteriores destinadas a apresentar aos crentes israelitas modelos de vida e de fé.

Os clãs referenciados nas “tradições patriarcais” – nomeadamente os de Abraão, de Isaac e de Jacob, grupos vagamente aparentados que mais tarde, numa fase posterior da história, aparecem ligados por laços “familiares” – viajavam de lugar em lugar à procura de pastos para os seus rebanhos. Levavam consigo diversos sonhos e expetativas. Sonhavam encontrar uma terra fértil e com água abundante, onde pudessem instalar-se e descansar, fugindo aos perigos e às incertezas da vida nómada. Sonhavam também possuir uma família forte e numerosa que perpetuasse a “memória” da tribo e se impusesse aos inimigos. O deus ancestral que protegia a tribo e a conduzia ao longo das suas deambulações era o potencial concretizador desse ideal.

A primeira leitura do segundo domingo da Quaresma coloca-nos precisamente neste cenário. Abraão, um dos patriarcas desses clãs nómadas, conversando com Deus, refere a sua deceção porque a sua vida está a acabar e ainda não tem um filho que lhe perpetue o nome. A herança que vai deixar, tudo aquilo que construiu, irá ficar para um servo, um tal Eliézer, de Damasco (cf. Gn 15,2-3). Conhecemos contratos do séc. XV a. C. que parecem iluminar esta realidade: estipulam que, em caso de falta de filhos, o senhor possa adotar um escravo; e este, por sua vez, compromete-se a dar ao seu senhor uma sepultura conveniente. Talvez seja a esse costume que o texto alude.

Que terá Deus a dizer ao seu Servo Abraão? in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Abraão é apresentado, não apenas neste relato, mas em diversos outros passos das tradições patriarcais, como o homem que confia plenamente em Deus. O seu tempo de vida vai-se escoando, a sua mulher Sara é estéril e já não tem idade para ser mãe, o nascimento de um filho que lhe assegure a descendência parece cada dia mais improvável; mas Abraão, contra toda a lógica humana, confia em Deus e nas suas promessas. Entrega toda a sua vida e toda a sua esperança nas mãos de Deus, convencido de que Deus nunca o desapontará. Abraão é o crente ideal, o modelo para os crentes de todas as épocas. Desde Abraão até aos nossos dias passaram quase quatro mil anos. Desde então fizemos um longo caminho, sempre acompanhados pelo olhar paterno e materno de Deus. Mais: frequentamos a escola de Jesus; e Jesus ensinou-nos a confiar em Deus como uma criança pequenina confia no seu “papá”. Depois de tudo isso, a que nível está a nossa confiança em Deus? Estamos sempre dispostos – mesmo em situações que não compreendemos ou que contradizem as nossas lógicas e as nossas ideias feitas – a entregar-nos nas mãos de Deus, a confiar nos seus desígnios, a aderir às suas propostas?
  • O Deus que se revela a Abraão é um Deus que se compromete com o homem e cujas promessas são garantidas, gratuitas e incondicionais. Ele não cumpre as suas promessas apenas se nós cumprirmos as nossas: Deus mantém as suas promessas mesmo que nós escolhamos percorrer caminhos de egoísmo e de autossuficiência, ignorando as indicações que Ele nos dá. Com paciência e amor de pai, Deus insiste em vir ter connosco e em apontar-nos os caminhos que conduzem à vida e à salvação. Que efeitos tem, no desenrolar da nossa vida, essa fidelidade de Deus? É algo em que não pensamos, ao qual ficamos indiferentes, ou é algo que nos ajuda a construir a nossa existência com serenidade e confiança? Vemos a fidelidade de Deus como um “cheque em branco”, que podemos utilizar para fazer o que nos apetecer, ou como algo que nos compromete e nos convida a caminhar com Deus?
  • A catequese de Israel apresenta sempre Abraão como um homem em permanente diálogo com Deus. Abraão partilha com Deus os seus sonhos e esperanças, as suas dificuldades na luta diária da existência; mas também escuta Deus, acolhe as suas indicações, vive ao ritmo das propostas de Deus. Talvez esta descrição que os catequistas de Israel fazem do seu patriarca seja um tanto idealizada; mas mostra aos crentes israelitas – e a nós também – que a vida deve ser vivida em permanente diálogo com Deus. Em tempo de Quaresma – de conversão, de regresso a Deus – talvez seja uma sugestão que podemos considerar. Estamos dispostos, neste tempo de Quaresma, a dar mais espaço ao diálogo com Deus, à escuta de Deus? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 26 (27)

Refrão: O Senhor é a minha luz e a minha salvação.

 

O Senhor é minha luz e salvação:
a quem hei de temer?
O Senhor é protetor da minha vida:
de quem hei de ter medo?

Ouvi, Senhor, a voz da minha súplica,
tende compaixão de mim e atendei-me.
Diz-me o coração: «Procurai a sua face».
A vossa face, Senhor, eu procuro.

Não escondais de mim o vosso rosto,
nem afasteis com ira o vosso servo.
Não me rejeiteis nem abandoneis,
meu Deus e meu Salvador.

Espero vir a contemplar a bondade do Senhor
na terra dos vivos.
Confia no Senhor, sê forte.
Tem coragem e confia no Senhor.

 

 

 

LEITURA II Filipenses 3,17-4,1

Irmãos:
Sede meus imitadores
e ponde os olhos naqueles
que procedem segundo o modelo que tendes em nós.
Porque há muitos,
de quem tenho falado várias vezes
e agora falo a chorar,
que procedem como inimigos da cruz de Cristo.
O fim deles é a perdição:
têm por deus o ventre,
orgulham-se da sua vergonha
e só apreciam as coisas terrenas.
Mas a nossa pátria está nos Céus,
donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
que transformará o nosso corpo miserável,
para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso,
pelo poder que Ele tem
de sujeitar a Si todo o universo.
Portanto, meus amados e queridos irmãos,
minha alegria e minha coroa,
permanecei firmes no Senhor.

 

CONTEXTO

A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Fl 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo.

O texto que nos é proposto como segunda leitura faz parte de um longo desenvolvimento (cf. Flp 3,1-4,1), no qual Paulo alerta os Filipenses para que tenham cuidado com “os cães”, os “maus obreiros”, os “falsos circuncidados” (cf. Flp 3,2). Quem são estes, a quem Paulo se refere de uma forma tão pouco delicada? Muito provavelmente são cristãos de origem judaica (“judaizantes”) que, apegados às suas tradições religiosas, exigiam aos cristãos o cumprimento integral da Lei de Moisés. No tempo de Paulo, esses judeo-cristãos, com as suas exigências e intolerância, criavam alarme e perplexidade nas comunidades cristãs do mundo helénico. Confundiam os cristãos, criavam conflitos e punham em causa o essencial da fé. As duras palavras de Paulo resultam da sua revolta ao ver a ação dessa gente. Paulo estava convicto de que a vida cristã não é o cumprimento de ritos externos, como são os ritos da Lei; mas é a adesão à proposta gratuita de salvação que Deus nos faz em Jesus. in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • Os “judaizantes” que Paulo denuncia na Carta aos Filipenses reduziam a fé à observância de determinadas práticas externas e ritualistas, que provinham das tradições e da cultura de um povo, mas pouco ou nada contribuíam para aproximar os crentes de Deus. Enquanto faziam finca-pé em coisas sem importância, acabavam por colocar em plano secundário aquilo que era essencial. Trata-se de uma “tentação” que se apresenta a cada passo no caminho dos crentes: reduzir a vivência da fé a um conjunto de coisas “palpáveis”, que se executam mecanicamente, que se “despacham” num instante e que não implicam grandes “investimentos”. Cumpridos os gestos que a lei estipula, o crente sente-se em regra com Deus e com a sua própria consciência e evita aquilo que é realmente exigente: a mudança do coração, o compromisso com Jesus e com o Evangelho, o acolhimento dos desafios sempre novos de Deus. Como vivemos a nossa fé? Limitamo-nos a cumprir determinadas práticas religiosas tradicionais, ou procuramos ir ao fundo das coisas e encontrar o caminho para nos aproximarmos realmente de Deus? Neste tempo quaresmal, por exemplo, a que é que damos mais importância: aos “jejuns” e “abstinências” estipulados pela tradição da Igreja, ou à conversão, à mudança de vida, à escuta mais atenta de Deus, ao seguimento de Jesus?
  • A expressão usada por Paulo para falar dos “judaizantes” – “têm por deus o ventre, orgulham-se da sua vergonha e só apreciam as coisas terrenas” – faz-nos pensar nas pessoas, religiosas ou não, que vivem de olhos postos nas realidades rasteiras e banais e descuram as realidades imperecíveis: são as pessoas que se limitam a “aproveitar o instante”, sem qualquer horizonte de eternidade; são as pessoas que se preocupam apenas com o seu bem estar e vivem indiferentes à sorte dos outros homens e mulheres; são as pessoas que procuram dar uma boa imagem de si próprias, mesmo que essa imagem não corresponda àquilo que são; são as pessoas que se limitam a cumprir o que está estipulado por uma lei qualquer (como aqueles “judaizantes” que os filipenses conheciam), mas deixam passar o que é essencial, aquilo que as faz mais livres e que poderia dar um sentido mais pleno às suas vidas… Como nos situamos em relação a isto? Vivemos “a prazo”, com horizontes limitados, ou estamos empenhados em construir uma vida voltada para as coisas verdadeiras e eternas?
  • Paulo considera a vida uma corrida de fundo em direção a uma meta que é o encontro com Cristo Jesus. Ele está consciente de que, enquanto caminhar na terra, a corrida não estará terminada: tem de continuar a esforçar-se para atingir a meta final. Paulo tem razão: não podemos, a dado momento, determo-nos a gozar as nossas conquistas, convencidos de que já está tudo feito e consolidado. Em cada passo da nossa vida temos de renovar a nossa opção por Deus e continuar os nossos esforços em direção à vida nova e eterna. Somos gente acomodada, convencida de que já “correu” o suficiente e que agora pode viver de rendimentos, ou somos gente que dia a dia, passo a passo, procura acolher os desafios sempre novos de Deus e corresponder àquilo que Deus espera de nós? in Dehonianos.

EVANGELHO – Lucas 9,28b-36

Naquele tempo,
Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago
e subiu ao monte, para orar.
Enquanto orava,
alterou-se o aspeto do seu rosto
e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente.
Dois homens falavam com Ele:
eram Moisés e Elias,
que, tendo aparecido em glória,
falavam da morte de Jesus,
que ia consumar-se em Jerusalém.
Pedro e os companheiros estavam a cair de sono;
mas, despertando, viram a glória de Jesus
e os dois homens que estavam com Ele.
Quando estes se iam afastando,
Pedro disse a Jesus:
«Mestre, como é bom estarmos aqui!
Façamos três tendas:
uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Não sabia o que estava a dizer.
Enquanto assim falava,
veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra;
e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem.
Da nuvem saiu uma voz, que dizia:
«Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».
Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho.
Os discípulos guardaram silêncio
e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.

CONTEXTO

Estamos no final da “etapa da Galileia”; durante essa etapa, Jesus anunciou a salvação aos pobres, proclamou a libertação aos cativos, fez os cegos recobrar a vista, mandou em liberdade os oprimidos, proclamou o tempo da graça do Senhor (cf. Lc 4,16-30). À volta de Jesus já se formou esse grupo dos que acolheram a oferta da salvação (os discípulos). Testemunhas das palavras e dos gestos libertadores de Jesus, eles descobriram que Jesus é o Messias de Deus (cf. Lc 9,18-20).

No entanto, “uns oito dias antes” da cena da transfiguração, os discípulos tinham ficado perplexos quando Jesus lhes falou do futuro próximo: “o Filho do Homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, tem de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar” (Lc 9,21-22). Os discípulos ficaram estupefactos: o caminho que Jesus se propunha seguir passava pelo sofrimento e pela morte (Ele tinha também falado em ressurreição; mas, essa referência deve ter-lhes passado despercebida pois, por essa altura, eles não sabiam bem o que isso queria dizer)? Era esse o horizonte de Jesus? Não era com isso que contavam quando se dispuseram a andar com Ele. Para piorar as coisas, Jesus tinha-lhes pedido, na sequência, que se negassem a si mesmos, tomassem a cruz e o seguissem no caminho do dom da vida até à morte (cf. Lc 9,23-26).

É natural que tudo isto deixasse os discípulos inquietos e indecisos. Jesus achou, face a este estado de coisas, que tinha chegado a hora de lhes desvelar o sentido do caminho que se propunha seguir. Chamou, então, Pedro, Tiago e João – o “núcleo duro” daquele grupo – e convidou-os a subir com Ele a um monte. Nesse dia e nesse monte eles iriam achar algumas respostas para as perguntas que os inquietavam.

O texto não identifica o “monte” para onde Jesus, Pedro, Tiago e João se dirigiram. Contudo, a tradição fala do Monte Tabor, uma montanha com 588 metros de altura, situada no meio da planície de Jezreel, coberta de carvalhos, pinheiros, ciprestes, aroeiras e plantas silvestres. O Tabor tinha sido, nos tempos antigos, um lugar sagrado para os povos cananeus.

Literariamente, a narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, as aparições, as vestes “de uma brancura refulgente”, a nuvem, a voz que vem do céu e mesmo o medo daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o seguinte: não estamos diante de um relato exato de acontecimentos, mas de uma catequese (construída de acordo com o imaginário judaico) destinada a confirmar a verdade da proposta de Jesus. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Neste segundo domingo da Quaresma façamos, também nós, a experiência de subir com Jesus ao monte… Enquanto subimos, podemos conversar com Ele e, com toda a sinceridade, dizer-Lhe as nossas dúvidas e inquietações. Podemos dizer-Lhe que, por vezes, nos sentimos perdidos e desanimados diante da forma como o nosso mundo se constrói; podemos dizer-lhe que o caminho que Ele aponta é duro e exigente e que não sabemos se teremos a coragem de o percorrer até ao fim; podemos até dizer-lhe, talvez com alguma vergonha, que às vezes duvidamos dele e corremos atrás de outras apostas, mais cómodas, mais atraentes e menos arriscadas… E, depois de lhe dizermos isso tudo, deixemos que Jesus nos fale, nos explique o seu projeto, nos renove o seu desafio… E vamos, também, prestar atenção à voz de Deus que nos garante: “olhem que esse Jesus que Eu enviei ao vosso encontro é o meu Filho, o meu eleito, aquele a quem Eu entreguei o projeto de um mundo mais humano e mais fraterno… Confirmo a verdade do caminho que Ele vos propõe. Escutai-O, ide com Ele, acolhei as suas propostas e indicações, mesmo que tenhais de remar contra a maré. O caminho que Ele vos aponta pode passar pela cruz, mas conduz à Vida verdadeira, à ressurreição”. É com estas atitudes que somos seguidores de Jesus Cristo?
  • Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-o”. É verdade: precisamos de escutar Jesus mais e melhor. Quando o “escutamos” – quer dizer, quando ouvimos o que Ele nos diz, quando acolhemos no coração as suas indicações e quando procuramos concretizá-las na vida – começamos a ver tudo com uma luz mais clara. Começamos a perceber qual é a maneira mais humana de enfrentar os problemas da vida e os males do nosso mundo; damos conta dos grandes erros que os seres humanos podem cometer e descobrimos as soluções que Deus nos aponta… Escutar Jesus pode curar-nos das nossas cegueiras seculares, dos preconceitos que nos impedem de acolher a novidade de Deus, dos medos que nos paralisam; escutar Jesus pode libertar-nos de desalentos e cobardias, e abrir o nosso coração à esperança. A escuta de Jesus está no centro da nossa experiência de fé? Nas nossas comunidades cristãs damos espaço suficiente à escuta de Jesus?
  • O tempo de Quaresma é um tempo favorável de conversão, de transformação, de renovação. Traz-nos um convite a questionarmos a nossa forma de encarar a vida, os valores que priorizamos, as opções que vamos fazendo, as nossas certezas e apostas, os nossos interesses e projetos… O que é que eu, pessoalmente, necessito de mudar, na minha forma de pensar e de agir, a fim de me tornar um discípulo coerente e comprometido, que segue Jesus no caminho do amor levado até às últimas consequências, até ao dom total de si próprio?
  • É verdade que, para muitos dos nossos contemporâneos, o caminho proposto por Jesus não parece muito entusiasmante… Não assegura bem-estar, nem bens materiais, nem triunfos, nem reconhecimento, nem fama, nem poder, nem tranquilidade, nem qualquer outro valor que muitos dos homens e mulheres do nosso tempo consideram fundamentais para que as suas vidas tenham algum sentido. Contudo, nós, discípulos de Jesus, acreditamos que só o amor – o amor vivido como serviço, como dom de si próprio, ao estilo de Jesus – dá sentido à vida; acreditamos que a construção de um mundo novo – mais humano, mais são, mais verdadeiro – depende de acolhermos e vivermos as propostas de Jesus. O que poderemos fazer para contagiar os nossos irmãos e irmãs com o nosso entusiasmo por Jesus e pelo seu projeto de um mundo novo?
  • Pedro, Tiago e João, testemunhas da transfiguração de Jesus, parecem não ter muita vontade de “descer à terra” e de enfrentar o mundo e os problemas dos homens. Propõem fazer três tendas e ficar no cimo daquele monte, onde tudo parece tão fácil e tão indolor. Representam aqueles que vivem de olhos postos no céu, alheados da realidade concreta do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar. No entanto, ser seguidor de Jesus obriga-nos a “regressar ao mundo” para testemunhar aos homens, mesmo contra a corrente, que a realização autêntica está no dom da vida; obriga a atolarmo-nos no mundo, nos seus problemas e dramas, a fim de dar o nosso contributo para o aparecimento de um mundo mais justo e mais feliz. Assumimos a nossa ligação a Deus, não como uma droga que nos adormece, mas como compromisso com Deus que se concretiza no esforço de construirmos um mundo mais justo, mais humano, mais cheio de amor? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura narra a aliança que Deus estabelece com Abrão e deve ler-se Abrão e não Abraão. Além disso, a proclamação deste texto deve ter em atenção o diálogo estabelecido entre Deus e Abrão que é fundamental para uma correta leitura.

A segunda leitura – Epístola de S. Paulo aos Filipenses –  está dividida em duas partes separadas pela conjunção adversativa “Mas”. Por isso, a proclamação desta leitura deve ter presente esta estrutura e deve ter uma especial atenção às frases longas com várias orações. A conclusão do texto – «Portanto, meus amados e queridos irmãos, minha alegria e minha coroa, permanecei firmes no Senhor» – deve ser enfatizada pois apresenta a exortação final de Paulo aos filipenses.

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

                                                          

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

 

Quaresma: Caminhada para a Páscoa

27 Fevereiro, 2025 EclesialLiturgiaSociedade – Voz Portucalense

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Todos os anos a Igreja nos oferece este dom maravilhoso de celebrarmos os mistérios que nos alcançaram a vida nova, a fim de atingirmos a plenitude de filhos de Deus. Mas cada Quaresma é diferente. A história, a nossa pequena história, não se repete. Também esta Quaresma não será igual às outras. Basta pensarmos na circunstância do ano jubilar da esperança, nas surpresas da atualidade mundial e local, na vida da Igreja universal e particular, nas propostas diocesanas de caminhada quaresmal… Este tempo favorável, tempo de graça, é um apelo de Deus a que toda a comunidade cristã entre decidida no dinamismo próprio da Páscoa: a passagem para a Vida Nova.

A liturgia envolve o homem todo – espírito e corpo – com a sua rica linguagem. A expressividade pascal, que invade todas as celebrações do ano litúrgico, parece interrompida na Quaresma: não por esgotamento, mas por necessidade de aprofundamento. A rotina tende a uma espécie de inflação que degenera em empobrecimento de sentido e desvalorização espiritual. E, por isso, a música instrumental cala-se, o canto é sóbrio, a igreja está mais despojada e sombria, não se canta o Aleluia… Dê-se maior relevo à cruz: com o acessório (alegórico) da âncora, ou sem ele, a Cruz é sempre a âncora (símbolo) lançada por Deus do céu à terra e, pela Igreja, da terra ao céu. Fixemo-nos na Cruz, “esperança única”. E tudo isto alimenta os sentidos a fim de envolver o homem todo na caminhada pascal. Há que reaprender a viver cristãmente. Para voltar a cantar Aleluia, não apenas com os lábios, mas com todas as fímbrias do nosso ser, para superar tantas desafinações, precisamos da cura do silêncio e de jejum, também dos ouvidos.

A Quaresma começa na Quarta-feira, chamada de Cinzas. A decisão de começar a caminhada é ratificada pelo jejum corporal e pelo sinal comunitário da imposição das cinzas (após a homilia da missa). Contudo e porque as condições laborais, entre outras, não permitem que a maioria dos cristãos possa participar nesta abertura comunitária da Quaresma, aconselha-se que haja no primeiro domingo um sinal eloquente que marque o seu início. A caminhada para a Páscoa é tão vital para a comunidade cristã que requer uma inauguração solene.

Sobre a exercitação quaresmal, o Cerimonial dos Bispos (n. 260-261) recomenda que se conserve e fomente, sobretudo aos domingos, a forma tradicional de reunir a Igreja local à maneira das “estações” romanas, ao menos nas grandes cidades. E propõe um rito que pode ser muito apropriado para dar início à Quaresma, no primeiro domingo. A assembleia reúne-se num lugar fora da igreja, cantando um cântico apropriado. Quem preside e os ministros dirigem-se para esse local. Terminado o cântico, o Presidente saúda o povo e faz uma breve admonição, explicando o sentido e a oportunidade do rito. Após alguns momentos de silêncio, recita uma oração (coleta do mistério da Santa Cruz, pela remissão dos pecados, pela Igreja, missa para o ano santo…). Em seguida, impõe incenso no turíbulo (se se usar) e o diácono (ou o próprio celebrante) anuncia: Caminhemos em paz. Em procissão, todos se dirigem para a igreja, ao canto das Ladainhas dos Santos (como em Cantoral Nacional 568, 569). No lugar adequado (conforme se trate de mártires, confessores, etc.), podem inserir-se invocações do Santo Padroeiro e de outros particularmente venerados nessa Igreja. Chegados ao presbitério, o Coro conclui a invocação dos Santos com “Todos os Santos e Santas de Deus” e segue com “Sede-nos propício”. No fim do canto, o Presidente recita a oração coleta do dia. Omitem-se os ritos iniciais.

Como alternativa, estando já o povo reunido na Igreja onde se celebra a Eucaristia, em vez do cântico de entrada cantam-se as Ladainha dos Santos até Todos os Santos e Santas de Deus. Da cadeira, depois de se benzer, o presidente saúda o povo e pode fazer uma breve admonição. Não são necessárias muitas palavras porque o rito, de si, já é eloquente. Em seguida, convida ao arrependimento e retoma-se a Ladainha: Sede-nos propício. No fim, recita-se a coleta da Missa.

De facto, é muito significativo iniciar a Quaresma com a ladainha dos Santos e, ainda mais, neste ano jubilar da Esperança. Incorporamo-nos nessa peregrinação única, aberta pela cruz de Cristo, e que nos conduz à Vida com o Pai, percebemos a íntima ligação e comunhão entre a Igreja que peregrina e a Igreja que alcançou a glória, descobrimos o sentido profundo da Quaresma como realização do mistério pascal em nós.

Outras Sugestões para o tempo da Quaresma:

– Privilegiar o Ato Penitencial na modalidade B.

– Cantar habitualmente a terceira aclamação de anamnese (Mistério da fé para a salvação do mundo! – Glória a Vós que morrestes na cruz…)

– No momento que se considerar oportuno (Ofertório, final…) cantar o hino do Jubileu ou algum dos seguintes hinos: Jesus, esperança e guia (BML 38; não é só de Advento e todo o ano jubilar é, de algum modo, advento), ou Jesus, nossa redenção (M. Luís, Guião ENPL XXXVIII; NCT 567; LHcant2).

 

ANEXOS:

Domingo I da Quaresma – Ano C – 09 março 2025

Viver a Palavra

Com a celebração da Quarta-feira de Cinzas damos início ao itinerário quaresmal que nos conduzirá à celebração da Páscoa do Senhor. Deste modo, cada Domingo deste «tempo favorável» (2 Cor 6,2) constitui uma etapa de aprofundamento e reflexão de um percurso penitencial que neste ano tem a marca da esperança, porque a conversão abre sempre a porta da esperança através da qual se rasga um novo horizonte de sentido sobre a vida humana. A Quaresma, enquanto tempo penitencial e oportunidade de conversão, não é um tempo triste e pesado, mas tempo de «cantar a alegria do perdão» (Irmão Roger Schütz)

A Quaresma é um tempo novo, pois nova e inaudita é sempre a oferta de amor que Deus nos faz em cada momento da nossa vida. É tempo de esperança e de conversão, um tempo da alegre transformação do coração que nos conduzirá à Páscoa da Ressurreição: fonte da nossa esperança e alegria, oferta de amor do Pai, que em Cristo faz de nós Filhos amados e ressuscitados, isto é, homens e mulheres herdeiros da vida nova.

Neste primeiro Domingo da Quaresma, o Evangelho convida-nos a ir ao deserto: «Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo». Após o Batismo, Jesus aparece como Homem Novo na Plenitude do Espírito, revestido e conduzido pelo Espírito Santo percorre o caminho que o Pai tem para Ele. É conduzido ao deserto, a esse lugar privilegiado do encontro com Deus, mas simultaneamente lugar de privação e provação, onde apenas podemos levar o essencial. Como afirma Saint-Exupéry, «em cada deserto há um poço», isto é, em cada angústia existe um rebento de ressurreição.

Conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, Jesus é tentado e posto à prova pelo diabo. Como sabemos, a palavra diabo na sua etimologia significa aquele que divide. Na verdade, o diabo, o mal e o pecado é aquilo que nos afasta de Deus e dos irmãos, que nos divide e rompe com a comunhão e unidade que conduzem à realização e felicidade.

Seguindo Jesus, como cristãos batizados somos convidados a acolher os desafios e impulsos do Espírito Santo e reconhecemos que a nossa vida cristã conhece lugares de deserto, de tentação e provação. Contudo, temos consciência que as tentações em si mesmas não são boas nem más. Diria que as tentações são situações que irrompem no quotidiano da nossa vida e se constituem como uma oportunidade: a oportunidade de voltar a escolher Deus e optar pelo Seu amor. Cada momento de tentação e provação reclamam da nossa vida uma adesão radical ao bem que liberta e salva e uma decidida rejeição do mal que nos escraviza.

Nas três tentações de Jesus, estão presentes as tentações do ter, do poder e do êxito fácil e a cada uma destas tentações Jesus responde com a Palavra da Escritura, recordando-nos que a Palavra de Deus é a melhor resposta diante das dificuldades e provações.

O nosso maior engano consiste em acreditar que o tesouro da nossa vida está num pedaço de pão, na sede de poder ou no êxito fácil. Por outro lado, a nossa maior virtude estará na capacidade de nos confiarmos como crianças nas mãos do Pai, recordando a certeza que alimentava a esperança do Povo de Israel: «então invocámos o Senhor, Deus dos nossos pais, e o Senhor ouviu a nossa voz, viu a nossa miséria, o nosso sofrimento e a opressão que nos dominava». Por isso, diante das provações e dificuldades da vida, invoquemos a misericórdia de Deus com as palavras do salmo – «estai comigo, Senhor, no meio da adversidade» – e experimentaremos a força poderosa da Palavra de Deus que faz florir os desertos da nossa vida. in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

No primeiro Domingo da Quaresma somos convidados a ir com Jesus ao deserto e contemplamos as diversas tentações. Também nós somos sujeitos a diversas tentações quotidianas e pela nossa fragilidade nem sempre somos capazes de como Jesus resistir à tentação pela força da Palavra de Deus. Tendo em conta a fragilidade da nossa vida e o especial desafio à conversão que a Quaresma propõe, este Domingo constitui-se como oportunidade para apresentar as diversas propostas paroquiais e vicariais da celebração do sacramento da Reconciliação. Além disso, pode ser ocasião para um convite criativo envolvendo a catequese ou algum outro grupo paroquial, distribuindo um convite ou um desdobrável com um exame de consciência, lançando o desafio a celebrar a alegria do perdão. in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo da Quaresma, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IDeuteronómio 26,4-10

Moisés falou ao povo, dizendo:
«O sacerdote receberá da tua mão
as primícias dos frutos da terra
e colocá-las-ás diante do altar do Senhor teu Deus.
E diante do Senhor teu Deus, dirás as seguintes palavras:
‘Meu pai era um arameu errante,
que desceu ao Egipto com poucas pessoas,
e aí viveu como estrangeiro
até se tornar uma nação grande, forte e numerosa.
Mas os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos
e sujeitaram-nos a dura escravidão.
Então invocámos o Senhor Deus dos nossos pais
e o Senhor ouviu a nossa voz,
viu a nossa miséria, o nosso sofrimento
e a opressão que nos dominava.
O Senhor fez-nos sair do Egipto
com mão poderosa e braço estendido,
espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios.
Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra,
uma terra onde corre leite e mel.
E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra
que me destes, Senhor’.
Então colocarás diante do Senhor teu Deus
as primícias dos frutos da terra
e te prostrarás diante do Senhor teu Deus».

 

CONTEXTO

O Livro do Deuteronómio parece ser o “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém por volta de 622 a.C., no 18° ano do reinado de Josias (cf. 2 Re 22,3-13), e que serviu de motor à grande reforma religiosa levada a cabo por este rei no sentido de reconduzir o Povo à fé em Javé. Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia: há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, uma família unida que tem Deus como a sua grande referência (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).

Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, pouco antes de o Povo libertado do Egito atravessar o Jordão para tomar posse da Terra Prometida (cf. Dt 1,6-4,43; 4,44-28,68; 28,69-30,20). Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e convida-os a renovar a sua Aliança com Javé.

O texto que a liturgia do primeiro domingo da Quaresma nos propõe como primeira leitura faz parte do segundo discurso de Moisés. Integra o chamado “código deuteronómico” (cf. Dt 12,1-26,15), um conjunto de leis e costumes diversos, a que se somam exortações destinadas a convencer o Povo a viver de acordo com as indicações de Deus. Um desses blocos legais refere-se à entrega a Deus das “primícias” (“bikkurim”), os primeiros frutos da terra (cf. Dt 26). Os cananeus costumavam todos os anos, na altura em que colhiam os primeiros frutos da terra, celebrar uma festa em honra de Baal, a divindade da fecundidade e da vegetação, agradecendo-lhe os dons da terra. Os crentes israelitas sabiam que não era a Baal, mas sim a Javé que deviam agradecer os frutos da terra. Por isso, todos os anos, pouco de pois de terem colhido os primeiros frutos da terra, ofereciam-nos a Deus. Com esse gesto, agradeciam a generosidade de Deus e reconheciam que Deus era o dono da natureza e a fonte de toda a fecundidade. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Ao fazer memória da dos “feitos” de Deus em favor do seu povo, o israelita fiel tomava consciência do lugar e do papel de Deus na sua vida. Percebia que Deus era a sua grande referência e que não fazia sentido trilhar caminhos onde Deus não estivesse. Tudo o que tinha e tudo o que era devia-se a Deus, à sua generosidade, à sua solicitude, ao seu amor. Na mesma linha, talvez nos fizesse bem, a nós homens e mulheres do séc. XXI, olharmos mais atentamente para a história da salvação, a fim de redescobrirmos o lugar de Deus nas nossas vidas e na vida da humanidade. Talvez então não nos sentíssemos tentados a colocar no centro da nossa existência “deuses” que não compensam nem nos garantem vida com sentido: os bens materiais, o bem-estar, o poder, o êxito social ou profissional, a ciência ou a técnica, os líderes, as ideologias… Que lugar ocupa Deus nas nossas vidas? Quais são os “deuses” em que apostamos?
  • A Bíblia apresenta o pecado como a situação do homem que prescinde de Deus, que ignora as indicações de Deus e se instala no egoísmo e na autossuficiência. Quando o ser humano não tem memória dos gestos salvadores e libertadores de Deus, convence-se de que os êxitos e realizações que a vida lhe proporcionou se devem exclusivamente ao seu esforço e ao seu génio; decide que é capaz por si próprio, sem interferência de Deus, de descobrir os caminhos que lhe proporcionam vida abundante e feliz. Deus passa então a ser, para o homem autossuficiente, um estorvo que o impede de ser livre e de seguir o seu caminho de busca da felicidade e da realização. Onde nos leva um caminho onde Deus não está? Os caminhos que o homem constrói longe de Deus são caminhos onde encontramos mais humanidade, mais alegria, mais harmonia, mais paz, mais amor, mais liberdade, mais respeito pela justiça e pela dignidade do homem?
  • Num desenvolvimento que a liturgia deste domingo entendeu não apresentar (cf. Dt 26,12-13), o “catequista” que nos oferece a bela “instrução” sobre as primícias e os dízimos refere-se ao “destino final” dos dons oferecidos ao Senhor: são para ser repartidos com “o levita, o estrangeiro, o órfão e a viúva”, que os “comerão às portas da cidade e ficarão saciados”. Tudo o que recebemos é de Deus e não nosso. Somos apenas administradores dos dons que Deus colocou à disposição de todos os homens. A nossa relação com os bens – mesmo os mais fundamentais – não pode, pois, ser uma relação fechada e egoísta: tudo pertence a Deus, o Pai de todos os homens e deve, portanto, ser partilhado. Como nos situamos face a isto? Os bens que Deus colocou à nossa disposição servem apenas para nosso benefício exclusivo, ou são vistos como dons de Deus para todos?
  • O israelita fiel, ao oferecer a Javé os primeiros frutos da terra, queria mostrar a sua gratidão pela bondade de Deus, pela sua solicitude, pelo seu amor. Era um gesto agradecido de quem sabia reconhecer a ação e o cuidado de Deus em favor do seu povo. Ora, todos nós recebemos, a cada passo, uma imensa quantidade de dons que Deus coloca à nossa disposição. Alguns são tão habituais, tão comuns, que nem reparamos neles… Somos gratos a Deus pelos seus dons? Lembramo-nos de dizer e de mostrar a Deus a nossa gratidão por tudo aquilo que Ele nos proporciona? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL Salmo 90 (91)

Refrão: Estai comigo, Senhor, no meio da adversidade.

Tu que habitas sob a proteção do Altíssimo
e moras à sombra do Omnipotente,
Diz ao Senhor: «Sois o meu refúgio e a minha cidadela:
meu Deus, em Vós confio».

Nenhum mal te acontecerá
nem a desgraça se aproximará da tua tenda,
porque Ele mandará aos seus Anjos
que te guardem em todos os teus caminhos.

Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra.
Poderás andar sobre víboras e serpentes,
calcar aos pés o leão e o dragão.

Porque em Mim confiou, hei de salvá-lo;
Hei de protegê-lo, pois conheceu o meu nome.
Quando Me invocar, hei de atendê-lo,
estarei com ele na tribulação,
hei de libertá-lo e dar-lhe glória.

 

LEITURA II Romanos 10,8-13

Irmãos:
Que diz a Escritura?
«A palavra está perto de ti,
na tua boca e no teu coração».
Esta é a palavra da fé que nós pregamos.
Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor
e se acreditares no teu coração
que Deus O ressuscitou dos mortos,
serás salvo.
Pois com o coração se acredita para obter a justiça
e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação.
Na verdade, a Escritura diz:
«Todo aquele que acreditar no Senhor
não será confundido».
Não há diferença entre judeu e grego:
todos têm o mesmo Senhor,
rico para com todos os que O invocam.
Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor
será salvo.

 

CONTEXTO

Paulo escreve aos cristãos da comunidade de Roma quando está prestes a terminar a sua terceira viagem missionária. Prepara-se para retornar à Palestina, onde vai entregar os donativos recolhidos em diversas igrejas do oriente, destinados a ajudar financeiramente os cristãos de Jerusalém. Sente que terminou a sua missão no oriente, pois as igrejas que fundou e acompanhou estão organizadas e já podem caminhar sozinhas.

Dirigindo-se por carta aos cristãos de Roma, Paulo aproveita para estabelecer laços com eles e para lhes apresentar os principais problemas que o ocupavam (entre os quais sobressaía a questão da unidade, um problema bem presente na comunidade cristã de Roma, afetada por alguns problemas de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). A Carta aos Romanos serena e lúcida da teologia paulina. Estamos no ano 56 ou 57.

Na primeira parte da Carta (cf. Rm 1,18-11,36), Paulo vai fazer notar aos cristãos divididos que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja uma realidade universal, que afeta todos os homens (cf. Rm 1,18-3,20), a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção (cf. Rm 3,1-5,11); e é em Jesus Cristo que essa vida se comunica e que transforma o homem (cf. Rm 5,12-8,39). Batizados em Cristo, os cristãos morrem para o pecado e nascem para uma vida nova. Passam a ser conduzidos pelo Espírito e tornam-se filhos de Deus; libertados do pecado e da morte, produzem frutos de santificação e caminham para a Vida eterna. Na segunda parte da carta (cf. Rm 12,1-15,13) Paulo, de uma forma bastante prática fala da forma de viver de acordo com o Evangelho de Jesus.

O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como segunda leitura, integra uma reflexão de Paulo sobre o desígnio de Deus a respeito de Israel (Rm 9,1-11,36). O povo que recusou a proposta de Jesus terá perdido o acesso à salvação? O plano salvador de Deus, que incluía Israel, terá falhado? Paulo considera que Deus é fiel e não retirará ao seu povo a sua oferta de salvação. A opção que Israel fez não é irreversível: basta-lhe corrigir a sua opção, aceitar Jesus e a proposta que Ele traz. in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • Na perspetiva de Paulo, os judeus cometeram um tremendo erro de cálculo: orgulhosos da sua Lei, pensaram que ela seria suficiente para os orientar no caminho da vida plena. Procuraram cumprir as exigências da Lei de Moisés, sem perceberem que essa religião dos ritos era vazia e estéril, pois não transformava os corações nem os aproximava de Deus. Jesus, cumprindo o projeto do Pai, veio ao encontro dos homens, convidou-os a mudar de vida, anunciou-lhes a bondade paterna e materna de Deus que salva gratuitamente, por puro amor; mas eles recusaram-se a escutar Jesus e não acolheram a sua proposta. Confiando cegamente na Lei, prescindiram de Jesus; prescindindo de Jesus, rejeitaram a salvação que Deus lhes oferecia. O que é que isto nos sugere? A nossa resposta ao Deus que nos oferece a salvação é uma resposta baseada no cumprimento de leis e de ritos externos, ou numa adesão incondicional a Jesus e às suas propostas? Estamos verdadeiramente envolvidos com Jesus, seguimos atrás dele no caminho dos discípulos, vivemos das suas palavras, aprendemos com os seus gestos, aderimos ao seu estilo de vida, abraçamos o projeto do Reino de Deus, deixamos que Ele nos conduza ao encontro de Deus?
  • Paulo denuncia a autossuficiência dos seus irmãos judeus, que julgavam garantir, eles próprios, a salvação cumprindo as obras da Lei. A autossuficiência nunca será um caminho que nos leva longe, pelo menos no que diz respeito às realidades de Deus. Fecha-nos em nós próprios, nos nossos ghettos pessoais, e leva-nos a prescindir de Deus e dos nossos irmãos. Vemos todos os dias isso acontecer à nossa volta: os autossuficientes, os “ricos”, na linguagem de Jesus, tornam-se orgulhosos e prepotentes, impõem os seus projetos e a sua vontade, sem terem em conta o bem comum e a justiça; virados para si próprios, vivem indiferentes ao sofrimento dos seus irmãos; instalados no seu egoísmo e nas suas certezas, não estão disponíveis para se deixar desafiar por Deus e para acolher, em cada instante, a novidade e o amor de Deus. Acabam por falhar redondamente o sentido da existência. Estamos bem cientes das “feridas” que a autossuficiência pode causar-nos? Como lidamos com esta “doença”?
  • Todos os homens e mulheres que aderem a Jesus e que acolhem a sua proposta de salvação passam a fazer parte de uma única família, sem distinção de qualquer tipo. Não há diferença “entre judeus e gregos”, entre amigos e inimigos, entre ricos e pobres, entre superiores e inferiores: todos têm como pai o mesmo Deus e fazem parte de uma comunidade de irmãos e de irmãs. Essa “família”, unida e fraterna, é chamada a dar testemunho no mundo do amor, da misericórdia, da bondade, da salvação de Deus. É isso que vemos nas nossas comunidades cristãs? Nós, família que nasceu de um “sim” a Jesus, somos uma comunidade que testemunha a comunhão e a fraternidade? Na nossa comunidade cristã há lugar para todos, independentemente das suas “diferenças”, sejam elas quais forem? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 4,1-13

Naquele tempo,
Jesus, cheio do Espírito Santo,
retirou-Se das margens do Jordão.
Durante quarenta dias,
esteve no deserto, conduzido pelo Espírito,
e foi tentado pelo diabo.
Nesses dias não comeu nada
e, passado esse tempo, sentiu fome.
O diabo disse-lhe:
«Se és Filho de Deus,
manda a esta pedra que se transforme em pão».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Nem só de pão vive o homem’».
O diabo levou-O a um lugar alto
e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra
e disse-Lhe:
«Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos,
porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser.
Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu».
Jesus respondeu-lhe:
«Está escrito:
‘Ao Senhor teu Deus adorarás,
só a Ele prestarás culto’».
Então o demónio levou-O a Jerusalém,
colocou-O sobre o pináculo do Templo
e disse-Lhe:
«Se és Filho de Deus,
atira-te daqui abaixo,
porque está escrito:
‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito,
para que te guardem’;
e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão,
para que não tropeces em alguma pedra’».
Jesus respondeu-lhe:
«Está mandado:
‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
Então o diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação,
retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

CONTEXTO

Nos Evangelhos Sinópticos, a cena das “tentações de Jesus” está encaixada entre o batismo e o início da pregação do Reino de Deus (cf. Mc 1,12-13; Mt 4,1-11; Lc 4,1-13). Lucas, contudo, faz anteceder a cena das pregações de uma “genealogia” de Jesus (cf. Lc 3,23-38). Se no batismo foi desvelada a identidade de Jesus (“tu és o meu filho muito amado; em ti pus todo o meu agrado” – Lc 3,22), a genealogia mostra que Jesus vinha de uma família especial (a família do rei David), na qual o povo de Deus tinha depositado as suas esperanças de libertação. A figura de Jesus gerava, portanto, muitas expetativas. Iria Ele concretizá-las? A sua vida, as suas opções, corresponderiam àquilo que Deus esperava dele e que a comunidade do Povo de Deus aguardava ansiosamente? Que caminhos iria Ele seguir? Iria privilegiar os seus interesses pessoais, ou o projeto de Deus? O episódio das “tentações de Jesus” responde, desde já, a estas questões.

Trata-se de um episódio real, descrito de forma estritamente histórica, com um “diabo” a disputar a Jesus o centro do palco? Trata-se, fundamentalmente, de uma página de catequese. É muito provável que Jesus, após o seu batismo no rio Jordão, se tenha retirado internado no deserto de Judá e passado alguns dias a meditar sobre a missão que Deus queria confiar-lhe. Nesse tempo de “retiro”, Jesus confrontou-se com uma luta interior, com opções fundamentais, com a definição do seu projeto de vida. É natural também que, mais tarde, Jesus tenha falado com os seus discípulos sobre o que sentiu quando teve de escolher, a fim de que eles percebessem que, diante da proposta do Reino de Deus, também eles tinham de tomar decisões. Esse diálogo deve ter causado uma profunda impressão nos discípulos. O facto de o relato das “tentações de Jesus” ser conhecido desde o início nas comunidades cristãs primitivas mostra isso mesmo.

O episódio é situado “no deserto”. O deserto é, no imaginário judaico, o lugar da “prova”, onde os israelitas experimentaram, por diversas vezes, a tentação do abandono de Deus e do seu projeto de libertação (embora seja, também, o lugar do encontro com Deus, o lugar da descoberta do rosto de Deus, o lugar onde o Povo fez a experiência da sua fragilidade e pequenez e aprendeu a confiar na bondade e no amor de Deus). Será que a história se vai repetir, que Jesus vai ceder à tentação e dizer “não” ao projeto de Deus, como aconteceu com os israelitas?

As “tentações de Jesus” não são contadas da mesma forma por todos os Sinópticos. Marcos limita-se a referir que Jesus “foi tentado”, sem entrar em pormenores; Mateus e Lucas descrevem as “tentações” de Jesus em termos análogos, embora a segunda e a terceira “tentação” apareçam, nos dois Evangelhos, em ordem diferente. Provavelmente Lucas, sempre preocupado em apresentar Jerusalém como um lugar central na história da salvação, arranjou as coisas para que o “desafio teológico” entre Jesus e o diabo tivesse o seu epílogo em Jerusalém. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Começamos, nestes dias, a percorrer um caminho, o caminho quaresmal. É o caminho que nos conduz à Páscoa, à ressurreição, à vida nova. Ao longo desse caminho seremos convidados a analisar, com lucidez e sentido de responsabilidade, as nossas opções, as nossas prioridades, os nossos valores, o sentido da nossa vida… Este tempo poderá ser um tempo de conversão, de realinhamento, de renovação, de mudança; poderá ser a oportunidade para nos reaproximarmos de Deus e das propostas que Ele nos faz. A Palavra de Deus que escutaremos cada domingo ajudar-nos-á a perceber o sem sentido de algumas das nossas escolhas e a detetar alguns dos equívocos em que navegamos. Aceitamos o desafio de percorrer este caminho? O Evangelho deste domingo refere algumas das “tentações” que Jesus teve de enfrentar e vencer. Estamos dispostos, da nossa parte, a identificar as “tentações” que nos escravizam e nos impedem de viver uma vida mais digna, mais humana, mais repleta de sentido e de esperança? Quais são as “tentações” que, com mais frequência, nos afastam do estilo de vida e do projeto de Jesus?
  • Uma das “tentações” com que Jesus teve de se debater foi a dos bens materiais. É uma “tentação” que conhecemos bem, pois temos de lidar com ela a todos os instantes. Apelando à nossa apetência pelo conforto, pelo bem-estar, pela segurança, ela convida-nos a acumular coisas, a priorizar o dinheiro, a fazer dos bens materiais o grande objetivo da nossa vida. É, no entanto, uma “tentação” que pode desvirtuar completamente o sentido da nossa existência: cria dependência, torna-nos escravos dos bens materiais, faz-nos correr atrás de coisas efémeras; fecha-nos à partilha, à solidariedade, à fraternidade; potencia a indiferença face às necessidades dos nossos irmãos; incita-nos a apostar em mecanismos de exploração e de lucro… Qual o lugar e o papel que os bens materiais assumem na nossa vida? A forma como lidamos com os bens materiais é sadia e equilibrada?
  • Outra das “tentações” que Jesus teve de enfrentar foi a do poder, da glória, dos triunfos humanos. Jesus considerava que a vontade de subjugar os outros, de deter autoridade ilimitada, de dominar o mundo, é algo de diabólico, que pode fazer o homem perder a sua grande referência – Deus. Está na base do orgulho e da autossuficiência que fecham o homem no seu ghetto pessoal; leva o homem a querer libertar-se do “controle” de Deus e a virar as costas a Deus; desenvolve no homem “tiques” de autoritarismo, de intolerância, de prepotência que causam feridas irreparáveis no mundo; favorece o abuso dos mais fracos, dos mais pequenos, dos que não têm vez nem voz; promove mecanismos de escravidão, de exploração, de crispação social; fomenta guerras, violências, imperialismos; constrói muros de inimizade que separam as pessoas e que as impedem de viver em harmonia… Esta “tentação” é problema para nós? Como é que nós tratamos aqueles com quem partilhamos o caminho da vida: com sobranceria e arrogância, ou com humildade, respeito e amor?
  • A terceira das “tentações” que se atravessou no caminho de Jesus foi a de utilizar Deus para obter o reconhecimento, os aplausos, o apreço, a consideração dos homens. Não é uma “tentação” tão incomum como parece à primeira vista. Esta “tentação” pode fazer-nos pensar na utilização da fé para obter benefícios pessoais, para construir uma “carreira” de sucesso, para conquistar reputação, renome ou prestígio; pode fazer-nos pensar na utilização da religião para obter privilégios, títulos ou honrarias; pode fazer-nos pensar nas “exigências” que fazemos a Deus para que Ele nos conceda os favores a que julgamos ter direito… E pode, por outro lado, fazer-nos pensar nas cedências que algumas pessoas estão dispostas a fazer, às vezes à custa da própria dignidade, para obter uns minutos de fama e de notoriedade… O reconhecimento, a fama, os aplausos, os privilégios, serão bens pelos quais vale a pena pagar qualquer preço?
  • Nós somos humanos e frágeis. Vivemos mergulhados numa realidade de pecado, que nos condiciona e nos arrasta para opções discutíveis. Será possível vencermos essas “tentações” que continuamente aparecem no caminho da nossa vida? Jesus venceu-as. Ele nunca aceitou que a sua vida fosse conduzida pelo meio de equívocos e de facilitismos. Escolheu, uma e outra e outra vez não se afastar do projeto do Pai. Podemos dizer que não temos a mesma força de Jesus. Pode ser verdade. Mas Ele vai à nossa frente a apontar-nos o caminho e a dizer-nos que é possível dizer “não”, uma e outra e outra vez, às propostas que nos levam por caminhos onde não há vida verdadeira. Estamos dispostos a tentar, uma e outra e outra vez, sem desculpas e sem justificações, seguir o exemplo de Jesus? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura é um longo discurso de Moisés ao Povo. Deste modo, a proclamação deste texto deve ter em atenção o tom narrativo que compõe todo o texto. Além disso, dentro deste grande discurso está a confissão de fé que cada hebreu deve proferir diante do Senhor na apresentação das primícias, pelo que a correta e clara leitura deste texto deve ter em conta esta situação.

A segunda leitura exige um especial cuidado com as pausas e a pontuação. A leitura abre com uma frase interrogativa à qual se segue a resposta. A articulação das diferentes orações requer uma adequada entoação. Além disso, chama-se a atenção para a afirmação central do texto: «Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se acreditares no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo». Esta afirmação está em ligação com a frase conclusiva do texto: «Portanto, todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo». A proclamação do texto deve ter em conta a articulação das diferentes frases

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

                                                          

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

 

Quaresma: Caminhada para a Páscoa

27 Fevereiro, 2025 EclesialLiturgiaSociedade – Voz Portucalense

Por Secretariado Diocesano da Liturgia

Todos os anos a Igreja nos oferece este dom maravilhoso de celebrarmos os mistérios que nos alcançaram a vida nova, a fim de atingirmos a plenitude de filhos de Deus. Mas cada Quaresma é diferente. A história, a nossa pequena história, não se repete. Também esta Quaresma não será igual às outras. Basta pensarmos na circunstância do ano jubilar da esperança, nas surpresas da atualidade mundial e local, na vida da Igreja universal e particular, nas propostas diocesanas de caminhada quaresmal… Este tempo favorável, tempo de graça, é um apelo de Deus a que toda a comunidade cristã entre decidida no dinamismo próprio da Páscoa: a passagem para a Vida Nova.

A liturgia envolve o homem todo – espírito e corpo – com a sua rica linguagem. A expressividade pascal, que invade todas as celebrações do ano litúrgico, parece interrompida na Quaresma: não por esgotamento, mas por necessidade de aprofundamento. A rotina tende a uma espécie de inflação que degenera em empobrecimento de sentido e desvalorização espiritual. E, por isso, a música instrumental cala-se, o canto é sóbrio, a igreja está mais despojada e sombria, não se canta o Aleluia… Dê-se maior relevo à cruz: com o acessório (alegórico) da âncora, ou sem ele, a Cruz é sempre a âncora (símbolo) lançada por Deus do céu à terra e, pela Igreja, da terra ao céu. Fixemo-nos na Cruz, “esperança única”. E tudo isto alimenta os sentidos a fim de envolver o homem todo na caminhada pascal. Há que reaprender a viver cristãmente. Para voltar a cantar Aleluia, não apenas com os lábios, mas com todas as fímbrias do nosso ser, para superar tantas desafinações, precisamos da cura do silêncio e de jejum, também dos ouvidos.

A Quaresma começa na Quarta-feira, chamada de Cinzas. A decisão de começar a caminhada é ratificada pelo jejum corporal e pelo sinal comunitário da imposição das cinzas (após a homilia da missa). Contudo e porque as condições laborais, entre outras, não permitem que a maioria dos cristãos possa participar nesta abertura comunitária da Quaresma, aconselha-se que haja no primeiro domingo um sinal eloquente que marque o seu início. A caminhada para a Páscoa é tão vital para a comunidade cristã que requer uma inauguração solene.

Sobre a exercitação quaresmal, o Cerimonial dos Bispos (n. 260-261) recomenda que se conserve e fomente, sobretudo aos domingos, a forma tradicional de reunir a Igreja local à maneira das “estações” romanas, ao menos nas grandes cidades. E propõe um rito que pode ser muito apropriado para dar início à Quaresma, no primeiro domingo. A assembleia reúne-se num lugar fora da igreja, cantando um cântico apropriado. Quem preside e os ministros dirigem-se para esse local. Terminado o cântico, o Presidente saúda o povo e faz uma breve admonição, explicando o sentido e a oportunidade do rito. Após alguns momentos de silêncio, recita uma oração (coleta do mistério da Santa Cruz, pela remissão dos pecados, pela Igreja, missa para o ano santo…). Em seguida, impõe incenso no turíbulo (se se usar) e o diácono (ou o próprio celebrante) anuncia: Caminhemos em paz. Em procissão, todos se dirigem para a igreja, ao canto das Ladainhas dos Santos (como em Cantoral Nacional 568, 569). No lugar adequado (conforme se trate de mártires, confessores, etc.), podem inserir-se invocações do Santo Padroeiro e de outros particularmente venerados nessa Igreja. Chegados ao presbitério, o Coro conclui a invocação dos Santos com “Todos os Santos e Santas de Deus” e segue com “Sede-nos propício”. No fim do canto, o Presidente recita a oração coleta do dia. Omitem-se os ritos iniciais.

Como alternativa, estando já o povo reunido na Igreja onde se celebra a Eucaristia, em vez do cântico de entrada cantam-se as Ladainha dos Santos até Todos os Santos e Santas de Deus. Da cadeira, depois de se benzer, o presidente saúda o povo e pode fazer uma breve admonição. Não são necessárias muitas palavras porque o rito, de si, já é eloquente. Em seguida, convida ao arrependimento e retoma-se a Ladainha: Sede-nos propício. No fim, recita-se a coleta da Missa.

De facto, é muito significativo iniciar a Quaresma com a ladainha dos Santos e, ainda mais, neste ano jubilar da Esperança. Incorporamo-nos nessa peregrinação única, aberta pela cruz de Cristo, e que nos conduz à Vida com o Pai, percebemos a íntima ligação e comunhão entre a Igreja que peregrina e a Igreja que alcançou a glória, descobrimos o sentido profundo da Quaresma como realização do mistério pascal em nós.

Outras Sugestões para o tempo da Quaresma:

– Privilegiar o Ato Penitencial na modalidade B.

– Cantar habitualmente a terceira aclamação de anamnese (Mistério da fé para a salvação do mundo! – Glória a Vós que morrestes na cruz…)

– No momento que se considerar oportuno (Ofertório, final…) cantar o hino do Jubileu ou algum dos seguintes hinos: Jesus, esperança e guia (BML 38; não é só de Advento e todo o ano jubilar é, de algum modo, advento), ou Jesus, nossa redenção (M. Luís, Guião ENPL XXXVIII; NCT 567; LHcant2).

 

ANEXOS:

Domingo VIII do Tempo Comum – Ano C – 02 março 2025

Viver a Palavra

Seguir Jesus é o caminho exigente que cada cristão é chamado a percorrer. Porém, caminhar de olhos fixos no Mestre implica conceber a nossa vocação batismal como uma tarefa sempre inacabada pois «todo o discípulo perfeito deverá ser como o seu mestre». Bem sabemos, que a perfeição à qual somos chamados como discípulos tem nome de santidade e, mais do que uma conquista pelos nossos esforços e méritos, é um dom da graça, fruto da gratuidade de Deus que nos faz merecedores, não obstante os nossos limites e fragilidades.

A Liturgia da Palavra deste Domingo é o convite a olhar com realismo a nossa vida, eliminando a presunção que nos impede de ver os nossos defeitos e fraquezas, mas também o pessimismo que nos impede de ver o bem que as nossas vidas podem gerar. Portanto, é necessário treinar o olhar, isto é, aprender a ver a realidade com o olhar de Jesus, para que a nossa vida, iluminada por este olhar transformador se liberte dos argueiros e traves que nos impedem de caminhar com segurança.

Na verdade, um cego não pode guiar outro cego, a não ser que seja capaz de eliminar da sua vida aquilo que o impede de ver com clareza o caminho. E uma das dificuldades denunciadas por Jesus no Evangelho de hoje é a incapacidade de reconhecer os nossos limites e fraquezas. Somos educados para o sucesso, para a valorização das nossas capacidades e habilidades…. Humanamente entendemos que o reconhecimento dos nossos limites nos diminui e enfraquece. Contudo, à luz da palavra do Mestre, tomamos consciência que acolher as nossas fragilidades nos ensinará a olhar de um modo novo para as fragilidades dos irmãos, conscientes que não são os nossos defeitos que nos definem, mas que eles são parte integrante do todo da nossa vida. Assim, integrar na totalidade da nossa vida os nossos limites, ensinar-nos-á a olhar para a nossa vida como um lugar de conversão e construção permanente, onde as dificuldades se transformam em oportunidades de crescimento, isto é, em pontos de esforço para que possamos ser mais e melhor em cada dia.

Por isso, é urgente a transformação do coração, pois tal como afirma Jesus «o homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem; e o homem mau, da sua maldade tira o mal; pois a boca fala do que transborda do coração».

Na verdade, não existe nenhum homem totalmente bom, nem nenhum homem totalmente mau: a bondade e a maldade estão presentes na nossa vida e exigem de nós uma constante adesão ao bem que nos liberta e nos torna mais felizes e uma rejeição do mal que nos escraviza e entristece. Contudo, como recorda S. Paulo na Carta aos Romanos: «não é o bem que eu quero que faço, mas o mal que eu não quero, que pratico» (Rm 7,19). Paradoxalmente, esta consciência da nossa frágil condição deve ser um estímulo a permanecer «firmes e inabaláveis». A consciência alegre e feliz do bem que praticamos deve ser o estímulo a fazer o bem e a evitar o mal, a perfumar o mundo com o belo odor da bondade e da ternura, a iluminar o tempo e a história com um rasto de misericórdia que torna o mundo num lugar melhor e na vida de cada homem e de cada mulher numa vida mais feliz. Deste modo, poderemos cantar com a vida o que cantamos no salmo – «É bom louvar o Senhor» – conscientes que louvar o Senhor é deixar o Seu Espírito de amor transformar o nosso coração porque a nossa vida cristã mais do que fazer muitas coisas, deve traduzir-se em deixar Deus fazer a Sua obra de amor na nossa vida. Deste modo, a nossa vida será essa árvore boa que dá bons frutos, porque unida à verdadeira videira que é o próprio Jesus e assim unidos e nutridos pela seiva da sua graça poderemos brilhar «como estrelas no mundo, ostentando a palavra da vida». in Voz Portucalense       

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo Comum, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA IBen Sirá 27,4-7

Quando agitamos o crivo, só ficam impurezas:
assim os defeitos do homem aparecem nas suas palavras.
O forno prova os vasos do oleiro
e o homem é posto à prova pelos seus pensamentos.
O fruto da árvore manifesta a qualidade do campo:
assim as palavras do homem revelam os seus sentimentos.
Não elogies ninguém antes de ele falar,
porque é assim que se experimentam os homens.

 

CONTEXTO

O Livro de Ben Sirá (chamado, na sua versão grega, “Eclesiástico”) é um livro de carácter sapiencial que, como todos os livros sapienciais, tem por objetivo deixar aos aspirantes a “sábios” indicações práticas sobre a arte de bem viver e de ser feliz. O seu autor parece ter sido um tal Jesus Ben Sirá, um “sábio” israelita que viveu na primeira metade do séc. II a.C. (cf. Sir 51,30).

A época de Jesus Ben Sirá é uma época conturbada para o Povo de Deus. Quando Alexandre da Macedónia morreu, em 323 a.C., o seu império foi dividido por duas famílias: os Ptolomeus e os Selêucidas. Inicialmente, a Palestina ficou nas mãos dos Ptolomeus; e, nos anos de domínio Ptolomeu, o Povo de Deus pôde, em geral, viver na fidelidade à sua fé e aos seus valores ancestrais. Em 198 a.C., contudo, depois da batalha de Pânias, a Palestina passou para o domínio dos Selêucidas (uma família descendente de Seleuco Nicanor, general de Alexandre). Os Selêucidas, sobretudo com Antíoco IV Epifanes, procuraram impor, por vezes pela força, a cultura helénica. Nesse contexto muitos judeus, seduzidos pelo brilho da cultura grega, abandonavam os valores tradicionais e a fé dos pais e assumiam comportamentos mais consentâneos com a “modernidade” e com a pressão exercida pelas autoridades selêucidas. A identidade cultural e religiosa do Povo de Deus corria, assim, sérios riscos… Jesus Ben Sirá, um “sábio” judeu apegado às tradições dos seus antepassados, entendeu desenvolver uma reflexão que ajudasse os seus concidadãos a manterem-se fiéis aos valores tradicionais. No seu livro que escreveu para esse efeito, Jesus ben Sira apresenta uma síntese da religião tradicional e da “sabedoria” de Israel e procura demonstrar que é no respeito pela sua fé, pelos seus valores, pela sua identidade que os judeus podem descobrir o caminho seguro para serem um Povo livre e feliz.

O texto que a liturgia de hoje nos propõe faz parte de uma unidade literária (cf. Sir 26,28-27,7) que apresenta algumas “pérolas” da sabedoria do Povo de Deus. A temática desenvolvida parece algo heterogénea, pois junta dois temas aparentemente desligados um do outro: o trabalho dos comerciantes (uma profissão que era considerada “duvidosa”, sobretudo quando comparada com o trabalho dos que viviam do cultivo da terra) e as palavras que revelam a realidade interior do homem; no entanto, os dois temas aparecem perfeitamente enlaçados. O desenvolvimento do tema é tecido, à velha maneira sapiencial, a partir de sentenças deduzidas da experiência prática e da própria reflexão (por exemplo, “não elogies ninguém antes de ele falar”); o fim dessas sentenças é orientar o comportamento do homem, preservando-o do insucesso, do fracasso, dos comportamentos e dos juízos errados. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • Todos temos uma certa tendência para fazer juízos de valor sobre as pessoas que se cruzam connosco. Somos tocados por uma primeira impressão, por um gesto, pela forma como a pessoa se apresenta ou se veste, pelo seu aspeto físico, pela simpatia imediata que ela nos inspira, talvez até mesmo pela nossa disposição interior nessa hora… Depois, avaliamos tudo, classificamos a pessoa, colocamos-lhe uma etiqueta, decidimos se ela nos interessa ou não, se confiamos nela ou não, se queremos ou não aprofundar laços com ela, se a deixamos ou não entrar no círculo das nossas relações. É possível que, muitas vezes, a nossa “apreciação” seja objetiva e justa; mas é possível também que algumas vezes a nossa “avaliação” seja preconceituosa, injusta e superficial. Isto leva-nos, naturalmente, a pensar nos critérios que usamos para avaliar as pessoas que se cruzam connosco. Que critérios são? O que é que decide a nossa aceitação ou a nossa recusa em acolher as pessoas que a vida traz ao nosso encontro? Procuramos “a verdade” das pessoas para além das aparências, ou decidimos o “valor” das pessoas a partir de aspetos e de impressões superficiais?
  • Por outro lado, somos muitas vezes obrigados a discernir se podemos confiar em certas pessoas e entregar-lhes determinadas responsabilidades. Todas as pessoas têm o seu valor e devem ser respeitadas na sua dignidade; mas cada pessoa tem a sua maneira de ser, as suas caraterísticas particulares, a sua forma própria de se situar diante da vida, do mundo e dos outros homens e mulheres. Antes de escolher uma pessoa para lhe entregar determinada tarefa, temos de procurar conhecê-la, saber os valores que ela privilegia, as caraterísticas pessoais que a tornam apta para desempenhar uma determinada função, se ela é digna da nossa confiança… Como podemos fazer esse discernimento? Jesus ben Sira dá-nos uma “dica” que é fruto da sua experiência de homem “sábio”: escutemos com atenção aquilo que a pessoa em causa diz, as opiniões que exprime, os valores que transparecem nas suas palavras. A boca fala da abundância do coração. Mais tarde ou mais cedo as palavras que alguém diz acabam por revelar a verdade da sua vida. Procuramos escutar, com paciência e sem preconceitos, as pessoas que estabelecem diálogo connosco? Procuramos manter um diálogo honesto, verdadeiro, atento, com as pessoas que nos interessa conhecer bem? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 91 (92)

Refrão 1: É bom louvar o Senhor.

Refrão 2: É bom louvar-vos, Senhor,
e cantar salmos ao vosso nome.

 

É bom louvar o Senhor
e cantar salmos ao vosso nome, ó Altíssimo,
proclamar pela manhã a vossa bondade
e durante a noite a vossa fidelidade.

O justo florescerá como a palmeira,
crescerá como o cedro do Líbano:
plantado na casa do Senhor,
florescerá nos átrios do nosso Deus.

Mesmo na velhice dará o seu fruto,
cheio de seiva e de vigor,
para proclamar que o Senhor é justo;
n’Ele, que é o meu refúgio, não há iniquidade.

 

LEITURA II 1 Coríntios 15, 54-58

Irmãos:
Quando este nosso corpo corruptível se tornar incorruptível
e este nosso corpo mortal se tornar imortal,
então se realizará a palavra da Escritura:
«A morte foi absorvida na vitória.
Ó morte, onde está a tua vitória?
Ó morte, onde está o teu aguilhão?»
O aguilhão da morte é o pecado
e a força do pecado é a Lei.
Mas dêmos graças a Deus,
que nos dá a vitória por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim, caríssimos irmãos,
permanecei firmes e inabaláveis,
cada vez mais diligentes na obra do Senhor,
Sabendo que o vosso esforço não é inútil no Senhor.

 

CONTEXTO

O diálogo do cristianismo com as diversas realidades culturais que marcam a vida e a história dos povos sempre apresentou desafios consideráveis. Encontramos essa questão logo nos primeiros tempos da caminhada cristã, quando Paulo de Tarso trouxe o cristianismo ao encontro do mundo greco-romano. A primeira Carta de Paulo à comunidade cristã de Corinto é, talvez, o escrito do Novo Testamento que melhor espelha essa problemática.

Corinto, cidade nova e próspera situada na região do Peloponeso, servida por dois portos de mar era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que cruzavam o Mediterrâneo e chegavam aos seus portos depois de semanas passadas em navegação. Em Corinto estavam representadas todas as raças e todas as realidades sociais. Na época paulina, a população era de cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram escravos. A riqueza escandalosa de alguns, contrastava com a miséria da maioria.

Em termos culturais, Corinto era um centro importante. Sem ter a fama de Atenas, a cidade tinha, contudo, grande número de poetas, filósofos, oradores e médicos. Todas as escolas filosóficas e todas as culturas estavam representadas na cidade. As escavações descobriram várias bibliotecas.

A mistura de raças e de culturas notava-se também em termos religiosos. Corinto era um centro religioso onde todos os cultos e religiões estavam representados. O culto principal girava à volta de Afrodite, deusa do amor, que tinha um grande santuário na Acrópole da cidade. Havia numerosos grupos religiosos, ou “Thiasoi”, com um líder à sua frente. Religiões do Oriente e religiões mistéricas estavam representadas no universo religioso de Corinto. É neste terreno promíscuo que vai nascer e fazer caminho a comunidade cristã de Corinto.

Uma das propostas cristãs que encontrou resistência entre os cristãos de Corinto foi a questão da ressurreição dos mortos. Influenciados por filosofias dualistas – entre as quais avultava a filosofia platónica – muitos coríntios viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade ideal e nobre. Admitiam que a alma, liberta do corpo, ascenderia ao mundo luminoso das ideias; mas tinham dificuldade em admitir que o corpo, realidade material, carnal e sensual, pudesse seguir a alma na sua ascensão ao mundo de Deus. Sendo assim, consideravam que não fazia sentido falar da ressurreição integral do homem.

Paulo tratou esta questão em 1 Cor 15. O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como primeira leitura é a parte final da reflexão de Paulo sobre este tema. in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • Como todos os seres criados, nascemos, vivemos e morremos. O nosso horizonte de vida, aqui na terra, tem prazo. No entanto, no mais fundo de cada ser humano há um enorme desejo de eternidade, de vida que ultrapasse a finitude que experimentamos. Aspiramos a uma vida que não seja, a dada altura, destruída pela morte. A vida eterna é apenas um sonho sem fundamento, uma simples projeção da nossa ânsia de vida, ou é uma realidade que nos espera depois do caminho que percorremos agora? Jesus acreditava na vida eterna. Ele tinha a certeza de que Deus não nos criou para a morte, mas sim para a vida. “O nosso Deus” – dizia Jesus – “não é um Deus de mortos, mas de vivos, pois para Ele todos estão vivos” (Lc 20,38). Deus deu-lhe razão: quando a morte pensou que tinha conseguido prender Jesus num túmulo novo situado fora de portas em Jerusalém, Deus ressuscitou-o. Ao ressuscitar Jesus, Deus mostrou que a morte nunca teria a última palavra sobre a vida do homem. Como Jesus, nós também estamos destinados a ressuscitar; como Jesus, estamos destinados a viver eternamente com Deus. Acreditamos nisto? Que significa, no horizonte da nossa vida, a certeza da ressurreição?
  • A teologia clássica assimilou o horizonte de compreensão da filosofia grega, segundo a qual o mundo verdadeiro era o mundo sobrenatural; o mundo terreno era apenas o lugar da matéria, da ambiguidade, do pecado, da imperfeição; a alma ansiava por libertar-se rapidamente desta matéria para ascender à esfera da vida plena, da vida de Deus… No entanto, o regresso à mentalidade bíblica trouxe-nos uma outra consciência, uma outra visão de tudo isto: sabemos que o mundo novo que nos espera começa já a realizar-se nesta terra e que é preciso fazê-lo aparecer todos os dias, em cada um dos nossos gestos. A ressurreição começa a concretizar-se aqui e agora. Acreditar na ressurreição é, assim, empenhar-se na construção de um mundo mais humano e mais fraterno, procurando eliminar as forças do egoísmo, do pecado e da morte que impedem, já nesta terra, a vida em plenitude. Por isso o Concílio Vaticano II diz: “a Igreja ensina que a importância das tarefas terrenas não é diminuída pela esperança escatológica, mas que esta antes reforça com novos motivos a sua execução” (Gaudium et Spes, 21). O nosso desejo de vida plena traduz-se, enquanto caminhamos na terra, pela luta contra o egoísmo, a maldade, a violência, a injustiça, o pecado, tudo aquilo que traz morte à vida dos homens e do mundo?
  • Paulo está convicto de que “o segundo Adão” (Cristo) é um “espírito que dá vida” (1 Cor 15,45). Tornarmo-nos discípulos de Cristo, ligarmo-nos a Cristo como os ramos estão ligados à videira, vivermos de Cristo e alimentarmo-nos de Cristo é garantia de vida eterna. Ora, no dia do nosso batismo, ligamo-nos a Cristo e passamos a integrar o Corpo de Cristo, a comunidade cristã. Mas a ligação a Cristo tem de ser renovada, cultivada e fortalecida a cada passo do nosso caminho. Procuramos, a cada momento, manter ligação a Cristo? Escutamos as suas palavras e procuramos deixar-nos guiar por elas? Conhecemos os gestos de Cristo, o seu amor até ao extremo, o seu estilo de vida, e procuramos testemunhar tudo isso com a forma como vivemos? Sentamo-nos com Cristo à volta da mesa eucarística, recebemos o Pão da Vida que Cristo nos oferece e traduzimos tudo isso em gestos concretos de amor, de serviço, de partilha, de perdão, junto dos irmãos que encontramos todos os dias? in Dehonianos.

 

EVANGELHO Lucas 6, 39-45

Naquele tempo.
disse Jesus aos discípulos a seguinte parábola:
«Poderá um cego guiar outro cego?
Não cairão os dois nalguma cova?
O discípulo não é superior ao mestre,
mas todo o discípulo perfeito deverá ser como o seu mestre.
Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista
e não reparas na trave que está na tua?
Como podes dizer a teu irmão:
‘Irmão, deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’,
se tu não vês a trave que está na tua?
Hipócrita, tira primeiro a trave da tua vista
e então verás bem para tirar o argueiro da vista do teu irmão.
Não há árvore boa que dê mau fruto,
nem árvore má que dê bom fruto.
Cada árvore conhece-se pelo seu fruto:
não se colhem figos dos espinheiros,
nem se apanham uvas das sarças.
O homem bom,
do bom tesouro do seu coração tira o bem:
e o homem mau,
da sua maldade tira o mal;
pois a boca fala do que transborda do coração».

 

CONTEXTO

O “sermão da planície”, apresentado por Lucas em 6,17-49, é uma longa “instrução” que Jesus destina a todos aqueles que estão interessados em conhecer o seu projeto. É feita diante de uma “grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sídon” (Lc 6,17), mas dirige-se especialmente aos discípulos de Jesus. Define a conduta do discípulo verdadeiro, daquele que quer fazer parte da comunidade do Reino de Deus. O evangelista Mateus apresenta um material semelhante, mas situa o discurso de Jesus num contexto diferente: numa montanha (cf. Mt 5,1-7,29).

O texto que a liturgia deste domingo nos apresenta como Evangelho pertence à secção final do “sermão da planície” (cf. Lc 6,39-49). Lucas parece ter reunido aqui um conjunto de “sentenças” ou “ditos” de Jesus que, originalmente, tinham um contexto diverso e foram pronunciados em alturas diversas. A unidade temática desta perícope ressente-se um pouco dessa junção de materiais diferentes.

Por detrás do enquadramento em que Lucas dispõe estas “sentenças” e “ditos” de Jesus estará, provavelmente, a situação das comunidades cristãs às quais o terceiro Evangelho se destinava. Em meados dos anos oitenta do primeiro século, essas comunidades estavam a ser inquietadas por falsos mestres cristãos, com sede de protagonismo, que apresentavam uma catequese que não se enquadrava com os ensinamentos recebidos de Jesus. Lucas sente-se no dever de as advertir para o perigo de se deixarem seduzir pelas falsas doutrinas que esses “mestres” propunham. Acolher as propostas que eles traziam não levava a lugar nenhum. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • De entre os diversos temas que Jesus tratou naquela “formação” aos discípulos que é o “sermão da planície”, está o da confiança que podemos ou não ter quando se trata de apostar em líderes humanos. Trata-se de vivermos permanentemente desconfiados, farejando “teorias da conspiração” por todo o lado? Trata-se de vivermos a cada passo prisioneiros do medo de sermos enganados, como se a mentira e o dolo estivessem à espreita ao dobrar de cada esquina, prontos a aproveitar-se de nós? Trata-se de olharmos para o mundo como um espaço hostil, cheio de gente que só quer o nosso mal e que está sempre disposta a atacar a nossa fé, as nossas convicções, os nossos valores? Não, não se trata de nada disso. Trata-se de vivermos com critérios, de termos ideias claras do que queremos e de caminharmos, serena mas decididamente, em direção à verdade, à luz, à vida com sentido. Somos gente atenta, com sentido crítico, que sabe para onde vai, que não se deixa manipular, que confia nos outros, mas que também procura avaliar criteriosamente aquilo que ouve e que vê enquanto caminha?
  • “Poderá um cego guiar outro cego? Não cairão os dois nalguma cova?” – pergunta-nos Jesus. Nem todos aqueles que se propõem ajudar-nos a discernir o caminho que conduz à vida são “cegos”; mas há sempre pessoas que se arvoram em “guias”, em líderes, em “mestres”, que nos apontam caminhos sem saída. Às vezes é por ignorância e impreparação; outras vezes é para concretizar os seus projetos e os seus calendários pessoais; e algumas vezes é para se aproveitarem de nós. Quando nos deixamos conduzir por “guias” desses – sejam “guias” políticos, sejam “guias” religiosos, sejam aqueles “guias” de opinião que se propõem dizer-nos o que fazer para acertar os nossos comportamentos com a moda e os costumes vigentes –, o mais provável, segundo Jesus, é tropeçarmos, magoarmo-nos seriamente e não chegarmos a lado nenhum. Eles podem, com as suas indicações inadequadas, levar-nos a falhar redondamente o nosso caminho. Conhecemos “guias” desses? Estamos dispostos a colocar a nossa vida, de forma ligeira e irresponsável, nas mãos de alguém que nos aponta caminhos errados?
  • “Porque vês o argueiro que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua? Como podes dizer a teu irmão: ‘Irmão, deixa-me tirar o argueiro que tens na vista’, se tu não vês a trave que está na tua?” – pergunta-nos Jesus. É verdade: há pessoas que passam a vida a avaliar, a apontar os males, a colocar rótulos, a criticar os outros. Julgam e condenam sem misericórdia e sem compaixão. São ríspidas e amargas; não conhecem ou não percebem a bondade e a ternura de Deus por todos os seus filhos. Em contrapartida, não se detêm um minuto a olhar para as suas próprias falhas, muitas vezes mais graves do que aquelas que apontam aos outros. Exigem dos outros uma mudança que eles não estão disponíveis para fazer, no que diz respeito à sua própria vida. Jesus chama-lhes “hipócritas”: são, na avaliação de Jesus, gente falsa, maldosa, perversa. Isto aplica-se, de alguma forma, a nós? Como encaramos as falhas, os erros, as pequenas e grandes imperfeições dos irmãos que caminham ao nosso lado? Somos tão exigentes connosco como somos com os outros?
  • Outro traço daqueles que só veem o “argueiro” que o irmão tem na vista, mas não veem a “trave” que perturba a visão que eles próprios têm do mundo e dos outros, é a arrogância. Tratam os outros com sobranceria e consideram que só eles conhecem o bem e o mal, o que está errado e o que está certo, o que deve ser permitido e o que deve ser proibido. São as pessoas das certezas absolutas, cheias de presunção, com “tiques” autoritários. Impõem aos outros as suas opiniões, os seus valores, as suas convicções, a sua própria forma de ver o mundo e a vida. Na comunidade cristã, estabelecem preceitos, exigências, práticas com as quais Jesus nunca sonhou e que, em muitos casos, contradizem o Evangelho e o estilo de Jesus. Consideram-se as únicas vozes autorizadas de Deus e procuram “vender” aos outros a sua própria imagem de Deus. Isto aplica-se, de alguma forma, a nós? Procuramos impor aos outros as nossas certezas, sem nos deixarmos nós próprios questionar pelas visões diferentes que os outros possam ter sobre a fé ou sobre a vida?
  • Jesus fala-nos, ainda, de “frutos bons” e de “frutos maus” que brotam das palavras e dos gestos das pessoas. Remete-nos para o interior do ser humano, para o “coração”, na antropologia semita o o centro onde nascem os pensamentos, os projetos, as decisões, as vontades, as ações do homem. O egoísmo, a intolerância, o orgulho, a indiferença, brotam de um coração mau, fechado a Deus e às suas indicações; a bondade, o amor, a misericórdia, a partilha, o perdão, brotam de um coração bom, que funciona ao ritmo de Deus. Nas palavras de Jesus há um apelo implícito a purificarmos e a renovarmos o coração, a convertermo-nos ao Evangelho e ao dinamismo do Reino de Deus. Vivemos em atitude permanente de conversão, dispostos a questionar a cada instante as nossas motivações, os nossos desejos, os nossos pensamentos, as nossas certezas, as nossas práticas?
  • Há um critério simples para definirmos se as indicações que recebemos dos “guias” ou dos “mestres” com os quais nos cruzamos está certa ou está errada, é aproveitável ou é perniciosa: a consonância com o Evangelho, com a proposta de Jesus. Jesus é o nosso verdadeiro “mestre”, o nosso verdadeiro “guia”. Uma indicação que tenha a marca de Jesus e que esteja em consonância com os valores que Jesus propunha, com as suas palavras e com os seus gestos, é uma indicação que nos faz bem, que nos abre as portas para uma vida plenamente realizada; uma indicação que vai contra o Evangelho e que vai contra o “estilo” de Jesus, é algo que não nos fará bem e que poderá atirar-nos para caminhos sem saída. O Evangelho de Jesus é, para nós, critério para definirmos os valores que abraçamos ou que abandonamos? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura é um trecho de um dos livros sapienciais e trata-se de um conjunto de ditos de sabedoria. A proclamação desta leitura deve ter em atenção este aspeto numa leitura pausada e calma, lendo cada frase como mensagem de sabedoria que deve ser acolhida e compreendida.

A segunda leitura, tal como é habitual no epistolário paulino, apresenta frases longas que requerem uma boa respiração e atenção nas pausas para uma correta leitura do texto. As duas perguntas presentes no texto são introduzidas por um vocativo – «Ó morte» – que requer uma entoação adequada. Na leitura das perguntas, deve sempre evitar-se dar-se a entoação interrogativa unicamente na palavra final e acentuar a proclamação da partícula interrogativa, neste caso a palavra «onde».

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

 

ANEXOS:

Domingo VII do Tempo Comum – Ano C – 23 fevereiro 2025

Viver a Palavra

No discurso da planície, Jesus continua a convidar os discípulos a olhar para o alto, apontando a medida alta da santidade. Depois de proclamar as Bem-aventuranças, Jesus continua a surpreender os seus ouvintes com a novidade das Suas palavras. É fácil imaginar o espanto dos ouvintes de Jesus, pois cada um de nós, que já conhecemos e escutámos estas palavras repetidas vezes, continuamos a sentir a radicalidade que elas comportam, pois, uma forma de agir como Jesus propõe rompe com os normais critérios de justiça onde aquele que ofende, agride ou insulta ao invés de ser admoestado e punido, parece encontrar espaço para prosseguir a sua obra.

Porém, Jesus desafia-nos a superar a lógica humana de vingança diante do mal que nos infligem. É verdade, que humanamente diante do mal e das ofensas que nos dirigem, somos tentados a reagir instintivamente, procurando infligir não um mal proporcional, mas tantas vezes um mal ainda maior para que o nosso desejo de justiça fique satisfeito. Deste modo, o Povo de Israel tinha estabelecido a Lei de Talião que pressupunha um critério de justiça humana que previa que ao mal causado a alguém se infligisse uma pena proporcional. Contudo, Jesus quer conduzir-nos ainda mais longe.

Jesus aponta-nos o caminho que devemos percorrer na relação com os outros e não apenas na relação com aqueles que nos são próximos e que nos provocam situações de bem-estar e contentamento. Jesus, conhecendo bem a nossa realidade humana, sabe que as relações muitas vezes se perturbam por tantas contrariedades e surgem os conflitos e as contendas. Sendo assim, como deve ser a nossa relação com quem nos faz mal, com quem nos ofende ou nos pede emprestado?

As palavras de Jesus não são de modo nenhum um atentado contra a justiça, mas o convite a viver as relações humanas numa nova lógica de perdão, misericórdia e compaixão. Na verdade, o Evangelho deste Domingo encontra-se ligado à primeira leitura do primeiro livro de Samuel na temática da relação com inimigo. David, perseguido por Saul, no deserto de Zif, tem a possibilidade de atentar contra a vida de Saul, mas poupa-o porque é o ungido do Senhor. Desafiado por Abisaí a cravar a lança em Saul, David recorda que o respeito pelo ungido do Senhor deve transcender a lógica da inimizade.

Jesus eleva este desafio de superar a inimizade pelo amor à plenitude e convida-nos a viver a misericórdia como lugar de transformação das relações: «sede misericordiosos, como o vosso Pai é misericordioso»Aprender a amar e a perdoar só é possível colocando o nosso olhar no Deus do amor e da misericórdia, afinando o nosso coração de olhos fixos no coração de Deus. Assim como vemos tantas vezes afinar uma guitarra ouvindo o som de uma outra afinada, também nós, somos convidados a afinar o nosso coração pela mais bela melodia que brota do coração de Deus.

Na verdade, amar o inimigo tem uma valência não tanto afectiva mas efectiva e concreta. Trata-se precisamente de realizar gestos concretos e actos de amor que respondam de modo novo a gestos de ódio e difamação, rompendo com a espiral de mal e violência. Mas isto exige uma disciplina do coração e uma ascese da vontade. Por isso, é impossível amar os inimigos sem rezar por eles, pois na oração vejo o inimigo à luz do mistério de Deus, olho para ele e reconheço nele a imagem e semelhança de Deus. Já não olho para o outro como um inimigo ou adversário, mas como um irmão e, por isso, sou desafiado a percorrer o caminho que propõe S. Paulo: acolher na minha humanidade a imagem do homem celeste que Jesus imprime na nossa existência. Deste modo, poderemos proclamar com a nossa vida o que cantamos no salmo: «O Senhor é clemente e cheio de compaixão». in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + 

No dia 20 de fevereiro celebra-se a memória litúrgica dos Pastorinhos de Fátima: S. Francisco e S. Jacinta Marto. Sabemos como a devoção a Nossa Senhora de Fátima e a veneração dos santos pastorinhos que viram Nossa Senhora está muito enraizada na fé dos portugueses e, por isso, esta memória pode ser uma oportunidade para um tempo de oração e formação inspirada na mensagem das aparições de Fátima e no testemunho dos pastorinhos. Na catequese, a descoberta e a aprofundamento da vida dos santos, de modo particular destas duas crianças que têm a idade de muitos dos nossos catequizandos, é muito importante, porque faz incarnar no tempo e na história a mensagem evangélica e testemunha a vocação à santidade a que todos somos chamados pelo batismo e que se deve viver e concretizar em qualquer idade e condição de vida. in Voz Portucalense      

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo Comum, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I1 Samuel 26, 2.7-9.12-13.22-23

Naqueles dias,
Saul, rei de Israel, pôs-se a caminho
e desceu ao deserto de Zif
com três mil homens escolhidos de Israel,
para irem em busca de David no deserto.
David e Abisaí penetraram de noite no meio das tropas:
Saul estava deitado a dormir no acampamento,
com a lança cravada na terra à sua cabeceira;
Abner e a sua gente dormia à volta dele.
Então Abisaí disse a David:
«Deus entregou-te hoje nas mãos o teu inimigo.
Deixa que de um só golpe eu o crave na terra com a sua lança
e não terei de o atingir segunda vez».
Mas David respondeu a Abisaí:
«Não o mates.
Quem poderia estender a mão contra o ungido do Senhor
e ficar impune?»
David levou da cabeceira de Saul a lança e o cantil
e os dois foram-se embora.
Ninguém viu, ninguém soube, ninguém acordou.
Todos dormiam, por causa do sono profundo
que o Senhor tinha feito cair sobre eles.
David passou ao lado oposto
e ficou ao longe, no cimo do monte,
de sorte que uma grande distância os separava.
Então David exclamou:
«Aqui está a lança do rei.
Um dos servos venha buscá-la.
O Senhor retribuirá a cada um segundo a sua justiça e fidelidade.
Ele entregou-te hoje nas minhas mãos
e eu não quis atentar contra o ungido do Senhor».

CONTEXTO

O Livro de Samuel (dividido em duas partes – 1 Samuel e 2 Samuel) situa-nos no período histórico que vai de meados do séc. XI a.C. até ao final do reinado de David (972 a.C.).

Na primeira parte da obra (1 Sm 1,1 – 7,17), os autores deuteronomistas apresentam-nos diversas tradições referentes ao período pré-monárquico. É o tempo da instalação e da consolidação das tribos na terra de Canaan. É uma época de escassa consciência unitária, em que as diversas tribos vão fortalecendo laços, criando alianças defensivas para resistir aos inimigos cananeus, assentando as bases da fé monoteísta à volta de um Deus chamado Javé. As figuras de referência das tribos são os “juízes”, pequenos líderes locais encarregados de administrar a justiça no tribunal, mas que podiam assumir outras funções de liderança e conduzir o exército das tribos nas guerras contra os cananeus.

Na segunda parte do livro de Samuel, narra-se o início da monarquia (1 Sm 8,1 – 15,35). Dado que as instituições tribais se revelavam desadequadas para responder aos novos desafios da história, nomeadamente à pressão militar exercida pelos filisteus, os líderes tribais quiseram experimentar o modelo monárquico. Fala-se na eleição do rei Saul e nos seus feitos. Contudo, essa primeira experiência da monarquia terminou de forma trágica, quando Saúl e o seu filho Jónatas morreram em luta contra os filisteus.

Na terceira parte do livro de Samuel descreve-se a ascensão de David ao trono (1 Sm 16,1 – 2 Sm 5,25). É o tempo da consolidação da monarquia. Com David, pela primeira vez as doze tribos do Povo de Deus integram uma unidade política, sob a autoridade de um rei.

Na quarta parte do livro de Samuel, os autores deuteronomistas apresentam um conjunto de tradições sobre a realeza davídica (2 Sm 6,1 – 24,25), incluindo o longo e conturbado processo de sucessão de David.

O texto que a liturgia deste sétimo domingo comum nos propõe como primeira leitura integra a terceira parte do livro de Samuel, a que apresenta. Refere um episódio que precede a chegada de David ao poder. Escolhido por Deus, mas perseguido pelo ciumento rei Saul, David tem de fugir para salvar a sua vida, enquanto espera que se cumpram os desígnios de Deus. Saul tem notícias de que David está nos arredores da cidade de Zif (uma pequena cidade situada nas franjas do deserto de Judá, a cerca de cinco quilómetros a sudeste de Hebron) e dirige-se para lá com o seu exército. Acampa nos arredores da cidade. Aproveitando a noite, David e um dos seus guerreiros (Abisai) penetram no acampamento do exército de Saul, sem serem detetados, e encontram o rei a dormir. Como é que David encara a oportunidade de se livrar, definitivamente, da perseguição que o seu inimigo lhe move? Aceitará vingar-se? A história passa-se por volta de 1015 a.C., pouco antes da morte de Saul às mãos dos filisteus.in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • A história dos homens está profundamente marcada pela violência. Pensa-se muitas vezes que a violência é a forma mais eficaz para resolver as diferenças e os conflitos; considera-se, por outro lado, que só recorrendo à violência é possível travar o aventureirismo dos agressores de serviço, empenhados em reescrever em seu favor a história do mundo. Para onde nos tem levado esta lógica? A história recente conheceu duas guerras mundiais que se saldaram em muitos milhões de mortos e numa destruição que deixou marcas por toda a terra… Mas, apesar das lições da história, não mudamos muito a nossa lógica. Em pleno séc. XXI continuamos a alimentar conflitos e guerras desumanas, numa espiral de violência e ódio que passa de geração em geração e parece não ter fim. Por cima de tudo isto, paira o espectro de um holocausto nuclear que pode acabar com a civilização e a vida na terra. Mergulhados neste cenário, continuamos a acreditar que a violência é o caminho para fazer nascer um mundo mais livre, mais justo e mais humano? Não será a hora de escolhermos outros caminhos para resolver as diferenças e os conflitos de interesses que separam os povos?
  • A mesma reflexão deve ser aplicada à nossa vida pessoal…. Lidamos a cada passo com pessoas com quem estamos em desacordo. Muitas vezes esse desacordo ultrapassa-se através do diálogo civilizado ou simplesmente pela aceitação das diferenças. Mas, algumas vezes, o desacordo torna-se conflito aberto, discussão agressiva, talvez mesmo violência de palavras e de gestos. Isto pode acontecer até no espaço da nossa convivência familiar e envolver pessoas que amamos profundamente. Frequentemente a agressividade que imprimimos às palavras e aos gestos deixa feridas profundas, difíceis de curar. Posicionamo-nos numa espiral de intransigência e de orgulho ferido que nos deixa num beco sem saída e que mina as relações. Como é que lidamos com aqueles que estão em desacordo connosco? Como é que resolvemos as diferenças que nos separam? Deixamo-nos cegar pelo orgulho e procuramos vencer a todo o custo, mesmo humilhando ou magoando a pessoa com quem entramos em conflito? A nossa lógica, quando nos sentimos ameaçados e provocados, é a do “olho por olho, dente por dente”, ou é a lógica do perdão, da reconciliação, do amor?
  • A sociedade contemporânea tem mecanismos legais para lidar com aqueles que atuam com agressividade, que usam a violência para garantir os seus interesses próprios ou para alterar uma ordem social que se recusam a aceitar. Esses mecanismos legais que protegem a ordem estabelecida serão sempre proporcionais e equilibrados? A sociedade terá o direito de tirar legalmente a vida a alguém para proteger a ordem ou para vingar uma falta, seja ela qual for? À luz da Palavra de Deus que neste domingo somos convidados a escutar, podemos aceitar que a pena de morte seja uma medida adequada para lidar com a violência e a agressividade?
  • David recusa-se a aceitar o assassínio de Saul, pois ele, independentemente das suas ações, é o “ungido de Deus”. Ninguém, a não ser Deus, tem o direito de tirar a vida a alguém. Cada homem e cada mulher é um “ungido de Deus” e deve ser respeitado na sua vida, nos seus direitos e na sua dignidade, desde que nasce até que chegue o momento de entregar a sua vida ao Deus que o criou. Hoje, apesar de todas as solenes declarações sobre direitos humanos, temos facilidade em menosprezar a vida e a dignidade das pessoas. Quando privamos alguém de vida digna, estaremos a respeitar o projeto de Deus? Quando aprovamos leis que banalizam a morte, estaremos a respeitar o projeto de Deus? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)

Refrão 1: O Senhor é clemente e cheio de compaixão.

Refrão 2: Senhor, sois um Deus clemente e compassivo.

 

Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e todo o meu ser bendiga o seu nome santo.
Bendiz, ó minha alma, o Senhor
e não esqueças nenhum dos seus benefícios.

Ele perdoa todos os teus pecados
e cura as tuas enfermidades;
salva da morte a tua vida
e coroa-te de graça e misericórdia.

O Senhor é clemente e compassivo,
paciente e cheio de bondade;
não nos tratou segundo os nossos pecados,
nem nos castigou segundo as nossas culpas.

Como o Oriente dista do Ocidente,
assim Ele afasta de nós os nossos pecados;
como um pai se compadece dos seus filhos,
assim o Senhor Se compadece dos que O temem.

 

LEITURA II 1 Coríntios 15, 45-49

Irmãos:
O primeiro homem, Adão, foi criado como um ser vivo;
o último Adão tornou-se um espírito que dá vida.
O primeiro não foi o espiritual, mas o natural;
depois é que veio o espiritual.
O primeiro homem, tirado da terra, é terreno;
o segundo homem veio do Céu.
O homem que veio da terra
é o modelo dos homens terrenos;
O homem que veio do Céu
é o modelo dos homens celestes.
E assim como trouxemos em nós a imagem do homem terreno,
procuremos também trazer em nós a imagem do homem celeste.

CONTEXTO

Não foi fácil a aclimatação do cristianismo à realidade cultural e religiosa do mundo grego. A brilhante cultura grega funcionava segundo padrões que, em muitos casos, estavam bem distantes da mentalidade semita e dos valores do Evangelho de Jesus. A primeira carta de Paulo aos coríntios é certamente o texto neotestamentário onde o confronto entre os valores cristãos e os valores helénicos é mais notório.

A questão da ressurreição era uma das que levantava sérias dúvidas aos coríntios. Para a cultura judaica, a questão da ressurreição dos mortos não era especialmente problemática, pois considerava-se o ser humano como um todo indivisível; mas para a cultura grega, fortemente influenciada por filosofias dualistas (como a filosofia de Platão, por esta altura muito em voga) que viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade ideal e nobre, a ressurreição do homem integral era um absurdo. Como é que o corpo, realidade material que aprisionava a alma e a impedia de subir ao mundo ideal, poderia seguir a alma quando ela se elevasse ao mundo espiritual?

Paulo, questionado sobre esta problemática, apresenta a ressurreição dos mortos como uma das verdades fundamentais da fé cristã. Começa por lembrar aos coríntios a fé que lhes anunciou e que eles aceitaram; ora, no centro dessa fé está a ressurreição de Cristo, realidade já prevista nas Escrituras, mas que foi realmente testemunhada por Cefas, pelos Doze, por “mais de quinhentos irmãos” e pelo próprio Paulo (cf. 1Cor 15,1-11). Ora, se Cristo ressuscitou, também nós havemos de ressuscitar: a ressurreição de Cristo garante a ressurreição de todos aqueles que vivem em Cristo e participam da vida de Cristo (cf. 1Cor 15,12-34). Outra questão é a do “modo” como ressuscitaremos: “como ressuscitam os mortos? Com que corpo regressam?” (1Cor 15,35). Paulo evitando as representações extravagantes e algo folclóricas do judaísmo – que falavam da ressurreição como uma recuperação do corpo e da vida que cada um tinha enquanto estava na terra – tenta responder a estas questões (cf. 1Cor 15,35-53). in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • De acordo com Paulo, o autor do texto da Carta aos Coríntios que hoje lemos, a ressurreição deve ser encarada como a passagem para uma nova vida, onde continuaremos a ser nós próprios, mas sem os limites que a materialidade do nosso corpo nos impõe. Será a vida em plenitude ou, como diz Karl Rahner, “a transposição no modo de plenitude daquilo que agora vivemos no modo de deficiência”. A morte é o fim da vida; mas fim entendido como meta alcançada, como plenitude atingida, como nascimento para um mundo infinito, como termo final do processo de hominização, como realização total da utopia da vida plena, como mergulho definitivo no horizonte infinito de Deus. Vivemos conscientes de que “a vida não é aqui” e que o melhor – a nossa plena realização, a nossa identificação total com o Homem novo, o encontro com a felicidade sem fim – está para vir?
  • Encarar a morte física como o momento do encontro com a vida plena, permite-nos ver cada passo que damos na terra a uma nova luz. Ajuda-nos a ver as realidades deste mundo como não definitivas; faz-nos apreciar as coisas bonitas que encontramos na terra sem as absolutizarmos; liberta-nos do medo que paralisa, que nos impede de agir e de nos comprometermos; dá-nos coragem para enfrentar as forças de morte que oprimem os homens e escurecem o mundo; ilumina cada passo do nosso caminho com as cores da alegria, da harmonia, da serenidade e da paz… A certeza da ressurreição é para nós fonte de esperança?
  • A nossa identificação com Cristo começa no batismo e continua depois, pela vida fora, nesse caminho de discípulos que somos chamados a percorrer atrás de Jesus. À medida que caminhamos e nos identificamos com Jesus, vai nascendo esse “homem espiritual” de que Paulo de Tarso fala e que irromperá definitivamente quando o nosso caminho nesta terra terminar. O nosso caminho aqui na terra é um caminho de identificação com Jesus? Caminhamos com Ele, escutamos e acolhemos as suas indicações, assumimos o seu estilo de vida, aprendemos com Ele a amar até ao extremo? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 6,27-38

Naquele tempo,
Jesus falou aos seus discípulos, dizendo:
«Digo-vos a vós que Me escutais:
Amai os vossos inimigos,
fazei bem aos que vos odeiam;
abençoai os que vos amaldiçoam,
orai por aqueles que vos injuriam.
A quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra;
e a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica.
Dá a todo aquele que te pedir
e ao que levar o que é teu, não o reclames.
Como quereis que os outros vos façam,
fazei-lho vós também.
Se amais aqueles que vos amam,
que agradecimento mereceis?
Também os pecadores amam aqueles que os amam.
Se fazeis bem aos que vos fazem bem,
que agradecimento mereceis?
Também os pecadores fazem o mesmo.
E se emprestais àqueles de quem esperais receber,
que agradecimento mereceis?
Também os pecadores emprestam aos pecadores,
a fim de receberem outro tanto.
Vós, porém, amai os vossos inimigos,
fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca.
Então será grande a vossa recompensa
e sereis filhos do Altíssimo,
que é bom até para os ingratos e os maus.
Sede misericordiosos,
como o vosso Pai é misericordioso.
Não julgueis e não sereis julgados.
Não condeneis e não sereis condenados.
Perdoai e sereis perdoados.
Dai e dar-se-vos-á:
deitar-vos-ão no regaço uma boa medida,
calcada, sacudida, a transbordar.
A medida que usardes com os outros
será usada também convosco».

CONTEXTO

Jesus tinha passado a noite em oração num monte não identificado da Galileia: Ele falava sempre com o Pai antes de tomar decisões importantes. Depois de o dia nascer, tinha reunido os discípulos e escolhido Doze de entre eles. Chamara-os “apóstolos” (cf. Lc 6,12-16), que quer dizer “enviados”. Era o grupo dos mais próximos de Jesus, dos que se identificavam mais com o projeto do Reino. Eles representavam o novo Povo de Deus, a comunidade da nova Aliança.

Descendo do monte, acompanhado pelos discípulos, Jesus tinha encontrado, à sua espera, “uma grande multidão de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sídon, que acorrera para o ouvir e ser curada dos seus males” (Lc 6,17-18). Era gente que desejava ardentemente conhecer a proposta que Jesus trazia. Os discípulos também estavam ali. Dirigindo-se a todos, Jesus pronunciou uma longa “instrução” (cf. Lc 6,20-49). Nela definia o caminho que deviam seguir todos os que estavam interessados em fazer parte da comunidade do Reino de Deus. Essa “instrução” ficou conhecida como o “sermão da planície”.

O texto que a liturgia deste sétimo domingo comum nos convida a escutar como Evangelho, é o coração do “sermão da planície”. Define os traços fundamentais da identidade do verdadeiro discípulo. De acordo com Jesus, o “amor” – o amor gratuito, incondicional, ilimitado, sem fronteiras – está no centro dessa identidade. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Há vinte séculos que andamos a caminhar com Jesus. Há vinte séculos que andamos a escutar a sua proposta de um mundo mais humano e mais fraterno. Há vinte séculos que Jesus nos convida a colocar o amor no princípio, no meio e no fim de todas as nossas construções. Há vinte séculos que nos sentimos desafiados pelo seu mandamento de amar todos, sem exceção, incluindo os inimigos, os que nos odeiam, os que nos amaldiçoam, os que nos injuriam. Dizemo-nos “cristãos”, mas achamos que Jesus nos pede coisas impossíveis, impraticáveis e até mesmo perigosas. No fundo, não acreditamos em Jesus, não confiamos nas “soluções” que Ele propõe. Estamos convencidos de que as nossas soluções – que passam pela resposta musculada a quem pratica o mal, pela vingança contra aqueles que nos ofenderam, pelo castigo daqueles que praticam ações condenáveis, pela repressão daqueles que contestam as nossas certezas e seguranças – são as mais adequadas para tornar o mundo um lugar mais seguro, mais justo e mais feliz. Será assim? Onde nos têm levado as “soluções” que a nossa lógica humana considera mais eficazes? O mundo torna-se um lugar melhor quando respondemos à maldade com soluções de ódio e não com soluções de amor?
  • O que é que significa amar os nossos inimigos? Somos obrigados a ser amigos de quem nos faz mal? Jesus exigirá que nos demos bem com os violentos, os injustos, os que nos agridem sem motivo? Amor e simpatia são coisas diferentes. A afinidade, o afeto, a empatia, a inclinação, a atração, não são fruto de uma decisão consciente, mas são algo que surge espontaneamente entre duas pessoas que se querem bem. Quando Jesus nos convida a amar os inimigos, está a pedir outra coisa: está a pedir que não nos deixemos vencer pelo ódio e pelo desejo de vingança, que não cortemos as pontes do diálogo e do entendimento, que não nos recusemos definitivamente a acolher a pessoa que nos magoou, que não evitemos dar o primeiro passo para ir ao encontro de quem errou, que não neguemos à outra pessoa a possibilidade de sair da sua triste situação e de começar uma vida nova… Seremos capazes de tratar o nosso irmão que errou com humanidade, sem o condenar definitivamente?
  • Quando Jesus diz aos discípulos “a quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra, e a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica”, estará a pedir que assumamos uma atitude passiva e conivente com as injustiças e arbitrariedades que sofremos ou que testemunhamos? Devemos simplesmente cruzar os braços e deixar que a lógica da violência e da maldade atuem no mundo e tomem conta dele? É claro que não. Ao dizer isso, o que Jesus está a pedir é que encontremos formas evangélicas de intervir para travar a injustiça, a violência, a agressividade. As soluções que alimentem a espiral da violência e da morte (o recurso às armas, a agressividade, o ódio, a mentira…) nunca serão respaldadas por Jesus; mas a passividade indiferente também não é a solução que Jesus preconiza para lidar com o mal. Como é que reagimos à violência e à maldade?
  • O ódio, o desejo de vingança, a vontade de responder violentamente a quem nos agrediu, são “respostas” espontâneas diante da maldade que nos atinge ou que atinge os irmãos que caminham ao nosso lado. São sentimentos de que nem sempre podemos alhear-nos quando estamos feridos e magoados. Mas não podem ser sentimentos que guardamos, que alimentamos e que armazenamos por tempo indefinido. Se o fizermos, eles desgastam-nos, envenenam-nos lentamente, destroem o nosso equilíbrio e a nossa paz, impedem-nos de ultrapassar os momentos maus, de curar as feridas, de refazer a nossa vida. Tem de haver uma altura em que nos entregamos à lógica do amor e nos decidimos pelo perdão. O perdão regenera-nos e permite-nos continuar em frente, reinventando a nossa vida. O ódio, o ressentimento, a decisão de não perdoar a quem nos ofendeu são realidades que cultivamos e que marcam a nossa história de vida? Sentimo-nos bem com elas? Caminhamos em paz com esse peso sobre a nossa cabeça e sobre o nosso coração?
  • Jesus pede-nos que não julguemos e não condenemos os nossos irmãos. No entanto, apresentamo-nos facilmente como juízes implacáveis que, sem terem todos os dados na mão, decidem quem é culpado, apontam o dedo, colocam rótulos, destroem vidas e reputações, decidem quem deve ser salvo e quem deve ser condenado. As redes sociais, os fóruns de discussão online, a praça pública, são muitas vezes os “tribunais” onde essa pseudo justiça é posta em prática, sem misericórdia. Temos o direito de proceder dessa forma? A “justiça” que aplicamos assim não será antes uma violenta injustiça?
  • A grande, a suprema razão pela qual Jesus nos convida a perdoar, a amar quem nos odeia e insulta, é o facto de sermos filhos de um Deus que é amor. A cada instante fazemos a experiência da bondade, da misericórdia, da ternura de Deus. Refugiamo-nos em caminhos de autossuficiência, fazemos escolhas disparatadas, deixamos que o egoísmo tome conta da nossa vida; mas Deus está sempre ao nosso lado, como um pai cheio de amor, de braços abertos para nos acolher, para nos levar para a sua festa, para nos oferecer a possibilidade de começar tudo de novo. Poderemos, com a nossa intransigência, com a nossa intolerância, com a nossa rigidez, apresentarmo-nos ao mundo como filhos de um Deus que ama sem medida e sem condições? Que testemunho é que damos ao mundo do Deus misericordioso em quem acreditamos e de quem somos filhos? in Dehonianos

 

Para os leitores:

Na primeira leitura deve ter-se em atenção os nomes próprios que apresentam maior dificuldade na pronunciação: «Zif», «Abisaí» e «Abner». Para uma eficaz proclamação, deve ser tido em conta o tom narrativo da leitura e a respetiva articulação entre o discurso direto e o restante texto.

A mensagem da segunda leitura está construída pelo contraponto entre «O primeiro homem, Adão» e «o último Adão». A proclamação desta leitura deve ter em atenção esta construção literária e exige uma leitura cuidada para que este contraste nos conduza à conclusão da leitura que sintetiza a mensagem do texto: «e assim como trouxemos em nós a imagem do homem terreno, traremos também em nós a imagem do homem celeste».

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

 

ANEXOS:

Domingo VI do Tempo Comum – Ano C – 16 fevereiro 2025

Viver a Palavra

Como cristãos somos chamados a inscrever a nossa existência num horizonte de fé e de esperança que nos projeta para lá da autossuficiência do presente e nos faz entrar na lógica da confiança naquele que tudo sustenta e que transforma as nossas vidas em lugares fecundos, com raízes voltadas para a corrente e uma folhagem verde, onde se podem entrever saborosos e abundantes frutos.

O profeta Isaías confirma esta certeza, convidando-nos a abandonar a nossa lógica falível de confiança unicamente nas nossas forças para nos abandonarmos nas mãos Daquele que nunca nos abandona: «Maldito quem confia no homem. (…) Bendito quem confia no Senhor».

Somos herdeiros da vida nova que brota da Páscoa de Cristo e, interpelados por S. Paulo na sua primeira carta aos Coríntios, reconhecemos que não é vã a nossa fé, porque sabemos que a nossa esperança não se esgota no tempo presente. A nossa vida está inscrita nesse horizonte de vida e eternidade para onde a ressurreição de Cristo nos projeta.

Por isso, somos felizes! Somos bem-aventurados! Somos convocados para viver a lei nova do amor, já não inscrita em tábuas de pedra, mas gravada no coração renovado e transformado pela força vivificante da ressurreição de Cristo. Já não se trata de uma lei apofática, que nos recorda aquilo que não devemos fazer, mas uma lei nova que Jesus proclama na planície, uma lei de máximos, que nos faz olhar a medida alta da santidade, o caminho exigente de quem se disponibiliza para o acontecer de Deus.

No Evangelho de Lucas, Jesus proclama quatro bem-aventuranças: «bem-aventurados vós, os pobres», «bem-aventurados vós que agora tendes fome», «bem-aventurados vós que agora chorais», e «bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem» e contrapões a estas bem-aventuranças quatro advertências: «ai de vós, os ricos», «ai de vós, que agora estais saciados», «ai de vós que rides agora» e «ai de vós quando todos os homens vos elogiarem».

Uma vez mais estamos diante desta passagem da nossa lógica humana de autossuficiência para a confiança no Deus que enriquece a nossa pobreza, sacia a nossa fome, enxuga as nossas lágrimas e derrama sobre nós o amor que vence o ódio e a violência.

As bem-aventuranças são o como afirma o Papa Francisco: «o bilhete de identidade do cristão» e, por isso, continua o Santo Padre: «se um de nós se questionar sobre “como fazer para chegar a ser um bom cristão?”, a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças. Nelas está delineado o rosto do Mestre, que somos chamados a deixar transparecer no dia-a-dia da nossa vida. A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-se sinónimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade» (GE 63-64).

Na verdade, só Jesus é o Bem-aventurado por excelência. É Ele o pobre em Espírito que inaugura no tempo e na história o Reino de Deus. Ele que teve fome no deserto e sede no alto da Cruz, quer saciar a nossa fome e sede e oferece o Seu Corpo como alimento e o Seu Sangue como bebida verdadeira. É Ele que assume sobre si as nossas dores e, chorando connosco, enxuga as nossas lágrimas e anuncia o mistério da consolação. Ele, que foi odiado, rejeitado e insultado por amor do Reino dos Céus, fortalece a nossa caminhada na exigente tarefa de ser testemunha do Seu amor.

Por isso, coloquemos o nosso olhar em Jesus de Nazaré, Aquele que nos convida depositar as nossas vidas nas Suas mãos, para que a nossa existência possa fazer ecoar no mundo a melodia que cantámos no Salmo deste Domingo: «Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor». in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

No dia 11 de fevereiro, memória de Nossa Senhora de Lourdes, celebra-se o Dia Mundial do Doente. É já o XXXIII Dia Mundial do Doente. Este dia é uma oportunidade para as comunidades para uma celebração ou algum momento de convívio com os doentes da comunidade, ou qualquer outro gesto de proximidade com quantos se encontram numa situação de fragilidade. Inspirados nas palavras do Papa Francisco será importante sensibilizar os fiéis para uma renovada cultura do cuidado: «o primeiro cuidado de que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura. Por isso, cuidar do doente significa, antes de mais nada, cuidar das suas relações, de todas as suas relações: com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde –, com a criação, consigo mesmo». (da Mensagem do Papa Francisco para este dia – ver Mensagem em anexo)

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo Comum, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

E faremos isso….

Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Jeremias 17, 5-8

Eis o que diz o Senhor:
«Maldito quem confia no homem
e põe na carne toda a sua esperança,
afastando o seu coração do Senhor.
Será como o cardo na estepe
que nem percebe quando chega a felicidade:
habitará na aridez do deserto,
terra salobre, onde ninguém habita.
Bendito quem confia no Senhor
e põe no Senhor a sua esperança.
É como a árvore plantada à beira da água,
que estende as suas raízes para a corrente:
nada tem a temer quando vem o calor
e a sua folhagem mantém-se sempre verde;
em ano de estiagem não se inquieta
e não deixa de produzir os seus frutos».

CONTEXTO

Jeremias nasceu em Anatot, uma pequena cidade levítica situada nas proximidades de Jerusalém, por volta de 650 a.C.; e exerceu a sua missão profética desde 627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a.C.).

A época de Jeremias é uma época de grande instabilidade política e social. Quando Jeremias assumiu a missão profética, o rei Josias estava a concretizar uma grande reforma religiosa destinada a banir do país os cultos aos deuses estrangeiros, depois de décadas de infidelidade a Deus e de sincretismo religioso. Jeremias, nessa fase, envolveu-se na reforma religiosa de Josias, exortando os habitantes de Judá a converterem-se e a serem fiéis a Javé.

Contudo, em 609 a.C. Josias foi morto em Megido, em combate contra os egípcios. Depois de uns meses de instabilidade, o trono de Judá foi ocupado por Joaquim (609-597 a.C.). Judá voltou a trilhar caminhos de incerteza e insegurança. As injustiças sociais, às vezes fomentadas pelo próprio rei, fragilizavam irremediavelmente o tecido social de Judá; a política de alianças militares com potências estrangeiras, punha em risco a independência nacional. Jeremias entendia, além disso, que ao colocarem a esperança da nação em exércitos estrangeiros, os líderes de Judá estavam a mostrar que não confiavam em Deus. Convencido de que Judá tinha ultrapassado todas as marcas, Jeremias anunciou, a dada altura, a iminência de uma invasão babilónica que castigaria os pecados da nação. As previsões funestas de Jeremias concretizaram-se: em 597 a.C., Nabucodonosor invadiu Judá e deportou para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.

No trono de Judá ficou, então, Sedecias (597-586 a.C.). Inicialmente, Sedecias manteve-se à margem das convulsões políticas que agitavam os povos da região; mas, após alguns anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias voltou a experimentar a velha política das alianças com potências regionais, buscando a ajuda do Egito contra a Babilónia. Jeremias, uma vez mais, manifestou o seu desacordo, prevendo o desastre da nação.

Os receios de Jeremias confirmaram-se uma vez mais. Em 587 a.C. Nabucodonosor, rei da Babilónia, pôs cerco a Jerusalém. Um exército egípcio veio em socorro de Judá e os babilónios retiraram-se. Mas Jeremias, convencido de que tinha chegado o fim, anunciou o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jr 32,2-5). Acusado de traição, o profeta foi encarcerado (cf. Jr 37,11- 16), chegando a correr perigo de vida (cf. Jr 38,11-13). Pouco depois, Nabucodonosor entrou em Jerusalém, destruiu a cidade e deportou a sua população para a Babilónia (586 a.C.).

É difícil situar, neste quadro histórico acima apresentado, o momento exato em que Jeremias teria pronunciado as palavras que a primeira leitura deste domingo nos apresenta. Mas poderemos situá-las, provavelmente, no contexto das políticas erráticas de Joaquim (609-597 a.C.) ou de Sedecias (597-586 a.C.), que colocavam a segurança de Judá nas mãos de exércitos estrangeiros, em lugar de confiar em Javé. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Só vivemos uma vez. Não podemos arriscar-nos a falhar a nossa existência. A nossa vida é um capital demasiado importante para ser esbanjado. Por isso, temos de escolher bem as nossas apostas, os valores em que investimos, as escolhas que fazemos. No entanto, as coisas nem sempre são claras e definidas. Há muita confusão no nosso mundo e muitos interesses cruzados: há coisas que nos são oferecidas como oiro, mas que não passam de um qualquer metal sem valor; há caminhos que nos dizem levar à felicidade e à plena realização, mas que acabam por não nos conduzir a lado nenhum; há investimentos que nos são apresentados como “garantidos”, mas que acabam por nunca nos trazer qualquer retorno. Sobre que bases devemos assentar a nossa vida para que ela valha a pena? O que significa construir a nossa existência sobre rocha firme? Quais os valores a que não podemos renunciar para que a nossa vida não seja um fracasso?
  • “Maldito quem confia no homem e põe na carne toda a sua esperança” – diz-nos Jeremias. As palavras de Jeremias vão no sentido de nos recomendar que não confiemos nas pessoas que nos rodeiam? São palavras que brotam da experiência amarga de quem se sentiu traído pelas pessoas em quem confiou e que agora desconfia de tudo e de todos? Não. As palavras de Jeremias são apenas um aviso para não colocarmos a nossa esperança e a nossa segurança em realidades humanas, sempre falíveis e sempre efémeras. São palavras que fazem sentido: as relações pessoais desgastam-se, as seguranças humanas que construímos falham, os nossos bens materiais volatilizam-se, as nossas certezas desfazem-se com o embate contra realidades que as desmentem. Em que realidades temos estado a pôr a nossa confiança e a nossa esperança? Não serão realidades com um “prazo de validade” limitado? Podemos construir firmemente a nossa vida sobre elas?
  • “Bendito quem confia no Senhor e põe no Senhor a sua esperança” – diz-nos Jeremias. O profeta está convencido de que Deus é sempre fiel e que nunca nos falhará. Podemos confiar na sua bondade, no seu perdão, na sua misericórdia, no seu amor de Pai; podemos confiar nas suas palavras, que nos indicam caminhos válidos para chegarmos à vida verdadeira; podemos entregar-nos confiadamente nas suas mãos e confiar n’Ele, do mesmo modo que a criança pequenina confia no seu pai ou na sua mãe. Confiamos em Deus dessa forma? É nas mãos d’Ele que entregamos a nossa vida? Deus é a nossa melhor aposta, a nossa segurança, a nossa suprema esperança? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 1

Refrão: Feliz o homem que pôs a sua esperança no Senhor.

 

Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios,
nem se detém no caminho dos pecadores,
mas antes se compraz na lei do Senhor,
e nela medita dia e noite.

É como árvore plantada à beira das águas:
dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha.
Tudo quanto fizer será bem sucedido.

Bem diferente é a sorte dos ímpios:
são como palha que o vento leva.
O Senhor vela pelo caminho dos justos,
mas o caminho dos pecadores leva à perdição.

 

LEITURA II 1 Coríntios 15,12.16-20

Irmãos:
Se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos,
porque dizem alguns no meio de vós
que não há ressurreição dos mortos?
Se os mortos não ressuscitam,
também Cristo não ressuscitou.
E se Cristo não ressuscitou,
é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados;
e assim, os que morreram em Cristo pereceram também.
Se é só para a vida presente
que temos posta em Cristo a nossa esperança,
somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas não.
Cristo ressuscitou dos mortos,
como primícias dos que morreram.

 

CONTEXTO

A cidade de Corinto situada a cerca de 10 quilómetros do istmo de Corinto, servida por dois portos de mar, era umas das grandes cidades do Mediterrâneo. Era também um dos grandes centros da cultura grega: sem ter a fama de Atenas tinha, contudo, grande número de poetas, filósofos, oradores e médicos; todas as escolas filosóficas e todas as culturas estavam representadas na cidade. Corinto era, além de tudo isso, um centro religioso onde todos os cultos e religiões estavam representados. O culto principal girava à volta de Afrodite, deusa do amor, que tinha um grande santuário na acrópole da cidade. O culto de Apolo era também muito importante. Adoravam-se ainda diversas divindades estrangeiras, como Ísis e Serapis. Havia numerosos grupos religiosos, ou “Thiasoi”, com um líder à sua frente. Religiões do Oriente e religiões mistéricas estavam representadas no universo religioso de Corinto.

Quando o Evangelho chegou a Corinto, levado por Paulo (no decurso da sua segunda viagem missionária), encontrou-se com toda esta realidade. No entanto, o cristianismo propunha valores muito diferentes daqueles que os coríntios conheciam. O choque dos valores cristãos com a realidade da cultura greco-romana foi inevitável.

Uma das ideias cristãs que encontrou resistência entre os coríntios foi a ressurreição dos mortos. Muitos gregos, influenciados por filosofias dualistas muito em voga (nomeadamente a filosofia platónica), viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade ideal e nobre; e, a partir daí, recusavam-se a aceitar que a ressurreição integral do homem. Como poderia o corpo – uma realidade material, carnal, sensual, que aprisionava a alma e a impedia de subir ao mundo ideal – seguir a alma nesse mundo luminoso para onde a alma tendia?

Paulo teve de abordar esta questão que dividia os coríntios. Fê-lo na primeira carta que lhes dirigiu (cf. 1Cor 15). Afinal, a ressurreição estava no centro da fé cristã. Paulo começa por falar aos coríntios da ressurreição de Cristo, realidade sem a qual todo o edifício cristão cai por terra (cf. 1Cor 15,1-11); depois, parte daí para afirmar a ressurreição de todos aqueles que aderiram a Cristo e que d’Ele recebem vida. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Há questões que, mais tarde ou mais cedo, não podemos deixar de equacionar… Qual o sentido último da nossa vida? Para onde caminhamos? Que nos espera no final do caminho (sempre tão breve!) que percorremos aqui na terra? Estamos condenados ao nada, ao absoluto desaparecimento, ou há uma existência nova, totalmente outra, à nossa espera? Paulo, depois de conhecer a ressurreição de Cristo, a sua vitória sobre a morte, acredita firmemente que estamos destinados à ressurreição, a uma vida nova e definitiva, imersos no amor de Deus. Cristo abriu-nos as portas dessa vida nova que nos espera, ao encontro definitivo com o amor de Deus. Se essa vida futura não existisse, seríamos “os mais miseráveis de todos os homens” e a nossa fé não faria qualquer sentido – diz Paulo. Como vivemos e sentimos tudo isto? No horizonte da nossa existência está a certeza do encontro com o Amor, com a vida nova que Deus oferece aos seus filhos queridos?
  • A maneira como olhamos para o nosso horizonte último afetará, provavelmente, a forma como encaramos a vida de todos os dias. Será diferente caminharmos presos a uma sentença de “morte definitiva”, depois de alguns anos de trabalhos e vicissitudes sem fim, ou de caminharmos de olhos postos num horizonte de vida ilimitada, no encontro com o amor de Deus. Como é que a fé na ressurreição dos mortos afeta a nossa vida presente? Muda a nossa perspetiva das coisas, dos valores que cultivamos, das apostas que fazemos, dos comportamentos que assumimos? Ajuda-nos a viver com mais alegria e mais esperança?
  • Viver de olhos postos na vida nova que nos espera em Deus implicará renunciar às coisas boas e belas deste mundo? Não. O projeto de Deus para nós é que tenhamos vida em abundância, não apenas no mundo futuro, mas mesmo quando ainda caminhamos na terra. No entanto, a nossa realização e a nossa felicidade – já aqui na terra – depende de escolhas acertadas. Há formas de viver que não nos realizam; há apostas que apenas nos trazem desilusão e vazio; há escolhas que nos levam por caminho onde a vida e a felicidade não estão. Podemos abraçar, ao longo do nosso caminho nesta terra, as coisas boas e belas que nos proporcionam vida verdadeira e que não nos afastam de Deus e do seu amor. É assim que procuramos construir o nosso caminho enquanto andamos cá na terra?
  • O medo da morte pode destruir irremediavelmente a nossa existência. Pode paralisar-nos, limitar as nossas opções, fazer-nos viver escondidos, impedir-nos de lutar contra a maldade, a mentira, o pecado que desfeia o mundo. Mas, quando sabemos que estamos destinados à ressurreição, o medo da morte já não nos domina; podemos comprometer-nos na luta pela justiça e pela paz, com a certeza de que a injustiça e a opressão não podem pôr fim à vida que nos anima; e é na medida em que nos comprometemos com esse mundo novo e o construímos com gestos concretos que estamos a anunciar a ressurreição plena do mundo, dos homens e das coisas. A certeza da ressurreição é para mim uma certeza libertadora, que me ajuda a viver com coragem e a assumir o meu compromisso com a construção de um mundo mais justo e mais humano? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 6,17.20-26

Naquele tempo,
Jesus desceu do monte, na companhia dos Apóstolos,
e deteve-Se num sítio plano,
com numerosos discípulos e uma grande multidão
de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidónia.
Erguendo então os olhos para os discípulos, disse:
Bem-aventurados vós, os pobres,
porque é vosso o reino de Deus.
Bem-aventurados vós, que agora tendes fome,
porque sereis saciados.
Bem-aventurados vós, que agora chorais,
porque haveis de rir.
Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem,
quando vos rejeitarem e insultarem
e prescreverem o vosso nome como infame,
por causa do Filho do homem.
Alegrai-vos e exultai nesse dia,
porque é grande no Céu a vossa recompensa.
Era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.
Mas ai de vós, os ricos,
porque já recebestes a vossa consolação.
Ai de vós, que agora estais saciados,
porque haveis de ter fome.
Ai de vós, que rides agora,
porque haveis de entristecer-vos e chorar.
Ai de vós, quando todos os homens vos elogiarem.
Era assim que os seus antepassados
tratavam os falsos profetas.

CONTEXTO

Depois de apresentar o seu “programa” pastoral na sinagoga de Nazaré (“anunciar a boa nova aos pobres”, “proclamar a redenção aos cativos”, abrir os olhos aos cegos, “a restituir a liberdade aos oprimidos”, “proclamar o ano da graça do Senhor” – Lc 4,18-19), Jesus andou pela Galileia a falar da chegada do Reino de Deus. Os líderes judaicos – especialmente os fariseus e doutores da lei – assumiram, desde os primeiros momentos, uma atitude crítica face ao projeto de Jesus (cf. Lc 5,21-25.33-39; 6,11); mas muitas outras pessoas escutavam Jesus com entusiasmo e todos os dias o procuravam.

À volta de Jesus foi-se rapidamente consolidando um grupo de discípulos. Havia aqueles que Ele tinha chamado – como Simão Pedro, André, Tiago, João e Mateus (cf. Lc 5,10-11. 27-28) – e havia outros que tinham vindo espontaneamente para O ouvir e que tinham ficado com Ele. Um dia, depois de ter passado a noite em oração no cimo de um monte, Jesus escolheu Doze dentre esses discípulos e designou-os como “apóstolos” (cf. Lc 6,12-16). Esses Doze serão o núcleo central da comunidade de Jesus, aqueles em quem Jesus se apoiava e com quem contava de forma especial.

Depois de ter escolhido os Doze, Jesus desceu à planície. Estava acompanhado pelos discípulos e por muita gente que tinha vindo “de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sídon” (Lc 6,17) para o ouvir e ser curada dos seus males. Nessa circunstância, Jesus pronunciou uma longa “instrução”, que ficou conhecida como o “sermão da planície” (cf. Lc 6,20-49). Nessa “instrução”, falou aos que o rodeavam da libertação que trazia e do caminho que devia ser seguido por todos aqueles que quisessem integrar a comunidade do Reino. O Evangelho que a liturgia deste sexto domingo comum nos propõe apresenta-nos o início dessa “instrução”: as “bem-aventuranças”.

O evangelista Mateus também nos apresenta um discurso de Jesus que começa com as “bem-aventuranças” (cf. Mt 5,1-7,29). Na versão de Mateus, contudo, esse discurso é feito no cimo de um monte e não na planície; e não comporta “maldições”. A versão de Lucas é significativamente mais curta. Lucas suprime, no seu texto, muitos elementos tipicamente judaicos que não eram significativas para as comunidades de cultura grega a quem o seu Evangelho se destinava.

A “bem-aventurança” – o género literário aqui utilizado – aparece frequentemente na literatura egípcia e grega. Na sua base está a ideia de que a divindade pode pronunciar palavras poderosas, palavras que uma vez lançadas, têm a faculdade de atuar na vida dos indivíduos e das comunidades. No caso da “bem-aventurança”, a palavra atua de forma positiva, sendo fonte de vida, de bênção e de felicidade.

Frequentemente, a par das “bem-aventuranças” também aparecem “maldições”. A “maldição é uma imprecação ou ameaça destinada a um inimigo ou a alguém que tem comportamentos considerados errados. Muitas vezes começa com a palavra “ai”: evoca o mundo assustador da morte, da desgraça, da infelicidade, sobre a pessoa que é objeto da “maldição”. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Dois mil anos depois de Jesus ter feito o “sermão da planície”, as “bem-aventuranças” continuam a soar aos nossos ouvidos de uma forma estranha e paradoxal. Deixam-nos perplexos e algo desconcertados, pois apontam num sentido que parece ir contra o senso comum. Parecem subverter todas as nossas lógicas e contradizer tudo aquilo que sabemos sobre êxito e fracasso. São um desafio que ameaça todas as nossas certezas e seguranças, a nossa sabedoria convencional e a nossa organização social. Poderão realmente ser um caminho para a felicidade e para a plena realização do ser humano? Jesus tem razão quando garante que a verdadeira felicidade se alcança por caminhos completamente diferentes dos que a sociedade atual propõe? As “bem-aventuranças” serão uma desculpa de fracassados, conversa de gente que não tem coragem para competir, para se impor, para triunfar, ou serão uma forma de construir um mundo diferente, mais justo, mais humano e mais fraterno? O nosso mundo ganharia alguma coisa se abandonássemos a competitividade e a luta feroz pelo êxito humano e optássemos por viver na lógica das “bem-aventuranças”? Seríamos mais livres e mais felizes se renunciássemos a certos valores que a sociedade impõe e passássemos a viver de acordo com os valores propostos por Jesus?
  • Jesus disse: “bem-aventurados vós, os pobres”; e, em contraponto, “ai de vós, os ricos, que já recebestes a vossa consolação”. Será que Deus, depois de pôr à nossa disposição os bens materiais, mudou de ideias e veio pedir-nos para escolhermos a privação, a indigência, a miséria? É claro que não. Deus quer que tenhamos o necessário para viver dignamente; mas não quer que guardemos para nosso uso exclusivo os bens que pertencem a todos. Deus quer ver-nos caminhar sem privações e sem carências; mas não quer que adoremos o dinheiro e que sejamos escravos de coisas que são meramente acessórias. Deus quer que tenhamos conforto e bem-estar; mas não quer que ignoremos a miséria e a indigência em que vive um quinto da humanidade. Como lidamos com os bens materiais? Eles são a nossa prioridade? Escravizam-nos e absorvem-nos de tal forma que nos roubam a liberdade? Admitimos que os bens que Deus colocou nas nossas mãos pertencem a todos os filhos e filhas de Deus?
  • Jesus disse: “bem-aventurados vós, que agora tendes fome”; e, em contraponto, “ai de vós, que agora estais saciados”. A “fome” – de pão, de paz, de amor, de liberdade, de acesso à educação, de cuidados de saúde, de uma vida digna – que atinge dramaticamente tantos dos nossos irmãos não é uma realidade inevitável, à luz do projeto de Deus para o mundo e para os homens. A “fome” é uma realidade que nos envergonha e com a qual não podemos conformar-nos. Ela existe porque muitas vezes, instalados comodamente no nosso bem-estar (“saciados”), não queremos saber dos nossos irmãos que sofrem todo o tipo de carências. Insensíveis e acomodados, viramos o rosto para o lado para não sermos questionados pela “fome” do mundo. Sentimos que somos responsáveis pela “fome” que faz sofrer tantos e tantos dos nossos irmãos? O que podemos fazer para a minorar?
  • Jesus disse: “bem-aventurados vós, que agora chorais”; e, em contraponto, “ai de vós, que rides agora”. Deus tem alguma coisa contra a alegria e os risos? É claro que não. A felicidade de Deus é ver os seus filhos mergulhados numa alegria verdadeira e numa felicidade sem sombras. O que Deus desaprova é o posicionamento daqueles que continuam a rir e a gozar a vida sem quererem saber da tristeza e das lágrimas dos seus irmãos; o que Deus reprova é o riso sarcástico daqueles que veem os seus irmãos caídos na berma da estrada da vida e os olham com o desprezo que os vencedores sentem pelos vencidos. Sentimo-nos solidários com os nossos irmãos que sofrem e choram? O que fazemos para secar as suas lágrimas e curá-los dos seus padecimentos?
  • Jesus disse: “bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos rejeitarem e insultarem, e prescreverem o vosso nome como infame”; e, em contraponto, “ai de vós, quando todos os homens vos elogiarem”. Qual é o mal de sermos reconhecidos e elogiados por aqueles que conhecem o que somos e o que fazemos? Nenhum. O que pode ser mal é “vendermos a alma ao diabo” para conquistar reconhecimento e aplausos; o que pode ser mal é renunciarmos aos nossos princípios para termos o aplauso dos nossos concidadãos; o que pode ser mal é o cedermos ao socialmente correto para chegarmos mais longe no caminho do êxito; o que pode ser mal é “suavizarmos” as exigências de Jesus para sermos “modernos” e populares. Somos capazes de renunciar aos nossos valores para sermos admirados e aplaudidos pelos homens?
  • As “bem-aventuranças” dão-nos um retrato bem bonito do coração paternal e maternal de Deus. Garantem-nos que Deus é sensível ao sofrimento dos seus filhos e que sente um carinho especial pelos que sofrem mais. Ele está sempre disponível para confortar os que estão feridos e magoados e para os ajudar a sair da sua triste situação. Como é que vemos e sentimos esta “sensibilidade” de Deus pelos mais frágeis e pequenos? Agrada-nos? É para nós fonte de esperança? O carinho de Deus pelos que precisam mais de amor inspira-nos e leva-nos a cuidar especialmente dos nossos irmãos que a vida maltrata? Somos testemunhas e profetas do amor de Deus no mundo? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura não apresenta nenhuma dificuldade aparente, contudo, a proclamação deve ter em conta a construção do texto em duas partes distintas que caracterizam duas atitudes: «Maldito quem confia no homem» e «Bendito quem confia no Senhor».

Na segunda leitura deve haver uma especial atenção à longa frase interrogativa com que inicia a leitura. Deve evitar-se dar a entoação interrogativa apenas nas palavras finais da frase e acentuar a partícula interrogativa “porque” e o respetivo verbo “dizem”. O leitor deve estar atento às três frases condicionais e dar uma especial ênfase à conclusão – «Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram» – que sintetiza a mensagem de toda a leitura.

.

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

 

ANEXOS:

Domingo V do Tempo Comum – Ano C – 09 fevereiro 2025

6Assim fizeram e apanharam uma grande quantidade de peixe. As redes estavam a romper-se, 7e eles fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram os dois barcos, a ponto de se irem afundando. 8*Ao ver isto, Simão caiu aos pés de Jesus, dizendo: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador.» 9Ele e todos os que com ele estavam encheram-se de espanto por causa da pesca que tinham feito; o mesmo acontecera 10*a Tiago e a João, filhos de Zebedeu e companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não tenhas receio; de futuro, serás pescador de homens.» 11E, depois de terem reconduzido os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus. Lc 5, 6-11

Viver a Palavra

São muitos os que acompanham Jesus e vêm ao Seu encontro e, com toda a certeza, levados pelas mais diversas motivações. A fama de Jesus facilmente se difundia mesmo na ausência das redes sociais e dos mais sofisticados meios de comunicação social. Ao longe e ao largo se iam difundindo os Seus milagres, as Suas palavras cheias de autoridade, o amor dito em gestos concretos que fazia de cada encontro um lugar transformador.

Muitos vão ao encontro de Jesus levados pela curiosidade, para ver, com os seus próprios olhos, os milagres e prodígios que realiza. Outros para escutar as palavras cheias de autoridade que saem dos Seus lábios. Muitos, com certeza, motivados pela esperança de serem curados das suas doenças e sofrimentos. Tantos outros, procurando um sentido para a Sua vida. São diferentes as motivações que fazem aquela multidão aglomerar-se em torno de Jesus. Contudo, hoje, somos nós, os que nos reunimos com Jesus. Dois mil anos depois, como as multidões de outrora, vamos ao Seu encontro. Mas, porque nos queremos encontrar com Jesus? Vamos ao Seu encontro levados pela curiosidade ou para acolher a Sua Palavra e nos deixarmos interpelar pelo Seu amor?

Aqueles que se encontram de verdade com Jesus e se deixam moldar pela Sua Palavra transformam de verdade as suas vidas: as noites mais sombrias e estéreis tornam-se manhãs luminosas e cheias da alegria abundante que nasce do encontro com Ele. Assim aconteceu com Pedro, que tendo andado na pesca toda à noite não tinha pescado nada. Porém, Jesus convida-o a lançar as redes: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Pedro, mesmo sabendo do insucesso daquela noite, ousa lançar as redes, acolhendo o desafio de Jesus e, assim, foi surpreendido pela abundância do peixe que parecia romper a rede. Na verdade, quando a nossa fragilidade e pequenez se abrem à misericórdia e à bondade de Deus, acolhendo os seus desafios, a nossa vida torna-se um lugar fecundo. O nosso pouco com Deus pode tornar-se muito, mas, ao invés, o nosso muito sem Deus serve para muito pouco. Por isso, Pedro, diante desta pesca abundante, sente-se indigno de estar na presença de Jesus: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Este sentimento de fragilidade, pequenez e indignidade está já presente na primeira leitura, quando Isaías contemplando a glória de Deus afirma: «Ai de mim, que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, moro no meio de um povo de lábios impuros». Com Jesus, a nossa frágil humanidade não é um obstáculo à graça de Deus, mas o lugar privilegiado onde ela atua para manifestar a obra divina. Por isso, também Paulo, o Apóstolo das Gentes, apesar de sentir como «abortivo» e o menor dos apóstolos, afirma desassombradamente: «Pela graça de Deus sou aquilo que sou, e a graça que Ele me deu não foi inútil».    

Com Jesus aprendemos que o medo deve dar lugar à confiança – «Não temas!» – pois o maior milagre não é a pesca abundante, mas Jesus que não se deixa intimidar pelas nossas desilusões, fragilidades ou pecados e nos confia uma missão: «daqui em diante serás pescador de homens». O olhar que Jesus nos dirige vê para lá das aparências e debilidades e abre-nos a porta da esperança, porque, na semente lançada no nosso coração, Jesus consegue ver a árvore que pode nascer e florir com a Sua graça. in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

No dia 11 de fevereiro, memória de Nossa Senhora de Lourdes, celebra-se o Dia Mundial do Doente. É já o XXXIII Dia Mundial do Doente. Este dia é uma oportunidade para as comunidades para uma celebração ou algum momento de convívio com os doentes da comunidade, ou qualquer outro gesto de proximidade com quantos se encontram numa situação de fragilidade. Inspirados nas palavras do Papa Francisco será importante sensibilizar os fiéis para uma renovada cultura do cuidado: «o primeiro cuidado de que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura. Por isso, cuidar do doente significa, antes de mais nada, cuidar das suas relações, de todas as suas relações: com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde –, com a criação, consigo mesmo». (da Mensagem do Papa Francisco para este dia – ver Mensagem em anexo)

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo Comum, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Isaías 6,1-2a.3-8

No ano em que morreu Ozias, rei de Judá,
vi o Senhor, sentado num trono alto e sublime;
a fímbria do seu manto enchia o templo.
À sua volta estavam serafins de pé,
que tinham seis asas cada um
e clamavam alternadamente, dizendo:
«Santo, santo, santo é o Senhor do Universo.
A sua glória enche toda a terra!»
Com estes brados as portas oscilavam nos seus gonzos
e o templo enchia-se de fumo.
Então exclamei:
«Ai de mim, que estou perdido,
porque sou um homem de lábios impuros,
moro no meio de um povo de lábios impuros
e os meus olhos viram o Rei, Senhor do Universo».
Um dos serafins voou ao meu encontro,
tendo na mão um carvão ardente
que tirara do altar com uma tenaz.
Tocou-me com ele na boca e disse-me:
«Isto tocou os teus lábios:
desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa».
Ouvi então a voz do Senhor, que dizia:
«Quem enviarei? Quem irá por nós?»
Eu respondi:
«Eis-me aqui: podeis enviar-me».

CONTEXTO

O profeta Isaías (autor dos capts. 1-39 do Livro de Isaías) nasceu por volta do ano 760 a. C., no tempo do rei Ozias. De origem nobre, parece ter vivido em Jerusalém: demonstra uma cultura que dificilmente poderia ter conseguido fora do ambiente sofisticado da capital.

Isaías sentiu-se chamado por Deus à vocação profética quando tinha cerca de vinte anos (de acordo com Is 6,1, “no ano da morte do rei Ozias”, isto é, por volta de 740-739 a.C.). Sabemos também que casou e teve filhos.  Desconhecemos o nome da esposa, conhecida somente como “a profetiza” (Is 8,3). Quanto aos filhos, receberam nomes simbólicos: Sear Yasub (“um resto voltará” – Is 7,3) e Maher Salal Hash Baz (“toma despojos, apanha velozmente a presa” – Is 8,3). Neste pormenor, Isaías identifica-se com o profeta Oseias: toda a sua existência, inclusive no âmbito familiar, está ao serviço da mensagem que Deus lhe confia.

O carácter de Isaías pode conhecer-se suficientemente através da sua obra. É um homem decidido, sem falsa modéstia, que se oferece voluntariamente a Deus no momento do seu chamamento vocacional. Seguramente, faz parte dos notáveis do país: participa nas decisões relativas ao Reino, falando com autoridade aos altos funcionários (cf. Is 22,15) e mesmo aos reis (Is 7,10). É enérgico e nunca se deixa desanimar. É inimigo da anarquia (cf. Is 3,1-9); mas isso não significa que apoie as classes altas. Na verdade, os seus maiores ataques são dirigidos aos grupos dominantes: autoridades, juízes, latifundiários, políticos. É duro e irónico com as mulheres da classe alta de Jerusalém (cf. Is 3,16-24; 32,9-14). Defende com paixão os oprimidos, os órfãos, as viúvas (cf. Is 1,17), o povo explorado e desencaminhado pelos governantes (cf. Is 3,12-15).

Os últimos oráculos de Isaías são de 701 ou, talvez, de 689 a. C., alturas em que o rei assírio Senaquerib invadiu Judá e pôs cerco a Jerusalém. Isaías deve ter morrido poucos anos depois, embora não saibamos ao certo quando. Um apócrifo judeu do séc. I d. C. – “Ascensão de Isaías” – afirma que foi assassinado pelo rei ímpio Manassés.

O texto que a liturgia deste quinto domingo comum nos propõe como primeira leitura narra o momento em que Deus chama Isaías à vocação profética. O cenário é o templo de Jerusalém, construído por Salomão no séc. X a.C., o lugar onde Deus residia no meio do seu Povo e onde o Povo ia encontrar-se com Deus. No texto que nos é proposto, esse relato não está completo. Mas, de acordo com o relato original, essa experiência vocacional resume-se a quatro pontos: a consciência da santidade de Deus; a constatação de que a vida de Judá é marcada pelo pecado (pessoal e coletivo); o reconhecimento da necessidade de um castigo; e, no final de tudo, a afirmação da esperança na salvação de Deus. Estes quatro temas, unidos às tradições sobre Jerusalém e sobre a dinastia davídica, estarão sempre presentes na pregação do profeta Isaías. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Deus, para concretizar o seu plano de salvação, conta com todos os seus filhos e filhas. Cada um de nós tem o seu lugar e o seu papel no projeto que Ele tem para o mundo e para os homens. É Deus que, de acordo com critérios que só Ele conhece e define, escolhe quem quer, chama quem quer e envia quem quer. A nossa “história de vocação” é a história de como Deus vem ao nosso encontro, entra na nossa vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta à proposta que nos faz. Temos consciência de que Deus nos chama, às vezes de formas bem banais, para o seu serviço? Estamos atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais nos diz, a cada momento, o que quer de nós? Estamos disponíveis para responder com generosidade aos desafios que Deus nos lança, mesmo quando eles vão contra os nossos projetos pessoais ou contra os nossos interesses particulares?
  • O “chamamento” de Isaías acontece quando ele está no templo de Jerusalém, presumivelmente em oração. Os grandes “vocacionados” que a Bíblia nos apresenta são sempre pessoas que cultivam a intimidade com Deus e que buscam o diálogo com Deus. É nesse diálogo que se apercebem do projeto de Deus e do papel que Deus lhes reserva nesse projeto; é nesse diálogo que aprendem a escutar Deus e as propostas que Ele faz; é nesse diálogo que apresentam a Deus as suas inquietações, dúvidas e incertezas e descobrem as respostas e “soluções” de Deus para as questões que a vida traz… Os que “conversam” com Deus saem dessas “conversas” mais enamorados de Deus, mais conscientes do que Deus quer, mais preparados para aceitar a vontade de Deus e para lhe dizer “sim”. Procuramos aproximar-nos de Deus e cultivar a intimidade com Ele? No meio da agitação e das preocupações que enchem a nossa vida de todos os dias, arranjamos tempo para escutar Deus, para falar com Ele, para discernir os seus caminhos?
  • Isaías é um homem plenamente consciente dos seus limites, da sua debilidade e da sua indignidade. Descobre, no entanto, que Deus quer contar com ele, apesar de tudo isso. Deus, desde sempre, escolheu instrumentos frágeis e “improváveis” para intervir no mundo e para oferecer aos seus filhos a sua proposta de salvação. Aliás, é na fraqueza e na fragilidade que se manifestam a grandeza, a força e a santidade de Deus. Se Deus nos pede um serviço, dar-nos-á também a força para superarmos os nossos limites e para fazermos o que Ele nos pede. A consciência da nossa pequenez e fragilidade alguma vez nos impediu de aceitarmos a missão que Deus tinha para nós? Mais: alguma vez usamos o pretexto da nossa indignidade para permanecermos comodamente à margem das tarefas que Deus queria confiar-nos?
  • No relato da vocação de Isaías impressiona o facto de ele, ainda antes de saber em concreto a missão que Deus lhe ia confiar, se ter disponibilizado sem condições: “eis-me aqui, podeis enviar-me!”. A resposta que Isaías dá a Deus é a resposta de quem está disposto a arriscar tudo, a oferecer toda a sua vida para o serviço de Deus; é a resposta de quem dá tudo a Deus, sem cálculos nem condições; é a resposta de alguém para quem Deus é o centro e a prioridade máxima. É desta forma – total, absoluta, incondicional, “limpa” – que nós nos damos a Deus e nos disponibilizamos para o serviço de Deus? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 137 (138)

Refrão:  Na presença dos Anjos, eu Vos louvarei, Senhor.

 

De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças,
porque ouvistes as palavras da minha boca.
Na presença dos Anjos Vos hei de cantar
e Vos adorarei, voltado para o vosso templo santo.

Hei de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade,
porque exaltastes acima de tudo o vosso nome e a vossa promessa.
Quando Vos invoquei, me respondestes,
aumentastes a fortaleza da minha alma.

Todos os reis da terra Vos hão de louvar, Senhor,
quando ouvirem as palavras da vossa boca.
Celebrarão os caminhos do Senhor,
porque é grande a glória do Senhor.

A vossa mão direita me salvará,
o Senhor completará o que em meu auxílio começou.
Senhor, a vossa bondade é eterna,
não abandoneis a obra das vossas mãos.

 

LEITURA II 1 Coríntios 15,1-11

Recordo-vos, irmãos, o Evangelho
que vos anunciei e que recebestes,
no qual permaneceis e pelo qual sereis salvos,
se o conservais como eu vo-lo anunciei;
aliás teríeis abraçado a fé em vão.
Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi:
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras;
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras,
e apareceu a Pedro e depois aos Doze.
Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez,
dos quais a maior parte ainda vive,
enquanto alguns já faleceram.
Posteriormente apareceu a Tiago e depois a todos os Apóstolos.
Em último lugar, apareceu-me também a mim,
como o abortivo.
Porque eu sou o menor dos Apóstolos
e não sou digno de ser chamado Apóstolo,
por ter perseguido a Igreja de Deus.
Mas pela graça de Deus sou aquilo que sou
e a graça que Ele me deu não foi inútil.
Pelo contrário, tenho trabalhado mais que todos eles,
não eu, mas a graça de Deus, que está comigo.
Por conseguinte, tanto eu como eles,
é assim que pregamos;
e foi assim que vós acreditastes.

 

CONTEXTO

Corinto, cidade cosmopolita situada na região do Peloponeso, era, no séc. I, um dos grandes expoentes da cultura grega. Paulo passou lá durante a sua segunda viagem missionária; do seu anúncio nasceu uma comunidade cristã viva e interessada, mas que mergulhava as suas raízes no terreno inquinado de uma cultura que estava distante da proposta cristã. Os valores culturais gregos – que os coríntios cultivavam com orgulho – vão constituir um contraponto aos valores do Evangelho que Paulo anunciava. O choque entre essas duas realidades está particularmente evidente em algumas das temáticas que Paulo julgou útil tratar na primeira carta aos coríntios, escrita em Éfeso durante a terceira viagem missionária do apóstolo.

Uma das questões que trazia algumas dificuldades aos cristãos de Corinto era a questão da ressurreição. A ressurreição dos mortos era relativamente bem aceite no judaísmo em geral (embora os saduceus, um grupo elitista constituído fundamentalmente por membros das famílias sacerdotais, não partilhassem dessa crença), habituado a ver o ser humano na sua unidade; mas constituía um problema sério para a mentalidade grega. A cultura grega, fortemente influenciada por filosofias dualistas (como a filosofia de Platão, por esta altura muito em voga) que viam no corpo uma realidade negativa e na alma uma realidade ideal e nobre, recusava-se a aceitar a ressurreição do homem integral. Como poderia o corpo – essa realidade material, carnal, sensual, que aprisionava a alma e a impedia de subir ao mundo ideal, ao mundo luminoso dos espíritos – seguir a alma?

Portanto, alguns cristãos de Corinto diziam que “não há ressurreição dos mortos” (1Cor 15,12). Outros faziam perguntas (“como ressuscitam os mortos?”; “com que corpo os mortos regressam à vida?”) que Paulo considera “insensatas” (cf. 1Cor 15,35). O apóstolo decide abordar esta questão para esclarecer uns e outros e ajudar todos os membros da comunidade a purificar a sua fé. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Para nós, cristãos, a ressurreição de Jesus não é apenas uma verdade que professamos quando dizemos o credo, mas é uma certeza que ilumina a nossa vida e imprime um sentido novo à história dos nossos dias. Nós, discípulos de Jesus, não vivemos da memória de um “morto” que a história conheceu, digeriu e arrumou na galeria das figuras notáveis cobertas pelo pó dos tempos, mas caminhamos atrás de alguém que está vivo, que continua a encontrar-se connosco, a caminhar ao nosso lado, a alimentar-nos com a sua Palavra e com o seu Pão, a apontar-nos o caminho que conduz à vida. Como é que sentimos a ressurreição de Jesus? Experimentamos a presença de Jesus, sentimos que o seu Espírito nos anima e conduz enquanto viajamos pela vida? O facto de Jesus ter vencido a morte muda a nossa perspetiva da vida?
  • A vitória de Jesus sobre a morte, a injustiça, a mentira, a maldade, traz à nossa vida um suplemento de coragem e de esperança. Garante-nos que não há morte para quem aceita fazer da sua vida uma luta pela justiça, pela verdade, pelo projeto de Deus. Fornece-nos as armas de que precisamos para vencer o medo e fortalece-nos na decisão de lutar pela instauração do Reino de Deus. Foi isso que os apóstolos perceberam quando se encontraram com Jesus ressuscitado. A certeza da ressurreição encoraja-nos a lutar, sem a paralisia que vem do medo, por um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano?
  • Paulo acredita que os seguidores de Jesus podem descobri-lo, vivo e ressuscitado, a partir da escuta da Palavra de Deus e do testemunho da comunidade cristã. Quando nos reunimos à volta da mesa da eucaristia, no “dia do Senhor”, com outros nossos irmãos na fé, sentimos que Jesus está vivo no meio de nós? A eucaristia é, para nós, um momento privilegiado de encontro com Jesus ressuscitado? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 5,1-11

Naquele tempo,
estava a multidão aglomerada em volta de Jesus,
para ouvir a palavra de Deus.
Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré
e viu dois barcos estacionados no lago.
Os pescadores tinham deixado os barcos
e estavam a lavar as redes.
Jesus subiu para um barco, que era de Simão,
e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra.
Depois sentou-Se
e do barco pôs-Se a ensinar a multidão.
Quando acabou de falar, disse a Simão:
«Faz-te ao largo
e lançai as redes para a pesca».
Respondeu-Lhe Simão:
«Mestre, andámos na faina toda a noite
e não apanhámos nada.
Mas, já que o dizes, lançarei as redes».
Eles assim fizeram
e apanharam tão grande quantidade de peixes
que as redes começavam a romper-se.
Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco
para os virem ajudar;
eles vieram e encheram ambos os barcos
de tal modo que quase se afundavam.
Ao ver o sucedido,
Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe:
«Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador».
Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele
e de todos os seus companheiros,
por causa da pesca realizada.
Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu,
que eram companheiros de Simão.
Jesus disse a Simão:
«Não temas.
Daqui em diante serás pescador de homens».
Tendo conduzido os barcos para terra,
eles deixaram tudo e seguiram Jesus.

 

CONTEXTO

No início do Evangelho que a liturgia hoje nos apresenta, Jesus encontra-se nas margens do Mar da Galileia, rodeado por uma grande multidão que viera “para escutar a palavra de Deus” (Lc 5,1). Esse “mar” – também chamado “lago de Tiberíades” ou “lago de Kineret” – é um lago com cerca de 11 quilómetros de largura e 21 quilómetros de comprimento máximo. Era um lago de água doce, rico em peixe. Muitos dos que habitavam nas suas margens viviam da pesca. O rio Jordão era a principal fonte de alimentação desse lago.

Nas margens do Mar da Galileia situavam-se diversas cidades, como Tiberíades ou Cafarnaum. Cafarnaum era a cidade onde Pedro e o seu irmão André residiam. Era uma cidade estratégica, pois estava ao lado da “Via Maris” (“estrada do Mar”), uma importante via de comunicação que ligava o Egito à Síria e ao Líbano e que passava por Cesareia Marítima (o local onde residia habitualmente o prefeito romano da Judeia). Jesus, depois de ter estado algum tempo com João Batista no deserto de Judá, estabelecera-se em Cafarnaum.

De acordo com o esquema teológico de Lucas, Jesus tinha começado há pouco o seu ministério na Galileia (cf. Lc 4,14-15). Na sinagoga de Nazaré apresentara o seu “programa”: anunciar a “Boa Notícia” aos pobres, libertar os cativos, iluminar os caminhos de quem vivia na escuridão, proclamar a chegada de um tempo novo de graça e de paz (cf. Lc 4,16-21); e logo depois, na sinagoga de Cafarnaum deixara toda a gente maravilhada com o seu ensino e os seus gestos poderosos (cf. Lc 4,31-37).

Até agora, Jesus tinha estado sozinho na tarefa de anunciar o Reino de Deus. Na secção que começa neste capítulo e que vai até 6,16, Jesus começa a rodear-se de discípulos. Algumas pessoas respondem ao seu anúncio e aceitam colaborar com Jesus na missão que o Pai lhe confiou. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • O “barco de Simão Pedro”, de onde Jesus proclama a Boa Notícia do Reino de Deus, é uma bela e sugestiva imagem da comunidade cristã. Muitos homens e mulheres que estão “na margem” da vida e da história, olham para o “barco de Simão Pedro” e aguardam ansiosamente as palavras de Jesus. Não veem outra saída, não vislumbram outra esperança. A comunidade cristã é, neste agitado séc. XXI, o espaço privilegiado onde a voz de Jesus ecoa no mundo para consolar, para animar, para curar, para apontar caminhos, para dar vida? No meio do rugido das tempestades que o mundo enfrenta, fazemos tudo o que podemos para tornar percetível, para os nossos irmãos e irmãs que esperam “nas margens”, a voz de Jesus? As palavras que dizemos aos homens e mulheres que anseiam por uma vida mais humana, são as palavras de Jesus? O “barco de Simão Pedro” em que viajamos com Jesus está pintado com as cores da misericórdia, da solicitude, da compreensão, do acolhimento, do perdão, da bondade, da ternura de Deus? O “barco de Simão Pedro” cumpre o seu papel de levar a todos os homens e mulheres o testemunho de Jesus?
  • Olhemos agora para o interior do “barco de Simão Pedro”, onde viajamos nós, os que fazemos parte da comunidade de Jesus… O que andamos a fazer? Como trabalhamos? O nosso trabalho está a dar resultado? Quando desenhamos os nossos projetos pastorais e elaboramos os nossos organogramas paroquiais, temos em conta as orientações que Jesus nos oferece, ou fazemos as coisas de acordo com os nossos critérios pessoais e as nossas visões estreitas? Acolhemos as propostas de Jesus, mesmo quando elas nos parecem ilógicas, irracionais, pouco modernas, à luz da nossa compreensão das coisas ou dos valores rasteiros dos fazedores de opinião que ditam a moda? Gastamos mais tempo nas nossas reuniões de programação e nas nossas discussões estéreis, ou a escutar o Evangelho que Jesus nos propõe? Confiamos plenamente em Jesus e na sua Palavra?
  • Simão Pedro, depois de ver o extraordinário resultado da “pesca”, lançou-se aos pés de Jesus e chamou-lhe “Kyrios”, “Senhor”. Reconheceu em Jesus aquele que pode tudo, aquele que é capaz de dar sentido a tudo o que fazemos e vivemos. O “credo” de Simão Pedro mostra que ele decidiu confiar plenamente em Jesus e entregar toda a sua vida nas mãos de Jesus. Jesus tornou-se a sua referência, o seu “Senhor”, o centro à volta do qual Simão Pedro decidiu construir toda a sua existência, aquele em quem Simão Pedro decidiu apostar todas as fichas que tinha para jogar… Para nós, Jesus também é o “Kyrios”? Reconhecemos, de facto, que Jesus é o “Senhor” que preside à nossa história e à nossa vida? Ele é o centro à volta do qual articulamos a nossa existência e os nossos passos, ou deixamos que outros “senhores” nos manipulem e controlem?
  • Jesus convida Simão Pedro a tornar-se “pescador de homens”. O convite, no entanto, não será apenas para Simão Pedro; deve estender-se a todos aqueles que vão naquele barco. Simão Pedro e os seus companheiros têm como missão salvar todos os homens e mulheres que vivem mergulhados no desespero, no medo, na opressão, na morte. A missão a que Simão Pedro e os seus companheiros são chamados é a mesma de Jesus: curar as feridas, libertar das cadeias, iluminar o caminho dos que vivem nas trevas, levar vida e esperança a todos os homens e mulheres. Temos consciência de que esta é a nossa missão? Como a vivemos? Os homens e mulheres com quem nos cruzamos a cada instante descobrem, nas nossas palavras e nos nossos gestos, essa vida nova que Jesus veio oferecer a todos? Os homens e mulheres que a sociedade atira para “as margens” e abandona à sua sorte, os que vivem afogados na solidão, os que ninguém quer e ninguém ama, as vítimas de todas as guerras e de todas as opressões, encontram em nós o gesto fraterno que os tira do fundo do mar e que lhes devolve a esperança?
  • Aqueles pescadores do Mar da Galileia, depois de terem levado “os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus”. De repente, tudo aquilo em que tinham construído até ali tornou-se irrelevante diante de um projeto muito mais aliciante: colaborar com Jesus na libertação do mundo e dos homens. Deixaram tudo; passaram a viver para o Reino de Deus e foram atrás de Jesus. O seguimento de Jesus passou a ser a verdade fundamental das suas vidas. Como é o nosso seguimento de Jesus? A nossa entrega ao projeto de Jesus é total, ou parcial e calculada? Deixamos tudo na praia para seguir Jesus, porque o seu projeto se tornou a prioridade da nossa vida? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura apresenta uma alternância entre as descrições da visão de Isaías e o discurso direto presente no texto. Por isso, o leitor deve ter um especial cuidado quer no tom empregue durante as descrições, quer no discurso direto que apresenta inclusive as aclamações dos Serafins.

A segunda leitura, tal como nos acostumamos no epistolário paulino, apresenta longas frases com diversas orações. Deste modo, a leitura requer uma boa preparação nas pausas a fazer, na articulação das diversas orações, para que a mensagem seja claramente compreendida.

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

 

ANEXOS:

Domingo IV do Tempo Comum – Ano C – 02 fevereiro 2025

Festa da Apresentação do Senhor

Viver a Palavra

Quarenta dias após o nascimento de Jesus, cumprindo as prescrições da Lei de Moisés (Ex 13,11-13), «Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor». Jesus, o Verbo feito carne, assume a nossa natureza humana, assumindo uma família concreta e um Povo concreto, cumprindo as tradições e prescrições determinadas pelo Deus de Israel. Como afirma a Carta aos Hebreus Ele «devia tornar-Se semelhante em tudo aos seus irmãos, para ser um sumo sacerdote misericordioso e fiel no serviço de Deus, e assim expiar os pecados do povo».

Somos salvos e redimidos porque amados por um Deus que não é indiferente às nossas dores e sofrimentos. No meio das trevas e sombras da nossa frágil condição irrompe a Luz esplendorosa de Cristo. A Festa da Apresentação do Senhor reveste-se de alegria, luz e esperança porque Jesus Cristo venceu as trevas do pecado e nos ilumina com a esplendorosa luz do Seu amor e da Sua graça. A bênção e procissão das velas prevista no início da celebração deste dia recordam-nos que Jesus apresentado no templo por Maria e José se «exteriormente cumpria as prescrições da lei, na realidade vinha ao encontro do seu povo fiel».

Na verdade, esta festa na Igreja Oriental recebe o nome de Festa do Encontro (Hypapantê) sublinhando o encontro de Deus com o Seu Povo agradecido, mas também de Maria, José e Jesus com Simeão e Ana. Em Jesus Cristo, Deus encontra-se com o Seu Povo, estabelece uma proximidade absolutamente nova, pois, no Verbo de Deus Incarnado, a Terra e o Céu encontram-se e contemplamos na nossa humanidade o próprio Deus, tal como tinha profetizado Malaquias: «vou enviar o meu mensageiro, para preparar o caminho diante de Mim».

Conduzidos por S. Lucas a Jerusalém, contemplamos Simeão e Ana. Simeão, cujo nome significa «Escutador» e Ana, cujo nome significa «Graça». Simeão, «homem justo e piedoso», que movido pelo Espírito Santo vive a espera confiante do Messias e Ana, «filha de Fanuel, da tribo de Aser», que servia no Templo. Simeão e Ana são para nós duas figuras paradigmáticas da arte de acolher Jesus e de O comunicar aos outros com alegria e entusiasmo.

Acolhendo Jesus em seus braços, Simeão alegra-se e proclama um belíssimo hino de louvor porque os seus olhos puderam contemplar a salvação prometida a Israel. Como Simeão, também nós somos convidados a aprender a arte de acolher Jesus na nossa vida, nos nossos braços, porque Ele toca a nossa carne e a nossa existência. Jesus continua a vir ao nosso encontro de múltiplas formas e somos convidados a erguer o nosso olhar, a viver de braços abertos e coração disponível para acolher agradecidos o Deus que vem. A alegria do acolhimento de Jesus nas nossas vidas abre-nos à exigência do Seu seguimento: «este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações». Mas a exigência do caminho não nos faz desanimar! Caminhamos de lâmpadas acesas, porque o Verbo de Deus desfazendo as trevas e sombras passageiras da nossa existência nos conduz à Luz plena e verdadeira.

Deste modo, acolher Jesus na nossa vida como Simeão implica comunicá-Lo aos outros com a maravilha e o entusiasmo de Ana que «começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém». A quantos esperam uma palavra de consolação e esperança, a quantos procuram um sentido novo para as suas vidas, nós somos chamados a anunciar Jesus Cristo, Luz que ilumina todos os Povos e fonte de Salvação para todo o género humano.in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

O Papa São João Paulo II institui o Dia Mundial da Vida Consagrada na data em que a Igreja celebra a Festa da Apresentação do Senhor. Deste modo, no Domingo, dia 2 de fevereiro, a Igreja celebra o XXIV Dia Mundial da Vida Consagrada. Esta data é uma ocasião propícia para dar graças a Deus pelo dom da vida consagrada, mas também para rezar pelas vocações à vida consagrada. Deste modo, cada comunidade paroquial poderá assinalar este dia de diferentes modos: uma vigília de oração, um encontro com testemunhos dos diferentes carismas da vida consagrada, a visita a alguma comunidade religiosa, entre outros.

                                   + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo Comum, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Malaquias 3,1-4

Assim fala o Senhor Deus:
«Vou enviar o meu mensageiro,
para preparar o caminho diante de Mim.
Imediatamente entrará no seu templo
o Senhor a quem buscais,
o Anjo da Aliança por quem suspirais.
Ele aí vem – diz o Senhor do Universo –.
Mas quem poderá suportar o dia da sua vinda,
quem resistirá quando Ele aparecer?
Ele é como o fogo do fundidor
e como a lixívia dos lavandeiros.
Sentar-Se-á para fundir e purificar:
purificará os filhos de Levi,
como se purifica o ouro e a prata,
e eles serão para o Senhor
os que apresentam a oblação segundo a justiça.
Então a oblação de Judá e de Jerusalém será agradável ao Senhor,
como nos dias antigos, como nos anos de outrora.

 

CONTEXTO

O nome “Malaquias” não é um nome próprio. A palavra significa “o meu enviado”. É o título tomado por um profeta anónimo, sobre o qual praticamente nada sabemos e que se apresenta como “enviado” de Javé.

Esse profeta exerceu a sua missão em Jerusalém, no período pós-exílico. O Templo já havia sido reconstruído (cf. Ml 1,10) e o culto já funcionava — ainda que mal (cf. Ml 1,7-9. 12-13). No entanto, o entusiasmo pela reconstrução estava apagado. Desanimado ao ver que as antigas promessas de Deus (veiculadas por Ezequiel e pelo Deutero-Isaías) não se tinham cumprido, o Povo tinha caído na apatia religiosa e na absoluta falta de confiança em Deus. Duvidava do amor de Deus, da sua justiça, do seu interesse por Judá. Todo este ceticismo tinha repercussões no culto (cada vez mais desleixado) e na ética (multiplicavam-se as falhas, as injustiças, as arbitrariedades). Este quadro, posterior à restauração do Templo, situa-nos na primeira metade do séc. V a.C. (entre 480 e 450 a.C.), muito próximo da época de Esdras e Neemias.

Malaquias, o “mensageiro de Javé” reage vigorosamente contra a situação em que o Povo de Judá está a cair. Defende intransigentemente os valores judaicos, a fé dos antepassados; aponta o dedo aos sacerdotes, aos levitas e a outros responsáveis pelo culto, denunciando o seu desleixo e venalidade; profetiza a chegada do tempo em que se oferecerá a Deus um culto puro e santo; coloca cada pessoa diante das suas responsabilidades para com Javé e para com o próximo; exige a conversão do Povo e o afastamento da idolatria; condena veementemente os casamentos mistos (entre judeus e não judeus), que fazem perigar a fidelidade a Javé. A sua lógica é a lógica deuteronomista: se o Povo se obstinar em percorrer caminhos de infidelidade à Aliança, voltará a conhecer a morte e a infelicidade, como aconteceu num passado recente; mas se o Povo se voltar para Javé e cumprir os mandamentos, voltará a gozar da vida e da felicidade que Deus oferece àqueles que seguem os seus caminhos.

O texto de Malaquias que hoje nos é oferecido faz parte de uma perícope que avisa os habitantes de Jerusalém para a inevitabilidade do juízo de Deus: vai chegar o “Dia do Senhor”, esse momento decisivo em que Deus colocará cada pessoa diante das suas responsabilidades e retribuirá a cada um conforme os seus merecimentos (cf. Ml 2,17-3,5).in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Na Festa da Apresentação do Senhor, Malaquias “apresenta” o Senhor que vem para purificar o seu Povo e inaugurar um tempo novo, o tempo da nova Aliança. Esta “vinda” mostra que Deus não se conforma com a apatia, o imobilismo, o comodismo, a instalação, o derrotismo que nos impedem de avançar em direção à vida plena; mostra como Deus nunca desiste de nos desafiar à conversão, à renovação, à construção de uma vida mais feliz e realizada. Malaquias compara a intervenção purificadora de Deus com o “fogo do fundidor”, que destrói as escórias e faz aparecer os metais preciosos, ou com a “lixívia dos lavandeiros” que queima, desinfeta, tira as nódoas, purifica e deixa as roupas limpas. Quais são as escórias e os lixos que cobrem a nossa vida e obscurecem a nossa condição de filhos e de filhas de Deus? Quais são as manchas que temos de limpar com lixívia para que a nossa vida brilhe sempre com a brancura de Deus? Estamos disponíveis para acolher as interpelações e desafios purificadores que Deus nos traz?
  • Podemos entender a referência que Malaquias faz à purificação dos “filhos de Levi”, a fim de que eles apresentem a Deus um culto renovado e purificado, como um convite à purificação da nossa forma de viver e de celebrar a fé. Muitas vezes “dizemos” a nossa fé com um conjunto de ritos religiosos meramente exteriores, ocos e vazios, secos e estéreis, que não envolvem o nosso coração e a nossa mente; muitas vezes a nossa forma de viver a fé é uma simples repetição de práticas religiosas tradicionais, de orações decoradas e descoradas, que não expressam o nosso amor e a nossa comunhão com Deus; muitas vezes as nossas celebrações, cheias de pompa e circunstância, são apenas o cumprimento de um folclore religioso que a tradição consagrou… Como podemos purificar a nossa forma de viver e de celebrar a fé? O que teremos de fazer para que as nossas celebrações sejam mais autênticas? As nossas eucaristias são um verdadeiro encontro com Jesus e com os irmãos com quem partilhamos a fé? Depois de celebrar a eucaristia voltamos para a nossa vida transformados, menos egoístas e mais comprometidos com a construção do Reino de Deus?
  • A profecia de Malaquias concretiza-se plenamente quando Jesus entrou na nossa história e se apresentou no meio de nós. Ela fornece-nos uma chave de leitura para entendermos Jesus, o seu mistério, as suas palavras, os seus gestos, o seu projeto. Como acolhemos e concretizamos o convite à purificação, à conversão (“convertei-vos e acreditai”) que Jesus veio deixar-nos? O que valem para nós os apelos que Jesus nos lançou para vivermos desprendidos dos bens, para servirmos de forma simples e humilde os irmãos que precisam de nós, para nos libertarmos do nosso egoísmo, da nossa vaidade e das nossas manias de grandeza? Qual o peso que tem na nossa forma de viver a lição da cruz, da entrega total ao serviço do projeto de Deus, do dom total de si próprio por amor? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 23 (24), 7.8.9.10 (R. 10b)

Refrão: O Senhor do Universo é o Rei da glória.

Levantai, ó portas, os vossos umbrais,
alteai-vos, pórticos antigos,
e entrará o Rei da glória.

Quem é esse Rei da glória?
O Senhor forte e poderoso,
o Senhor poderoso nas batalhas.

Levantai, ó portas, os vossos umbrais,
alteai-vos, pórticos antigos,
e entrará o Rei da glória.

Quem é esse Rei da glória?
O Senhor dos Exércitos,
é Ele o Rei da glória.

 

LEITURA II Hebreus 2,14-18

Uma vez que os filhos dos homens
têm o mesmo sangue e a mesma carne,
também Jesus participou igualmente da mesma natureza,
para destruir, pela sua morte,
aquele que tinha poder sobre a morte, isto é, o diabo,
e libertar aqueles que estavam a vida inteira
sujeitos à servidão,
pelo temor da morte.
Porque Ele não veio em auxílio dos Anjos,
mas dos descendentes de Abraão.
Por isso devia tornar-Se semelhante em tudo aos seus irmãos,
para ser um sumo sacerdote misericordioso e fiel
no serviço de Deus,
e assim expiar os pecados do povo.
De facto, porque Ele próprio foi provado pelo sofrimento,
pode socorrer aqueles que sofrem provação.

CONTEXTO

O escrito a que chamamos “Carta aos Hebreus” parece ser, mais do que uma carta, um sermão ou discurso destinado a ser proclamado oralmente. Não sabemos quem foi o seu autor. A tradição das Igrejas do oriente atribui-o a Paulo; mas as Igrejas do ocidente há muito que descartaram a autoria paulina deste documento: a forma literária, a linguagem, o estilo, a maneira de citar o Antigo Testamento e mesmo a doutrina exposta estão bastante longe de qualquer outro escrito paulino. Pensa-se que teria sido elaborado por um cristão anónimo – talvez um discípulo de Paulo – que, no entanto, conhecia muito bem o Antigo Testamento.

A tradição antiga põe os “hebreus” como destinatários deste escrito; porém, não há qualquer indicação, ao longo do escrito, de que o texto se destinasse especificamente a cristãos oriundos do mundo judaico. É verdade que refere constantemente o Antigo Testamento; mas o Antigo Testamento já era, à data em que a Carta aos Hebreus apareceu, património comum de todos os cristãos, seja os de origem judaica, seja os de origem pagã. Tratava-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que viviam num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades perderam já o fervor inicial pelo Evangelho, deixaram-se contaminar pelo desânimo e começam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objetivo do autor deste “discurso” é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé.  Teria sido elaborado nos anos que antecederam a destruição da cidade de Jerusalém (que ocorreu no ano 70), uma vez que o autor se refere à liturgia do Templo como uma realidade ainda atual. É provável, portanto, que tenha aparecido por volta do ano 67, muito perto da altura em que Paulo e Pedro foram martirizados em Roma.

A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para refletir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.

O texto que nos é proposto, pertence à primeira parte da carta (Heb 1,5-2,18). Aí, o autor apresenta o mistério de Cristo, o Filho de Deus que é muito superior aos anjos e que o Pai enviou ao mundo para que apresentasse aos homens uma proposta de vida e de salvação. Nesta secção, o autor da carta reflete sobre o “kerigma” tradicional cristão:  Deus glorificou o seu Filho Jesus, ressuscitando-O de entre os mortos, depois de Ele ter assumido a sorte dos homens e de se ter identificado com eles até ao extremo da morte na cruz. Mais especificamente, na perícope de Heb 2,10-18, o “catequista” procura explicar porque é que o plano do Pai previa que Jesus tivesse de passar pela cruz, aparecendo como um homem sofredor e aniquilado, despido das suas prerrogativas divinas. Na perspetiva do autor do texto, a morte de Cristo não foi um absurdo, um capricho, um acidente; mas foi algo que se insere e que se explica no contexto do plano salvador de Deus. in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Esta história de um Deus que aceitou cancelar as suas prerrogativas divinas para vir ao nosso encontro, assumir as nossas fragilidades e limitações, enfrentar a nossa insensatez e o nosso egoísmo, entregar a sua própria vida para que nós descobríssemos a verdadeira vida, é uma história quase incompreensível para quem a tenta ler à luz dos nossos critérios e da nossa lógica humana; mas é uma história que ilustra, sem deixar margem para dúvidas, a intensidade e a radicalidade do amor de Deus por nós. Na Festa da Apresentação do Senhor somos convidados a olhar para esse “Senhor” que se apresenta na nossa história “armado” de um desígnio de amor, para nos abrir as portas da família de Deus e da vida em plenitude. Como é que esta realidade influi na nossa vida? É fonte de alegria, de esperança, de coragem? Como é que respondemos à iniciativa de Deus? Tentamos ser testemunhas, no meio dos nossos irmãos, desse Deus que nos ama de uma forma tão absoluta e tão comprometida?
  • Porque é que Jesus teve de passar pela cruz? Porque quis enfrentar os mecanismos de maldade, de injustiça, de violência e de morte que destruíam a vida dos seus irmãos; porque quis mostrar-nos que a vida deve ser vivida em registo de dom total, de amor até ao extremo; porque quis olhar a morte de frente e derrotá-la para que nós nunca mais tivéssemos medo dela; porque quis selar com a sua morte trágica a sua entrega ao projeto de Deus e o seu amor aos homens. Dando a vida, Cristo “expiou” os nossos pecados: agiu sobre nós no sentido de transformar a nossa condição débil e pecadora e de nos levar a viver uma vida plenamente transformada. Como vemos a morte de Cristo? Que efeitos tem ela em nós? A contemplação da entrega de Cristo leva-nos a viver num dinamismo de amor e de vida nova? A vitória de Jesus sobre a morte liberta-nos do medo e leva-nos a olhar para a vida com mais confiança?
  • Jesus experimentou a nossa fragilidade e os nossos limites; solidarizou-se com todos os homens e mulheres, independentemente do lugar que a sociedade lhes atribuía. Esteve especialmente do lado dos mais frágeis, dos mais pequenos, dos mais esquecidos. O seu exemplo convida-nos à solidariedade com os últimos, com os pobres, com os mais humildes, com aqueles que o mundo rejeita e marginaliza; convida-nos a identificarmo-nos com os sofrimentos e as angústias, as alegrias e as esperanças de cada homem ou mulher; convida-nos a fazer o que estiver ao nosso alcance para promover aqueles que são humilhados, explorados, incompreendidos, colocados à margem da vida e da história. Sentimo-nos solidários com os irmãos e as irmãs que fazem caminho connosco, especialmente com aqueles dos quais ninguém cuida, que ninguém quer, que ninguém defende? Sentimos que as dores e feridas que fazem sofrer os nossos irmãos também são nossas? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 2,22-40

Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés,
Maria e José levaram Jesus a Jerusalém,
para O apresentarem ao Senhor,
como está escrito na Lei do Senhor:
«Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor»,
e para oferecerem em sacrifício
um par de rolas ou duas pombinhas,
como se diz na Lei do Senhor.
Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão,
homem justo e piedoso,
que esperava a consolação de Israel;
e o Espírito Santo estava nele.
O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria
antes de ver o Messias do Senhor;
e veio ao templo, movido pelo Espírito.
Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino,
para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito,
Simeão recebeu-O em seus braços
e bendisse a Deus, exclamando:
«Agora, Senhor, segundo a vossa palavra,
deixareis ir em paz o vosso servo,
porque os meus olhos viram a vossa salvação,
que pusestes ao alcance de todos os povos:
luz para se revelar às nações
e glória de Israel, vosso povo».
O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados
com o que d’Ele se dizia.
Simeão abençoou-os
e disse a Maria, sua Mãe:
«Este Menino foi estabelecido
para que muitos caiam ou se levantem em Israel
e para ser sinal de contradição;
– e uma espada trespassará a tua alma –
assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».
Havia também uma profetisa,
Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser.
Era de idade muito avançada
e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela
e viúva até aos oitenta e quatro.
Não se afastava do templo,
servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações.
Estando presente na mesma ocasião,
começou também a louvar a Deus
e a falar acerca do Menino
a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém.
Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor,
voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré.
Entretanto, o Menino crescia,
tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria.
E a graça de Deus estava com Ele.

CONTEXTO

O interesse fundamental dos primeiros cristãos não se centrou na infância de Jesus, mas na sua mensagem e proposta; por isso, a catequese cristã dos primeiros tempos interessou-se, de forma especial, por conservar as memórias da vida pública e da paixão do Senhor.

Só num estádio posterior houve uma certa curiosidade acerca dos primeiros anos da vida de Jesus. Coligiram-se, então, algumas informações históricas sobre a infância de Jesus; e esse material foi, depois, amassado e trabalhado, de forma a transmitir aquilo que a catequese primitiva ensinava sobre Jesus e o seu mistério. O chamado “Evangelho da Infância” (de que faz parte o texto que nos é hoje proposto) assenta nessa base; parte de algumas indicações históricas e desenvolve uma reflexão teológica para explicar quem é Jesus. Nesta secção do Evangelho, Lucas está muito mais interessado em dizer quem é Jesus, do que em contar-nos factos memoráveis da sua infância.

Lucas propõe-nos, no Evangelho que a liturgia desta festa nos propõe, o quadro da apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém. Segundo a Lei de Moisés, todos os primogénitos (tanto dos homens como dos animais) pertenciam a Javé e deviam ser oferecidos a Javé (cf. Ex 13,1-2.11-16). O costume de oferecer aos deuses os primogénitos é um costume cananeu que, no entanto, Israel transformou no que dizia respeito aos primogénitos humanos: estes não deviam ser oferecidos em sacrifício, mas resgatados por um animal, que seria imolado ao Senhor.

De acordo com Lv 12,6-8, quarenta dias após o nascimento de uma criança, esta devia ser apresentada no Templo, onde a mãe oferecia um ritual de purificação. Nessa cerimónia, devia ser oferecido um cordeiro de um ano (para as famílias mais abastadas) ou então duas pombas ou duas rolas (para as famílias de menores recursos).

A cena desenrola-se no Templo de Jerusalém. Construído por Salomão, no séc. X a.C., o Templo tinha sido destruído no ano 586 a.C., quando os babilónios conquistaram Jerusalém e levaram a população da cidade para o Exílio. Reconstruído depois do Exílio, por ação de Zorobabel, em moldes bastante modestos, o Templo era, para os judeus, o grande centro religioso do judaísmo, o lugar onde Deus residia no meio do seu Povo. No séc. I a.C. Herodes, para agradar aos judeus, propôs-se restaurá-lo. As obras começaram no ano 19 a.C. e continuaram por largos anos. O Templo dessa época – da época de Jesus – acabaria por ser destruído no ano 70, quando as tropas romanas comandadas por Tito sitiaram e destruíram Jerusalém. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Não é raro, no meio de tantas vicissitudes que marcam este século em que nos tocou viver, que nos sintamos desorientados e à deriva, como se a história do mundo e dos homens nos escapasse das mãos e não soubéssemos bem para onde devemos dirigir os nossos passos. Quem nos mostrará o terreno firme onde poderemos sentir-nos seguros? Quem nos guiará na viagem atribulada da história e da vida? Na Festa da “Apresentação do Senhor”, Jesus é-nos apresentado como “a salvação colocada ao alcance de todos os povos”, a “luz para se revelar às nações e a glória de Israel”, o messias com uma proposta de libertação para todos os homens. Que eco é que esta “apresentação” de Jesus encontra no nosso coração? Jesus é, de facto, a luz que ilumina as nossas vidas e que nos conduz nos caminhos do mundo? Ele é, para nós, o caminho certo e inquestionável para a salvação, para a vida verdadeira e plena? É nele que colocamos a nossa ânsia de libertação e de vida nova? Caminhamos atrás dele, certos de que o caminho que Ele propõe conduz à vida plena? Se tantos homens ignoram a “luz” libertadora que Jesus veio acender ou não se sentem interpelados pelo projeto de Jesus, a culpa não será, um pouco, do nosso imobilismo, da nossa instalação, do nosso “cinzentismo” na vivência da fé, da forma pouco entusiasta como damos testemunho?
  • Simeão e Ana, os dois anciãos que acolhem Jesus no Templo de Jerusalém, são pessoas atentas ao Deus libertador que vem ao seu encontro e que sabem ler os sinais de Deus naquele menino que chega. Não vivem centrados em futilidades, não “gastam o tempo” de vida que ainda têm em atividades inconsequentes, não aceitam viver instalados numa reforma dourado que os afasta do mundo e os dispensa de colaborar no projeto de Deus para o mundo e para os homens. Atentos à voz do Espírito, vivendo em diálogo contínuo com Deus, detetam a chegada de Deus e testemunham diante dos seus conterrâneos a presença salvadora e redentora de Deus no meio do seu Povo. São pessoas que cultivam a intimidade com Deus, que escutam Deus, que se esforçam por perceber as indicações de Deus e que são sinais vivos de Deus na vida daqueles que se cruzam com eles. Sabem que, enquanto caminharem na terra, são chamados a dar testemunho de Deus e do seu projeto salvador. Através deles a luz de Deus brilha no mundo e ilumina o mundo. É assim que nós vivemos também? Procuramos entender os sinais de Deus e sermos testemunhas ativas, no meio do mundo, de Deus e do seu projeto de salvação?
  • Quer Simeão, quer a profetiza Ana, são pessoas de bastante idade. Mas não vivem de recordações, voltados para o passado, a carpir mágoas porque se sentem velhos e fragilizados. Têm memória das antigas promessas de Deus; mas vivem de olhos postos no presente, preocupados em ver como no “hoje” da história dos homens Deus concretiza as suas promessas de salvação; e, quando descobrem a presença de Deus, proclamam-na com alegria e entusiasmo. Os anciãos – quer pela sua maturidade, sabedoria e equilíbrio, quer pelo tempo de que normalmente dispõem – podem ser testemunhas privilegiadas dos valores de Deus, intérpretes dos sinais de Deus, profetas credíveis que obrigam o mundo a confrontar-se com os desafios de Deus. É preciso que não vivam voltados para o passado, refugiados numa realidade que aliena, transformados em “estátuas de sal”, mas que vivam de olhos postos no futuro, de espírito aberto e livre, pondo a sua sabedoria e experiência ao serviço da comunidade humana e cristã, ensinando os mais jovens a distinguir entre o que é eterno e importante e o que é passageiro e acessório. Aqueles de entre nós a quem Deus concede a graça de uma vida longa, é assim que vivem? Comunicam alegria, otimismo, fé, esperança num futuro onde Deus está presente?
  • Lucas apresenta-nos neste episódio evangélico uma família – a Sagrada Família – em que Deus é a referência fundamental. Por quatro vezes (vers. 22.23.24.27), Lucas refere, a propósito da família de Jesus, o cumprimento da Lei de Moisés, da Lei do Senhor ou da Palavra do Senhor. A família de Jesus, Maria e José é, portanto, uma família que escuta a Palavra de Deus e que constrói a sua existência ao ritmo da Palavra de Deus e dos desafios de Deus. Maria e José sabiam que uma família que escuta a Palavra de Deus e que procura responder aos desafios postos por essa Palavra é uma família com um projeto de vida com sentido; e sabiam que uma família que se deixa guiar pela Palavra de Deus é uma família que se constrói sobre a rocha firme dos valores eternos. Que importância é que Deus assume na vida das nossas famílias? Procuramos que cada membro das nossas famílias cresça numa progressiva sensibilidade à Palavra de Deus e aos desafios de Deus? Encontramos tempo para reunir a família à volta da Palavra de Deus e para partilhar, em família, a Palavra de Deus?
  • Quando numa família Deus “conta”, os valores de Deus passam a ser, para todos os membros daquela comunidade familiar, as marcas que definem o sentido da existência. O espaço familiar torna-se, então, a escola onde se aprende o amor, a solidariedade, a partilha, o serviço, o diálogo, o respeito, o cuidado, o perdão, a fraternidade universal, o cuidado da criação, a atenção aos mais frágeis, o sentido do compromisso, do sacrifício, da entrega e da doação… São esses valores – os valores de Deus – que procuramos cultivar na nossa comunidade familiar?
  • Segundo a Lei judaica, todo o primogénito devia ser consagrado e dedicado ao Senhor. Também Jesus é apresentado no Templo e consagrado ao Senhor. Nas nossas famílias cristãs há normalmente uma legítima preocupação com o proporcionar a cada criança condições ótimas de vida, de educação, de acesso à instrução e aos cuidados essenciais…. Haverá sempre uma preocupação semelhante no que diz respeito à formação para a fé e em proporcionar aos filhos uma verdadeira educação para a vida cristã e para os valores de Jesus Cristo? Os pais cristãos preocupam-se sempre em proporcionar aos seus filhos um exemplo de coerência com os compromissos assumidos no dia do Batismo? Preocupam-se em ser os primeiros catequistas dos próprios filhos, transmitindo-lhes os valores do Evangelho? Preocupam-se em acompanhar e em potenciar a formação e a caminhada catequética dos próprios filhos, em inseri-los numa comunidade de fé, em integrá-los na família de Jesus, em consagrá-los ao serviço de Deus?
  • Depois daqueles momentos gloriosos no Templo de Jerusalém, o plano salvador de Deus “escondeu-se” naquela pobre casa de família, na aldeia de Nazaré, onde viviam Maria, José e Jesus. O projeto salvador de Deus concretiza-se muitas vezes longe das luzes da ribalta, na simplicidade das nossas vidas, das nossas famílias, das nossas casas, das nossas aldeias e cidades. Estamos conscientes disso? Somos capazes de ler os sinais e perceber o acontecer da salvação de Deus na nossa vida simples de todos os dias? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura possui diferentes frases em discurso direto que devem ser introduzidas e proclamadas como tal. Pede-se especial cuidado com a proclamação da frase interrogativa que tendo apenas um ponto de interrogação possui duas orações interrogativas.

A segunda leitura possui frases muito longas e com diversas orações. Além disso, tendo em conta a densidade do texto proclamado deve ter-se atenção às pausas e respirações para uma melhor compreensão do texto.

 

ANEXOS:

Domingo III do Tempo Comum – Ano C – 26 janeiro 2025

Domingo da Palavra de Deus

NOTA:

            A comunidade, junta, celebra a sua Fé no Templo e, para uma comunidade diocesana, esse Templo é a Sé Catedral. Neste Domingo da Palavra da Deus, em que também se celebra o JUBILEU dos LEITORES, todos os leitores da comunidade da Vilar de Andorinho são convidados a ser comunidade alargada com todos os outros leitores da Diocese do Porto, às 16h00. Lá estaremos, todos juntos

 

Viver a Palavra

«Em virtude desta revelação, Deus invisível, na riqueza do seu amor fala aos homens como amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele» (Dei Verbum, n. 2). Na verdade, sempre que lemos a Palavra de Deus, a escutamos em grupo ou em comunidade, é o próprio Deus que sendo eterno, omnipotente, omnisciente se aproxima de nós, acompanha-nos com a Sua solicitude paterna e nos fala como amigos. Como seria diferente a nossa vida cristã e a vida das nossas comunidades se tomássemos verdadeiramente consciência desta maravilha do amor de Deus, que tendo criado cada homem e cada mulher por amor, não abandona a obra das Suas mãos mas a acompanha com a Sua palavra e com os Seus gestos, pois a revelação que Deus faz de si próprio se opera por meio de palavras e gestos intimamente ligados entre si.

Por isso, cantámos no Salmo deste Domingo: «as vossas palavras, Senhor, são espírito e vida». Esta Palavra que escutámos é espírito e vida, pois é o anúncio da nossa salvação. Muito mais do que o modo como nós nos devemos comportar, a Palavra proclamada revela-nos o modo como Deus se relaciona connosco: Deus, todo-poderoso e eterno, envia ao mundo o Seu Filho Jesus, que na plenitude do Espírito Santo vem para «anunciar a boa nova aos pobres», «proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos», «restituir a liberdade aos oprimidos», «proclamar o ano da graça do Senhor».

Ao escutar a Liturgia da Palavra deste Domingo, somos convidados a pensar que lugar tem a Palavra de Deus na nossa vida e quanto tempo da nossa oração quotidiana dedicamos à leitura e meditação da Palavra de Deus. Como lemos no Livro de Neemias, a proclamação solene do Livro da Lei era escutada com toda a atenção e o encontro com a Palavra dirigida por Deus ao Seu Povo era fonte de alegria e de festa: «Ide para vossas casas, comei uma boa refeição, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que não têm nada preparado. Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor; portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».

O encontro com Jesus, verdadeiramente presente na Palavra proclamada, gera em nós a alegria e transforma o nosso coração para fazer da nossa vida verdadeiro lugar de festa. Apesar de diferentes nos dons que possuímos, nas qualidades que desenvolvemos, nos ministérios e serviços que nos estão confiados, animados pela força do Espírito Santo e convocados pela Palavra do Mestre, somos chamados a edificar o único Corpo de Cristo. Como discípulos missionários, unidos na única missão da Igreja experimentamos a beleza da unidade na diversidade que é obra do Espírito Santo que como afirma o Papa Francisco é «Aquele grande Artista, Aquele grande Mestre da unidade nas diferenças».

Contudo, a escuta da Palavra deve colocar-nos de olhos postos em Jesus de Nazaré, Aquele que naquele Sábado, como era Seu costume, entrou na Sinagoga e se levantou para fazer a leitura. Enrolado o livro, abre-se na vida de Jesus de Nazaré plena e definitivamente a revelação do Pai. Revestido da força do Espírito Santo, Jesus anuncia o Seu programa de vida: anunciar a boa nova, proclamar a redenção, restituir a liberdade e proclamar o ano da graça do Senhor. Jesus vem ao encontro da humanidade pobre, prisioneira, cega e oprimida e não fica indiferente às nossas dores. Também nós, que pelo Batismo e Confirmação fomos revestidos da força do Espírito Santo somos chamados a encontrar no programa de vida de Jesus as coordenadas do nosso agir, para que no hoje da nossa existência possa ecoar, através dos nossos gestos, a mais bela melodia do amor. in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Já no Tempo Comum, continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Neemias 8,2-4a.5-6.8-10

Naqueles dias,
o sacerdote Esdras trouxe o Livro da Lei
perante a assembleia de homens e mulheres
e todos os que eram capazes de compreender.
Era o primeiro dia do sétimo mês.
Desde a aurora até ao meio dia,
fez a leitura do Livro,
no largo situado diante da Porta das Águas,
diante dos homens e mulheres
e todos os que eram capazes de compreender.
Todo o povo ouvia atentamente a leitura do Livro da Lei.
O escriba Esdras estava de pé
num estrado de madeira feito de propósito.
Estando assim em plano superior a todo o povo,
Esdras abriu o Livro à vista de todos;
e quando o abriu, todos se levantaram.
Então Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus,
e todos responderam, erguendo as mãos:
«Amen! Amen!».
E prostrando-se de rosto por terra, adoraram o Senhor.
Os levitas liam, clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus
e explicavam o seu sentido,
de maneira que se pudesse compreender a leitura.
Então o governador Neemias,
o sacerdote e escriba Esdras,
bem como os levitas, que ensinavam o povo,
disseram a todo o povo:
«Hoje é um dia consagrado ao Senhor vosso Deus.
Não vos entristeçais nem choreis».
– Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei –.
Depois Neemias acrescentou:
«Ide para vossas casas,
comei uma boa refeição, tomai bebidas doces
e reparti com aqueles que não têm nada preparado.
Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor;
portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».

CONTEXTO

Inicialmente, os 13 capítulos que constituem o Livro de Neemias e os dez capítulos que constituem o livro de Esdras formavam uma unidade (estavam reunidos sob o título geral “Esdras”). Já na época cristã todo esse material apareceu dividido em duas partes: o livro de Esdras e o livro de Neemias. Não são claras as razões da divisão do livro inicial em dois textos autónomos.

Os livros de Esdras e de Neemias situam-nos em Jerusalém, na época pós-exílica. Referem-se a acontecimentos que vão desde o édito de Ciro, em 538 a.C. (o édito que autorizou o regresso a Jerusalém dos exilados judeus na Babilónia – cf. Esd 1,1-4), até inícios do séc. IV a.C (por volta de 400 a.C.). Os grandes temas abordados nestes livros são o regresso dos exilados, a reconstrução de Jerusalém e do Templo, a restauração da nação judaica após os anos dramáticos do Exílio.

Para os judeus que retornaram a Jerusalém, é uma época de miséria e desolação: Jerusalém está sem muralhas e sem portas; a pobreza de meios torna a reconstrução da cidade lenta e penosa; os inimigos de Judá espreitam e conspiram, procurando impedir o ressurgimento da nação judaica…

O sacerdote e escriba Esdras liderou um grupo de exilados (sacerdotes, levitas, porteiros, cantores) que, por volta de 457 a.C., retornaram a Jerusalém (cf. Esd 7-8). A missão de Esdras consistia prioritariamente em reorganizar a comunidade em volta do Templo e da Lei de Deus.

Neemias, por sua vez, era um alto funcionário judeu na corte de Susa, que veio para Jerusalém por volta do ano 445 a.C., autorizado pelo rei persa Artaxerxes (cf. Ne 1-7). O seu objetivo prioritário era a reconstrução das muralhas da cidade (cf. Ne 3-4). Tratou também de pôr cobro às injustiças cometidas pelos ricos contra os mais pobres (cf. Ne 5) e de restaurar o culto (cf. Ne 8-10).

É neste contexto de preocupação com a restauração do culto que podemos situar o trecho que nos é proposto como primeira leitura neste terceiro domingo comum.in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • No século V a.C., Neemias e Esdras sentiram que a escuta da Palavra de Deus poderia ajudar o povo de Judá a encarar a vida de uma forma mais comprometida, mais verdadeira, mais exigente, mais sã. Aquela comunidade com deficit de horizontes, de perspetivas e de esperança, precisava de se reencontrar com Deus e com os desafios de Deus para construir uma existência feliz e com sentido. Não estaremos hoje, em pleno séc. XXI, em circunstâncias análogas? A Palavra de Deus não poderia ajudar o homem contemporâneo a superar o desnorte, a falta de perspetivas, as contradições que pontuam o caminho que vamos percorrendo na história? Como é que os homens e mulheres do nosso tempo veem a Palavra de Deus: como algo anacrónico, desfasado da nossa realidade, ou como algo que pode orientar-nos no caminho que conduz à vida e à felicidade? O que poderemos fazer para que a Palavra de Deus seja hoje escutada e considerada?
  • No cenário preparado por Neemias e Esdras para o “reencontro” de Judá com a Palavra, percebe-se claramente a centralidade da Palavra de Deus na vida daquela comunidade de fé. O Povo de Deus constrói-se e articula-se à volta da Palavra de Deus; é uma comunidade que vive da escuta e do acolhimento da Palavra. Não é possível pertencer à comunidade de Deus se a Palavra de Deus não estiver no centro da nossa experiência de fé. Que lugar ocupa a Palavra de Deus na vida de cada um de nós? Que lugar tem a Palavra de Deus na vida das nossas comunidades cristãs? A Palavra é o centro à volta do qual tudo se articula? Encontramos espaço para ler, para refletir, para partilhar a Palavra? Sentimos necessidade de nos encontrarmos ao domingo, o “dia do Senhor”, para escutar e refletir comunitariamente a Palavra?
  • Nas nossas comunidades cristãs há pessoas que estão especialmente ao serviço da Palavra de Deus: leitores, salmistas, pregadores, catequistas, diáconos, presbíteros… Enquanto “servidores da Palavra”, eles têm uma responsabilidade especial. Por eles passa a obrigação de proclamar a Palavra de Deus de uma forma que todos a ouçam e que todos a compreendam. Se isso não acontecer, estarão a defraudar a Palavra de Deus e a comunidade que se dispõe a escutá-la. Aqueles a quem é confiada a missão de proclamar a Palavra, preparam convenientemente o ambiente e os meios que ajudam à escuta? Proclamam a Palavra clara e distintamente, sem gestos teatrais desnecessários? Refletem a Palavra e explicam-na de forma acessível, de forma que ela toque a assembleia que escuta? Têm a preocupação de adaptá-la à vida?
  • O Povo reunido por Neemias e Esdras para escutar a Palavra de Deus compareceu em massa e acolheu a proclamação da Palavra com respeito e interesse. Escutou, interiorizou e deixou-se questionar pela Palavra escutada. “Levou a sério” aquele encontro com a Palavra de Deus. Abraçou aquela oportunidade para se alimentar da Palavra de Deus. Nas nossas assembleias comunitárias, a Palavra é acolhida com veneração e respeito? Durante a proclamação da Palavra escutamo-la atentamente, ou aproveitamos aquele espaço para fazer as nossas devoções pessoais ou para “viajar” pelos nossos interesses e problemas?
  • Depois de escutar a proclamação da Palavra de Deus, os habitantes de Jerusalém choraram. Esse choro resultou da tristeza que sentiram ao perceberem que as suas vidas não estavam em consonância com as propostas de Deus. A constatação dos nossos limites e fragilidades é sempre o primeiro passo para a conversão. A escuta da Palavra de Deus deve levar-nos a mudar a nossa forma de pensar, de agir, de viver; deve questionar os valores que presidem à nossa vida e levar-nos a viver de forma mais coerente e consequente. É isso que acontece? A escuta da Palavra transforma a nossa forma de viver, ou deixa tudo como sempre foi? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18 B (19)

Refrão: As vossas palavras, Senhor, são espírito e vida.

 

A lei do Senhor É perfeita,
ela reconforta a alma;
as ordens do Senhor são firmes,
dão sabedoria aos simples.

Os preceitos do Senhor são retos
e alegram o coração;
os mandamentos do Senhor são claros
e iluminam os olhos.

O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente;
os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são retos.

Aceitai as palavras da minha boca
e os pensamentos do meu coração
estejam na vossa presença:
Vós, Senhor, sois o meu amparo e redentor.

 

LEITURA II 1 Coríntios 12,12-30

Irmãos:
Assim como o corpo é um só e tem muitos membros,
e todos os membros do corpo, apesar de numerosos,
constituem um só corpo,
assim sucede também em Cristo.
Na verdade, todos nós
– judeus e gregos, escravos e homens livres –
fomos batizados num só Espírito
para constituirmos um só corpo
e a todos nos foi dado a beber um só Espírito.
De facto, o corpo não é constituído por um só membro,
mas por muitos.
Se o pé dissesse:
«Uma vez que não sou mão, não pertenço ao corpo»,
nem por isso deixaria de fazer parte do corpo.
E se a orelha dissesse:
«Uma vez que não sou olho, não pertenço ao corpo»,
nem por isso deixaria de fazer parte do corpo.
Se o corpo inteiro fosse olho, onde estaria o ouvido?
Se todo ele fosse ouvido, onde estaria o olfato?
Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros,
segundo a sua vontade.
Se todo ele fosse um só membro, que seria do corpo?
Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo.
O olho não pode dizer à mão: «Não preciso de ti»;
nem a cabeça dizer aos pés: «Não preciso de vós».
Pelo contrário, os membros do corpo que parecem fracos
são os mais necessários;
os que nos parecem menos honrosos
cuidamo-los com maior consideração;
e os nossos membros menos decorosos
são tratados com maior decência:
os que são mais decorosos não precisam de tais cuidados.
Deus organizou o corpo,
dispensando maior consideração ao que dela precisa,
para que não haja divisão no corpo
e os membros tenham a mesma solicitude uns com os outros.
Deste modo, se um membro sofre,
todos os membros sofrem com ele;
se um membro é honrado,
todos os membros se alegram com ele.
Vós sois corpo de Cristo e seus membros,
cada um por sua parte.
Assim, Deus estabeleceu na Igreja
em primeiro lugar apóstolos,
em segundo lugar profetas, em terceiro doutores.
Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência,
de governar, de falar diversas línguas.
Serão todos apóstolos? Todos profetas? Todos doutores?
Todos farão milagres? Todos terão o poder de curar?
Todos falarão línguas? Todos terão o dom de as interpretar?

CONTEXTO

A comunidade cristã de Corinto, nascida do trabalho missionário de Paulo entre o outono do ano 50 e a primavera do ano 52, era viva, interessada e fervorosa; mas conhecia diversos problemas que resultavam, em grande parte, do ambiente social e cultural que se respirava na cidade. Em Corinto podiam notar-se bem os problemas que a proposta cristã teve de enfrentar ao encontrar-se com uma cultura diversa, como era o caso da cultura helénica.

Um dos problemas que afetava a vida da comunidade resultava de uma conceção errada dos “carismas” e da forma como estes deviam ser encarados em contexto comunitário. Paulo aborda esta questão nos capítulos na primeira Carta aos Coríntios, entre 12,1 e 14,40.

A palavra “carisma” designa dons especiais concedidos gratuitamente pelo Espírito a determinado indivíduo, destinados a responder às necessidades do mundo e, particularmente, à edificação da comunidade cristã. Nas cartas de Paulo fala-se insistentemente em “carismas” que animavam a vida e o dinamismo das comunidades cristãs.

A comunidade cristã de Corinto sentia-se especialmente agraciada por estes dons do Espírito. No entanto, os coríntios confundiam frequentemente os “carismas” com certos fenómenos de exaltação religiosa bastante comuns na religião grega tradicional. Paulo sente-se na obrigação de dizer aos cristãos de Corinto que os “carismas” dados pelo Espírito não podem levar a práticas pouco consentâneas com o Evangelho de Jesus. São verdadeiros os carismas que levam à profissão de fé em Jesus e à construção da comunidade cristã.

Por outro lado, os “carismas” de que alguns se julgavam investidos pelo Espírito eram, com frequência, fatores de divisão e de conflito. Considerando-se a si próprios “escolhidos de Deus”, alguns dos “carismáticos” reivindicavam um protagonismo que danificava a comunhão fraterna. Apresentando-se como mensageiros incontestados das coisas divinas, assumiam atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favoreciam a fraternidade; desprezavam os que não tinham sido dotados destes dons, considerando-os como “cristãos de segunda”, limitados a um lugar subalterno no contexto comunitário.

Paulo procura fazer os coríntios entender a necessidade de haver uma comunidade unida e fraterna, onde todos os membros estão plenamente integrados e onde todos contribuem para o bem de todos. Nesse sentido, serve-se de uma metáfora frequentemente usada pelos escritores antigos, particularmente os filósofos estoicos (como Séneca, Marco Aurélio, Epicteto): a comunidade é como um corpo, constituído por muitos membros, e onde todos os membros desempenham funções diversas.in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

  • É muito bela a imagem usada por Paulo para falar da Igreja: um “corpo” (o “corpo de Cristo”), formado por muitos membros, todos animados pelo mesmo princípio vital, o Espírito; cada um dos membros desempenha uma determinada função; todos esses membros, com funções diversas, são iguais em dignidade e nenhum deles se pode julgar superior aos outros; todos eles, na diversidade de funções, contribuem à sua maneira para o crescimento, o equilíbrio, a harmonia, a saúde do “corpo”. Esta conceção da Igreja exclui, de princípio, tudo o que significa egoísmo, salvaguarda de interesses mesquinhos, invejas, ciúmes, conflitos, afirmação de si próprio em detrimento dos outros, autossuficiência… Como é que vivem e se articulam as nossas comunidades cristãs? Dão ao mundo um testemunho de harmonia, de entendimento, de comunhão, de vida fraterna? As palavras “solidariedade”, “participação”, “corresponsabilidade” fazem sentido na definição do quadro da nossa comunidade cristã?
  • A comunidade cristã é o “corpo de Cristo”. O “corpo” é a realidade que nos identifica, que nos torna visíveis aos olhos dos nossos irmãos, que nos permite entrar em relação com aqueles que nos rodeiam. A Igreja, como “corpo de Cristo”, torna presente e visível no mundo o próprio Cristo; é através da Igreja que os nossos irmãos se relacionam com Cristo. Quem olha para a Igreja deve “ver” o rosto de Cristo que sorri com amor, o coração de Cristo que acolhe e perdoa, as mãos de Cristo que abençoam e abraçam… É isso que acontece? A Igreja – essa Igreja da qual nós somos membros – é presença de Cristo junto dos homens e mulheres do nosso tempo? A Igreja é a imagem visível de Cristo, do seu projeto de vida, da proposta de salvação que Ele veio oferecer a todos? A Igreja mostra, ao vivo e a cores, a misericórdia, o carinho, a ternura, a compreensão que Cristo tinha por todos os homens e mulheres, e particularmente pelos pobres, pelos mais frágeis, por aqueles que a sociedade condena e abandona na berma da estrada da vida?
  • O Espírito distribui aos membros da comunidade cristã “carismas” (dons espirituais). Esses “carismas” não são prémios pessoais por bom comportamento, nem são um pagamento por serviços distintos; não se destinam a pôr em relevo um membro da comunidade em detrimento de outros; não são uma promoção pessoal ou social… Os “carismas” são dons que Deus confia a determinadas pessoas para o serviço de toda a comunidade. Quem os recebe assume a responsabilidade de os pôr a render de modo que toda a comunidade deles beneficie. Como entendemos e “gerimos” os dons que Deus nos confia? Colocamo-los ao serviço de todos, de forma gratuita e não interesseira?
  • Os membros de um “corpo”, embora diferentes e com funções diversas, vivem em interdependência. Isto é especialmente válido para o “corpo de Cristo”: os membros da comunidade cristã sentem-se ligados uns aos outros por laços de comunhão, de solidariedade, de partilha, de mútuo afeto. Interessam-se uns pelos outros, cuidam uns dos outros, preocupam-se uns com os outros. São uma família que, vivendo no amor, dá testemunho de Deus no meio do mundo. É efetiva a nossa comunhão e a nossa solidariedade com os outros membros da comunidade? Sentimo-nos responsáveis pelos irmãos que, como nós, integram o “corpo de Cristo”? Os dramas e os sofrimentos, as alegrias e as esperanças, os projetos e os sonhos dos outros homens e mulheres que fazem caminho connosco são vistos como algo que nos diz respeito?
  • Se um membro de um “corpo” não desempenhar o papel que lhe compete, todo o “corpo” fica prejudicado. Na construção da comunidade cristã, procuramos cumprir a nossa missão, com sentido de responsabilidade, ou remetemo-nos a uma situação de passividade e de comodismo, esperando que sejam os outros a fazer tudo? Somos membros ativos da comunidade, que trabalham e servem a comunidade, ou somos simples “consumidores” que se limitam a “frequentar a Igreja” e a beneficiar do trabalho dos outros? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 1,1-4; 4,14-21

Já que muitos empreenderam narrar os factos
que se realizaram entre nós,
como no-los transmitiram os que, desde o início,
foram testemunhas oculares e ministros da palavra,
também eu resolvi,
depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens,
escrevê-las para ti, ilustre Teófilo,
para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado.
Naquele tempo,
Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito,
e a sua fama propagou-se por toda a região.
Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos.
Foi então a Nazaré, onde Se tinha criado.
Segundo o seu costume,
entrou na sinagoga a um sábado
e levantou-Se para fazer a leitura.
Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías
e, ao abrir o livro,
encontrou a passagem em que estava escrito:
«O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque Ele me ungiu
para anunciar a boa nova aos pobres.
Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos
e a vista aos cegos,
a restituir a liberdade aos oprimidos
e a proclamar o ano da graça do Senhor».
Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se.
Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga.
Começou então a dizer-lhes:
«Cumpriu-se hoje mesmo
esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

CONTEXTO

Ao longo deste ano litúrgico (Ano C), a liturgia propõe-nos a escuta e a reflexão do Evangelho segundo Lucas. Lucas, o evangelista que nos legou o terceiro Evangelho, não foi uma testemunha ocular de Jesus; era um cristão de segunda ou terceira geração, médico de profissão (cf. Cl 4,14), que se tornou discípulo e colaborador de Paulo (Flm 24). Escreveu o seu Evangelho em meados dos anos oitenta do primeiro século, provavelmente para comunidades cristãs de língua grega. Depois de nos apresentar, no Evangelho, o “tempo de Jesus”, Lucas deixou-nos uma outra obra – os Atos dos Apóstolos – onde nos fala da etapa seguinte da história da salvação: o “tempo da Igreja”, a fase em que os discípulos, guiados pelo Espírito, dão testemunho de Jesus “até aos confins da terra” (At 1,8).

O texto evangélico deste domingo oferece-nos, logo no início, um “prólogo” literário onde o evangelista, à boa maneira dos escritores gregos da época, apresenta a sua obra (cf. Lc 1,1-4). Refere os motivos que o levaram a escrever o Evangelho e as fontes com que contou para a compor. Destina a obra a um tal “Teófilo”, que poderá ser uma pessoa concreta ou um nome fictício (a palavra significa “amigo de Deus”) para designar qualquer pessoa que esteja interessado em conhecer a vida e a obra de Jesus.

Mas, logo depois do “prólogo”, o texto litúrgico deste domingo salta para o momento em que Jesus, na sinagoga de Nazaré, apresenta o seu “programa” (cf. Lc 4,14-21). Nazaré, a terra onde Jesus passou uma boa parte da sua vida, era uma pequena povoação, com cerca de 500 habitantes, situada na baixa Galileia. A maior parte dos seus habitantes eram agricultores que cuidavam de terras pertencentes a grandes latifundiários; alguns, contudo, eram “artesãos” que trabalhavam em diversos ofícios ligados à construção civil. A sinagoga era o espaço de encontro da assembleia crente. Ao sábado, a comunidade reunia-se na sinagoga para a oração e para a escuta das leituras da Lei e dos Profetas, com o respetivo comentário. A proclamação das leituras era feita por algum membro mais instruído da comunidade ou por algum visitante ilustre, conhecido pelo seu saber na explicação das escrituras, convidado pelo chefe da sinagoga a proclamar e a explicar a Palavra de Deus. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Estamos mais do que habituados à apresentação de “programas”: qualquer figura que se proponha intervir na área pública e desempenhar um papel na construção do mundo e da sociedade apresenta, antes de começar a agir, os princípios programáticos que vão nortear a sua intervenção. De acordo com o Evangelho de Lucas, Jesus também o fez, numa manhã de sábado, na sinagoga de Nazaré. Contudo, o “programa” daquele profeta de Deus surpreende: não passa por estabelecer um sistema religioso mais perfeito, ou por implantar um culto mais digno, ou por propor determinadas práticas de piedade que tornam o homem mais santo; mas passa por pôr cobro a tudo aquilo que rouba a vida e a dignidade dos seres humanos. O profeta de Nazaré propõe-se anunciar aos pobres que Deus os ama e vai libertá-los da sua triste situação; propõe-se curar os homens e mulheres prisioneiros da doença, da maldade, do egoísmo, da injustiça; propõe-se iluminar os caminhos em que os homens andam, para que ninguém viva prisioneiro da escuridão e do sem-sentido; propõe-se fazer nascer um mundo mais humano, mais justo, mais feliz. Que pensamos do “programa” de Jesus? Será um “programa” viável no nosso “hoje”, no séc. XXI? Porque é que os homens e mulheres do nosso tempo ainda não abraçaram, de forma decisiva, a proposta de Jesus?
  • O “programa” de Jesus continua a ser o mesmo, dois mil anos depois. A questão é que, agora, é a Igreja de Jesus que tem a responsabilidade de implementar este “programa”. Isto de oferecer aos pobres uma nova esperança, de libertar os homens e mulheres que são prisioneiros da injustiça e da opressão, de proporcionar a todos uma vida mais digna e mais ditosa, de defender os excluídos pela sociedade de bem-estar, de acolher e integrar os “diferentes” e marginalizados, não é uma coisa de ideologias oriundas de uma certa área política, mas é uma coisa “de Jesus”. Ou a comunidade cristã tem a libertação dos “pobres” no seu “programa”, ou deixa de ser a Igreja de Jesus. A Igreja tem-se preocupado em anunciar o “evangelho da libertação”? Tem-se preocupado suficientemente com a sorte dos pobres, dos pequenos, dos excluídos, dos sem voz, dos abandonados, dos marginalizados, dos imigrantes que todos os dias batem à porta do nosso mundo egoísta e saciado? O que mais poderá a Igreja fazer para ser sinal, junto dos desfavorecidos e sofredores, da misericórdia e do amor de Deus?
  • O sofrimento de muitos homens e mulheres que nos rodeiam é um espinho cravado no nosso bem-estar e na nossa tranquilidade. Jesus nunca ficou indiferente diante das lágrimas, das angústias, dos sofrimentos de qualquer homem ou mulher. Os evangelhos dizem-nos que Ele se “comovia profundamente” e tomava posição no sentido de devolver a vida e a esperança a todos os sofredores. Pessoalmente, como lidamos com as necessidades gritantes de tantos homens e mulheres sem pão, sem abrigo, sem amor, sem compreensão, que se cruzam connosco nos caminhos da vida? Sentimos que o sofrimento dos irmãos que nos rodeiam nos diz respeito e que é nossa responsabilidade?
  • Jesus, na sinagoga de Nazaré, depois de proclamar a Palavra de Deus, atualiza-a: “cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”. A Palavra escutada é aplicada ao hoje do crente, ilumina a vida, torna-se um anúncio feliz e renovador que traz alegria e desperta a esperança. Nas nossas comunidades cristãs, os que proclamam a Palavra, que a explicam nas homilias, que a ensinam na catequese, que a partilham nos grupos de reflexão, têm sempre esta preocupação de a tornar uma realidade “tocante” e um anúncio verdadeiramente transformador e libertador, capaz de iluminar a vida daqueles que os escutam?
  • Lucas, no “prólogo” ao seu Evangelho, explica que, a narração que se propõe fazer sobre a vida e a mensagem de Jesus, fundamenta-se na escuta das “testemunhas oculares” e numa investigação cuidadosa dos factos acontecidos. O objetivo do seu trabalho é proporcionar a todos aqueles que estão interessados em aproximar-se de Jesus, uma base segura para fundamentarem a sua adesão a Jesus. Que papel desempenham os textos evangélicos na nossa experiência de Jesus? Procuramos escutá-los, conhecê-los, meditá-los, para nos tornarmos verdadeiros discípulos, que entendem Jesus e se dispõem a acolher a proposta libertadora que Ele veio trazer? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A primeira leitura é marcada pela narrativa da proclamação do Livro da Lei pelo sacerdote Esdras. A proclamação desta leitura deve ser marcada pelo tom narrativo de quem conta este dia feliz do Povo de Israel. Devem ter uma atenção especial na leitura das aclamações do Povo, da exortação conjunta de Neemias, Esdras e os levitas e a exortação final de Neemias. Todas elas são marcadas pelo louvor e alegria da presença de Deus no meio do Seu Povo.

A segunda leitura tem como mensagem fundamental a unidade do Corpo de Cristo na variedade dos seus membros e na proclamação desta leitura a transmissão desta mensagem é fundamental. Para isso, pede-se um especial cuidado nas frases longas com diversas orações, de modo particular, nas frases interrogativas e nas hipotéticas intervenções de cada um dos membros.

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

ANEXOS:

Domingo II do Tempo Comum – Ano C – 19 janeiro 2025

Viver a Palavra

Depois da celebração festiva do Natal do Senhor e das festas nele celebradas, o calendário litúrgico propõe alguns Domingos do Tempo Comum até ao início do Tempo da Quaresma. No Tempo Comum, ao contrário dos outros tempos litúrgicos, não celebramos nenhum mistério em específico da vida do Senhor ou a sua respetiva preparação, mas a totalidade do mistério de Cristo na normalidade e no quotidiano da vida. É a celebração da presença sempre viva e atuante de Deus na história que, em cada tempo e em cada lugar, realiza a Sua obra de amor e escreve em nós e, a partir de nós, no mundo, a Sua história de salvação. Percorremos com Jesus os caminhos da missão e aprendemos no caminho, com Ele e como Ele, a obediência à vontade do Pai, a fidelidade ao Seu desígnio salvífico e a abertura ao horizonte da graça onde se inscrevem as nossas vidas.

Escutamos o capítulo segundo do Evangelho de S. João, acompanhando o início da atividade de Jesus. Depois do evangelista ter apresentado a Palavra que se faz carne, o Baptista que se faz Sua voz e os primeiros discípulos que acolhem o seu testemunho, descreve a aventura de Jesus com aqueles que o acompanham e se cruzam com Ele. O início da Sua missão contrasta com o que seria expectável na tradição religiosa vigente: oferece vinho para a embriaguez de umas núpcias e expulsa os vendedores do Templo, derrubando as mesas dos cambistas. Esta cena inicial, tal como o batismo nos sinópticos, leva-nos a compreender que Deus é escandalosamente diferente daquilo que são as nossas estruturas humanas e os nossos esquemas lógicos, puramente racionais, que Deus excede sempre.

O primeiro sinal de Jesus no Evangelho de S. João consiste em juntar mais de 600 litros de vinho a um banquete nupcial! O que teria a dizer sobre isto João Baptista, o asceta do deserto? Porventura, ainda hoje, não fosse Jesus o autor de tal ato, e estariam alguns a condenar o excesso de vinho e a falta de abstinência e disciplina.

Abundância e excessos caracterizam a ação de Deus revelada em Jesus Cristo: abundância de amor pelo excesso de misericórdia derramada e manifestada. Quando fazemos como os noivos de Caná da Galileia e convidamos Jesus, Sua Mãe, os discípulos para a nossa vida, entra na nossa história a abundância de amor e de graça que nos permite percorrer com maior entusiasmo e ousadia os trilhos da história. É verdade que a alegria da qual o vinho novo oferecido por Jesus é sinal só será plena e duradoura depois da glória definitiva e da hora derradeira para a qual esta passagem evangélica já aponta.

Jesus adverte Sua mãe – «ainda não chegou a minha hora» – e aponta para a hora derradeira e definitiva do capítulo 19, onde confia o discípulo amado a Sua Mãe e Sua Mãe ao discípulo amado: «e, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua» (Jo 19,27). As dores e sofrimentos do tempo presente, bem como as contingências e limites da nossa condição humana pecadora não são impedimento para que Deus realize a Sua obra de amor e para que no tempo e na história se façam presentes as maravilhas de Deus.

Contamos com a presença terna e materna de Maria, a quem pedimos que em cada dia continue a levar a Jesus tudo quanto precisamos e, concomitantemente, pedimos a disponibilidade de coração para ouvir com prontidão performativa: «fazei tudo o que Ele vos disser». in Voz Portucalense       

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

No dia 18 de janeiro tem início o Oitavário de Orações pela Unidade dos Cristãos. Em cada ano o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e a Comissão Fé e Constituição do Conselho Mundial de Igrejas propõe um conjunto de materiais para ajudar a viver esta semana de oração para que a unidade desejada por Cristo seja uma realizada e esteja presente no coração de todos os cristãos. O tema para este ano é retirado do Evangelho de João: «Crês nisso?» (João 11, 26). Na internet podem ser encontrados os diferentes materiais e subsídios, que poderão ser utilizados litúrgico-pastoralmente ajudar os fiéis a viver melhor esta semana e a fazer da unidade dos cristãos não apenas um desejo mas uma realidade (https://www.oikoumene.org/sites/default/files/2024-05/2025-WPCU-PT.pdf).

+ + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Depois do Tempo de Natal continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Isaías 62,1-5

Por amor de Sião não me calarei,

por amor de Jerusalém não terei repouso,

enquanto a sua justiça não despontar como a aurora

e a sua salvação não resplandecer como facho ardente.

Os povos hão de ver a tua justiça

e todos os reis a tua glória.

Receberás um nome novo,

que a boca do Senhor designará.

Serás coroa esplendorosa nas mãos do Senhor,

diadema real nas mãos do teu Deus.

Não mais te chamarão «Abandonada»,

nem à tua terra «Deserta»,

mas hão de chamar-te «Predileta»

e à tua terra «Desposada»,

porque serás a predileta do Senhor

e a tua terra terá um esposo.

Tal como o jovem desposa uma virgem,

o teu Construtor te desposará;

e como a esposa é a alegria do marido,

tu serás a alegria do teu Deus.

CONTEXTO

Nos capítulos 56 a 66 do livro de Isaías (o “Trito-Isaías”) temos uma coleção de textos, provavelmente de autores diversos, redigidos em Jerusalém na época pós-exílica. O poema que a liturgia deste segundo domingo comum nos apresenta como primeira leitura pertence a essa coleção.

Para aqueles que retornaram do Exílio na Babilónia, são tempos difíceis e incertos. A população da cidade é pouco numerosa e pobre; a reconstrução é lenta, modesta e exige um grande esforço; os inimigos estão à espreita e fazem continuamente sentir a sua hostilidade; há tensões no ar entre os que regressaram da Babilónia e aqueles que ficaram na cidade. Aos poucos, com a reorganização da estrutura social, voltam as injustiças dos poderosos sobre os fracos e os pobres, bem como a corrupção, a venalidade e a prepotência dos chefes. O clima é de frustração e de desânimo. As promessas de Deus, escutadas na fase final do Exílio, parecem bem distantes.

Os profetas que desenvolvem a sua missão nesta fase procuram renovar a esperança do Povo de Judá num futuro de vida plena e de salvação definitiva. Nesse sentido, vão falar de uma época em que Deus vai voltar a residir em Jerusalém, oferecendo em cada dia ao seu Povo a vida e a salvação. Essa “salvação” implicará, não só a reconstrução de Jerusalém e a restauração das glórias passadas, mas também a libertação dos pobres, dos oprimidos, dos fracos, dos marginalizados.

O texto que hoje nos é proposto é parte de um poema (Is 62,1-9) que canta Jerusalém como a “esposa de Javé”, a cidade que Deus continua a amar, apesar das suas infidelidades. in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • A história da relação entre Deus e o seu Povo revela, a cada passo, o “ser” de Deus. Deus é amor, um amor nunca desmentido, nunca posto em causa, nunca condicionado, nunca sujeito à precariedade que imprimimos às nossas relações. Mesmo quando nos fechamos no egoísmo e na autossuficiência, Deus continua a oferecer-nos o seu amor; mesmo quando nos recusamos a escutá-l’O e a acolher as suas propostas, Deus continua a cuidar de nós com amor de pai e de mãe; mesmo quando subvertemos o plano que Ele tem para nós e para o mundo, Deus continua a contar connosco e a convidar-nos para integrar a sua família… Deus não desiste de nós; para Deus, nunca seremos “um caso perdido”, porque o amor verdadeiro nunca dá por perdida a pessoa amada. Nós que, tantas vezes, nos sentimos pecadores, malditos, indignos, perdidos, amargurados pelo peso do nosso pecado e das nossas opções erradas, somos hoje convidados a contemplar o amor inquebrantável que Deus tem por nós e a viver iluminados por esse amor. Sabemos que caminhamos pela vida envolvidos pelo amor de Deus? A consciência do amor de Deus liberta-nos e enche o nosso coração de alegria e de esperança?
  • O Trito-Isaías afirma que o amor de Deus irá transformar a Jerusalém manchada e macilenta, destruída pelos inimigos, calcinada pelos incêndios que os exércitos babilónios atearam, abandonada pelos seus habitantes, numa “noiva” encantadora e resplandecente, capaz de encher de orgulho e de alegria o coração daquele que a ama. Se nós deixarmos, o amor de Deus é capaz de nos regenerar, de nos transformar, de nos abrir perspetivas novas, de nos convencer a levantar os olhos dos horizontes rasteiros em que a nossa existência decorre, para contemplarmos os horizontes vastos de uma vida livre, cheia de sentido e de realização. Conservamo-nos teimosamente fechados na nossa autossuficiência, ou estamos disponíveis para nos deixarmos transformar e recriar pelo amor de Deus?
  • Quando fazemos uma verdadeira experiência do amor de Deus, nada fica igual na nossa vida. Somos dominados por um profundo sentimento de gratidão e ficamos com vontade de testemunhar esse amor junto de todos aqueles que se cruzam connosco nos caminhos que todos os dias percorremos. Tornamo-nos arautos do amor de Deus e esse amor “aparece” nos nossos gestos, nas nossas atitudes, na nossa forma de tratar os outros homens e mulheres. Somos sinais vivos de Deus, com o amor que transparece nos nossos gestos? As nossas famílias são um reflexo do amor de Deus? As nossas comunidades cristãs anunciam ao mundo, de forma concreta, o amor que Deus tem por todos os seus filhos, particularmente pelos mais frágeis, pelos mais abandonados, por aqueles que ninguém quer e ninguém ama? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL –  Salmo 95 (96)

 

Refrão: Anunciai em todos os povos as maravilhas do Senhor.

 

Cantai ao Senhor um cântico novo,

cantai ao Senhor, terra inteira,

cantai ao Senhor, bendizei o seu nome.

 

Anunciai dia a dia a sua salvação,

publicai entre as nações a sua glória,

em todos os povos as suas maravilhas.

 

Dai, ó Senhor, ó família dos povos,

dai ao Senhor glória e poder,

dai ao Senhor a glória do seu nome.

 

Adorai o senhor com ornamentos sagrados,

trema diante d’Ele a terra inteira;

dizei entre as nações: «O Senhor é Rei»,

governa os povos com equidade.

 

LEITURA II 1 Coríntios 12,4-11

Irmãos:

Há diversidade de dons espirituais,

mas o Espírito é o mesmo.

Há diversidade de ministérios,

mas o Senhor é o mesmo.

Há diversidade de operações,

mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.

Em cada um se manifestam os dons do Espírito

para o bem comum.

A um o Espírito dá a mensagem da sabedoria,

a outro a mensagem da ciência, segundo o mesmo Espírito.

É um só e o mesmo Espírito

que dá a um o dom da fé, a outro o poder de curar;

a um dá o poder de fazer milagres,

a outro o de falar em nome de Deus;

a um dá o

discernimento dos espíritos,

a outro o de falar diversas línguas,

a outro o dom de as interpretar.

Mas é um só e o mesmo Espírito que faz tudo isto,

distribuindo os dons a cada um conforme Lhe agrada.

CONTEXTO

O trabalho missionário de Paulo de Tarso, em meados do séc. I, levou o cristianismo ao encontro do mundo grego. Paulo, depois de um certo discernimento, tinha concluído que a proposta de Jesus era para todos os povos da terra e não exclusivamente para os judeus. No entanto, o contexto judaico – de onde o cristianismo era originário – e o contexto grego eram realidades culturais e religiosas bastante diferentes. Como é que a proposta cristã se aguentaria quando mergulhasse num mundo que funcionava com dinamismos que lhe eram estranhos? Iria a brilhante cultura grega absorver ou desvirtuar os valores cristãos? Como é que os cristãos de origem grega integrariam a sua fé na realidade cultural em que estavam inseridos? A comunidade cristã de Corinto sentiu toda esta problemática de forma especial. Na Primeira Carta aos Corintos, Paulo aborda diversas questões que lhe foram colocadas pelos cristãos de Corinto e onde, como “pano de fundo”, está a questão do encaixe dos valores cristãos nos valores da cultura grega.

Uma das questões onde esta problemática, de alguma forma, está presente é a questão dos “carismas”. A palavra “carisma” tem a sua origem no campo religioso cristão, especialmente na teologia paulina. Designa dons especiais do Espírito, concedidos a determinado indivíduo – independentemente do posto que ocupa na instituição eclesial – para o bem das pessoas, para as necessidades do mundo e, em particular, para a edificação da Igreja. Nas cartas de Paulo fala-se insistentemente em “carismas” que animavam a vida e o dinamismo das comunidades cristãs.

Alguns cristãos de Corinto, no entanto, influenciados por determinadas experiências religiosas que existiam na religião grega tradicional, entenderam os “carismas” de uma forma bem peculiar. Eles conheciam, por exemplo, os “oráculos”, através dos quais os deuses, servindo-se de intermediários humanos, transmitiam as suas indicações (santuário de Delfos, sacerdotisas de Dodona); conheciam também certos rituais em que os crentes, através do transe, de experiência orgiásticas, de excessos de vários tipos, se “fundiam” com o deus a quem prestavam culto (mistérios de Dionísio, culto de Cibele). Confundiram, portanto, os “carismas” cristãos com algumas dessas práticas pagãs; e, possivelmente, chegaram a fazer uso dos dons carismáticos em ambiente semelhante ao de certas cerimónias religiosas pagãs.

Mais ainda: considerando-se a si próprios “escolhidos de Deus”, alguns destes carismáticos reivindicavam um protagonismo que danificava a comunhão fraterna. Apresentando-se como “iluminados”, mensageiros incontestados das coisas divinas, assumiam atitudes de autoritarismo e de prepotência que não favoreciam a fraternidade; desprezavam os que não tinham sido dotados destes dons, considerando-os como “cristãos de segunda”, limitados a um lugar subalterno no contexto comunitário.

Tudo isto causou natural alarme na comunidade cristã de Corinto. Paulo, informado da situação, entendeu intervir para evitar abusos e mal-entendidos. Na Primeira Carta aos Coríntios, ele corrige, dá conselhos, mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho de Jesus. A sua intervenção neste campo aparece nos capítulos 12 a 14 da referida Carta. A nossa segunda leitura deste domingo insere-se neste contexto. in Dehonianos.

 

INTERPELAÇÕES

 

  • Todos aqueles que integram a comunidade cristã são membros de um único “corpo”, o “corpo de Cristo”; todos aqueles que são membros do “corpo de Cristo” vivem e alimentam-se do mesmo Espírito; todos aqueles que se alimentam do mesmo Espírito formam uma família de irmãos e de irmãs, iguais em dignidade. Podem, naturalmente, desempenhar funções diversas, como acontece com os membros de um corpo; mas todos eles são igualmente importantes enquanto membros do “corpo de Cristo”. Tudo isto parece incontestável, à luz da doutrina de Paulo. No entanto encontramos, com alguma frequência, cristãos com uma consciência viva da sua superioridade e da sua situação “à parte” na comunidade (seja em razão da função que desempenham, seja em razão das suas “qualidades” humanas), que gostam de se fazer notar e de afirmar a sua autoridade ou o seu “estatuto”. Às vezes, veem-se atitudes de prepotência e de autoritarismo por parte daqueles que se consideram depositários de dons especiais; por vezes, ficamos com a sensação de que a estrutura eclesial funciona em modelo piramidal, com uma elite que preside e toma as decisões instalada no topo, e um “rebanho” silencioso que obedece instalado na base. Isto faz algum sentido, à luz da doutrina que Paulo expõe? Como entendemos o nosso lugar e o nosso papel na comunidade cristã?
  • Os dons que o Espírito concede, por mais pessoais que sejam, são para servir o bem comum e para reforçar a vivência comunitária. Quem os recebe deve pô-los ao serviço de todos, com humildade e simplicidade. Não faz sentido escondermos os “dons” que recebemos, guardando-os só para nós e deixando que eles fiquem estéreis; também não faz sentido usar os “dons” que recebemos de tal forma que eles se tornem fator de conflitos ou de divisões. Os “dons” que nos foram concedidos são postos ao serviço da comunidade? São fonte de encontro, de comunhão, de partilha, de Vida, para a comunidade de que fazemos parte?
  • O Espírito Santo é uma presença imprescindível no caminho que a Igreja vai percorrendo todos os dias: é Ele que alimenta, que anima, que fortalece, que dá Vida ao Povo de Deus peregrino; é Ele que distribui os dons conforme as necessidades e que, com esses dons, continuamente recria a Igreja; é Ele que conduz a marcha, que indica os caminhos a percorrer, que ajuda a tomar as decisões que se impõem para que a “barca de Pedro” chegue a bom porto. Temos consciência da presença do Espírito, procuramos ouvir a sua voz e perceber as suas indicações?
  • A comunidade cristã tem de ser o reflexo da comunidade trinitária, dessa comunidade de amor que une o Pai, o Filho e o Espírito. As nossas comunidades paroquiais, as nossas comunidades religiosas são espaços de comunhão e de fraternidade, onde o amor e a solidariedade dos diversos membros refletem o amor que une o Pai, o Filho e o Espírito?
  • Como consideramos “os outros” – aqueles que têm “dons” diferentes ou, até, aqueles que se apresentam de forma discreta, sem se imporem, sem “darem nas vistas”? Eles são vistos como membros legítimos do mesmo corpo que é a comunidade, ou como cristãos de segunda, massa amorfa a que não damos muita importância? in Dehonianos.

EVANGELHO João 2,1-11

Naquele tempo,

realizou-se um casamento em Caná da Galileia

e estava lá a Mãe de Jesus.

Jesus e os seus discípulos

foram também convidados para o casamento.

A certa altura faltou o vinho.

Então a Mãe de Jesus disse-Lhe:

«Não têm vinho».

Jesus respondeu-Lhe:

«Mulher, que temos nós com isso?

Ainda não chegou a minha hora».

Sua Mãe disse aos serventes:

«Fazei tudo o que Ele vos disser».

Havia ali seis talhas de pedra,

destinadas à purificação dos judeus,

levando cada uma de duas a três medidas.

Disse-lhes Jesus:

«Enchei essas talhas de água».

Eles encheram-nas até acima.

Depois disse-lhes:

«Tirai agora e levai ao chefe de mesa».

E eles levaram.

Quando o chefe de mesa provou a água transformada em vinho,

– ele não sabia de onde viera,

pois só os serventes, que tinham tirado a água, sabiam –

chamou o noivo e disse-lhe:

«Toda a gente serve primeiro o vinho bom

e, depois de os convidados terem bebido bem,

serve o inferior.

Mas tu guardaste o vinho bom até agora».

Foi assim que, em Caná da Galileia,

Jesus deu início aos seus milagres.

Manifestou a sua glória

e os discípulos acreditaram n’Ele.

CONTEXTO

Depois de nos apresentar Jesus (cf. Jo 1,1-51), João convida-nos a testemunhar o início da sua missão no meio dos homens. Leva-nos até Caná da Galileia, uma pequena aldeia agrícola identificada com a atual Kefar Kanna, situada a alguns quilómetros a nordeste de Nazaré. Era a terra natal do apóstolo Natanael (cf. Jo 21,2). João diz-nos que foi em Caná, no decurso de uma festa de casamento, que Jesus “deu início aos seus sinais” (“semeiôn” – Jo 2,11). A palavra utilizada designa, no Evangelho de João, certas ações realizadas por Jesus que, sendo visíveis para aqueles que as contemplam, apontam para outras realidades, para verdades que ultrapassam o simples gesto realizado. O “sinal” convida aqueles que o testemunham a deduzir algo sobre Jesus e sobre a missão que Ele, por mandato do Pai, veio concretizar no meio dos homens.

O “sinal” que somos convidados a testemunhar acontece num cenário de uma festa de casamento. Não se diz quem são os noivos, nem qual a ligação que eles têm a Jesus. Na reflexão profética, o “casamento” aparece frequentemente como metáfora da relação de amor entre Deus e Israel. Aliás, a primeira leitura deste segundo domingo do tempo comum dá-nos bem conta disso. Devemos, portanto, situar e interpretar o “sinal” que Jesus vai realizar no contexto do “casamento” (na história de “aliança” e de comunhão) que Deus tem vindo a construir com o seu Povo.

Para João, o gesto realizado por Jesus em Caná da Galileia João foi o “início” dos seus “sinais”. Sendo o primeiro dos “sinais”, ele funciona como protótipo e pauta para a interpretação de outros gestos que se seguirão. Este primeiro “sinal” define o “programa” de Jesus e oferece-nos a chave para interpretar tudo aquilo que Jesus vai fazer daí para a frente. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

 

  • Qual é o lugar de Deus na vida e na história dos homens e mulheres do século XXI? Há já bastantes anos um filósofo decretou que “Deus está morto”; outros pensadores defenderam, depois disso, que os seres humanos devem assumir a sua história e a sua liberdade sem se sentirem tutelados e menorizados por uma entidade suprema; todos os dias muitos homens e mulheres que se cruzam connosco no caminho constroem as suas vidas numa completa indiferença face a Deus; a cada passo vão aparecendo valores que tomam conta da nossa vida e que ocupam o lugar de Deus… A indiferença face a Deus tornar-nos-á mais felizes e mais livres? A nossa autossuficiência será algo de que devemos orgulhar-nos? O evangelho deste domingo apresenta-nos Jesus como aquele que veio revitalizar a relação de amor e comunhão entre Deus e os homens. Dispomo-nos a escutar Jesus e a descobrir, guiados por Ele, o amor que Deus nos tem? Temos vontade de embarcar, ao lado de Jesus, nessa história de amor e de comunhão que Deus se propõe viver connosco?
  • No episódio das bodas de Caná, o evangelista João desafia-nos a repensar a nossa forma de responder ao Deus da comunhão e da “aliança”. De acordo com João, se o nosso envolvimento com Deus assentar no mero cumprimento de leis, de rituais externos, de orações de circunstância, de liturgias pomposas e vazias, rapidamente deixará de fazer sentido. Nesse caso, a nossa relação com Deus tornar-se-á uma relação insípida, a que falta o “vinho” da alegria e do amor; poderá mesmo chegar a ser um fardo insuportável, que mais cedo ou mais tarde nos fará desistir de Deus. Para respondermos adequadamente ao desafio de viver em comunhão com Deus, temos de escutar Jesus e de “fazer o que Ele nos disser”. Temos de aprender com Ele a escutar Deus, a acolher os projetos de Deus para nós e para o mundo, a amar até ao dom total de nós mesmos. Como é que vivemos a nossa relação com Deus? Limitamo-nos a uma vivência religiosa triste e aborrecida, feita de gestos externos e do cumprimento de regras mais ou menos irrelevantes, ou somos capazes de acolher o “vinho bom” que Jesus nos oferece? Somos capazes de acolher as propostas de Jesus e de aprender com Jesus a amar a Deus e aos nossos irmãos?
  • O “chefe de mesa” da história das bodas de Caná é figura dos líderes religiosos judaicos. Eles presidem aos destinos do Povo de Deus, mas os seus horizontes são bastante limitados. Instalados nas suas certezas e seguranças, acomodados aos seus privilégios de classe, estão satisfeitos com aquele sistema religioso vazio e hipócrita, que não liberta nem proporciona ao Povo de Deus uma existência livre e feliz. Quando a novidade de Deus lhes aparece à frente, eles não manifestam entusiasmo ou vontade de a acolher. A triste figura do “chefe de mesa” naquele casamento em Caná da Galileia constitui um aviso para todos aqueles que colocam os seus interesses e privilégios acima do bem dos seus irmãos; constitui também um alerta para os vivem instalados numa fé morna, requentada, pouco exigente, rotineira, “velha”, que não tem lugar para as interpelações e desafios que Deus continuamente nos lança. O “chefe de mesa” que aparece no relato das bodas de Caná tem alguma coisa a ver com a forma como nós vivemos a religião?
  • Os “serventes” fazem o que Jesus lhes diz e colaboram com Ele de forma a fazer chegar à mesa do banquete o “vinho novo” que Jesus tem para oferecer. Correspondem aos discípulos, aqueles que Jesus chama para O seguirem e para colaborarem com Ele na construção do Reino de Deus. Nós, discípulos de Jesus, estamos disponíveis para colaborar com Ele no sentido de “colocar na agenda” do mundo e da história a proposta de Jesus veio trazer? O que podemos fazer para que o “vinho novo e bom” de Jesus chegue à mesa da humanidade?
  • Todos os dias nos deparamos com um sem número de homens e mulheres que vivem tristes e amargurados, condenados pela sociedade, julgados pelos seus irmãos, votados à indiferença e ao abandono, feridos na sua dignidade, roubados nos seus direitos, que anseiam por libertação e esperança. Quando essas pessoas aparecem nas nossas comunidades cristãs à procura de ajuda e compreensão, são acolhidas? Oferecemos-lhe o “vinho novo” de Jesus, ou as leis velhas de uma religião que condena, que ameaça, que aumenta o sofrimento e a amargura? Falamos-lhes da ternura de Deus, ou de um deus sem misericórdia, incapaz de compreender o sofrimento dos seus filhos e filhas? in Dehonianos

 

Para os leitores:

A proclamação da primeira leitura deve ser marcada pelo tom alegre e cheio de esperança que atravessa toda a leitura. Deve ter-se especial atenção na proclamação das palavras: «Abandonada», «Deserta», «Predileta» e «Desposada».

A proclamação da segunda leitura pede um especial cuidado. No início, pelas frequentes repetições que sublinham a mensagem da unidade na diversidade que S. Paulo quer transmitir aos Coríntios. Depois, pela enumeração dos dons concedidos que deve ser bem articulada para uma correta leitura e uma boa compreensão da mensagem.

 

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

ANEXOS:

Festa do Batismo do Senhor  

Ano C – 12 janeiro 2025

Viver a Palavra

O texto que a liturgia da festa do Batismo do Senhor no propõe apresenta dois quadros. No primeiro, a figura central é João, que anuncia a chegada iminente daquele “que há de vir” (vers. 15-16); no segundo (vers. 21-22), a figura central é Jesus, batizado e ungido pelo Espírito.

Numa Palestina em plena efervescência messiânica, a figura e a atividade de João fazem que surjam conjeturas sobre o seu possível messianismo. Será João esse “ungido de Deus” (“Mashiah”, o “Messias”), cuja missão é libertar Israel da dominação estrangeira e assegurar ao Povo de Deus vida em abundância e paz sem fim (vers. 15)?

João não alimenta qualquer expetativa messiânica em relação à sua pessoa; mas avisa aqueles que vão ao seu encontro que está para chegar alguém “mais forte”, ao qual o próprio João não é digno de desatar as correias das sandálias (vers. 16). “Desatar as correias das sandálias” era tarefa dos escravos (por isso, a tradição rabínica proibia ao discípulo desatar as correias das sandálias do seu mestre). A imagem utilizada define, pois, João como um “escravo” cuja missão é estar ao serviço desse que está para chegar. João diz ainda que esse “mais forte” irá “batizar com o Espírito e com o fogo”. Talvez as palavras de João soem de forma enigmática; mas apontam claramente numa direção: a fortaleza e a unção do Espírito estão associadas, na tradição religiosa de Israel, ao Messias esperado (cf. Is 9,5-6; 11,2). João parece convicto de que está para chegar o “ungido de Deus” que os profetas anunciaram, aquele que vai batizar o Povo “com o Espírito Santo e com o fogo”; Ele limpará Israel dos seus pecados, livrá-lo-á da opressão e da maldade, inaugurará um tempo novo de felicidade e de vida abundante. Na perspetiva de Lucas, esta “profecia” de João concretizar-se-á no dia de Pentecostes (cf. At 2,1-11): o “fogo” do “messias”, o “fogo do Espírito”, derramado sobre os discípulos reunidos no cenáculo, fará nascer um Povo novo e livre, a comunidade do Messias, a comunidade da nova Aliança.

Depois vem o quadro do batismo de Jesus (vers. 21-22). Na verdade, Lucas não descreve propriamente o momento da imersão de Jesus nas águas do rio Jordão; o autor do terceiro evangelho parece mais interessado naquilo que vem depois: a unção de Jesus com o Espírito.

A narração de Lucas começa por dizer que “quando todo o povo recebeu o batismo, Jesus também foi batizado” (vers. 21a). Jesus aparece, assim, misturado com a multidão que recebe esse batismo de conversão para a remissão dos pecados que João propunha. Para que precisava Jesus desse batismo purificador? Por causa dos seus pecados? É claro que não. Mas, ao entrar na água juntamente com todos aqueles que pediam o batismo de João, Jesus coloca-se ao lado do povo pecador e afirma a sua solidariedade – a solidariedade de Deus – com todos os homens e mulheres que o pecado envolve e marca. Jesus veio para se colocar ao lado do homem pecador, para lhe dar a mão, para o ajudar a sair da sua triste situação e chegar a uma Vida nova. É belo e comovente este gesto solidário de Deus com a humanidade pecadora.

De acordo com Lucas, depois de sair da água Jesus fica em oração (vers. 21b). É um pormenor que só aparece no terceiro evangelho. Está, contudo, na lógica da teologia de Lucas: Jesus mantém um diálogo contínuo com o Pai (cf. Lc 5,16; 6,12; 9,18.28-29; 10,21-22; 22,41; 23,34.46), particularmente nos momentos mais decisivos da sua vida. É através desse diálogo que Ele descobre o projeto do Pai e encontra forças para cumprir o projeto do Pai. Faz sentido que Jesus, no momento em que é ungido pelo Espírito e se dispõe a começar a missão dialogue com o Pai.

O momento do batismo de Jesus é marcado por três factos estranhos que, no entanto, devem ser entendidos em referência a factos e símbolos do Antigo Testamento.

O primeiro é a “abertura do céu” (vers. 21). A imagem inspira-se, provavelmente, em Is 63,19, onde o profeta pede a Deus que “abra os céus” e desça ao encontro do seu Povo, refazendo a relação que o pecado do Povo tinha interrompido. O envio de Jesus ao mundo mostra a resposta favorável de Deus a esse pedido. A presença de Jesus na história dos homens relança a história de comunhão entre Deus e a humanidade pecadora.

O segundo elemento é a descida do Espírito, como uma pomba, sobre Jesus (vers. 22a). Esse Espírito que desce sobre Jesus é o sopro de vida de Deus que cria, que renova, que transforma, que cura os seres vivos. Leva-nos ao Espírito de Deus que, no momento da criação, “pairava sobre a superfície das águas” (Gn 1,2). Ungido com a força do Espírito, Jesus vai partir ao encontro dos homens para fazer nascer uma nova humanidade.

Temos ainda um terceiro elemento: a voz vinda do céu (vers. 22b). Os rabis usavam frequentemente a “voz do céu” como uma forma de expressar a opinião de Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento. Essa voz declara que Jesus é o Filho de Deus; e fá-lo com uma fórmula tomada do cântico do “Servo de Javé” que vimos na primeira leitura de hoje (cf. Is 42,1). Sim, Jesus é o eleito de Deus, o Filho no qual o Pai “pôs toda a sua complacência”, enviado ao encontro dos homens para recriar a humanidade; mas a missão de Jesus, como a do Servo de Javé, não se desenrolará no triunfalismo, mas na obediência total ao Pai; não se cumprirá com poder e prepotência, mas na suavidade, na simplicidade, na humildade, no respeito pelos homens (“não gritará, nem levantará a voz; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega” – Is 42,2-3).

Depois deste momento, as coisas estão bem definidas. Jesus, batizado no Espírito, ungido com a força de Deus, capacitado para cumprir o projeto do Pai, partirá ao encontro do mundo para concretizar a missão de construir o reino de Deus. in Dehonianos.

        + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Depois do Tempo de Natal continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I Isaías 42,1-4.6-7

Diz o Senhor:
«Eis o meu servo, a quem Eu protejo,
o meu eleito, enlevo da minha alma.
Sobre ele fiz repousar o meu espírito,
para que leve a justiça às nações.
Não gritará, nem levantará a voz,
nem se fará ouvir nas praças;
não quebrará a cana fendida,
nem apagará a torcida que ainda fumega:
proclamará fielmente a justiça.
Não desfalecerá nem desistirá,
enquanto não estabelecer a justiça na terra,
a doutrina que as ilhas longínquas esperam.
Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça;
tomei-te pela mão, formei-te
e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações,
para abrires os olhos aos cegos,
tirares do cárcere os prisioneiros
e da prisão os que habitam nas trevas».

CONTEXTO

O texto pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). Este profeta anónimo cumpriu a sua missão profética na Babilónia, na fase final do Exílio (entre 550 e 539 a.C.). Tinham passado algumas dezenas de anos desde que Nabucodonosor havia destruído Jerusalém e arrastado para o cativeiro a maior parte dos habitantes de Judá. Os judeus cativos desesperam porque o tempo vai passando e a libertação (anunciada por Ezequiel, um outro profeta do tempo do Exílio) nunca mais acontece. Será que Deus se esqueceu das suas promessas?

O Deutero-Isaías sente que Deus o envia a dizer aos seus concidadãos, exilados e desanimados, palavras de esperança. Cumprindo o mandato de Deus, o profeta fala da iminência da libertação, comparando-a ao antigo êxodo, quando Deus salvou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48); e anuncia-lhes, também, a reconstrução de Jerusalém, a cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).

No meio desta proposta “consoladora” do Deutero-Isaías aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São cânticos que falam de um personagem misterioso e enigmático, que os biblistas designam como o “Servo de Javé”. Esse personagem será Jeremias, o profeta que tanto sofreu por causa da missão? Será o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho de Deus num cenário tão difícil? Será Ciro, rei dos persas, que alguns anos depois libertará os judeus exilados e autorizará o seu regresso a Jerusalém? Não sabemos ao certo. Mas esse “Servo de Javé” é apresentado como um predileto de Javé, chamado para o serviço de Deus, enviado por Deus aos homens de todo o mundo. A sua missão cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à Palavra. O sofrimento do profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor, pois dele resulta o perdão para o pecado do Povo. Deus aprecia o sacrifício deste “Servo” e recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detratores e adversários.

O texto que hoje nos é proposto é parte do primeiro cântico do “Servo” (cf. Is 42,1-9). in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • A história do “Servo de Javé”, que recebeu a plenitude do Espírito para ser “luz das nações”, abrir “os olhos aos cegos”, tirar “do cárcere os prisioneiros” e “da prisão os que habitam nas trevas”, lembra-nos, desde logo, que Deus age através de “profetas” a quem confia a transformação do mundo e a libertação dos homens. No dia em que fomos batizados, recebemos, também nós, o Espírito que nos capacitou para uma missão semelhante à desse “Servo”. Tenho consciência de que cada batizado é um instrumento de Deus na renovação e transformação do mundo? Estou disposto a corresponder ao chamamento de Deus e a assumir a minha responsabilidade profética? Os pobres, os oprimidos, os que “jazem nas trevas e nas sombras da morte”, os que não têm eira nem beira, nem voz nem vez, nem convite para se sentar à mesa da humanidade podem contar com a minha solidariedade ativa, com a minha ajuda fraterna, com o meu abraço, com a minha partilha generosa?
  • A missão profética só faz sentido à luz de Deus: é sempre Ele que toma a iniciativa, que escolhe, que chama, que envia e que capacita para a missão… Aquilo que fazemos, por mais válido que seja, não é obra nossa, mas sim de Deus; o nosso êxito na missão não resulta das nossas qualidades, mas da iniciativa de Deus que age em nós e através de nós. Somos apenas colaboradores de Deus, “humildes trabalhadores da vinha do Senhor”. É sempre Deus que projeta e que age, através da nossa fragilidade, para oferecer ao mundo a Vida e a salvação. Esquecer isto pode conduzir-nos à arrogância, à autossuficiência, à vaidade, ao convencimento; e, sempre que isso acontece, a nossa intervenção no mundo acaba por desvirtuar o projeto de Deus. Em que atitudes se concretiza a minha missão profética no acolhimento do projeto de Deus?
  • Atentemos ainda na forma de atuar do “Servo”: ele não se impõe pela força, pela violência, pelo dinheiro, ou pelos amigos poderosos; mas atua com suavidade, com mansidão, com humildade, no respeito pela liberdade dos irmãos e irmãs a quem é enviado… É esta lógica – a lógica de Deus – que eu utilizo no desempenho da missão profética que Deus me confiou? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 28 (29)

Refrão: O Senhor abençoará o seu povo na paz.

 

Tributai ao Senhor, filhos de Deus,
tributai ao Senhor glória e poder.
Tributai ao Senhor a glória do seu nome,
adorai o Senhor com ornamentos sagrados.

A vos do Senhor ressoa sobre as nuvens,
o Senhor está sobre a vastidão das águas.
A voz do Senhor é poderosa,
a voz do Senhor é majestosa.

A majestade de Deus faz ecoar o seu trovão
e no seu templo todos clamam: Glória!
Sobre as águas do dilúvio senta-Se o Senhor,
o Senhor senta-Se como rei eterno.

 

LEITURA II Atos 10,34-38

Naqueles dias,
Pedro tomou a palavra e disse:
«Na verdade,
eu reconheço que Deus não faz aceção de pessoas,
mas, em qualquer nação,
aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável.
Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel,
anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos.
Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia,
a começar pela Galileia,
depois do batismo que João pregou:
Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré,
que passou fazendo o bem
e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio,
porque Deus estava com Ele».

CONTEXTO

Os “Atos dos Apóstolos” são uma catequese sobre a “etapa da Igreja”, isto é, sobre a forma como os discípulos assumiram ou continuaram o projeto salvador do Pai e o levaram – após a partida de Jesus deste mundo – a todos os homens.

O livro divide-se em duas partes. Na primeira (cf. At 1-12), a reflexão centra-se na difusão do Evangelho dentro das fronteiras palestinas, por ação de Pedro e dos Doze; na segunda (cf. At 13-28), conta-se a expansão do Evangelho fora da Palestina (sobretudo por ação de Paulo): no Mediterrâneo, na Ásia Menor, na Grécia, até atingir Roma, o coração do império.

O texto de hoje está integrado na primeira parte dos “Atos”. Insere-se numa perícope que descreve a atividade missionária de Pedro na planície do Sharon (cf. At 9,32-11,18) – isto é, na planície junto da orla mediterrânica palestina. Em concreto, o texto propõe-nos o testemunho e a catequese de Pedro em Cesareia Marítima, em casa do centurião romano Cornélio. Convocado pelo Espírito (cf. At 10,19-20), Pedro entra em casa de Cornélio, expõe-lhe o essencial da fé e batiza-o, bem como a toda a sua família (cf. At 10,23b-48). O episódio é importante porque Cornélio é a primeira pessoa completamente pagã (o etíope evangelizado e convertido por Filipe e de que se fala em At 8,26-40 era “prosélito” e por isso já estava ligado ao judaísmo) admitida na comunidade cristã por um dos Doze. Admite-se, assim, que o Evangelho de Jesus não deve ficar circunscrito às fronteiras étnicas judaicas, mas é uma Boa Notícia destinada a todos os homens e mulheres, de todas as raças e culturas.

Cesareia Marítima, cidade reconstruída por Herodes, o Grande, ficava na costa palestina. Era a sede do poder romano, pois era aí que residiam os governadores romanos da Judeia (como Pôncio Pilatos, o governador que, pelo ano 30, autorizou a morte de Jesus). A cidade foi evangelizada pelo diácono Filipe (cf. At 8,40). in Dehonianos.

INTERPELAÇÕES

  • Jesus recebeu o Batismo e foi ungido com a força do Espírito; depois, “passou pelo mundo fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio”. Em cada passo do caminho que percorreu, Ele distribuiu, em gestos concretos, bondade, misericórdia, perdão, solidariedade, amor… Nós, cristãos, que “acreditamos” em Jesus, que nos comprometemos com Ele e O seguimos, assumimos este “programa”? Nós, que fomos batizados e ungidos com a força do Espírito, testemunhamos também, em gestos concretos, a bondade, a misericórdia, o perdão e o amor de Deus pelos homens? Empenhamo-nos em libertar todos os que são oprimidos pelo demónio do egoísmo, da injustiça, da exploração, da exclusão, da solidão, da doença, do analfabetismo, do sofrimento?
  • “Reconheço que Deus não faz aceção de pessoas” – diz Pedro no seu discurso em casa de Cornélio. E nós, filhos desse Deus que ama a todos da mesma forma e que a todos oferece igualmente a salvação, aceitamos todos os irmãos da mesma forma, reconhecendo a igualdade fundamental de todos os homens em direitos e dignidade? Temos consciência de que a discriminação de pessoas por causa da cor da pele, da raça, do sexo, da orientação sexual ou do estatuto social é uma grave subversão da lógica de Deus? in Dehonianos.

EVANGELHO Lucas 3,15-16.21-22

Naquele tempo,
o povo estava na expectativa
e todos pensavam em seus corações
se João não seria o Messias.
João tomou a palavra e disse-lhes:
«Eu batizo-vos com água,
mas vai chegar quem é mais forte do que eu,
do qual não sou digno de desatar as correias das sandálias.
Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo».
Quando todo o povo recebeu o batismo,
Jesus também foi batizado;
e, enquanto orava, o céu abriu-se
e o Espírito Santo desceu sobre Ele
em forma corporal, como uma pomba.
E do céu fez-se ouvir uma voz:
«Tu és o meu Filho muito amado:
em Ti pus toda a minha complacência».

CONTEXTO

Em dia da celebração da festa do Batismo do Senhor, o Evangelho leva-nos até ao vale do rio Jordão, nas franjas do deserto de Judá. A tradição identifica esse lugar com o atual Qasr El Yahud, na margem oriental do rio Jordão, a cerca de 10 quilómetros do Mar Morto

Foi nesse cenário que João, chamado “o batista”, tinha começado, no final do ano 27 ou princípio do ano 28, a exercer a sua missão profética. A mensagem proposta por João estava centrada na urgência da conversão (pois, na opinião de João, a intervenção definitiva de Deus na história para destruir o mal estava iminente) e incluía um rito de purificação pela água.

O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água, sempre ligados a contextos de purificação ou de mudança de vida. Era, inclusive, um ritual usado na integração dos “prosélitos” (os pagãos que aderiam ao judaísmo) na comunidade do Povo de Deus. A imersão na água sugeria a rutura com a vida passada e o ressurgir para uma vida nova, um novo nascimento, um novo começo. No que diz respeito ao Batismo proposto por João, estamos provavelmente diante de um rito de iniciação à comunidade messiânica: quem aceitava este “batismo”, renunciava ao pecado, convertia-se a uma vida nova e passava a integrar a comunidade que esperava o Messias.

Jesus, que vivia na sua aldeia de Nazaré, na Galileia, ouviu a certa altura falar de João e da sua pregação. Procurou-o nas margens do rio Jordão e escutou o seu apelo à conversão. O facto ocorreu, muito provavelmente, por volta do ano 28. Na sequência, Jesus quis também receber o batismo.

Para o evangelista Lucas, João Baptista é a última testemunha de um tempo salvífico que está a chegar ao fim: o tempo da antiga Aliança (cf. Lc 16,16). O aparecimento em cena de Jesus significa o começo de um novo tempo, o tempo da nova Aliança, o tempo em que o próprio Deus se encontra com os homens para lhes oferecer a vida e a salvação. O momento em que Jesus é batizado no rio Jordão é o momento em que se revela a missão e a identidade de Jesus.

A secção do Evangelho de Lucas de onde foi retirado o texto que a liturgia deste dia nos oferece como Evangelho (cf. Lc 3,1-4,13), poderia intitular-se “prelúdio da missão messiânica”. Para a compor, Lucas utiliza o texto de Marcos (cf. Mc 1,1-13), completado com algumas tradições provenientes de uma outra “fonte”, formada por “ditos” de Jesus. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • O episódio do batismo de Jesus coloca-nos frente a frente com um Deus que aceitou identificar-Se com o homem, partilhar a sua humanidade e fragilidade, a fim de oferecer ao homem um caminho de liberdade e de vida plena. Eu, filho deste Deus, aceito ir ao encontro dos meus irmãos mais desfavorecidos e estender-lhes a mão? Partilho a sorte dos pobres, dos sofredores, dos injustiçados, sofro na alma as suas dores, aceito identificar-me com eles e participar dos seus sofrimentos, a fim de melhor os ajudar a conquistar a liberdade e a vida plena? Não tenho medo de me sujar ao lado dos pecadores, dos marginalizados, se isso contribuir para os promover e para lhes dar mais dignidade e mais esperança?
  • Jesus, o Filho Amado de Deus, veio ao encontro dos homens, solidarizou-se com as suas dores e limitações e quebrou o muro que nos separava de Deus. Ao ser batizado no rio Jordão, foi ungido pelo Espírito de Deus e abraçou, sem reticências, a missão que o Pai lhe confiava: propor e construir o Reino de Deus. Todos nós que fomos batizados em Cristo recebemos o mesmo Espírito de Deus que Ele recebeu e entramos na comunidade do Reino. No dia do nosso batismo recebemos a missão de colaborar com Jesus na construção de um mundo mais fraterno e mais humano. Temos sido fiéis a essa missão? O nosso compromisso batismal é uma realidade que procuramos renovar a cada passo, ou é letra morta que não toca a forma como vivemos? Somos batizados “de assinatura” (porque o nosso nome aparece num qualquer livro de registos de Batismo), ou somos cristãos de facto, que procuram seguir Jesus em cada passo do caminho e colaborar com Ele no sentido de curar o mundo das suas feridas?
  • Jesus sempre levou muito a sério aquela declaração de Deus que se escutou junto do rio Jordão: “Tu és o meu Filho muito amado, em Ti pus toda a minha complacência”. Esse amor que o Pai lhe dedicava sempre sustentou as opções de Jesus e sempre iluminou o caminho que Ele ia percorrendo (mesmo quando no horizonte estava a cruz, o abandono dos amigos, o aparente fracasso da missão). Sustentado pelo amor de Deus, Jesus assumiu incondicionalmente o projeto do Pai de dar vida à humanidade. Obedeceu em tudo ao Pai, sem reticências de qualquer espécie. É esta mesma atitude de obediência radical, de entrega incondicional, de confiança absoluta que eu – filho amado de Deus – assumo na minha relação com o Pai? O projeto de Deus é, para mim, mais importante de que os meus projetos pessoais ou do que os desafios que o mundo me lança? Como Jesus, confio plenamente no Pai, nas suas propostas, no seu cuidado, no seu amor?
  • Depois de batizado e de ser ungido pelo Espírito, Jesus não se instalou numa crença religiosa de meias tintas ou de serviços mínimos. Animado pela força do Espírito, partiu para a Galileia a anunciar o Reino de Deus e a testemunhar – com palavras e com gestos – o projeto libertador do Pai. É dessa forma – coerente, comprometida, apaixonada – que eu procuro viver a missão que Deus me confiou no dia em que eu fui batizado? Os meus irmãos e irmãs maltratados pela vida e pelos homens podem contar com o meu empenho em levar-lhes a carícia do Deus que cura e que dá Vida? in Dehonianos

 

Para os leitores:

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

ANEXOS:

Domingo da Epifania do Senhor

Ano C – 05 janeiro 2025

Viver a Palavra

A liturgia deste dia celebra a manifestação de Jesus a todos os homens… O Menino do presépio é uma “luz” que se acende na noite do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Essa “luz” encarnou na nossa história e no nosso mundo, iluminou os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação e da vida definitiva.

A análise dos vários detalhes do relato confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas catequético.

Notemos, em primeiro lugar, a insistência de Mateus, no Evangelho de hoje e do qual só Mateus relata, no facto de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vers. 1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém (cf. Mq 5,1.3; 2Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai.

Notemos, em segundo lugar, a referência a uma estrela que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os “magos” para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou alguém a cálculos astronómicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil procurar nos céus a estrela ou cometa em causa pois, como vimos, Mateus não está a narrar factos históricos. Mateus está, simplesmente, a dizer-nos que o Menino de Belém é essa “estrela de Jacob” de que falava o anúncio profético de Balaão (cf. Nm 24,17) e que, com o seu nascimento, se concretiza a chegada daquela “luz salvadora” de que falava a primeira leitura, que vai brilhar sobre Jerusalém e atrair à cidade santa povos de toda a terra.

Temos ainda as figuras dos “magos”. A palavra “Magos” (que parece ser de origem persa) abarca um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos” representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura (cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa “luz”.

Além de uma catequese sobre Jesus, este relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto os “magos” do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam perturbados” diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, enquanto os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.

Mateus anuncia, desta forma, que Jesus vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos” reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação, põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o Senhor”. É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus. in Dehonianos.

        + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + +

Com o Tempo de Natal continuamos um novo Ano Litúrgico – Ano C – onde seremos acompanhados pelo evangelista Lucas. Tendo em vista a formação bíblica dos fiéis e a importância do conhecimento da Sagrada Escritura como Palavra que ilumina a vida dos batizados, o contexto do início do Ano Litúrgico pode ser uma oportunidade para um encontro ou até vários encontros, sobre o Evangelista deste ano litúrgico.

Como se diz acima, durante todo este ano litúrgico – 2024/2025 -, acompanhamos o evangelista Lucas em grande parte das proclamações do Evangelho. Deste modo, como preparação complementar, poderá ser oportuna uma proposta de formação para todos os fiéis acerca do Evangelho de S. Lucas.

        E faremos isso….

        Em anexo à Liturgia da Palavra e, também, num separador próprio, da página da paróquia de Vilar de Andorinho, ficará disponível um texto sobre o evangelista Lucas. Poderão melhorar os conhecimentos bíblicos –Novo Testamento e Antigo Testamento – em https://paroquiavilarandorinho.pt/fbiblica/.Proporciona-se a todos os fiéis, um maior conhecimento deste precioso tesouro que é a Sagrada Escritura.

 

LEITURA I – Isaías 60,1-6

Levanta-te e resplandece, Jerusalém,
porque chegou a tua luz
e brilha sobre ti a glória do Senhor.
Vê como a noite cobre a terra,
e a escuridão os povos.
Mas sobre ti levanta-Se o Senhor,
e a sua glória te ilumina.
As nações caminharão à tua luz,
e os reis ao esplendor da tua aurora.
Olha ao redor e vê:
todos se reúnem e vêm ao teu encontro;
os teus filhos vão chegar de longe
e as tuas filhas são trazidas nos braços.
Quando o vires ficarás radiante,
palpitará e dilatar-se-á o teu coração,
pois a ti afluirão os tesouros do mar,
a ti virão ter as riquezas das nações.
Invadir-te-á uma multidão de camelos,
de dromedários de Madiã e Efá.
Virão todos os de Sabá,
trazendo ouro e incenso
e proclamando as glórias do Senhor.

CONTEXTO

Os capítulos 56-66 do Livro de Isaías apresentam um conjunto de profecias cuja proveniência não é, entre os estudiosos da Bíblia, totalmente consensual… Para alguns, são textos de um profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI e V a.C.).

Em geral, estas profecias situam-nos em Jerusalém, a cidade que os Babilónios deixaram em ruínas, em 586 a.C., e que agora começa a reerguer-se. As marcas do passado ainda se notam nas pedras calcinadas da cidade; os filhos e filhas de Jerusalém que regressaram do exílio na Babilónia são ainda em número reduzido; a pobreza geral obriga a que a reconstrução seja lenta e muito modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada… Sonha-se, no entanto, com o dia em que Deus vai voltar à sua cidade para trazer a salvação definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.

O texto que nos é proposto é uma glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis” (o sol nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, no alto das montanhas da Judeia, a cidade é iluminada desde o nascer do dia, até ao pôr do sol). in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • É bela esta imagem de Deus como uma luz que se acende nas nossas vidas e nas nossas cidades, iluminando os caminhos que temos de percorrer, aquecendo os nossos corações cansados e abatidos e transformando o nosso pessimismo e derrotismo em esperança e vida nova. Às vezes temos a sensação de que este mundo onde peregrinamos se tornou um lugar sombrio e triste, onde o ódio pode mais do que o amor, a guerra se impõe aos esforços pela paz, o egoísmo é mais apreciado do que a comunhão… Mas a verdade é que, quando parecemos perdidos em becos sem saída, a luz de Deus vem iluminar o mapa dos caminhos que devemos andar para encontrar Vida. Não vivamos de olhos postos no chão, afogados numa escuridão que nos rouba a esperança; ousemos, mesmo em momentos complicados da história do mundo e da nossa história pessoal, levantar os olhos e perceber a presença desse Deus que nunca desistirá de iluminar todos os passos do nosso caminho rumo à Vida.
  • Podemos, naturalmente, ligar a chegada da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio apresentar aos homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz” libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos fale, nos aponte caminhos de vida nova e nos liberte das trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Estamos disponíveis para dar testemunho dessa luz junto dos irmãos que compartilham o caminho connosco?
  • Na catequese cristã dos primeiros tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, a nossa passividade e conformismo não contribuirão para embaciar o brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
  • Será que na nossa comunidade cristã há espaço e voz para todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos cuja vida é considerada irregular ou pouco condizente com a visão oficial são acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade de culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas porque ameaçam a uniformidade? A nossa comunidade cristã é o “hospital” onde “todos, todos, todos” podem curar as feridas que a vida lhes infligiu? in Dehonianos.

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 71 (72)

Refrão: Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da terra.

 

Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar
e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça
e os vossos pobres com equidade.

Florescerá a justiça nos seus dias
e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar,
do grande rio até aos confins da terra.

Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes,
os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
Prostrar-se-ão diante dele todos os reis,
todos os povos o hão de servir.

Socorrerá o pobre que pede auxílio
e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres
e defenderá a vida dos oprimidos.

 

LEITURA II Efésios 3,2-3a.5-6

Irmãos:
Certamente já ouvistes falar
da graça que Deus me confiou a vosso favor:
por uma revelação,
foi-me dado a conhecer o mistério de Cristo.
Nas gerações passadas,
ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens
como agora foi revelado pelo Espírito Santo
aos seus santos apóstolos e profetas:
os gentios recebem a mesma herança que os judeus,
pertencem ao mesmo corpo
e participam da mesma promessa,
em Cristo Jesus, por meio do Evangelho.

 

CONTEXTO

A Carta aos Efésios apresenta-se como uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em Roma entre 61/63).

É, de qualquer forma, uma apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta, talvez uma “carta circular” enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino.

O tema mais importante da Carta aos Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador de Deus, definido e elaborado desde sempre, oculto durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.

Na parte dogmática da carta (cf. Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese sobre “o mistério”: depois de um hino que celebra a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação (cf. Ef 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel como cabeça da Igreja (cf. Ef 1,15-23); depois, reflete sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado, e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef 2,1-10); expõe ainda como é que Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. Ef 2,11-22)… O texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef 3,1-13). in Dehonianos

 

INTERPELAÇÕES

  • Segundo Paulo, a salvação oferecida por Deus e revelada em Jesus não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para todos os povos, sem distinção de raça, de cor, de cultura ou de estatuto social. Todos os homens e mulheres são filhos e filhas queridos de Deus. A todos Deus ama, todos fazem parte de uma família universal. Será que conseguimos ver em cada pessoa, independentemente das diferenças e particularismos que apresenta, um irmão ou uma irmã? Conseguimos apreciar devidamente a beleza de pertencer a uma família onde as diferenças não dividem, mas são um bem acrescentado que a todos enriquece?
  • A fraternidade implica o amor sem limites, a partilha, a solidariedade…. Sentimo-nos solidários com todos os irmãos que partilham connosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?
  • A Igreja, “corpo de Cristo”, é a comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Esta comunidade é um espaço privilegiado onde se revela o projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens. É isso que, de facto, acontece? Na vida das nossas comunidades transparece realmente o amor de Deus? As nossas comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, de cor, de estatuto social, ou de história de vida? in Dehonianos.

EVANGELHO Mateus 2,1-12
Tinha Jesus nascido em Belém da Judeia,
nos dias do rei Herodes,
quando chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente.
«Onde está – perguntaram eles –
o rei dos judeus que acaba de nascer?
Nós vimos a sua estrela no Oriente
e viemos adorá-l’O».
Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado,
e, com ele, toda a cidade de Jerusalém.
Reuniu todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo
e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias.
Eles responderam:
«Em Belém da Judeia,
porque assim está escrito pelo profeta:
‘Tu, Belém, terra de Judá,
não és de modo nenhum a menor
entre as principais cidades de Judá,
pois de ti sairá um chefe,
que será o Pastor de Israel, meu povo’».
Então Herodes mandou chamar secretamente os Magos
e pediu-lhes informações precisas
sobre o tempo em que lhes tinha aparecido a estrela.
Depois enviou-os a Belém e disse-lhes:
«Ide informar-vos cuidadosamente acerca do Menino;
e, quando O encontrardes, avisai-me,
para que também eu vá adorá-l’O».
Ouvido o rei, puseram-se a caminho.
E eis que a estrela que tinham visto no Oriente
seguia à sua frente
e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
Ao ver a estrela, sentiram grande alegria.
Entraram na casa,
viram o Menino com Maria, sua Mãe,
e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O.
Depois, abrindo os seus tesouros,
ofereceram-Lhe presentes:
ouro, incenso e mirra.
E, avisados em sonhos
para não voltarem à presença de Herodes,
regressaram à sua terra por outro caminho.

CONTEXTO

O episódio da visita dos magos ao Menino de Belém, narrado no evangelho de Mateus, é um episódio de grande beleza, que rapidamente se tornou muito popular entre os cristãos. Ao longo dos séculos a piedade popular não cessou de o embelezar com acrescentos que, na maior parte dos casos, não encontram eco no texto de Mateus.

Os biblistas estão de acordo em que este relato se encaixa na categoria do midrash haggádico, um método de leitura e de exploração do texto bíblico muito utilizado pelos rabis de Israel, que incluía o recurso a histórias fantasiosas para ilustrar um ensinamento. Na verdade, Mateus não pretende descrever uma visita de personagens importantes ao Menino do presépio, mas sim apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.

Na base da inspiração de Mateus pode estar a crença generalizada, na região do Crescente Fértil, de que cada criança que nascia tinha a sua própria estrela e de que uma nova estrela anunciava um acontecimento que iria mudar a história humana. É provável também que Mateus se tenha inspirado, para construir esta bonita narrativa, num texto do livro dos Números onde um profeta chamado Balaão, “o homem de olhar penetrante” (Nm 24,15), anuncia “uma estrela que sai de Jacob e um cetro flamejante que surge do seio de Israel” (Nm 24,27). Esse anúncio teve sempre, para os teólogos de Israel, um claro sabor messiânico.

Finalmente, o relato de Mateus faz uma referência ao rei que governava a Palestina na altura do nascimento de Jesus: Herodes, chamado “o Grande”, falecido no ano 4 a.C., cerca de dois anos após o nascimento de Jesus. Embora se tenha distinguido pelas grandes obras que levou a cabo, foi um rei cruel e despótico, sempre pronto a matar para defender o seu trono. in Dehonianos

INTERPELAÇÕES

  • Em primeiro lugar, atentemos nas atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo… Diante de Jesus, a “luz salvadora” enviada por Deus, estes distintos personagens assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até à rejeição total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos textos sagrados). Com qual destes grupos nos identificamos? Será possível sermos “cristãos praticantes”, andarmos envolvidos nas atividades da comunidade cristã e, simultaneamente, passarmos ao lado das propostas de Jesus? Nós, os que conhecemos as Escrituras, levámo-las a sério quando elas nos desafiam à conversão, ao compromisso, à opção clara pelos valores do Evangelho?
  • Os “magos” são os “homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da luz libertadora de Deus. Talvez hoje, com toda a pressão que a vida nos coloca, não consigamos ter tempo para olhar para o céu, à procura dos sinais de Deus; talvez a vida nos obrigue a andar de olhos no chão, ocupados em coisas bem rasteiras e materiais… Mas a aventura da existência terá mais cor se arranjarmos tempo para parar, para meditar, para falar com Deus, para escutar as suas indicações, para tentar ler os sinais que Ele vai colocando ao longo do nosso caminho… Talvez a nossa peregrinação pela terra tenha mais sentido se aprendermos a ler os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus. Vale a pena pensar nisto…
  • O relato de Mateus sublinha, por outro lado, a “desinstalação” dos “magos”: eles descobriram a “estrela” e, imediatamente, deixaram tudo para procurar Jesus. O risco da viagem, a incomodidade do caminho, o confronto com o desconhecido, nada os impediu de partir. Somos capazes da mesma atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão especial, ao nosso comando da televisão, ao nosso computador, à nossa zona de conforto, à nossa segurança, ao nosso comodismo? Somos capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz, muitas vezes através dos irmãos que necessitam da nossa ajuda e do nosso cuidado?
  • Os “magos” representam os homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor. Estamos bem conscientes de que Jesus é o centro para o qual todos convergimos e do qual irradia a luz salvadora que ilumina a nossa vida e a vida do mundo? E, quando olhamos para os irmãos e irmãs que connosco se reúnem à volta de Jesus, sentimos a comunhão, a fraternidade, os laços de família que a todos nos ligam?
  • Os “magos”, depois de se encontrarem com Jesus e de o reconhecerem como “o Senhor”, “regressaram ao seu país por outro caminho”. O encontro com o Menino do presépio tem sido, nestes dias, um momento de confronto que nos leva a reequacionar a nossa vida, os nossos valores e opções, e a enveredar por um caminho novo, mais simples, mais humilde, mais fraterno, mais humano? in Dehonianos

 

Para os leitores:

I Leitura: (ver anexo)

II Leitura: (ver anexo)

ANEXOS:

Eucaristia pelo Facebook